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Há estabilidade no emprego público?

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20/05/2016 às 15:46
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A estabilidade de que trata o art. 41 da Constituição não se aplica aos empregados públicos, independentemente de o contratante ser uma entidade de direito público ou privado. Contudo, é assegurada uma estabilidade excepcional ou extraordinária aos empregados públicos que se enquadrem no art. 19 do ADCT/88.

INTRODUÇÃO

Concurso público, efetividade e estabilidade são institutos jurídicos que, embora afins, são muitas vezes confundidos e mal aplicados. Em boa medida, isso decorre do fato de ser o direito administrativo um ramo jurídico relativamente recente, cujos institutos ainda estão em processo de amadurecimento (quando não de construção), e não codificado, o que exige do jurista e do gestor público o exame de ampla legislação esparsa (e muitas vezes contraditória).

Se a falta de diferenciação dos institutos já causa transtornos no tratamento do servidor público estatutário, ela é ainda mais problemática em relação aos empregados públicos, submetidos a regime jurídico diverso, de matizes privadas (ainda que permeadas de inserções de índole social), qual seja, o celetista.

Tende-se a estabelecer uma relação direta e simplista entre a forma de seleção do contratado (concurso público) com a garantia de sua permanência no emprego (estabilidade), como se a primeira implicasse, necessariamente, na segunda.

Olvida-se, com isso, dos fundamentos e das finalidades de cada instituto, além de, eventualmente, gerar uma falsa expectativa nos titulares de empregos públicos.

Daí a necessidade de se esclarecer se e quando o empregado público adquire estabilidade. Com isso, propicia-se maior segurança jurídica, evitando-se frustrações de expectativas, o que, em última análise, poderia contrariar o princípio da proteção da confiança.

Nesse passo, a pesquisa tem como objetivo principal analisar se é possível aplicar o instituto da estabilidade aos empregados públicos, isto é, aos agentes públicos submetidos ao regime trabalhista.

Para tanto, será primordial iniciar com a distinção entre cargo e emprego públicos. Na sequência, impende discorrer acerca do conceito e das características do instituto da estabilidade, diferenciando-o de institutos afins, como o concurso público e a efetividade.


1. DISTINÇÃO ENTRE CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS[1]

Celso Antônio Bandeira de Mello ressalta que qualquer indivíduo “que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público”.[2] Maria Sylvia Zanella Di Pietro acrescenta que a pessoa física, na condição de agente público, pode prestar os serviços ao Estado ou às pessoas jurídicas da Administração Indireta.[3] Para que o agente público seja assim caracterizado, devem estar presentes dois requisitos: “um, de ordem objetiva, isto é, a natureza estatal da atividade desempenhada; outro, de ordem subjetiva: a investidura nela”.[4]

Agente público, pois, é um gênero que engloba diversas categorias. Conforme a classificação desenvolvida pela Maria Sylvia Zanella Di Pietro, tem-se, basicamente, quatro categorias de agentes públicos: agentes políticos, servidores públicos, militares e particulares em colaboração com o Poder Público.[5]

Os servidores públicos,[6] em sentido amplo, abarca “as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos”.[7] Nesse grupo estão incluídos os servidores estatutários e os empregados públicos.

Enquanto os servidores estatutários titularizam cargos públicos e sujeitam-se ao regime estatutário, os empregados públicos submetem-se ao regime da legislação trabalhista e ocupam empregos públicos.[8] Assim, para uma melhor compreensão das duas categorias, é curial distinguir cargo de emprego público.

Sobre cargos e empregos públicos, Celso Antônio Bandeira de Mello tece os seguintes comentários:

 Cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei, salvo quando concernentes aos serviços auxiliares do Legislativo, caso em que se criam por resolução, da Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou de outra destas Casas.

Os servidores titulares de cargos públicos submetem-se a um regime especificamente concebido para reger esta categoria de agentes. Tal regime é estatutário ou institucional; logo, de índole não-contratual. (...)

Empregos públicos são núcleos de encargos de trabalho permanentes a serem preenchidos por agentes contratados para desempenhá-los, sob relação trabalhista, como, aliás, prevê a Lei 9.962, de 22.2.2000. Quando se trate de empregos permanentes na Administração direta ou em autarquia, só podem ser criados por lei, como resulta do art. 61, § 1º, II, “a”.

Sujeitam-se a uma disciplina jurídica que, embora sofra inevitáveis influências advindas da natureza governamental da contratante, basicamente, é a que se aplica aos contratos trabalhistas em geral; portanto, a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho.[9]

Como se observa, embora tanto o cargo quanto o emprego público sejam unidades de atribuições,[10] diferem substancialmente entre si no tocante ao regime jurídico aplicável. O cargo público se caracteriza por ser uma “uma posição jurídica (...) criada e disciplinada por lei, sujeita a regime jurídico de direito público peculiar, caracterizado por mutabilidade por determinação unilateral do Estado e por certas garantias em prol do titular”.[11] Isto é, o cargo público, assim como seu titular, rege-se basicamente pelas disposições legais e constitucionais que lhe são aplicáveis. Por isso se fala em regime estatutário.

O emprego público, ao revés, baseia-se num “vínculo contratual, sob a regência da CLT”.[12] Constitui, portanto, “o posto de trabalho de quem é contratado pela CLT”.[13] Obtempera-se, destarte, a influência da legislação, na medida em que, num primeiro plano, é o contrato trabalhista que rege a relação entre o empregado e a Administração Pública. Obviamente que isso não afasta a incidência de normas cogentes, notadamente em razão da natureza estatal do contratante.[14] Porém, os direitos e deveres emergentes do contrato devem ser observados e, ressalvada a aplicação das normas legais impositivas, eventuais alterações da relação trabalhista pactuada devem ser consensuais.

Marçal Justen Filho, porém, diferencia os regimes jurídicos dos empregados de acordo com a entidade contratante, reservando o adjetivo público ao empregado “que desempenha a função de órgão no âmbito de pessoa estatal com personalidade de direito público”.[15] Segundo o autor:

A expressão empregado público deve ser utilizada para abranger categorias subordinadas a regime jurídico significativamente diverso. Existem os agentes estatais subordinados a regime de emprego público que atuam no âmbito da Administração direta e indireta autárquica. E há os agentes estatais que desempenham sua atividade perante entidades da Administração indireta, dotadas de personalidade jurídica de direito privado.

O regime jurídico dos empregados públicos vinculados a pessoas estatais com personalidade de direito público é diverso daquele aplicável quando o empregador tem personalidade de direito privado.

Logo, reserva-se a expressão emprego público apenas para as relações jurídicas estabelecidas no âmbito das pessoas jurídicas de direito público. No tocante às relações empregatícias na Administração indireta de direito privado, melhor é utilizar a expressão emprego privado em empresa estatal.[16]

Embora seja inegável a maior influência do regime jurídico administrativo nos contratos trabalhistas celebrados com entidades de direito público, a Constituição Federal de 1988 não distingue os empregados da Administração Pública de acordo com a natureza jurídica da entidade contratante. Emprega, indistintamente, a expressão empregado público para qualquer contratado, sob o regime celetista, por pessoas jurídicas de direito público ou privado integrantes da Administração direta ou indireta. Isso ressoa evidente na regra da vedação de acumulação de cargos, empregos e funções públicas (art. 37, XVI, da CF), que se aplica “tanto na Administração direta como nas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e sociedades controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público”.[17]

Assim, adotar-se-á, neste trabalho, a mesma expressão (empregado público) para designar todos os agentes públicos submetidos a uma relação contratual de cunho trabalhista.


2. ESTABILIDADE, EFETIVIDADE E CONCURSO PÚBLICO

Apesar da diferença de regime jurídico, alguns institutos administrativos aplicam-se indistintamente aos ocupantes de cargos e de empregos públicos. Outros são específicos de cada regime laboral.

Há ainda institutos que, embora distintos, são confundidos e mal aplicados em razão de sua afinidade. É o caso do concurso público, da efetividade e da estabilidade. E, considerando que este trabalho tem por objetivo analisar a incidência da estabilidade nos empregos públicos, torna-se curial diferenciá-la do concurso público e da efetividade.

A estabilidade está prevista no art. 41 da Constituição Federal, que, na redação atual, dada pela Emenda Constitucional nº 19/1998, assim dispõe:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

§ 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço.

§ 3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo.

§ 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.

Na lição de Hely Lopes Meirelles:

Estabilidade é a garantia constitucional de permanência no serviço público outorgada ao servidor que, nomeado para cargo de provimento efetivo, em virtude de concurso público, tenha transposto o estágio probatório de três anos, após ser submetido a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade (CF, art. 41).[18]

Como observa Marçal Justen Filho, constitui uma garantia do servidor contra a exoneração discricionária:

A estabilidade consiste em garantia contra a exoneração discricionária, submetendo a extinção da relação estatutária a processo administrativo ou judicial destinado a apurar a prática de infração a que seja cominada a pena de demissão, ressalvada a hipótese específica de perda do cargo para redução das despesas com pessoal (autorizada constitucionalmente nos arts. 169, §§4º a 7º, e 247).[19]

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A respeito, Hely Lopes Meirelles lembra que:

(...) criada pela Carta de 1938, a estabilidade tinha por fim garantir o servidor público contra exonerações, de sorte a assegurar a continuidade do serviço, a propiciar um melhor exercício de suas funções e, também, a obstar aos efeitos decorrentes da mudança do Governo. De fato, quase como regra, a cada alternância do poder partidário o partido que assumia o Governo dispensava os servidores do outro, quer para admitir outros do respectivo partido, quer por perseguição política. Por isso – e felizmente –, a EC 19 exige a motivação e assegura a ampla defesa em cada caso de exoneração por avaliação de desempenho (art. 41, §1º), ou só a motivação, tratando-se de atendimento aos limites das despesas com pessoal (art. 169), permitindo, assim, que haja um melhor controle sobre elas.[20]

Note-se que, embora a estabilidade decorra do exercício de cargo público, atendidas determinadas condições, constitui garantia de permanência do servidor no serviço público, e não no cargo por ele ocupado.[21] Em outros termos, a estabilidade “é garantia do servidor, não atributo do cargo”.[22] Por isso, “a estabilidade assegura ao servidor a manutenção do vínculo com o Estado se o cargo de que é titular vier a ser extinto”,[23] como previsto no art. 41, §3º, da CF.

São condições para a obtenção da estabilidade: a) nomeação para cargo de provimento efetivo; b) prévia aprovação em concurso público; c) cumprimento de estágio probatório de três anos; e d) avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.[24] Estágio probatório (ou confirmatório) é o período “durante o qual a administração apura a conveniência de sua confirmação no serviço, mediante a aferição dos requisitos de assiduidade, aptidão, eficiência, idoneidade moral etc.”.[25] Já a avaliação especial de desempenho, de cunho obrigatório, consiste justamente no resultado desse “acompanhamento do desempenho do servidor durante o estágio probatório”,[26] a ser aferido por uma comissão instituída para essa finalidade.

Como visto, a efetividade do cargo e o concurso público são pressupostos para a obtenção da estabilidade. Logo, com esta não se confundem.

Diz que os cargos são de provimento efetivo quando “predispostos a receberem ocupantes em caráter definitivo, isto é, com fixidez”, sendo essa fixidez “uma característica do cargo (uma vocação deste), não de quem nele venha a ser provido”.[27] Em se tratando de cargo efetivo, pressupõe-se a “continuidade e permanência do seu ocupante”.[28] Contrapõe-se, assim, ao cargo em comissão, que, “será ocupado em caráter transitório, querendo com isso dizer que seu ocupante não é o titular definitivo, mas nele permanecerá apenas enquanto bem servir ou enquanto merecer a confiança da autoridade (...) que o indicou ou nomeou”.[29]

Ou seja, enquanto a estabilidade é uma garantia destinada ao servidor público, a efetividade é um atributo do cargo,[30] “é modo de preenchimento do cargo, ligado à possibilidade de permanência do seu ocupante no exercício das atribuições respectivas”.[31] Assim, “é tecnicamente incorreto aludir à efetividade do servidor, a não ser como forma de expressão. A efetividade reside na característica do cargo”.[32]

O concurso público, por seu turno, consiste num procedimento destinado à seleção dos candidatos a cargos e empregos públicos, ressalvados os cargos em comissão (art. 37, II, CF), como esclarece Marçal Justen Filho:

O concurso público é um procedimento conduzido por autoridade específica, especializada e imparcial, subordinado a um ato administrativo prévio, norteado pelos princípios da objetividade, da isonomia, da impessoalidade, da legalidade, da publicidade e do controle público, destinado a selecionar os indivíduos mais capacitados para serem providos em cargos públicos de provimento efetivo ou em emprego público.[33]

Para Odete Medauar, sua exigência destina-se a atender, “principalmente, ao princípio da igualdade e ao princípio da moralidade administrativa”.[34] José Afonso da Silva entende que o concurso público objetiva realizar o princípio do mérito.[35]

O concurso público não é instituto intrínseco a cargos ou empregos públicos. Ao contrário, constitui um elemento externo, relacionado à acessibilidade aos cargos e empregos públicos. O concurso público, quando exigido, será sempre prévio à investidura do servidor ou empregado público.

Nos termos do art. 41 da Constituição Federal, somente os servidores concursados poderão adquirir a estabilidade. Todavia, há outros requisitos igualmente necessários, pelo que o concurso público é condição indispensável, porém não suficiente, para a obtenção da estabilidade.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MÜHLMANN, Luis Henrique Cunha. Há estabilidade no emprego público?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4706, 20 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49062. Acesso em: 28 abr. 2024.

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