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Há estabilidade no emprego público?

Há estabilidade no emprego público?

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A estabilidade de que trata o art. 41 da Constituição não se aplica aos empregados públicos, independentemente de o contratante ser uma entidade de direito público ou privado. Contudo, é assegurada uma estabilidade excepcional ou extraordinária aos empregados públicos que se enquadrem no art. 19 do ADCT/88.

INTRODUÇÃO

Concurso público, efetividade e estabilidade são institutos jurídicos que, embora afins, são muitas vezes confundidos e mal aplicados. Em boa medida, isso decorre do fato de ser o direito administrativo um ramo jurídico relativamente recente, cujos institutos ainda estão em processo de amadurecimento (quando não de construção), e não codificado, o que exige do jurista e do gestor público o exame de ampla legislação esparsa (e muitas vezes contraditória).

Se a falta de diferenciação dos institutos já causa transtornos no tratamento do servidor público estatutário, ela é ainda mais problemática em relação aos empregados públicos, submetidos a regime jurídico diverso, de matizes privadas (ainda que permeadas de inserções de índole social), qual seja, o celetista.

Tende-se a estabelecer uma relação direta e simplista entre a forma de seleção do contratado (concurso público) com a garantia de sua permanência no emprego (estabilidade), como se a primeira implicasse, necessariamente, na segunda.

Olvida-se, com isso, dos fundamentos e das finalidades de cada instituto, além de, eventualmente, gerar uma falsa expectativa nos titulares de empregos públicos.

Daí a necessidade de se esclarecer se e quando o empregado público adquire estabilidade. Com isso, propicia-se maior segurança jurídica, evitando-se frustrações de expectativas, o que, em última análise, poderia contrariar o princípio da proteção da confiança.

Nesse passo, a pesquisa tem como objetivo principal analisar se é possível aplicar o instituto da estabilidade aos empregados públicos, isto é, aos agentes públicos submetidos ao regime trabalhista.

Para tanto, será primordial iniciar com a distinção entre cargo e emprego públicos. Na sequência, impende discorrer acerca do conceito e das características do instituto da estabilidade, diferenciando-o de institutos afins, como o concurso público e a efetividade.


1. DISTINÇÃO ENTRE CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS[1]

Celso Antônio Bandeira de Mello ressalta que qualquer indivíduo “que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público”.[2] Maria Sylvia Zanella Di Pietro acrescenta que a pessoa física, na condição de agente público, pode prestar os serviços ao Estado ou às pessoas jurídicas da Administração Indireta.[3] Para que o agente público seja assim caracterizado, devem estar presentes dois requisitos: “um, de ordem objetiva, isto é, a natureza estatal da atividade desempenhada; outro, de ordem subjetiva: a investidura nela”.[4]

Agente público, pois, é um gênero que engloba diversas categorias. Conforme a classificação desenvolvida pela Maria Sylvia Zanella Di Pietro, tem-se, basicamente, quatro categorias de agentes públicos: agentes políticos, servidores públicos, militares e particulares em colaboração com o Poder Público.[5]

Os servidores públicos,[6] em sentido amplo, abarca “as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos”.[7] Nesse grupo estão incluídos os servidores estatutários e os empregados públicos.

Enquanto os servidores estatutários titularizam cargos públicos e sujeitam-se ao regime estatutário, os empregados públicos submetem-se ao regime da legislação trabalhista e ocupam empregos públicos.[8] Assim, para uma melhor compreensão das duas categorias, é curial distinguir cargo de emprego público.

Sobre cargos e empregos públicos, Celso Antônio Bandeira de Mello tece os seguintes comentários:

 Cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei, salvo quando concernentes aos serviços auxiliares do Legislativo, caso em que se criam por resolução, da Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou de outra destas Casas.

Os servidores titulares de cargos públicos submetem-se a um regime especificamente concebido para reger esta categoria de agentes. Tal regime é estatutário ou institucional; logo, de índole não-contratual. (...)

Empregos públicos são núcleos de encargos de trabalho permanentes a serem preenchidos por agentes contratados para desempenhá-los, sob relação trabalhista, como, aliás, prevê a Lei 9.962, de 22.2.2000. Quando se trate de empregos permanentes na Administração direta ou em autarquia, só podem ser criados por lei, como resulta do art. 61, § 1º, II, “a”.

Sujeitam-se a uma disciplina jurídica que, embora sofra inevitáveis influências advindas da natureza governamental da contratante, basicamente, é a que se aplica aos contratos trabalhistas em geral; portanto, a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho.[9]

Como se observa, embora tanto o cargo quanto o emprego público sejam unidades de atribuições,[10] diferem substancialmente entre si no tocante ao regime jurídico aplicável. O cargo público se caracteriza por ser uma “uma posição jurídica (...) criada e disciplinada por lei, sujeita a regime jurídico de direito público peculiar, caracterizado por mutabilidade por determinação unilateral do Estado e por certas garantias em prol do titular”.[11] Isto é, o cargo público, assim como seu titular, rege-se basicamente pelas disposições legais e constitucionais que lhe são aplicáveis. Por isso se fala em regime estatutário.

O emprego público, ao revés, baseia-se num “vínculo contratual, sob a regência da CLT”.[12] Constitui, portanto, “o posto de trabalho de quem é contratado pela CLT”.[13] Obtempera-se, destarte, a influência da legislação, na medida em que, num primeiro plano, é o contrato trabalhista que rege a relação entre o empregado e a Administração Pública. Obviamente que isso não afasta a incidência de normas cogentes, notadamente em razão da natureza estatal do contratante.[14] Porém, os direitos e deveres emergentes do contrato devem ser observados e, ressalvada a aplicação das normas legais impositivas, eventuais alterações da relação trabalhista pactuada devem ser consensuais.

Marçal Justen Filho, porém, diferencia os regimes jurídicos dos empregados de acordo com a entidade contratante, reservando o adjetivo público ao empregado “que desempenha a função de órgão no âmbito de pessoa estatal com personalidade de direito público”.[15] Segundo o autor:

A expressão empregado público deve ser utilizada para abranger categorias subordinadas a regime jurídico significativamente diverso. Existem os agentes estatais subordinados a regime de emprego público que atuam no âmbito da Administração direta e indireta autárquica. E há os agentes estatais que desempenham sua atividade perante entidades da Administração indireta, dotadas de personalidade jurídica de direito privado.

O regime jurídico dos empregados públicos vinculados a pessoas estatais com personalidade de direito público é diverso daquele aplicável quando o empregador tem personalidade de direito privado.

Logo, reserva-se a expressão emprego público apenas para as relações jurídicas estabelecidas no âmbito das pessoas jurídicas de direito público. No tocante às relações empregatícias na Administração indireta de direito privado, melhor é utilizar a expressão emprego privado em empresa estatal.[16]

Embora seja inegável a maior influência do regime jurídico administrativo nos contratos trabalhistas celebrados com entidades de direito público, a Constituição Federal de 1988 não distingue os empregados da Administração Pública de acordo com a natureza jurídica da entidade contratante. Emprega, indistintamente, a expressão empregado público para qualquer contratado, sob o regime celetista, por pessoas jurídicas de direito público ou privado integrantes da Administração direta ou indireta. Isso ressoa evidente na regra da vedação de acumulação de cargos, empregos e funções públicas (art. 37, XVI, da CF), que se aplica “tanto na Administração direta como nas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e sociedades controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público”.[17]

Assim, adotar-se-á, neste trabalho, a mesma expressão (empregado público) para designar todos os agentes públicos submetidos a uma relação contratual de cunho trabalhista.


2. ESTABILIDADE, EFETIVIDADE E CONCURSO PÚBLICO

Apesar da diferença de regime jurídico, alguns institutos administrativos aplicam-se indistintamente aos ocupantes de cargos e de empregos públicos. Outros são específicos de cada regime laboral.

Há ainda institutos que, embora distintos, são confundidos e mal aplicados em razão de sua afinidade. É o caso do concurso público, da efetividade e da estabilidade. E, considerando que este trabalho tem por objetivo analisar a incidência da estabilidade nos empregos públicos, torna-se curial diferenciá-la do concurso público e da efetividade.

A estabilidade está prevista no art. 41 da Constituição Federal, que, na redação atual, dada pela Emenda Constitucional nº 19/1998, assim dispõe:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

§ 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço.

§ 3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo.

§ 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.

Na lição de Hely Lopes Meirelles:

Estabilidade é a garantia constitucional de permanência no serviço público outorgada ao servidor que, nomeado para cargo de provimento efetivo, em virtude de concurso público, tenha transposto o estágio probatório de três anos, após ser submetido a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade (CF, art. 41).[18]

Como observa Marçal Justen Filho, constitui uma garantia do servidor contra a exoneração discricionária:

A estabilidade consiste em garantia contra a exoneração discricionária, submetendo a extinção da relação estatutária a processo administrativo ou judicial destinado a apurar a prática de infração a que seja cominada a pena de demissão, ressalvada a hipótese específica de perda do cargo para redução das despesas com pessoal (autorizada constitucionalmente nos arts. 169, §§4º a 7º, e 247).[19]

A respeito, Hely Lopes Meirelles lembra que:

(...) criada pela Carta de 1938, a estabilidade tinha por fim garantir o servidor público contra exonerações, de sorte a assegurar a continuidade do serviço, a propiciar um melhor exercício de suas funções e, também, a obstar aos efeitos decorrentes da mudança do Governo. De fato, quase como regra, a cada alternância do poder partidário o partido que assumia o Governo dispensava os servidores do outro, quer para admitir outros do respectivo partido, quer por perseguição política. Por isso – e felizmente –, a EC 19 exige a motivação e assegura a ampla defesa em cada caso de exoneração por avaliação de desempenho (art. 41, §1º), ou só a motivação, tratando-se de atendimento aos limites das despesas com pessoal (art. 169), permitindo, assim, que haja um melhor controle sobre elas.[20]

Note-se que, embora a estabilidade decorra do exercício de cargo público, atendidas determinadas condições, constitui garantia de permanência do servidor no serviço público, e não no cargo por ele ocupado.[21] Em outros termos, a estabilidade “é garantia do servidor, não atributo do cargo”.[22] Por isso, “a estabilidade assegura ao servidor a manutenção do vínculo com o Estado se o cargo de que é titular vier a ser extinto”,[23] como previsto no art. 41, §3º, da CF.

São condições para a obtenção da estabilidade: a) nomeação para cargo de provimento efetivo; b) prévia aprovação em concurso público; c) cumprimento de estágio probatório de três anos; e d) avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.[24] Estágio probatório (ou confirmatório) é o período “durante o qual a administração apura a conveniência de sua confirmação no serviço, mediante a aferição dos requisitos de assiduidade, aptidão, eficiência, idoneidade moral etc.”.[25] Já a avaliação especial de desempenho, de cunho obrigatório, consiste justamente no resultado desse “acompanhamento do desempenho do servidor durante o estágio probatório”,[26] a ser aferido por uma comissão instituída para essa finalidade.

Como visto, a efetividade do cargo e o concurso público são pressupostos para a obtenção da estabilidade. Logo, com esta não se confundem.

Diz que os cargos são de provimento efetivo quando “predispostos a receberem ocupantes em caráter definitivo, isto é, com fixidez”, sendo essa fixidez “uma característica do cargo (uma vocação deste), não de quem nele venha a ser provido”.[27] Em se tratando de cargo efetivo, pressupõe-se a “continuidade e permanência do seu ocupante”.[28] Contrapõe-se, assim, ao cargo em comissão, que, “será ocupado em caráter transitório, querendo com isso dizer que seu ocupante não é o titular definitivo, mas nele permanecerá apenas enquanto bem servir ou enquanto merecer a confiança da autoridade (...) que o indicou ou nomeou”.[29]

Ou seja, enquanto a estabilidade é uma garantia destinada ao servidor público, a efetividade é um atributo do cargo,[30] “é modo de preenchimento do cargo, ligado à possibilidade de permanência do seu ocupante no exercício das atribuições respectivas”.[31] Assim, “é tecnicamente incorreto aludir à efetividade do servidor, a não ser como forma de expressão. A efetividade reside na característica do cargo”.[32]

O concurso público, por seu turno, consiste num procedimento destinado à seleção dos candidatos a cargos e empregos públicos, ressalvados os cargos em comissão (art. 37, II, CF), como esclarece Marçal Justen Filho:

O concurso público é um procedimento conduzido por autoridade específica, especializada e imparcial, subordinado a um ato administrativo prévio, norteado pelos princípios da objetividade, da isonomia, da impessoalidade, da legalidade, da publicidade e do controle público, destinado a selecionar os indivíduos mais capacitados para serem providos em cargos públicos de provimento efetivo ou em emprego público.[33]

Para Odete Medauar, sua exigência destina-se a atender, “principalmente, ao princípio da igualdade e ao princípio da moralidade administrativa”.[34] José Afonso da Silva entende que o concurso público objetiva realizar o princípio do mérito.[35]

O concurso público não é instituto intrínseco a cargos ou empregos públicos. Ao contrário, constitui um elemento externo, relacionado à acessibilidade aos cargos e empregos públicos. O concurso público, quando exigido, será sempre prévio à investidura do servidor ou empregado público.

Nos termos do art. 41 da Constituição Federal, somente os servidores concursados poderão adquirir a estabilidade. Todavia, há outros requisitos igualmente necessários, pelo que o concurso público é condição indispensável, porém não suficiente, para a obtenção da estabilidade.


3. A ESTABILIDADE NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS TRAVADAS COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Como visto, nos termos do art. 41 da Constituição Federal, a estabilidade é uma garantia outorgada aos ocupantes de cargo público de provimento efetivo, após o atendimento de alguns requisitos. Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a Emenda Constitucional nº 19/1998:

tornou expresso, no caput do art. 41, que a estabilidade só beneficia os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo, pondo fim ao entendimento defendido por alguns doutrinadores de que os servidores celetistas, sendo contratados mediante concurso público, também faziam jus ao benefício;[36]

Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece que a estabilidade, juntamente com outras garantias decorrentes do regime estatutário, objetiva proteger os servidores ocupantes de cargos efetivos para que possam atuar de forma impessoal, o que beneficia, em última análise, todos os administrados.[37] Com base nesse raciocínio, conclui:

Finalmente, o regime normal dos servidores públicos teria mesmo de ser o estatutário, pois este (ao contrário do regime trabalhista) é o concebido para atender a peculiaridades de um vínculo no qual não estão em causa tão-só interesses empregatícios, mas onde avultam interesses públicos básicos, visto que os servidores públicos são os próprios instrumentos da atuação do Estado.[38]

Nessa linha, em regra, apenas os servidores estatutários ocupantes de cargos de provimento efetivo fazem jus à estabilidade.[39] Ou, nas palavras de Odete Medauar, “a efetividade propicia a aquisição da estabilidade ordinária”.[40] Ao regime trabalhista, porque restrito, nas entidades de direito público, às atividades subalternas,[41] bem como às pessoas de direito privado (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações de direito privado, caso instituídas pelo Poder Público), que se prestam à exploração de atividades econômicas,[42] não se aplica o instituto da estabilidade, garantia desnecessária face à natureza das atribuições de tais servidores.

Há, porém, exceções.

Odete Medauar observa que:

(...) episodicamente, os textos constitucionais vêm atribuindo estabilidade a servidores, não ocupantes de cargo efetivo, que tenham cinco anos de serviço público na data em que foram promulgadas: as Constituições Federais de 1946, ADCT, art. 23; de 1967, art. 177, §2º; e de 1988, ADCT, art. 19, concederam estabilidade extraordinária – nesta hipótese, inexiste o pressuposto da efetividade, também inexistindo, como decorrência automática, a ocupação de cargo efetivo.[43]

Assim, a princípio, apenas aos empregados públicos que se enquadrem no art. 19 do ADCT/88 é assegurada, excepcionalmente, a estabilidade.

No entanto, a Súmula nº 390 do Tribunal Superior do Trabalho,[44] embora não admita a estabilidade dos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista (no que é acompanhado pelo Supremo Tribunal Federal[45]), reconhece o direito à estabilidade aos servidores celetistas da Administração direta, autárquica e fundacional.

Ocorre que esse enunciado, na parte em que reconhece a estabilidade aos servidores celetistas (empregados públicos) de entidades de direito público, mostra-se incorreto, como bem demonstrado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Não tem qualquer sentido a Súmula 390, I, do TST, quando estabelece que “o servidor celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988”; esse entendimento já era difícil de ser aceito na redação original do artigo 41 da Constituição, mas chegou a ser adotado pelo STF, antes da Emenda Constitucional nº 19/98. Porém, a partir da Emenda nº 19, que só assegura estabilidade ao servidor nomeado para cargo de provimento efetivo, não mais se justifica a outorga de estabilidade ao servidor celetista, que é contratado (e não nomeado) para emprego (e não cargo). A distinção entre cargo e emprego resulta claramente da Constituição, especialmente do artigo 37, I, II e VIII, e também do respectivo regime previdenciário. Os ocupantes de emprego são beneficiados com os direitos sociais previstos no artigo 7º (proteção contra despedida arbitrária, seguro-desemprego, fundo de garantia), não assegurados aos servidores estatutários; e o próprio regime previdenciário é diverso, consoante decorre do artigo 40, §13, da Constituição. A Súmula 390, I, do TST iguala situações que, pela Constituição, são submetidas a regimes jurídicos diferenciados.[46]

Por outro lado, nada obsta que leis infraconstitucionais confiram uma estabilidade própria a determinadas categorias de empregados públicos.

É o caso da Lei federal nº 9.962/2000, que, no seu art. 3º,[47] estabelece que a rescisão do contrato de trabalho por tempo indeterminado do empregado público concursado, por ato unilateral da Administração Pública, somente poderá ocorrer nos casos de: a) prática de falta grave; b) acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; c) necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa; ou d) insuficiência de desempenho.

Ao condicionar a demissão do empregado público à ocorrência de determinados fatos, a referida lei “cria uma estabilidade relativa, diversa da garantida constitucionalmente ao servidor estatutário”.[48]

Nesse caso, o ato unilateral de desligamento do empregado público, além de vinculado, deve ser devidamente motivado, sem prejuízo da observância da ampla defesa e do contraditório.[49]

Essa lei, contudo, abrange apenas “o regime de emprego público do pessoal da Administração direta, das autarquias e fundações, sob o regime da CLT e legislação trabalhista correlata”.[50] Logo, não se aplica aos empregados públicos de entidades de direito privado da Administração indireta.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo uma garantia outorgada aos ocupantes de cargo público de provimento efetivo, após o atendimento de alguns requisitos, a estabilidade de que trata o art. 41 da Constituição Federal não se aplica aos empregados públicos, independentemente de o contratante ser uma entidade de direito público ou privado.

É assegurada uma estabilidade excepcional ou extraordinária aos empregados públicos que se enquadrem no art. 19 do ADCT/88.

Nada obsta, outrossim, que leis infraconstitucionais confiram uma estabilidade própria, especial, a determinadas categorias de empregados públicos, como ocorre em relação aos empregados públicos da Administração federal direta, autárquica e fundacional. Nos termos do art. 3º da Lei federal nº 9.962/2000, esses empregados, quando concursados, somente poderão ter os seus contratos de trabalho por tempo indeterminado rescindidos por ato unilateral da Administração Pública nos casos de: a) prática de falta grave; b) acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; c) necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa; ou d) insuficiência de desempenho.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

FERREIRA, Flavia Malavazzi. O direito à estabilidade e a dispensa do servidor público concursado sob o regime da CLT. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 17 nov. 2014. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.50674. Acesso em: 11 jun. 2015.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribuais, 2014.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 40. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007.

MODESTO, Paulo. Estágio Probatório: questões controversas. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n° 10, abril/maio/junho, 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 08 set. 2015.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000.


Notas

[1] Não obstante a sua relevância na estrutura administrativa, não será examinada aqui a função pública, porque desnecessário para os fins deste trabalho.

[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 236.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 526.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 236.

[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 526.

[6] Celso Antônio Bandeira de Mello adota classificação diversa, preferindo a expressão servidores estatais para designar “todos aqueles que entretêm com o Estado e suas entidades da Administração indireta, independentemente de sua natureza pública ou privada (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência”; considera que a designação servidor público atualmente tem alcance restrito, não sendo “adequada para abarcar também os empregados das entidades da Administração indireta de Direito Privado” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 239).

[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 528.

[8] Idem, ibidem. p. 528.

[9] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 236.

[10] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 534.

[11] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribuais, 2014. p. 908.

[12] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 534.

[13] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 314.

[14] “Tendo em vista que o empregador é o ente estatal, alguns preceitos do regime jurídico estatutário estendem-se aos celetistas; por exemplo: limite de remuneração (CF, art. 37, XI), proibição de acumulação remunerada de outro emprego, função ou cargo (CF, art. 37, XVII), possibilidade de sofrer sanções por improbidade administrativa (CF, art. 37, §4º, e Lei 8.429/92, art. 1º)” (MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 315).

[15] JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. cit. p. 1032.

[16] Idem, ibidem. p. 1032-1033.

[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 40. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 516.

[18] Idem, ibidem. p. 517.

[19] JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. cit. p. 969.

[20] MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. p. 518.

[21] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 676.

[22] Idem, ibidem. p. 676.

[23] JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. cit. p. 970.

[24] MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. p. 518-519.

[25] SILVA, José Afonso da. Ob. cit. p. 676.

[26] MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. p. 519.

[27] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 290.

[28] MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 309.

[29] SILVA, José Afonso da. Ob. cit. p. 676.

[30] Idem, ibidem. p. 676.

[31] MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 309.

[32] JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. cit. p. 970.

[33] Idem, ibidem. p. 912.

[34] MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 307.

[35] SILVA, José Afonso da. Ob. cit. p. 659.

[36] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 594-595.

[37] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 247.

[38] Idem, ibidem. p. 247.

[39] Nesse sentido é a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a qual, inicialmente, vacilou, estendendo algumas vezes a estabilidade ordinária também aos ocupantes de empregos públicos, como observa Paulo Modesto (MODESTO, Paulo. Estágio Probatório: questões controversas. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n° 10, abril/maio/junho, 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em 08/09/2015).

[40] MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 309.

[41] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 250.

[42] Idem, ibidem. p. 246.

[43] MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 321.

[44] ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL. (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SBDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SBDI-2) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.

I – O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1 – inserida em 27.09.2002 – e 22 da SBDI-2 – inserida em 20.09.2000)

II – Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)

[45] Por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 589.998, o qual teve a repercussão geral reconhecida, o Supremo Tribunal Federal entendeu que os empregados públicos de empresas estatais estariam sujeitos à dispensa por ato unilateral do empregador, não lhes sendo aplicável a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal.

[46] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 595.

[47] Art. 3o O contrato de trabalho por prazo indeterminado somente será rescindido por ato unilateral da Administração pública nas seguintes hipóteses:

I – prática de falta grave, dentre as enumeradas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT;

II – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;

III – necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da lei complementar a que se refere o art. 169 da Constituição Federal;

IV – insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas.

Parágrafo único. Excluem-se da obrigatoriedade dos procedimentos previstos no caput as contratações de pessoal decorrentes da autonomia de gestão de que trata o § 8º do art. 37 da Constituição Federal.

[48] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 595.

[49] FERREIRA, Flavia Malavazzi. O direito à estabilidade e a dispensa do servidor público concursado sob o regime da CLT. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 17 nov. 2014. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.50674. Acesso em: 11 jun. 2015.

[50] MEDAUAR, Odete. Ob. cit. p. 315.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MÜHLMANN, Luis Henrique Cunha. Há estabilidade no emprego público?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4706, 20 maio 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49062. Acesso em: 14 maio 2024.