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O sobreaviso como violação ao direito fundamental à saúde do servidor

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25/07/2013 às 17:03
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CONCLUSÃO

Já dizia Guy Rocher, citado por Amaury Mascaro Nascimento14, que “O meio de combater ou evitar a fadiga é o lazer, cujo significado pode ser avaliado pela afirmação de: “já entramos na civilização do lazer”, para mostrar uma conscientização do problema da ocupação distensiva e o largo emprego que hoje se faz, até com aspectos comerciais notórios, do aproveitamento do tempo disponível em recreação, diversão, turismo etc.”

Segundo José Maria Guix, citado, também, por Amaury Mascaro Nascimento15, o lazer deve atender às necessidades: de libertação, opondo-se à angústia e ao peso que acompanham as atividades não escolhidas livremente; de compensação, pois a vida atual é cheia de tensões, ruídos, agitação, impondo-se a necessidade do silêncio, da calma, do isolamento como meios destinados à contraposição das nefastas consequências da vida diária do trabalho; de afirmação, pois a maioria dos homens vive em estado endêmico de inferioridade, numa verdadeira humilhação acarretada pelo trabalho de oficinas, impondo-se um momento de afirmação de si mesma, de auto-organização da atividade, possível quando se dispõe de tempo livre para utilizar segundo os próprios desejos; de recreação como meio de restauração biopsíquica; de dedicação social, pois o homem não é somente trabalhador, mas tem uma dimensão social maior, é membro de uma família, habitante de um município, membro de outras comunidades de natureza religiosa, esportiva, cultural, para as quais necessita de tempo livre; de desenvolvimento pessoal integral e equilibrado, como uma das facetas decorrentes da sua própria condição de ser humano. No entanto, entenda-se que lazer não é inatividade; ao contrário, é ocupação útil, mas agradável e não imposta, portanto indispensável à dignidade da pessoa humana.

Por isto entendemos que esta ingerência ilegal e inconstitucional, como esperamos ter comprovado neste trabalho, deve ser sanada imediatamente, para garantir a saúde dos servidores e a própria eficiência no serviço público, para que exerçam com qualidade suas atribuições em prol de princípios emanados da Constituição e que, com isto, alcancemos um patamar histórico mais elevado de direitos de nossos cidadãos para uma futura comunidade baseada em princípios como a democracia, igualdade e liberdade; a qual todos nós merecemos.

É inolvidável a morosidade da máquina administrativa, por isto sustentamos que até a edição de lei que estenda o sobreaviso ao servidor, o executivo e o judiciário poderão usar de analogia legis com a CLT para abrandar o problema. O estado de Rondônia foi inovador: Neste sentido, foi lançado pela Corregedoria da Polícia Civil de Rondônia16, em 2011, o Parecer nº 028/2011. No parecer a assistente jurídica sugere que as Delegacias elaborem escalas que compensem os horários de sobreaviso. As informações são do Sinsepol, Sindicato dos Policiais Civis naquele estado e reconhecem o direito análogo àqueles servidores de compensarem os plantões de sobreaviso nos moldes da CLT (1/3 das horas em sobreaviso serão compensadas da jornada habitual dos policiais."

Também a Corte Constitucional assim entendeu, ao estender por analogia o Direito de Greve aos Servidores no MI 708 DF, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, cuja ementa transcrevemos:

MANDADO DE INJUNÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART. 5º, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII). EVOLUÇÃO DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS Nos 7.701/1988 E 7.783/1989.

Este julgamento, finalmente, colocou em prática o instrumento mandamental para sanar a inação dos poderes executivo e legislativo e concretizar de uma só vez, o princípio da igualdade e a aplicação imediata dos direitos fundamentais pactuados em 1988, garantindo a dignidade e a igualdade dos servidores públicos em relação às outras classes laborais e deve ser o novo paradigma do nosso Estado Democrático e Social de Direito, ao qual agora recorremos.

Finalizamos com uma preciosa citação ao professor Mauricio Godinho Delgado17, in literis:

“É importante enfatizar que o maior ou menor espaçamento da jornada (e duração semanal e mensal do labor) atua, diretamente, na deterioração ou melhoria das condições internas de trabalho na empresa, comprometendo ou aperfeiçoando uma estratégia de redução dos riscos e malefícios inerentes ao ambiente de prestação de serviços. Noutras palavras, a modulação da duração do trabalho é parte integrante de qualquer política de saúde pública, uma vez que influencia, exponencialmente, a eficácia das medidas de medicina e segurança do trabalho adotadas na empresa. Do mesmo modo que a ampliação da jornada (inclusive com a prestação de horas extras) acentua, drasticamente, as probabilidades de ocorrência de doenças profissionais ou acidentes do trabalho, sua redução diminui, de maneira significativa, tais probabilidades da denominada “infortunística do trabalho”.”


BIBLIOGRAFIA

Chaves Júnior, José Eduardo de Resende; artigo Dispositivos Móveis Dão Direito a Horas de Sobreaviso;

Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, Ministério da Saúde;

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Dela Coleta, Alessandra dos Santos Menezes e Marília Ferreira; Fatores de Estresse Ocupacional E Copying Entre Policiais Civis;

Delgado, Mauricio Godinho; Curso de Direito do Trabalho;

Ferreira, Oton Ricardo Medeiros, Atividade Policial – Uma Abordagem Sobre Sua Relação Com O Estresse;

Krost, Oscar: A caracterização do Regime De Sobreaviso Diante Das Inovações Tecnológicas Dos Meios De Comunicação;

LEKA, Stavroula. GRIFFITHS, Amanda. COX, Tom. ”La organización del trabajo y el estréss. Estratégias sistemáticas de solución de problemas para empleadores, personal directivo y representantes sindicales”. Série protección de la salud de los trabajadores, nº 03, OMS, 2004;

Nascimento, Amaury Mascaro; Curso de Direito do Trabalho; 26ª edição, 2011.

Pieroth, Bodo; Schlink, Bernhard; Direitos Fundamentais; 26ª edição, 2010.


Notas

1 A caracterização do Regime De Sobreaviso Diante Das Inovações Tecnológicas Dos Meios De Comunicação. https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1842#fn8, acessado em 04/01/2013.

2 Citada por Oscar Krost no mesmo artigo.

3 Acerca do tema, ver LEKA, Stavroula. GRIFFITHS, Amanda. COX, Tom. ”La organización del trabajo y el estréss. Estratégias sistemáticas de solución de problemas para empleadores, personal directivo y representantes sindicales”. Série protección de la salud de los trabajadores, nº 03, OMS, 2004, disponível em https://www.who.int/occupational_health/publications/pwh3sp.pdf, acesso em 04.01.2013.

4 Disponível em https://dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/livros/pdf/02_0388_M1.pdf, acesso em 04.01.2013.

5 https://www.conjur.com.br/2011-dez-30/dispositivos-moveis-dao-direito-horas-sobreaviso, acesso em 05/01/2013.

6 https://www.sindipoldf.org.br/noticias/noticias/11477, acesso em 05/01/2013.

7 https://www.who.int/occupational_health/publications/en/oehstress.pdf, acesso em 05/01/2013.

8 Espécie de duplicação de informação que diferencia o sentido real por um sentido pessoal como defesa do ego.

9 https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S[141]3-82712008000100008&script=sci_arttext, acesso em 05/01/2013.

10https://dspace.bc.uepb.edu.br:8080/jspui/bitstream/123456789/302/1/PDF%20-%20Oton%20Ricardo%20Medeiros%20Ferreira.pdf, acesso em 05/01/2013.

11 Direitos Fundamentais; 26ª edição, 2010.

12 2 - INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO OU SUPRESSÃO MEDIANTE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. INVALIDADE. PREVALÊNCIA DAS NORMAS DE HIGIENE, SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO. De acordo com a Súmula nº 437, II, do TST, - é inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71. da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva-. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. - https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/, visitado em 29/01/2013.

13 Direitos Fundamentais; 26ª edição, 2010.

14 Curso de Direito do Trabalho; 26ª edição, 2011.

15 Idem.

16 https://renanmaldonado.com/2011/08/30/corregedoria-lanca-parecer-sobre-o-regime-de-sobreaviso/, acesso em 09/01/2013.

17 Curso de Direito do Trabalho.

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Sobre o autor
Waldomiro Roberto Calmasini

Papiloscopista Policial Federal, Diretor de Comunicacao do Sindipoldf e da Abrapol, Vice-Presidente da Centrapol, formado em Engenharia Mecanica/Unicamp e formando em Direito pela UNB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALMASINI, Waldomiro Roberto. O sobreaviso como violação ao direito fundamental à saúde do servidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3676, 25 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25010. Acesso em: 10 mai. 2024.

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