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O sobreaviso como violação ao direito fundamental à saúde do servidor

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25/07/2013 às 17:03
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O sobreaviso, como ingerência ilegal e inconstitucional do Estado em direitos fundamentais, deve ser sanado imediatamente, para garantir a saúde dos servidores e a própria eficiência no serviço público.

Resumo: O Sobreaviso impõe ingerência inconstitucional motivada na aparente colisão de princípios entre a dignidade da pessoa humana e a supremacia do interesse público, causando um enriquecimento ilícito do poder público às custas da hipossuficiência do servidor estatutário, além de afrontar o princípio da legalidade estrita, pois é imposto por atos infralegais do poder executivo federal. O caso específico do policial federal ilustrará o prejuízo à saúde psicológica destes profissionais, sua influência nefasta no princípio da eficiência e o risco de danos gerado à população.


O SOBREAVISO COMO NORMA IRRENUNCIÁVEL DE SAÚDE PUBLICA

Uma das maiores lutas do trabalhador moderno, foi a luta pelas jornadas fixas de trabalho. Seu lema era “oito horas de trabalho, oito horas de repouso e oito horas de educação”, surgido na deflagração de uma greve em Chicago, EUA. O embasamento teórico está na dignidade da pessoa humana, que imprescinde do crescimento sócio-cultural-espiritual que só o ócio sadio proporciona no estudo, nas relações humanas e no lazer (cultural ou não) e foi recepcionado pelas convenções e tratados sobre direitos humanos, constando dos artigos 6º e 7º de nossa Carta Magna, como garantias ou direitos sociais fundamentais:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer (...)

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

Neste sentido, Oscar Krost1, Juiz do Trabalho da 12a Região/SC, destaca, em nível internacional, as Convenções nº 148, 155 e 161 da OIT, ratificadas pelo país e internalizadas pelos Decretos nº 93.413/86, 1.254/94 e 127/91, respectivamente, relativas à proteção contra os riscos profissionais, normas gerais de segurança, saúde e meio ambiente do trabalho, além de serviços ligados à saúde no trabalho. Durante tal expediente, o servidor estará à disposição do empregador e não poderá livremente estipular seus desígnios, ficando a disposição do último para eventuais chamados: deverá estar em local próximo e alerta, para quando for requerido.

Apresenta-se, então, relativizado e cerceado o direito de ir e vir, em decorrência dos efeitos da subordinação, na medida em que, segundo Carmen Camino2, o empregador, por ser o sujeito subordinante da relação de emprego, adquire a força de trabalho do empregado, subordinando-o aos seus desígnios. Verifica-se, pois, um estreito vínculo entre os elementos jornada e subordinação, sendo aquela o período em que esta se manifesta e se faz mais intensa, pela atuação do trabalhador sob as ordens de seu patrão. Contudo, as obrigações contratuais do empregado não produzem efeitos tão somente no curso do expediente, se fazendo sentir, por vezes, após seu encerramento, mesmo que de maneira mitigada, tal como na hipótese do sobreaviso.


CONCEITOS DOUTRINÁRIOS, LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS DE SOBREAVISO

Segundo os termos estabelecidos no art. 244, §2º, da CLT, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 05/1966, sobreaviso será o tempo em que o trabalhador permanecer em casa, à disposição do empregador, em regime de plantão e cada escala “será, no máximo, de vinte e quatro horas”, enquanto que ”as horas de sobreaviso, para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário normal” (CLT, art. 244, §2º).O sistema surgiu para regular os plantões dos ferroviários em época em que as estradas de ferro eram amplamente utilizadas no país e os meios de comunicação eram precários.

Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, novos meios de chamamento ao sobreaviso foram criados, como o extinto BIP, o telefone celular e o famigerado plantão conectado à internet, “engenhosamente” desenvolvido no âmbito do Departamento de Policia Federal. Tudo isto restou na reinterpretação da OJ 49 pelo TST, entendido agora o sobreaviso quando o empregado estiver em escala de plantão, com a obrigação de atender ao chamado do empregador e não o configurando simplesmente pelo uso do equipamento de comunicação.

O cerne do suporte fático do art. 244, §2º, da CLT, em consonância com a atual tecnologia dos meios de comunicação, não mais corresponde ao aguardo de ordens pelo trabalhador em sua residência, por meio de escala. Na realidade, é a limitação do direito de livre disposição do tempo alheio à jornada, pela ampliação do poder de comando do empregador, mesmo em caráter atenuado; ocorrendo, também, a restrição da fruição do efetivo descanso, sem a assunção pelo tomador de serviços do respectivo ônus econômico.

Como se não bastasse o aspecto financeiro, a desconsideração desta nova realidade em que está sendo cumprido o regime sobreaviso, trás, ainda, prejuízos irreparáveis à saúde, pelos riscos decorrentes da frustração do repouso e pela desconsideração do período máximo de 24h fixado no próprio art. 244, §2º, da CLT; influindo nos intervalos interjornadas, descansos semanais remunerados e feriados. A Organização Mundial da Saúde – OMS - indica como principais fatores de produção de stress no trabalho o cumprimento de jornadas imprevisíveis, fora do horário normal ou em turnos mal concebidos, dando ensejo a comportamentos disfuncionais e não habituais que, em situações de maior gravidade, podem causar problemas psíquicos irreversíveis e incapacitantes para o trabalho.3

Existem, na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, as descrições de várias moléstias geradas por disfunções advindas do trabalho, por sua penosidade (Z56.3) além de outras dificuldades físicas e mentais daí oriundas (Z56.6).4 Inevitáveis, ainda, as perdas humanas e econômicas a toda a sociedade, tanto pela perda de eficiência no serviço público, como pelo perigo à sociedade e pela incapacitação para o trabalho de uma extensa gama de trabalhadores, onerando o erário pelo dever do Estado de arcar com o pagamento de benefícios previdenciários, como por incapacidades temporárias ou definitivas, na forma estabelecida no art. 195. da Constituição.

Para ilustrar, selecionamos no trabalho de Krost, os seguintes precedentes:

SOBREAVISO. BIP. TEMPO À DISPOSIÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. A aplicação analógica do artigo 244, parágrafo 2º, da CLT leva em conta a constatação efetiva de que o empregado sofria restrições de locomoção, tinha obrigação de informar os locais para os quais se deslocava e estava sujeito à chamada às desoras. O uso do BIP, por si só, é indiferente a essa situação, mas é um dos elementos que denotam a sujeição do empregado ao poder de controle do empregador nos períodos de descanso.

(TRT 2ª Região, Processo nº 01011-2002-044-02-00-0-RO, Relator Juiz Rovirso Aparecido Boldo, 8ª Turma, Publicado em 08.10.2004)

HORAS DE SOBREAVISO. FATO GERADOR. O fato gerador do pagamento do adicional em razão do regime de sobreaviso é a falta de liberdade decorrente do tolhimento da efetiva disponibilidade do tempo do empregado justamente nas horas destinadas ao descanso e lazer, independentemente da forma de sua localização, podendo, nos tempos modernos, ser contactado fora de sua residência através de telebip, telefone celular ou outras inovações tecnológicas.

(TRT 12ª Região, Processo nº 009006/1997/RO, Relator Juiz Osvaldo Sousa Olinger, 1ª Turma, Publicado em 09.9.1998)

Assim, admitir-se o tangenciamento da liberdade do trabalhador de livremente fruir seu tempo de descanso sem a contrapartida pecuniária daí advinda, fere, de modo absoluto, o sinalagma contratual, bem como o direito à saúde, pela violação do repouso.Chancela-se o enriquecimento indevido do ocupante de um dos polos do negócio jurídico, às custas da recuperação da higidez física e mental do outro, acentuando o notório desequilíbrio entre o hiper e o hipossuficiente da relação capital x trabalho,ferindo a dignidade da pessoa humana e o valor social do próprio trabalho, fundamentos da República.Por fim, acarreta-se o risco do desencadeamento de moléstias de cunho psíquico, muitas das quais irreversíveis e incapacitantes, onerando emocional e financeiramente toda a sociedade.Necessária, portanto, se apresenta a releitura do sobreaviso previsto no art. 224, §2º, da CLT, sob o viés das novas tecnologias de comunicação.4. Conclusões.Faz-se premente a reavaliação da essência e do fim do regime de sobreaviso, em vista das inovações tecnológicas das últimas décadas dos meios de comunicação, analisando-se os entendimentos majoritários da jurisprudência e da doutrina, no sentido de não configurar tempo à disposição do empregador o período em que o empregado estiver de posse de “BIP” ou de telefone celular.Impõe-se reconhecer como de sobreaviso o tempo alheio à jornada, pelo qual o trabalhador se coloca à disposição do empregador, mesmo em caráter atenuado e com relativo espectro de circulação, ensejando seu chamamento imediato por qualquer forma.Do contrário, seguir-se-á legitimando o cerceio da liberdade do empregado, do pleno gozo de seu tempo de folga, sem a contrapartida econômica, em proveito exclusivo do tomador de serviços, pelo sacrifício do direito ao lazer e ao repouso.Potencialmente, gera-se o risco do desencadeamento de moléstias psíquicas relacionadas ao stress no trabalho, em prejuízo de toda a sociedade.


A INFLUÊNCIA DO REGIME DE SOBREAVISO NA SAÚDE DO TRABALHADOR

Segundo José Eduardo de Resende Chaves Júnior5, juiz auxiliar da Presidência do CNJ, presidente da Rede Latino-americana de Juízes (Redlaj), doutor em Direitos Fundamentais e Juiz do Trabalho Titular da 21ª Vara de Belo Horizonte, “Gilles Deleuze, o profeta do virtual e da sociedade em rede, observava que não há oposição entre o real e o virtual. O virtual se opõe ao atual. O virtual pode ser a potência contra o ato (de injustiça social). O mundo virtual pode se apresentar como um convite à emancipação, como uma superação do statu quo ante e não, necessariamente, como cristalização da perversa assimetria “atual”. Isso depende apenas de nossa própria capacidade humana de agenciar o virtual.”

Desde a edição da Lei 12.551/2011, que é um instituto que cumpre com os objetivos constitucionais de agregar ao ordenamento melhoria às condições sociais dos trabalhadores, tornando irrelevante, para fins de tutela do trabalho humano subordinado, já não importa se a supervisão, o comando e o controle são exercidos pelos meios telemáticos ou pessoais. O que interessa é se há ou não esta subordinação, seja real ou virtual, e se o trabalhador está vinculado à mesma. Neste sentido, o TST alterou recentemente a súmula 428. Sua nova redação estabelece em seu item I que "o uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza regime de sobreaviso". Esse item foi aprovado por unanimidade pelos ministros. Dessa forma, fica claro que somente uso de celular não dá direito a receber horas extras, nem é regime de sobreaviso. Já o item II considera "em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso."

Partindo deste pressuposto, entendemos que passou da hora de reconhecermos a gravidade desta situação e corrigirmos esta distorção que gera tantos problemas aos trabalhadores no serviço público. Para demonstrarmos a situação, usaremos alguns estudos de caso, como o dos policiais federais sindicalizados no SINDIPOL/DF6 (Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal), feito em convênio com a UNB (com o relatório parcial, até o presente momento), estudos da Organização Mundial de Saúde7 e outros.

No SINDIPOL/DF, durante quatro meses, as pesquisadoras Professora Doutora Ana Magnólia Mendes e a Psicóloga Fernanda Duarte, do Laboratório de Psicodinâmica e Clínica de Trabalho da UnB, entrevistaram e pesquisaram junto aos policiais federais de Brasília, o cotidiano funcional dos Escrivães, Peritos Papiloscopistas e Agentes, dando ênfase à relação com os colegas, com a sociedade e com a chefia. O resultado da pesquisa indica uma satisfação muito grande na relação com os colegas e com a sociedade, como fonte de prazer e reconhecimento. No entanto, em contraste com estes resultados considerados positivos, a relação com os chefes denota clara e evidente insatisfação e desmotivação no trabalho pela falta de reconhecimento pelas atividades planejadas e realizadas. Além disto, a falta de direitos trabalhistas como o Descanso Semanal Remunerado, o Sobreaviso, respeito à jornada de 40 horas semanais, intervalo interjornadas e outros, também influem no alto índice de suicídios no órgão.

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Analisando especificamente o caso dos policiais civis, o artigo das estudantes da Universidade Federal de Uberlândia, Alessandra dos Santos Menezes Dela Coleta e Marília Ferreira Dela Coleta, Fatores de Estresse Ocupacional e Copying8 entre policiais civis9, o excesso de trabalho foi o maior fator apontado em 25% das respostas como fator preponderante do stress profissional (retirados os fatores não profissionais da tabela 1), outros como a estrutura ineficiente (15%) e o próprio risco de vida (7,5%) (Para aqueles profissionais a saúde parece estar acima da própria vida!):

Também, no TCC de Oton Ricardo Medeiros Ferreira, orientado pela Profa. Ms. Regina Celi Nóbrega de Santana, Atividade Policial – Uma Abordagem Sobre Sua Relação Com O Estresse10, na Universidade Federal da Paraíba, a atividade policial mereceu foco, mas desta vez sobre os riscos que o policial poderá apresentar à coletividade. Para ele, baseado em explicações fisiológicas, há uma escala de raiva. Se o policial já está em um determinado nível de raiva, provocado pelo estresse, ele pode desencadear em seu cérebro uma extrapolação destes limites, levando esta raiva máxima, inconscientemente, às ultimas consequências, como a violência injustificada que pode ate acarretar numa morte injusta de terceiros.

No estudo da OMS (Organização Mundial de Saúde), realizado em 2004 no Reino Unido, no instituto de trabalho, saúde e organizações da universidade de Nottingham, de autoria dos doutores Stavroula Leka, Amanda Griffiths e Tom Cox, há um alerta claro sobre os perigos do stress, para os quais dão uma solução clara (tradução livre):

“Além disto, não só é importante identificar os problemas de stress e de resolvê-los, mas também promover o trabalho saudável e reduzir os aspectos prejudiciais do mesmo. O trabalho em si mesmo pode ser uma ferramenta de promoção do indivíduo quando realizado em um ambiente seguro, aonde se promova a saúde e o desenvolvimento.”

Todas estas influências foram historicamente sendo concedidas aos trabalhadores brasileiros, seja pelo legislador – caso dos ferroviários – como pelo julgador – extensão analógica aos outros trabalhadores, e já fazem parte do patamar civilizatório mínimo (homenagem que fazemos ao professor Maurício Godinho Delgado) em que se encontra o trabalhador brasileiro, inclusive o servidor público, o que iremos demonstrar a seguir.


SOBREAVISO COMO INGERÊNCIA ILEGAL E INCONSTITUCIONAL AOS DIREITOS DO SERVIDOR PÚBLICO

Segundo Bodo Pieroth, Professor da Universidade de Guilherme da Vestefália, em Münster e Bernhard Schlink, Professor da Universidade de Humboldt, em Berlim, na obra Direitos Fundamentais11, os Direitos Fundamentais apresentam dois âmbitos, a regulação e a proteção:

“A conduta no âmbito de proteção de um direito fundamental pode ser designada como uso do direito fundamental ou como exercício do direito fundamental. Quando aqui se fala em conduta no âmbito de proteção dos direitos fundamentais, pretendemos que isso seja entendido no sentido mais amplo possível. O que se tem em mente não é apenas a atuação (a chamada liberdade positiva), mas também a omissão (a chamada liberdade negativa) e, em certas circunstâncias, o simples encontrar-se.”

Ingerências na inviolabilidade do corpo humano não se verificam apenas no caso de serem provocadas ou sentidas dores. Elas compreendem lesões e ameaças para a saúde e devem ser protegidas como tal. Neste sentido, tanto o STF como o TST12, declaram há muito tempo a cogência absoluta das normas de higiene, saúde e segurança no trabalho, impedindo seu abrandamento por normas autônomas ou heterônomas. Por isto, entendemos que este seria o âmbito de proteção do sobreaviso.

A garantia juridico fundamental para este âmbito seria a proteção quanto às ingerências indevidas do estado neste direito fundamental do servidor. Estas garantias passam por duas espécies: a legalidade estrita exigida ao servidor e se esta lei pode interferir no direito fundamental deste trabalhador.

Como não existe lei que regulamente o exercício dos plantões de sobreaviso pelo servidor publico federal, entendemos ser o mesmo eivado de vício que só poderia ser sanado com tal regulação: não pode um ato administrativo unilateral restringir tais direitos de uma categoria laboral, transformando-o em um proletário pré Estado Democrático e Social de Direito, implantado pela Carta de 1988, rasgando o artigo 3º da Declaração Universal de Direitos do Homem, que diz que “Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.”.

Assim interpretam Pieroth e Schilink13, no seguinte exemplo:

“Se o legislador regular o serviço público para funcionários de maneira diferente do que para os contratados e trabalhadores, cria as diferenças por esses tratamentos desiguais e determina também a sua natureza e a sua importância. Então também a justificação não pode residir nas próprias diferenças, mas apenas nos fins que o legislador prossegue com os tratamentos desiguais; por meio do diferenciado direito da função pública, o legislador pretende, por exemplo, garantir que as diferentes funções do Estado sejam exercidas de forma adequada. No entanto, se for admissível uma conduta em conformidade com os outros direitos fundamentais e se ela for a consequência, em certa medida natural, das circunstâncias referidas no art.3º, n. 2. e 3, então, para a justificação de um tratamento desigual, não se pode recorrer a essa conduta, da mesma maneira que não se pode recorrer a estas próprias circunstâncias. Um tratamento desigual não se pode fundamentar com o discurso, e tampouco com a língua; nem com a conduta específica de uma classe social ou com a origem; nem com a expressão e com o exercício de uma ideologia política, e tampouco com a sua posse.”

Por isto, entendemos, também, que se tal lei venha a ser intentada, deverá respeitar os limites dos limites, isto é, não poderá causar situação mais gravosa aos servidores que aos demais trabalhadores, já que suas condições são idênticas quanto a tais direitos, sendo seu limite a compensação na base de uma hora de descanso para três em tal regime, limitados há um plantão máximo de 24 horas, que deverão respeitar os intervalos interjornadas, feriados e descansos semanais remunerados. Aqui também agirá o princípio da igualdade, já que neste aspecto não existe nenhuma justificação plausível para tal desiderato, sendo a possível alusão ao interesse predominantemente público, uma falácia que não pode ser intentada quanto a direitos fundamentais, o que causaria seu esvaziamento e futura extinção, destruindo o patamar mínimo de civilização alcançado pela humanidade. Para nós seria até mesmo um enriquecimento ilícito da administração pública em face da mutilação da saúde do servidor em seus aspectos físicos, sociais e psicológicos, com futuro gasto redobrado no sistema de saúde e previdenciário públicos. Poderia até ser um venire contra factum proprium da administração que não contrata ou não consegue organizar o funcionamento de seus serviços, causando a fadiga e o sofrimento de seus colaboradores.

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Sobre o autor
Waldomiro Roberto Calmasini

Papiloscopista Policial Federal, Diretor de Comunicacao do Sindipoldf e da Abrapol, Vice-Presidente da Centrapol, formado em Engenharia Mecanica/Unicamp e formando em Direito pela UNB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALMASINI, Waldomiro Roberto. O sobreaviso como violação ao direito fundamental à saúde do servidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3676, 25 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25010. Acesso em: 27 abr. 2024.

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