Capa da publicação Escola Sem Partido: cerceamento da expressão do professor
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O cerceamento da liberdade de expressão do educador.

A (in)constitucionalidade do Projeto de Lei nº 867/2015 frente à autonomia do educador e do educando

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30/01/2023 às 17:59
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4 O ESCOLA SEM PARTIDO: POSSÍVEIS MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Conforme mencionado anteriormente, a importância da liberdade de expressão, bem como a autonomia do educador e do educando são embasados em princípios constitucionais os quais buscam a concretização da dignidade da pessoa humana e seus princípios, esses resguardados por lei própria, ou seja, pela Constituição Federal de 1988 e por tratados internacionais e tribunais internacionais.

Neste capítulo, inicialmente, será abordado o controle de constitucionalidade, mecanismo que se utiliza no sistema brasileiro para que se possa identificar se uma lei está em conformidade com o ordenamento jurídico. Será discutido como surgiu e como funciona, para ser possível analisar se o Projeto de Lei n°867/2015 seria constitucional ou não.

O Projeto de Lei intitulado como Escola sem Partido, tem o intuito de modificar a forma como se ministra o ensino dentro de sala de aula, impondo uma legislação mais restrita, impedindo que certos assuntos que são considerados impróprios, pelos idealizadores e criadores do projeto, não possam ser discutidos dentro de sala de aula, tais como assuntos de gênero, educação sexual, pluralismo, diversidade cultural e que seja respeitada a religião dos pais dos educandos.

Por fim, será realizada uma análise das mudanças que esse projeto poderia ocasionar para a educação brasileira, se essas seriam benéficas ou não para o educando e para a formação do cidadão e da sociedade em geral.

4.1 O controle de constitucionalidade

Todo projeto de lei deve passar pelo devido processo legislativo. Para que a Lei venha a ser aprovada ela precisa ser discutida pelo Legislativo e ser promulgada pelo Executivo, porém antecedente a isso, deve passar pelo controle de Constitucionalidade. Esse se dá por parte do Legislativo através da Comissão de Constituição e Justiça e no que tange ao Executivo, acontece por meio do veto jurídico do Presidente da República (PACHECO, 2013).

O sistema jurídico do Brasil é baseado em muitas das teorias de Hans Kelsen, assim como diversos outros sistemas que aderem à ordem constitucional. A norma do nosso sistema é escrita, portanto enquadra-se em direito positivo, tornando assim a Constituição Brasileira rígida.

Direito positivo segundo Kelsen, é o direito que o legislador, no seu posto de autoridade, define como válido, pois a norma estará atendendo às condições formais que o sistema jurídico do país determinou. Kelsen foi o idealizador da teoria do controle de constitucionalidade, tal controle foi incorporado à primeira Constituição em 1920 na Áustria, e posteriormente também foi incorporado em diversos outros países. O jurista também criou a pirâmide de Kelsen a qual é usada pelo direito brasileiro para definir a hierarquia das normas, no qual se baseia o controle de constitucionalidade (ALMEIDA, 2012).

O sistema jurídico brasileiro definiu o controle de constitucionalidade como instrumento usado para definir se uma norma de cunho infraconstitucional se encontra ou não em consonância com o disposto na Constituição e com os tratados internacionais.

O controle de constitucionalidade está ligado à Constituição e sua supremacia sobre o restante do ordenamento jurídico, também para proteger os direitos fundamentais e os princípios constitucionais. O legislador sempre deve buscar na Constituição a maneira mais adequada para a elaboração das leis, pois ela é o documento de maior escalamento normativo do país, pois o fundamento do controle é que nenhum ato normativo que dela decorrer poderá modificar ou suprir a Carta Magna.

No Brasil, a Constituição é rígida, pois pelo controle de constitucionalidade, é garantido que nenhuma norma deve estar em contradição com o disposto na Carta Magna, principalmente em virtude de todo Estado em que a Constituição se denomine como rígida deverá existir o controle de constitucionalidade. A supremacia constitucional é instrumento indispensável para garantir os Estados Democráticos, para que assim se assegurem os direitos fundamentais, e seja respeitado o disposto na Constituição. O controle de constitucionalidade é a verificação da compatibilidade de uma lei, ou um ato normativo com o que está disposto na Constituição, para que assim se verifique se essa atende os requisitos formais e materiais exigidos (MORAES, 1996).

A compreensão inicial do controle de constitucionalidade demanda a assimilação prévia da concepção de Constituição sob o prisma Kelsiano. Nosso autor estruturou o ordenamento normativo de forma estritamente jurídica, baseando-se na constatação de que toda norma retira sua validade de outra que lhe é imediatamente superior. Segundo ele, no mundo das normas jurídicas, uma norma só pode receber validade de outra, de modo que a ordem jurídica sempre se apresente estruturada em normas superiores fundantes – regulam a criação das normas inferiores – e normas inferiores fundadas – aquelas que tiveram a criação regulada por uma norma superior. Essa relação de validade culmina em um escalonamento hierárquico do sistema jurídico, uma vez que as normas nunca estarão lado a lado, ao contrário, apresentarão posicionamentos diferenciados em graus inferiores e superiores (MASSON, 2016, p. 1051).

Toda lei deve estar de acordo e seguir o disposto na Constituição, respeitando sempre direitos fundamentais, tais como os acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, também acatando os direitos humanos e suas convenções.

Kelsen defende a ideia de que a Constituição é suprema a quaisquer outras normas. O controle de constitucionalidade advém do direito positivo, no qual uma norma é reguladora de como procederá a produção de outras normas jurídicas. No mundo jurídico uma norma é válida pois essa é produzida a partir de outra, dando assim validade a nova lei criada, valendo-se sempre de que aquela em posição superior é a que deve ser seguida e respeitada. A Constituição sendo uma norma fundamental necessita de uma proteção especial, pressupondo que dela advém todo o ordenamento jurídico e que quaisquer outras leis que não estejam em consonância com o texto constitucional serão consideradas ilegítimas (KELSEN, 2002).

O controle de constitucionalidade é exercido pelos três poderes no Brasil, Legislativo, Executivo e Judiciário, sendo o último considerado o guardião da Constituição, pois detém o poder e o dever de julgar se uma norma se encontra em consonância com o disposto no texto constitucional.

A Constituição é suprema e por isso lhe é dado o controle de constitucionalidade, exercendo uma supremacia sobre todas as demais normas jurídicas do país. Como a norma constitucional é suprema sobre todas as demais leis infraconstitucionais, ela exige um procedimento especial, o qual é mais rigoroso, nesse sentido, tudo que estiver em dissonância com a Carta Magna, é considerado inconstitucional. E para que essa supremacia seja respeitada é necessária a existência de uma Constituição escrita e rígida e que exista um órgão para que tal supremacia seja resguardada (PINHO, 2011).

A Carta Magna é um documento de ordem rígida, sendo assim, a modificação ou a criação de normas deve passar por um processo mais sofisticado e dificultoso, não permitindo que o legislador possa modificar a Constituição por meio de normas infraconstitucionais. O controle de constitucionalidade se faz necessário para manter a hierarquia normativa, já que todas normas devem estar em conformidade com os preceitos da Constituição. Caso venha a acontecer de alguma norma não se encontrar em concordância com esses preceitos, essa deverá ser solucionada sempre levando em consideração que a Carta está em um lugar de superioridade, devendo ser respeitada. Sendo assim, pode-se dizer que o controle de constitucionalidade mantém a rigidez da Carta Magna e sua supremacia formal (MASSON, 2016).

O controle de constitucionalidade, dá a legalidade à norma, pois se for ela compatível com a Constituição, ela será legal e poderá ser aplicada no nosso ordenamento jurídico, quando a norma não é compatível ela se torna inconstitucional, portanto não poderá ser aprovada e promulgada como lei.

As espécies normativas estão dispostas no artigo 59 da Constituição Federal de 1988, essas devem ser comparadas formal e materialmente com as normas constitucionais, para que assim seja verificada sua constitucionalidade. Os requisitos formais para a criação das normas infraconstitucionais são baseados principalmente no princípio da legalidade, da legitimidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e da eficiência, sendo assim, se esta não seguir e respeitar o devido processo legislativo, passando por todas as etapas de elaboração e aprovação, essa terá vício de inconstitucionalidade. A norma que desrespeitar o processo será considerada como inconstitucional na forma da lei, ou do ato que essa produzir (MORAES, 1996).

Quando o ato legislativo é considerado inconstitucional, este se torna nulo, ineficaz, sendo assim falho de força vinculativa. A norma pode ser inconstitucional por ação ou por omissão, no primeiro caso, será incompatível com os atos inferiores, como as leis ou os atos do Poder Público, em conformidade com a Constituição, essa pressupõe a existência de normas inconstitucionais. Quando o ato é por omissão decorre da inércia legislativa, não acontecendo a devida regulamentação de normas constitucionais, esse pressupõe uma violação pelo silêncio legislativo. O vício formal da inconstitucionalidade é uma afronta ao devido processo legislativo, ou ao ato normativo, e o material é um vício de conteúdo, da matéria em questão (LENZA, 2020).

O mecanismo de verificação da constitucionalidade das normas infraconstitucionais pelo Poder Judiciário é uma construção do constitucionalismo norte-americano. Diversos precedentes judiciais levaram ao mecanismo de verificação judicial de adequação vertical das leis com o texto constitucional, até a eclosão do famoso case Marbury v. Madison, relatado pelo Presidente da Suprema Corte norte-americana John Marshall em 1803. Essa doutrina do controle de constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário como uma decorrência inevitável da superioridade da Constituição escrita em relação às demais normas consolidou-se na jurisprudência norte-americana. O brasil, influenciado por esse modelo, passou a admitir o controle judicial da constitucionalidade a partir da primeira Constituição Republicana, em 1891. (PINHO, 2011, p. 52-53).

A inconstitucionalidade por ação, ocorre por motivos materiais ou formais, tais atos contrariam os dispositivos constitucionais. A formal é quando a lei está em desacordo com os ritos prazos e demais atos previstos na Constituição, tal como é produzida por uma autoridade incompetente. A material é quando os atos acabam desrespeitando os conteúdos das normas constitucionais. A inconstitucionalidade por omissão acontece quando não há a elaboração dos atos normativos ou legislativos que venham por regulamentar os mandamentos constitucionais, a inércia legislativa é o que caracteriza a inconstitucionalidade por omissão (PINHO, 2011).

Toda norma infraconstitucional deve passar pelo controle de constitucionalidade, para que esteja de acordo com a nossa Constituição, para isso existem formas de executar esse controle, assim como existem órgãos responsáveis. O projeto deve passar pela Comissão de Constituição e Justiça do Congresso Nacional e pela sanção do Presidente da República, para que possa ser comprovada sua constitucionalidade antes de ser efetivada no nosso sistema jurídico.

Toda a espécie normativa que não estiver em devido acordo com o processo legislativo, principalmente com o que detinha o poder de iniciativa sob tal legislatura, para determinado assunto, estará sob vicio de inconstitucionalidade. Toda a espécie normativa deverá respeitar o previsto nos artigos 60 e 69 da Constituição Federal de 1988, que trata de todo o trâmite para criação de norma constitutiva ou complementar (MORAES, 1966).

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

 Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta. (BRASIL, 1988).

O controle de constitucionalidade no Brasil é exercido pelos três poderes, o Executivo o Legislativo e o Judiciário. Existe o controle chamado de preventivo, o qual é desempenhado pelo Legislativo e Executivo, o qual na área legislativa é realizado pela Comissão de Constituição e Justiça, existente na Câmara e no Senado. Na área executiva esse controle é feito pelo Presidente da República, se apurado que o projeto que foi aprovado no Congresso Nacional vem a ser constitucional. Porém, o Supremo Tribunal Federal tem permitido que esse controle seja exercido apenas pelos parlamentares, para que dessa forma, se os mesmos identificarem que os projetos não se adequam às normas constitucionais sejam impedidos de continuar tramitando nas casas legislativas. Outro controle que existe é o controle repressivo, que é exercido pelo Judiciário, que desempenha seu direito de controle de constitucionalidade quando o projeto acaba sendo aprovado pelo Legislativo e sancionado pelo Executivo, mas o Poder Judiciário acaba encontrando inconstitucionalidade no tema, tendo assim efeito vinculante sobre todas as matérias em território nacional (PINHO, 2011).

A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, emanada do Plenário do Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida por maioria qualificada, aplica-se aos novos processos submetidos à apreciação das Turmas ou à deliberação dos juízes que integram a Corte, viabilizando, em consequência, o julgamento imediato de causas que versem o mesmo tema, ainda que o acórdão plenário -- que firmou o precedente no leading case -- não tenha sido publicado, ou, caso já publicado, ainda não haja transitado em julgado. É que a decisão plenária do Supremo Tribunal Federal, proferida nas condições estabelecidas pelo art. 101 do RISTF, vincula os julgamentos futuros a serem efetuados, colegialmente, pelas Turmas ou, monocraticamente, pelos juízes desta Corte, ressalvada a possibilidade de qualquer dos ministros do Tribunal -- com apoio no que dispõe o art. 103 do RISTF -- propor, ao Pleno, a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional (RE 216.259-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 9-5-2000, DJ de 19-5-2000).

A constitucionalidade ou não de uma norma é algo de suma importância, pois não há como aprovar uma lei que desrespeite a Constituição, que vá contra os tratados internacionais assinados pelos países e contra a Convenção Mundial dos Direitos Humanos, pois iria contra tudo o que a Carta Magna defende em seus direitos fundamentais.

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Para analisar se a norma é ou não constitucional, o controle de constitucionalidade utiliza outras legislações para uma análise comparativa. No Brasil, é usada a própria Constituição como paradigma, dessa forma, até mesmo as normas formalmente constitucionais são capazes de estabelecer se determinado projeto de lei é ou não inconstitucional. A Constituição é dividida em três partes, o preâmbulo, a parte permanente e o ADCT (Ato das Disposições Transitórias). O preâmbulo não pode ser um modelo para verificar a constitucionalidade, pois em decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), esse não foi considerado como uma norma jurídica. Já a parte permanente pode ser utilizada como base para o controle de constitucionalidade, e o ADCT pode ser classificado também, enquanto vigorarem as normas ali dispostas e tiverem eficácia (MASSON, 2016).

4.2. O Projeto de Lei n° 867/2015

O Projeto de Lei nº 867/2015, proveniente do movimento Escola sem Partido, tem por objetivo representar pais e educandos que sejam contra a suposta doutrinação em sala de aula, buscam alterar as diretrizes da educação e modificar a forma dos professores aplicarem os conteúdos bem como o próprio conteúdo abordado em sala de aula, criando limites na metodologia usada e consequentemente no que deve ser exposto aos educandos.

Criado em 2004, o projeto tem por objetivo dar visibilidade à uma hipotética instrumentalização do ensino no Brasil, a qual se destinaria a fins políticos, ideológicos e partidários. O Projeto de Lei do Escola sem Partido, apresenta-se assim como uma iniciativa de pais e estudantes de todo Brasil, que estariam preocupados com uma certa contaminação no ensino no país, por ideologias. Os organizadores do projeto entendem que há uma doutrinação em todos os níveis de ensino, que seriam introduzidas por meio de aulas, livros, e de materiais acadêmicos. O projeto propõe que haja uma vigilância sobre as atividades escolares por parte dos docentes, para todas as atividades que não estejam em conformidade com as convicções morais, sexuais, e religiosas dos pais ou responsáveis dos alunos, tendo assim os valores familiares maior peso do que aquilo que se aprende na educação escolar (FRIGOTTO, 2017).

O artigo 2º do projeto de lei 867/2015 dispõe sobre as mudanças que o movimento Escola sem Partido pretende introduzir no ensino no país:

Art. 2º. A educação nacional atenderá aos seguintes princípios:

I - neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;

II - pluralismo de ideias no ambiente acadêmico;

III - liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência;

IV - liberdade de crença;

V - reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado;

VI - educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença;

VII - direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções (BRASIL, 2015).

O movimento Escola sem Partido busca um maior controle do que será exposto em sala de aula pelos educadores, a fim de os pais terem um maior domínio sobre a educação dos filhos, dentro dos limites morais e religiosos impostos por eles.

As bancadas do Congresso hoje contam com vários grupos evangélicos, os quais tentam criminalizar todas as diligências educacionais que visam a uma melhor abordagem de temas sobre as desigualdades de gênero, quanto a luta contra o preconceito, a pluralidade sexual que existe na sociedade, assim como o combate ao sexíssimo e a LGBTQfobia. Tais grupos objetivam retirar as construções históricas dos livros didáticos, silenciando os educadores para que não sejam contrariadas as crenças formadas dentro do núcleo familiar (FRIGOTTO, 2017).

É preciso ter claro que, na perspectiva do Escola Sem Partido, ideologia é também considerada como uma forma de manipulação, de enganação, como uma estratégia para colocar ideias nas cabeças dos alunos impedindo-os de pensar livremente. Nessa perspectiva, a ideologia está sempre relacionada como um pensamento de esquerda, ou seja, é um artificio da esquerda para enganar as pessoas e trazê-las para o seu campo. Tal concepção não encontra amparo em qualquer um dos grandes pensadores clássicos de diferentes tendências que se dedicaram a refletir sobre o conceito de ideologia, como Durkheim, Comte, Hegel ou Marx. (CATELLI, 2016, p. 85).

É função dos pais prover a educação dos filhos em casa, porém o ensino escolar deve ser formado dentro de sala de aula e de maneira igualitária a todos, expondo assim aos alunos todos os fatos históricos que envolvem os acontecimentos que formam a sociedade, para que assim eles desenvolvam seu caráter.

Segundo Manhas, o Escola sem Partido trata basicamente de uma falsa premissa, o qual não diz respeito a não partidarização, e sim a uma tentativa de retirada do pensamento crítico, da democratização das escolas, o qual ainda é um cenário extremamente fechado e precisaria de uma maior abertura para o diálogo e não de mais barreiras. O assunto a ser discutindo segundo o autor, é a qualidade da educação no Brasil, e não uma falácia ideológica (MANHAS, 2016).

Atualmente, o viés conservador dos projetos de lei relacionados ao Escola sem Partido tem como carro chefe o debate sobre gênero e sexualidade nas escolas, que tem sido tratado pelo movimento como o grande inimigo a ser combatido pelas famílias nas escolas. Na prática, pretende-se inviabilizar e mesmo criminalizar todas as iniciativas educativas propostas por professoras e professores que abordem temas como desigualdades de gênero, diversidade sexual (na escola e na sociedade), o combate ao preconceito, ao sexíssimo e à LGBTfobia. Além disso, materiais didáticos e paradidáticos com abordagem crítica e reflexiva sobre esses temas têm sido alvos de ataques pelos partidários do movimento. Seus defensores vêm afirmando que esse tipo de material e discussão ‘doutrinam’ estudantes, forçando-os a aceitar a ‘ideologia de gênero’. (FRIGOTTO, 2017, p. 94).

Discutir gênero, ou orientação sexual em sala de aula não deveria ser considerado incorreto e sim uma forma de compreender as diferenças e o respeito a todas as pessoas com quem o educando irá conviver em sociedade futuramente, sempre aberto ao diálogo. Sendo uma das funções do ensino no Brasil ajudar na formação do caráter dos educandos os debates acerca do tema devem ocorrer dentro de sala de aula.

Gênero é uma construção social, não um fator biológico. A discussão sobre gênero visa abolir uma distinção social que acontece na sociedade entre meninos e meninas, que impõem padrões de como esses devem se comportar, e consequentemente criando diferenças entre os cidadãos. No espaço escolar a educação sexista difere meninos e meninas, uma construção histórica e cultural, em que a sociedade está inserida. Essa distinção entre gêneros define quais papeis devem ser desempenhados por meninas e meninos perante a sociedade. Faz-se necessário a discussão de gênero em sala de aula, para que não haja distinções ou segregações baseadas no gênero (SILVINO e HENRIQUE, 2017).

A inserção da discussão de gênero é um assunto que deve ser mais profundamente abordado, tanto por estudiosos no plano da educação, tanto por parte das casas legislativas, para que se o assunto vir a ser inserido no ensino do país tenha a participação dos educadores.

O Plano Nacional de Educação durante sua tramitação nas casas legislativas, abordou uma maior equidade de gênero, raça, orientação sexual, aspectos excluídos do projeto, dando maior ênfase para o conservadorismo, o qual refuta qualquer tipo de influência com tais assuntos. Os idealizadores do movimento Escola sem Partido defendem a ideia de que não são partidários, porém suas intenções são a de uma retroação de diversas questões em que houve grandes avanços nos últimos tempos, principalmente no que tange aos direitos humanos, desfiguram discursos que dizem respeito a direitos religiosos, para serem usados como direitos dos pais contra os direitos LGBTQI, como se esse fosse um problema moral.

Assim como os idealizadores alegam que os alunos estão ligados emocionalmente a seus professores e que por isso sofrem de uma lavagem cerebral, que seria o motivo de os educandos defenderem os educadores, pois esses estão sendo manipulados, que os professores deveriam apenas passar o conteúdo programado para os alunos, sem crítica alguma, apenas como um ato mecânico (MANHAS, 2016).

Desde a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, o Brasil vem ratificando tratados e acordos internacionais no âmbito das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos voltados para a eliminação das desigualdades entre os gêneros, inclusive na educação (UNICEF, 1979; UNESCO, 2001; OEA, 1994; UNFPA, 1995, entre outros), sendo que mais recentemente foram estabelecidos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para serem alcançados até 2030. O item 5 do Objetivo 4 prevê a eliminação das ‘disparidades de gênero na educação’, enquanto o Objetivo 5 deseja ‘alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas’7. Nos últimos anos, estas mesmas instâncias também vêm aprovando Resoluções que reconhecem a orientação sexual e a identidade de gênero como direitos humanos a serem respeitados (OEA, 2008; ONU, 2008; UNITED NATIONS, 2012). Esses esforços para promover a igualdade de gênero e o respeito à diversidade sexual são o que as forças reacionárias supracitadas denominam, de forma deturpada e falaciosa, “ideologia de gênero”. (REIS, 2016, p. 121).

O Escola sem Partido conta com um site3, onde os alunos podem relatar sobre as supostas doutrinações sofridas em salas de aula, podendo ser na forma de vídeos ou escritos. O movimento Escola sem Partido têm a visão de que o aluno acaba sendo uma vítima do professor, que esse o sequestra e o doutrina na sua corrente ideológica que, segundo os idealizadores, é a da esquerda.

No site do Escola sem Partido, os criadores trazem textos que colocam os professores como sequestradores dos alunos, demonizando assim a imagem desses. Os alunos são vistos como algo a ser doutrinada, por serem, na visão dos idealizadores desse movimento uma figura rasa, acabam assim por construir uma idealização de uma escola-cativeiro, na qual os educadores acabariam aproveitando da audiência cativa dos educandos para conseguirem implantar o seu pensamento ideológico. Tal prática acaba por intencionar a criminalização dos docentes, retirando assim o pensamento crítico de dentro das salas de aula. O educando não é visto pelos educadores e pelo Estado apenas como um recipiente a ser completado com conhecimento, mas sim alguém que está ali para adquirir e também compartilhar dos saberes (FERREIRA, 2016).

[...] O Programa Escola sem Partido – agora falo do projeto de Lei usando como referência a PL nº 867/2015, que está tramitando na Câmara dos Deputados – se propões a proibir a prática da doutrinação política e ideológica em sala de aula no seu terceiro artigo. Em nenhum momento do projeto, eles definem o que seria essa tal “doutrinação política e ideológica”, o que já é um elemento de inconstitucionalidade: como proibir uma prática sem defini-la claramente? Mas, se nós formos no site, nós encontramos uma definição bem clara. Lá encontramos dois ícones: um é “flagrando o doutrinador”, o qual eu vou ler alguns elementos com vocês, e “Planeje a sua denúncia”, no qual ele explica para o aluno como fazer a sua denúncia anotando o dia, o horário, e coisas assim. Então, o texto flagrando o doutrinador não passa de uma lista de atividades às quais o aluno deve ficar atento para reconhecer o professor doutrinador (FRIGOTTO, 2017, p. 37).

O Escola sem Partido tem como viés para acabar com a doutrinação dentro de sala de aula três propostas principais. A divulgação de testemunhos de educandos, relatando que sofrem tal ato, a criação de leis para que seja cessada essa liberdade de ensinar, e notificações extrajudiciais para intimidar os professores que incentivarem debates sobre condutas que não são consideradas coerentes com o que os idealizadores pregam. O movimento vê os alunos como sujeitos passivos, que aceitam tudo que é dito e ensinado pelos professores dentro de sala de aula, algo que não pode ser visto como verdade absoluta, pois os jovens são questionadores e lutam por seus direitos (RATIER, 2016).

O Projeto de Lei n° 867/2015 traz em seu artigo 4º, as funções que os educadores podem ou não exercer em sala de aula:

Art. 4º. No exercício de suas funções, o professor:

I - não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente política, ideológica ou partidária;

II - não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;

III - não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas;

IV - ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito;

V - respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções;

VI - não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula (BRASIL, 2015).

A igreja sempre teve muita influência sobre o Estado, mesmo que este seja laico, e que igreja e Estado deveriam ser duas vertentes separadas, na prática acaba sendo diferente, desde aulas de Ensino Religioso nas escolas, até uma bancada evangélica no Congresso, o país que deveria ser laico, acaba sendo extremamente refém da igreja e de seus pré-conceitos.

O Estado laico não pode admitir que instituições religiosas imponham que tal ou qual lei seja aprovada ou vetada, nem que alguma política pública seja mudada por causa de valores religiosos. Todavia, o Estado laico não pode desconhecer que os religiosos de todas as crenças têm o direito de influenciar a ordem política, tanto quanto os não crentes. Renunciando exercer tutela moral sobre a sociedade, os religiosos têm direito a difundir sua própria versão do que é melhor para toda a sociedade, traduzindo seus preceitos nos termos da linguagem política aceitável por todos (CUNHA, 2016, p. 5).

O Escola sem Partido defende que a família deve ter controle do conteúdo que será abordado em sala de aula, para embasar esse pensamento, os idealizadores do movimento usam a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, porém, tal tratado não está acima da Constituição. A própria LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), também garante que a escola não deve sofrer nenhuma espécie de influência religiosa e o próprio STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4.439 julgou que as escolas são territórios que não podem sofrer influências de crenças religiosas de qualquer natureza (RATIER, 2016).

Outro ponto extremamente importante que o movimento aborda é referente a diversidade cultural, ou seja, em como é importante conhecer e respeitar a cultura dos outros membros da sociedade, principalmente em um país multicultural como é o Brasil.

Discutir a diversidade cultural é algo que pode vir a recorrer em risco de levar a doutrinação, porém é uma discussão que a própria Unesco incentiva que aconteça, para que assim se possa ter uma maior consciência de sociedade. Para os idealizadores do movimento, isso seria uma porta para a orientação política, que uma mudança de expressão como substituir ‘pluralidade cultural’ por ‘estudos indígenas e africanos’, é uma forma de doutrinar. Em outros países essa inclusão da cultura nas escolas é um modo de demonstrar respeito às raízes locais, e se faz necessário em um país de origens indígenas e africanas como o Brasil, conhecer suas próprias origens (RATIER, 2016).

Nas ditaduras, os debates são sufocados. Nas democracias, eles são acolhidos e estimulados – sem restrição. Se um grupo de pessoas acha importante levantar uma discussão e defender os seus pontos, ele tem todo o direito de fazer isso. Certamente o Escola Sem Partido tem suas razões, e ignorá-lo ou desprezá-lo não é o melhor caminho. Nossa opção é pelo debate desarmado, focado em ideias e evidências. Além disso, o debate sobre a iniciativa tem levantado vários pontos relevantes sobre a participação dos pais na escola, sobre a responsabilidade dos professores e sobre a autonomia dos alunos. Para manter esse canal aberto, a melhor forma é aumentar o diálogo, e não restringi-lo. (RATIER, 2016, p. 41).

A escola é a instituição que tem o dever de desenvolver conhecimento, tanto filosófico, quanto científico para a sociedade, tal função social é delegada pelo Estado. A ideia de que a escola doutrina os alunos é algo errôneo, pois é dever dela apresentar os fatos de todos eventos históricos que vieram à acontecer na sociedade, e demonstrar assim as mais diversas correntes de pensamento que existem, para que os alunos consigam desenvolver por si só um pensamento crítico e autônomo. A escola é um lugar em que deve ser priorizada a prática de aprender e ensinar, dando aos educadores liberdade de ensinar e valorização (FRIGOTTO, 2017).

Introduzir um projeto que seja apartidário, ou mesmo apolítico nas escolas é algo que exige extremo cuidado, pois toda a sociedade é envolvida politicamente de alguma forma, pois essa pode ser considerada um grupo político, onde cada indivíduo tem sua participação e seu lugar.

O cenário político atual do Brasil é preocupante na perspectiva da educação, e o conceito de neutralidade ideológica apresentado pelo movimento Escola sem Partido não é algo que possa se considerar realmente neutro. O Projeto de Lei n°867/2015 tem como objetivo vetar assuntos de cunho sexual e político, que se refiram a uma vertente contrária ao conservadorismo. Tais propostas deixam a entender que a visão de uma escola sem partido, na verdade é uma escola com um único partido. Na educação, um ensinar neutro poderia ser visto como um ensinar objetivamente, de maneira imparcial, não deixando assim demonstrar qualquer subjetividade por parte do educador. Sendo assim, mesmo que o movimento defenda uma visão não ideológica, acabam por empregar suas próprias ideologias. Bem como não existe um ser que seja apartidário, ou apolítico, pois ao conviver em sociedade, todos estão envolvidos em movimentos ou organizações que envolvem bases políticas (MARTINS, 2019).

Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes (BRASIL, 2015).

A autonomia do educador e do educando é essencial para o funcionamento da democracia, pois essa começa dentro de sala de aula, na formação do cidadão. Assegurar a liberdade de manifestação de pensamento é uma das bases do Estado democrático de direito, retirar esse direito do ensino no país acarretaria uma sociedade menos igualitária.

O Supremo Tribunal Federal no dia 29 de maio de 2020 julgou projeto semelhante ao Projeto de Lei 867/2015, a Lei 3.491/2015 do município de Ipatinga - Minas Gerais, a qual proibia o ensino sobre gênero e orientação sexual nas escolas e foi julgada como inconstitucional pelos Ministros do Supremo, as normas impugnadas são as seguintes:

Art. 2º. O Poder Executivo Municipal adotará, além das diretrizes definidas no art. 214 da Constituição Federal e no art. 2º da Lei Federal 13.005, de 2014 – excetuando o que se referir à diversidade de gênero – as diretrizes específicas do PME: [...]

Art. 3º. Caberá ao Poder Executivo Municipal a adoção das medidas governamentais necessárias à implementação das estratégias para o alcance das metas previstas no PME, não podendo adotar, nem mesmo sob a forma de diretrizes, nenhuma estratégia ou ações educativas de promoção à diversidade de gênero, bem como não poderá implementar ou desenvolver nenhum ensino ou abordagem referente à ideologia de gênero e orientação sexual, sendo vedada a inserção de qualquer temática da diversidade de gênero nas  práticas pedagógicas e no cotidiano das escolas (IPATINGA, 2015).

A decisão dos Ministros do STF seguiu o relatório do Ministro Gilmar Mendes em que aponta os dispositivos da Constituição Federal de 1988 que tais artigos do Projeto de Lei n°867/2015 violavam, como o direito à igualdade, censura de atividades culturais, à laicidade do Estado, também como a competência que é da União de legislar sobre as diretrizes e bases da educação no país. Na decisão, o Ministro também citou o pluralismo de ideias, bem como o direito à liberdade de aprender, de pensar e pesquisar, todos direitos garantidos na Constituição Federal de 1988 (BRASÍLIA, 2019).

Outrossim, deve-se pontuar que o caso em análise representa relevante controvérsia constitucional de âmbito nacional, já que diversos outros Municípios vêm reproduzindo leis com conteúdo semelhante conforme destacado pela PGR. Nesse sentido, reputo preenchido o requisito de subsidiariedade. [...] Outrossim, há a indicação da suposta violação a preceitos fundamentais da Constituição da República, como os direitos fundamentais à liberdade, à igualdade e não discriminação (art. 5º, caput), o objetivo fundamental de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), a competência da União para legislar sobre diretrizes gerais da educação (art. 22, XXIV) e a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, I e II) (MENDES, 2019).

O projeto Escola sem Partido pode vir a ser algo dificultoso de se incorporar à educação do país. Uma educação sem política, sem opinião, sem apresentar mais que um lado da história, é extremamente preocupante, pois retiraria dos próprios alunos o direito de pensar por si próprios. Bem como as mudanças que o projeto poderia acarretar para a educação brasileira é algo que precisa vir a ser extremamente discutido e analisado.

4.3 Mudanças possíveis na educação brasileira com a implantação do projeto Escola sem Partido

O Escola sem Partido ainda é um Projeto de Lei, mas discutir quais as possíveis mudanças que poderia vir a acarretar para a educação brasileira é algo de suma importância. Seriam realizadas diversas mudanças na forma de aplicação de conteúdo dentro de sala de aula, bem como na maneira com que educadores e educandos poderiam se comportar.

O receio é o que toma conta dos educadores com a tramitação dos diversos projetos do movimento Escola sem Partido. O temor é a possível limitação pedagógica e a cerceamento da liberdade de ensinar e aprender dentro de sala de aula. Na outra vertente há vários pais que apoiam tais mudanças, porém diversos desses nem se quer conhecem verdadeiramente o movimento, sem ter a noção de que estarão introduzindo seus filhos em uma escola que apresentará um ensino precário, onde os educandos não aprenderão a expressar suas opiniões, e de onde saíirão despreparados para a sociedade. O movimento Escola sem Partido inicialmente defendia uma educação neutra, com uma grande tendência ao conservadorismo. A aplicação do projeto na educação brasileira, seria uma abertura de portas para criar um tribunal em sala de aula, o que tornará o ambiente acusatório, dificultando ainda mais o aprendizado (CARA, 2016).

Nessa escola, nenhum professor terá segurança para ensinar, pois não saberá como sua aula será julgada – e isso se estende a qualquer área do conhecimento. Ministrar uma aula de História Geral sobre as diferentes revoluções, a luta das mulheres pelo direito ao voto ou as duas grandes guerras passará a ser arriscado a ser arriscado. Também não será simples, nas aulas de Biologia, apresentar aos estudantes a teoria da evolução de Darwin, diante da emergência do fundamentalismo cristão no Brasil e sua perspectiva criacionista. [...] Debater em sala de aula os problemas estruturais do Brasil, como o enfrentamento às discriminações sociais, religiosos, raciais, étnicas, de gênero e de orientação sexual será, portanto, um exercício, no mínimo, tortuoso. (CARA, 2016, p. 45).

O texto do Projeto de Lei n° 867/2015 é considerado agressivo contra os educadores, e a falta de diálogo entre escola e os pais é algo que fica nítido nas alegações sobre como são ministradas as aulas por parte dos educadores, uma maior abertura a esse diálogo seria algo de suma importância.

Quanto à educação moral, a Constituição Federal de 1988, traz disposto em seu texto, que o Brasil é um conjunto representativo da sociedade, o qual deve ser defendido pela justiça social, sendo assim, não há possibilidade de a família se sobrepor à educação escolar. O núcleo familiar por algumas vezes pode vir a ser de natureza discriminatória, indo contra o ensinado em sala de aula. Mesmo sendo a família parte importante na vida do educando e parte da sociedade, essa não pode ser superior ao bem comum. No que tange à educação religiosa, é algo recorrente que aconteçam desavenças entre crenças e saberes científicos, porque a maioria das religiões desconsidera a ciência. É papel da escola apresentar aos educandos diversas formas de conhecimento, entre eles também se encontra o científico, incentivando sempre o respeito ao diferente (MATUOKA, 2018).

Escola Sem Partido é um sinal emblemático da intervenção nos próprios conteúdos e na forma de funcionamento do ensino que se apresenta na forma de projetos de lei na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e em várias Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais do país, em uma conjuntura onde o atual governo, através de um golpe parlamentar, vem tomando várias iniciativas na direção do abastardamento da educação. Escola Sem Partido ou “Lei da Mordaça”, estabelece restrições ao exercício docente negando o princípio da autonomia didática consagrado na legislação e nas normas relativas ao funcionamento do ensino. (GADOTTI, 2019, p.165).

Muitos educandos acabam abandonando a escola antes de completar os estudos. Vezes por problemas financeiros, e outras por serem de famílias carentes e terem que parar de estudar para ajudar em casa. Outra questão de abandono escolar precoce é a gravidez na adolescência.

No que tange à educação sexual, pesquisas apontam que quando a educação sexual começa cedo nas escolas, acarreta um menor grau de casos de gravidez na adolescência ou gravidez indesejada. Bem como uma menor contaminação por doenças sexualmente transmissíveis. Tais cuidados podem ser introduzidos em um diálogo aberto e direto com os alunos, seja esse por parte da família, professores e até de médicos. Banir a educação sexual das escolas como faz parte da cartilha do movimento do Escola sem Partido, é aumentar os casos de doenças sexualmente transmissíveis, bem como de gravidez indesejada. Essa vertente de ideias parte dos grupos mais conservadores e religiosos do movimento, como os integrantes da bancada evangélica do Congresso (MATUOKA, 2018).

Um projeto de mudança na educação como um todo no Brasil, deve ser algo planejado, bem estruturado, que destaque as particularidades de cada setor do ensino no país, em que sejam estudadas as diferenças sociais dos educandos, para que sejam englobados todos os setores da sociedade.

O Projeto de Lei n° 867/2015 traz propostas tanto para o ensino fundamental como para o ensino médio, sem fazer distinção alguma entre esses. Trata da educação para crianças e jovens adultos como se fosse algo igualitário e cada uma não tivesse suas peculiaridades. O ensino médio vive um cenário onde vem enfrentando um baixo desempenho e um elevado nível de evasão e reprovação. Se ocorresse uma reconstrução do ensino no país no momento, esse deveria vir para atender as demandas dos jovens, que essas mudanças os incluíssem em um contexto social onde fossem compreendidos, em consonância com as políticas públicas (FREITAS, 2016).

Todo esse acúmulo histórico é ignorado, senão combatido, pelo ESP. Em lugar da promoção da autonomia encontramos a tutela sobre os e as jovens. O ESP propõe que seja obrigatória a afixação, em todas as salas de aula das escolas de Ensino Fundamental e Médio, de um conjunto de “deveres do professor”, afirmando que seu único objetivo “é informar e conscientizar os estudantes sobre os direitos que correspondem àqueles deveres, a fim de que eles mesmos possam exercer a defesa desses direitos, já que dentro das salas de aula ninguém mais poderá fazer isso por eles”. A leitura dos “deveres” e materiais do site revela uma imagem de alunos indefesos, que se tornariam presas fáceis dos “professores doutrinadores” uma vez que, sendo obrigados a frequentar as aulas, se constituem numa “audiência cativa”. O programa viria então para defendê-los. (FREITAS, 2016, p.103).

O Brasil sendo um país democrático, deve vir a refletir a democracia em todos os níveis do Estado, começando pela educação. Com uma maior participação da sociedade, e com uma educação pluralista é possível promover um diálogo saudável, e este pode ser iniciado dentro das salas de aula.

Não pode haver educação sem liberdade. Educar tem de ser uma forma livre em uma sociedade democrática, pois o ensino é algo essencial na formação da personalidade dos alunos, de seus conceitos, cultura e sua inserção na sociedade. Baseado nisso, é possível afirmar que para se ter uma sociedade que venha a ser livre, democrática, pluralista e humanista, é imprescindível que a educação se forme tanto em sociedade quanto dentro do seio familiar. (LIQUER, 2017).

No contexto brasileiro, a liberdade de ensinar é prevista no inciso II do art. 206º da CRFB/88, bem como no inciso II do art. 3º da LDB, e consiste na liberdade dos professores de transmitir o conhecimento, mediante a escolha do “objeto relativo do ensino” – expressão utilizada por José Afonso da Silva, designando que esta escolha é condicionada aos currículos escolares e ao programa oficial de ensino, sem olvidar que o professor poderá exercer a sua atividade com liberdade de crítica, conteúdo, forma e técnica que melhor lhe convir. (LIQUER, 2017, p. 39).

Mudar diretrizes da educação sem ter um diálogo aberto com os alunos de todas as classes sociais é como concentrar a decisão a um grupo de pessoas com um único pensamento, tal mudança deve ser discutida com os professores. No Brasil, há uma enorme diversidade cultural, diversas classes sociais as quais vivem realidades extremamente diferentes e a escola não deve promover um discurso de exclusão e sim de inclusão. As minorias são uma grande parcela da sociedade brasileira, entender o lugar delas e discutir a diversidade cultural que elas representam é algo que se faz necessário em uma sociedade pluralista. A diretriz educacional deve integrar todas as culturas, já que o Brasil é um país multicultural.

A liberdade de ensinar por parte dos educadores dentro de sala de aula é assegurada também pela Recomendação relativa à Condição Docente, que foi formulada pela Unesco em 1966 garantindo aos docentes uma condição de liberdade de ensinar, o sistema do país deverá ajudar e possibilitar tal direito. Essa liberdade de ensinar, abrange três áreas da vida acadêmica, a liberdade para pesquisa, a liberdade em sala de aula, a liberdade de investigação, e a liberdade de expressão, isso em todas as áreas de ensino, do básico ao universitário (LIQUER, 2017).

A educação não pode ser algo reducionista, concentrando as decisões e o poder de forma financeira. É função do Estado criar um sistema de educação que englobe a todos, sem distinção, o qual tenha a capacidade para educar e capacitar pessoas. Essa educação e capacitação não pode se dar apenas por meio da educação formal, mas também deve ser por meio da educação moral, que venha a ser transmitida de forma livre, com uma real pluralidade de conhecimentos, sempre com base na ideologia constitucional.

O movimento do Escola sem Partido pretende implantar mudanças na LDB, com a instituição das diretrizes do próprio movimento, assim como visa uma restrição para que os educadores não venham a incentivar os alunos à participação em protestos, ou quaisquer tipos de movimento com a intenção de manifestação. É algo histórico a participação ou até mesmo a tomada de dianteira de educadores e educandos em manifestações, sendo esse um direito de todos, no sentido de inserir os alunos em questões importantes da sociedade.

Sendo assim pode-se dizer que a maior intenção do projeto, bem como o maior equívoco dele para a educação é transformar o ensino no Brasil em apenas uma forma de transmissão de conhecimentos, sem discussões, sem diálogo, aplicando a neutralidade em sala de aula e reprimindo quaisquer comportamentos que possam vir a retirar essa neutralidade. Acabando assim por excluir a diversidade cultural, o pluralismo de ideias e o pensamento crítico dos alunos, os quais são adquiridos por meio do diálogo e de debates (LIQUER, 2017).

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOSNA, Ianara. O cerceamento da liberdade de expressão do educador.: A (in)constitucionalidade do Projeto de Lei nº 867/2015 frente à autonomia do educador e do educando. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7152, 30 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97179. Acesso em: 20 mai. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Direito, da Universidade Luterana do Brasil, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª Rejane Seitenfuss Gelhen

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