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A viabilidade da cláusula de retomada no seguro garantia de obras públicas

28/02/2022 às 09:40
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A clareza do contrato principal e do edital de licitação, a antecipação de instrumentos, a renegociação e adoção de novos instrumentos a exemplo do takeover agreement geram a previsibilidade que Administração espera caso seja necessária retomada da obra pela seguradora, dispensando regulamentação por decreto da cláusula de retomada.

Resumo: A inclusão da Cláusula de Retomada Step-in Right como possibilidade a ser exercida pela Seguradora representa avanço louvável das normas de contratação de serviços e obras públicas de grande vulto, porém, ensejam o compromisso de todas as partes envolvidas - contratante, contratado e garantidor - em melhorar, em prol da segurança jurídica, os instrumentos jurídicos para que prevejam com clareza e detalhe de maneira a evitar-se as nefastas lições experimentadas em outros países que inspiraram tal iniciativa, sob pena de a lei não alcançar o fim desejado.

Palavras-chave: Cláusula de Retomada. Seguro Garantia.


Este artigo tem por objetivo abordar, academicamente e de forma crítica, à luz da experiência internacional, a nominada Cláusula de Retomada, introduzida nos artigos 99 e 102 da Lei 14.133 de 1º de abril de 2021, que reforma, amplia, modifica e inova em vários aspectos as Licitações e Contratos Administrativos celebrados no Brasil.

A previsão legal da Cláusula de Retomada ou step-in right é aplicável aos contratos de obras e serviço de engenharia de grande vulto, a ser utilizada pelo gestor público para os casos superiores a R$ 200.000.000,00, hipótese em que importância segurada será de até 30% (trinta por cento) do valor do contrato.

A inserção de tal medida se impôs diante do aumento vertiginoso de obras paralisadas, estimadas em 14 mil, cujos valores superam R$ 200 bilhões[2], sendo que 23% são de paralisações decorrentes de abandono de obra pela empresa contratada[3], que em tese se beneficiariam aplicar do instituto da retomada, caso houvesse sido contratado o seguro garantia.

A temática dos desvios nas obras é mundialmente debatida, por exemplo, os estudos das Universidades de Oxford e Tenesse, que revelaram três em cada quatro projetos de construção de hidrelétrica sofreram aumento de custos e oito em cada dez sofreram atraso, já em outro estudo voltados a obras em geral, revelou-se que nove de cada dez projetos atrasam e tem aumento de custos[4].

Diante desse cenário, após amplos debates no Congresso Nacional, introduziu-se no país modificações na Lei de Licitações para aprimorar o uso do Seguro Garantia como instrumento capaz de a um só tempo, garantir a consecução do contrato ao menor custo possível. Originalmente, foi concebido para ser uma ferramenta de garantia da obrigação assumida pela Contratado (Tomador) frente às necessidades do ente público (Segurado), estando a Seguradora na posição de garante da prestação derivada do vínculo obrigacional firmado através do Contrato Administrativo.

Entrementes, a obrigação da Seguradora fica em estado latente enquanto o sinistro não ocorre, conforme ensina o i. Adalberto de Souza Pasqualotto[5], gerando ao ente público expectativa de direito em caso futuro de inadimplemento do Tomador, nessa relação tripartite atípica.

Embora a previsão de utilização do Seguro Garantia como meio de garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelo Contratado já estivesse presente na Lei 8.666, quando de sua reforma em 1994, o legislador inspirou-se em modernos instrumentos já experimentados internacionalmente, dentre os quais destaca-se nesse artigo a Cláusula de Retomada, para modernizar a legislação e inovar na tentativa de propor a solução do problema de atraso ou abandono de obras públicas.

Válido mencionar que a primeira Circular SUSEP nº 8 de 1982 já tratava da hipótese de, em acordo com o Segurado, a Seguradora promover a conclusão da obra, fornecimento ou serviço, dentro das especificações do contrato original firmado ente o Segurado e o Garantido inadimplente como alternativa ao Segurado, em lugar do pagamento da indenização, embora os casos concretos sejam excepcionais.

Nesse mesmo sentido, as Circulares SUSEP sobre Seguro Garantia de 2002, 2003 e 2013 previam a possibilidade de a Seguradora assumir o objeto do Contrato Principal para dar-lhe continuidade e concluí-lo, sob sua integral responsabilidade, realizando-o por meio de terceiros, conforme constou expressamente da atual regulamentação setorial por meio da Circular SUSEP nº 477 de 2013.[6], agora incorporada ao texto legal.

Aliás, o conceito do step-in right não é novo no ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se previsto desde 2004 na Lei das PPPs (Lei nº 11.079) e na Lei de Concessões (Lei 8.987), atualizada em 2015 para prever a intervenção temporária dos financiadores e garantidores para reestruturação financeira e continuidade da prestação dos serviços do concessionário.

Porém, o referido instituto apesar de há muito previsto não apresenta um único caso de utilização dos financiadores de projeto no Brasil e a razão é muito simples, falta de previsibilidade. Recentemente, diversos editais de licitações passaram a incorporar em seus anexos modelos de acordos tripartites[7] prevendo as hipóteses para o acionamento do step-in rigth, como é o caso do modelo de concessão da BR-153, com destaque para as limitações de assunção de responsabilidade dos financiadores em casos de retomada, não havendo falar transferência de encargos, ônus, sanções, obrigações ou compromissos do concessionário aos agentes temporários responsáveis pela reestruturação[8].

Entrementes, à semelhança do que vem ocorrendo nos contratos de concessão e parcerias, a novel Cláusula de Retomada no Seguro Garantia, deverá seguir o mesmo caminho, de modo que o edital antecipe a forma de acionamento e os limites de responsabilidade da Seguradora, reduzindo a insegurança jurídica para a correta aplicação do instituto.

Além disso, a legislação previu a possibilidade de isentar a Seguradora do pagamento da integralidade da importância segurada, se a Cláusula de Retomada for acionada, como uma forma de incentivo do seu uso.

Contudo, remanescem dúvidas a respeito da aplicação do instituto e sua vantagem, uma vez que a retomada implica na vinculação da Seguradora ao Contrato Administrativo, na qualidade de interveniente anuente, devendo assinar contratos e aditivos, podendo ter acesso amplo aos documentos da obra e acompanhar bem de perto a execução do contrato.

De mais a mais, considerando que a Seguradora é acionada quando o Tomador se encontra inadimplente com suas obrigações, as principais questões que são colocadas dizem respeito a assunção de responsabilidade pela Seguradora perante o passivo fiscal, trabalhista, regulatório, incluindo os fornecedores e subcontratados não pagos pelo credor original.

Além disso, a execução do contrato submeterá a Seguradora e a empresa subcontratada aos critérios exigidos econômicos e financeiros que originalmente foram estabelecidos pela lei de licitações, capacidade técnica, por exemplo. Há ainda, as questões reflexas para depois de executadas as obras, reclamação de vício e defeitos após a entrega das obras, a execução de serviços adicionais, dispostos pelas cláusulas exorbitantes, o inadimplemento do órgão público e o momento em que cessam as responsabilidades da seguradora, retroagindo ao início do contrato original, sub-rogando-se nos direitos primitivos do contratado ou apenas a partir da retomada da obra.

Como qualquer novidade, há muitas questões e poucas respostas prontas que precisam ser construídas para se evitar efeitos indesejados e uma previsão legal natimorta. E isto dependerá de três fatores cruciais, o nível de detalhamento do edital da licitação da obra ou serviço, os limites subscritos pela Seguradora no contrato de seguro garantia e a segurança jurídica, que passa, necessariamente, na forma de intervenção do judiciário nos negócios jurídicos celebrados entre as três partes contratantes.

A respeito do último item, é importante lembrar que o Contrato de Seguro de Garantia de Obras Públicas, por regra, estará sujeito às diretrizes da Resolução CNSP nº 407 de 2021, por ser um seguro de danos para cobertura de grandes riscos, que se alinha aos princípios da Lei de Liberdade Econômica e impõem menor rigor estatal para sua elaboração, e não somente a atual regulamentação, cuja atualização deverá ocorrer tendo a já realizada consulta pública para os seguros garantia em geral.

Isto é, considerando que na hipótese dos projetos de grande vulto as partes contratantes são paritárias, como é caso, poderão pactuar livremente as condições de seus contratos para se submeter a regras e convenções, primando pela intervenção estatal excepcional, tanto no Contrato Administrativo como no Contrato de Seguro.

Portanto, alinhado ao conceito de liberdade contratual, a Cláusula de Retomada nos contratos públicos e sua adesão pela Seguradora, através das condições da Apólice, ganha contornos de relevância e deve ser prevista de maneira detalhada no edital, especialmente, quais serão as consequências de seu uso para fins de subscrição do risco proposto pelo Tomador (Contratado) para fins de garantia pela Seguradora em benefício do Segurado, em geral, o agente da administração pública direta ou indireta.

Não sem razão, a intenção da modernização legislativa é elevar o patamar de contratação pública no Brasil para os países desenvolvidos, e nesse aspecto, utiliza-se da experiência mais significativa do uso do performance bond com cláusula de retomada nos Estados Unidos e Canadá para se depreender preciosas lições advindas desse instituto.

A experiência internacional alerta que algumas das indagações anteriormente suscitadas dependerão estritamente de como as obrigações e responsabilidades foram dispostas, com clareza e detalhamento no Contrato Principal e na Apólice de Seguro Garantia.

Primeiro, vale mencionar que a Cláusula de Retomada nos Estados Unidos é conhecida como takeover ou takeover agreement e no Canadá complete the contract não step-in right, esse último é utilizado como expressão genérica para as hipóteses de um terceiro interessado assumir a posição de uma parte no contrato para satisfação da obrigação inadimplida do contrato original[9], como previsto na legislação de concessão brasileira, por exemplo.

Na experiência americana, cujos limites seguráveis são de até 100% do valor do contrato garantido, a cláusula de takeover quando invocada nos casos de inadimplemento do Tomador, geram um Contrato adicional estabelecido entre a Seguradora e o Segurado denominado Takeover Agreement definido como: documento crítico para a Seguradora e o Segurado na definição de seus direitos e obrigações futuras e no estabelecimento de uma compreensão clara do escopo do trabalho restante a ser concluído.[10].

Através desse contrato, as partes pactuam como se dará a retomada da obra, o escopo da obra a ser executada de acordo com as disposições do Contrato Garantido, as obrigações assumidas pela Seguradora, inclusive em relação aos fornecedores e subcontratados do contrato original, a possibilidade de alteração do escopo do contrato principal, o novo cronograma da obra, o valor remanescente a ser pago pelo Segurado/Contratante e a forma de solução de eventuais conflitos.

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Diante do novo contrato, os Tribunais americanos já decidiram que o Contrato Original é incorporado por referência ao Takeover Agreement, fazendo com que a Seguradora se torne a Contratada do Contrato de Obra, originalmente garantido. Segundo o entendimento jurisprudencial americano, a Seguradora passaria a ter, inclusive, maiores direitos que o Tomador, podendo executar o novo contrato contra o Segurado em face de trabalhos adicionais em excesso ao que originalmente fora pactuado[11], como ocorreu no caso Travelers Indemnity Co. v. United States, 16 Cl. Ct. 142 (1988), em que a Seguradora se viu obrigada a executar além do que havia sido originalmente estabelecido pelo contrato e não recebeu do governo americano o equivalente pelo trabalho executado.

Outro exemplo é o caso XL SPECIALTY v. COM., DEPT. OF TRANSP., 624 SE 2d 658 - Va: Court of Appeals 2006 em que a Seguradora, após ser acionada, concluiu a obra e teve negado o pagamento pelo contratante da obra executada[12].

Em outras palavras, a seguradora, em verdade, se torna o contratado, sujeito aos termos do novo contrato firmado com o Segurado, substituindo o Tomador para todos os efeitos. A exceção desse entendimento se aplica apenas aos casos em que a Seguradora não assume o compromisso de completar a obra ou serviço, deixando assim de firmar o compromisso em apartado.

Outro tema tormentoso é a limitação da responsabilidade da Seguradora diante do inadimplemento do Tomador. Há, basicamente, dois entendimentos, o primeiro como regra geral, p.e., Lawrence Tractor Co. v Carlisle Ins. Co., 202 Cal App 3d 949, 249 Cal Rptr 150 (1988), diz que a Seguradora estará sempre limitada ao valor da importância segurada[13] que corresponde, na maior parte das vezes, a multa contratual ou cláusula penal, método de antecipação e quantificação de perdas e danos estabelecida previamente no Contrato Principal, na hipótese em que a Seguradora não assume a retomada da obra, o que inclusive, está previsto na Lei de Licitações brasileira, gerando um incentivo para que a Seguradora assuma a conclusão do empreendimento, que poderá ser mais vantajoso do que o pagamento integral da importância segurada.

Nesse sentido, cita-se como exemplo a Califórnia, onde o Código Civil dispõe que a Seguradora quando retoma a obra deve firmar por escrito o compromisso com o Segurado e mais, a lei estatui que a retomada estará limitada às disposições previstas no contrato de garantia e não no contrato principal, vez que apenas empresas licenciadas podem exercer o papel de empreiteiro ou contratados, o que não se aplica à Seguradora. De igual forma, a legislação processual californiana, prevê expressamente que a responsabilidade estará limitada ao valor estabelecido na garantia[14].

Em sentido contrário, há diversos julgados em que a Seguradora se vincula ao contrato principal e responde por todos os prejuízos, como se o Tomador fosse, pois calça os seus sapatos step into the shoes abrindo espaço para a condenação além dos limites pactuados por todos os danos causados pelo inadimplemento do contratado.

Nesses casos, em comum estão a ausência de previsão contratual da Apólice a respeito das possibilidades de retomar ou não a obra, a efetiva retomada pelo Segurador e a ausência de acordo por escrito prévio (Takeover Agreement), estabelecido entre a Segurada e o Segurador, em relação aos limites de responsabilidade assumidos, nessa hipótese, os tribunais entendem que a Seguradora renunciou à limitação contratual e atua como se contratada do contrato principal fosse[15], embora a Corte tenha ressalvado que nada há de ilícito em limitar as obrigações assumidas na qualidade de garantidor, mas se não o fez ao tempo da retomada não é possível invocar tal limitação posteriormente.

Outra questão interessante que se coloca é a possibilidade da Seguradora ao retomar a obra, passando a figurar como interveniente anuente, poder subcontratar o empreiteiro original, já que o propósito original da Apólice é garantir o cumprimento integral da obrigação do contrato diante da inadimplência do Tomador, mas sem determinar quem tem o dever de terminar o projeto originalmente garantido.

Recentemente, a Corte de Apelação da Flórida[16] entendeu que diante da inexistência de ambiguidade e clareza da Cláusula da Apólice que estabelecia ser opção da Seguradora retomar a obra e subcontratar livremente, era possível, mesmo que o Segurado se opusesse, resistindo em firmar o Takeover Agreement, à Seguradora garantiu-se o direito de seguir com a contratação do Tomador da Apólice, agora na qualidade de subcontratado, para finalização da obra.

Por sua vez, na experiência canadense, cuja importância segurada é, em média, de 50% do valor do contrato, há dois claros entendimento a respeito do papel da Seguradora na retomada da obra e a limitação de suas obrigações.

A primeira corrente, baseada no precedente Western Surety Co. v. Lac La Ronge Indian Band, 2004 SKCA 109 (CanLII), ao reformar a sentença reconheceu que a responsabilidade da seguradora era limitada aos custos necessários para completar o trabalho ou a obra iniciada pela Tomador. Nesse sentido, o Tribunal traz importante lição a respeito da cláusula de retomada: nenhuma seguradora assumiria a obrigação de completar o Contrato se isso significasse que seria responsável por danos maiores ou, neste caso, indenização por perdas e danos. A extensão da exposição da garantia deve ser a mesma, independentemente da opção escolhida.[17].

Por outro lado, o precedente Whitby Landmark Development Inc. v. Mollenhauer Construction Ltd., 2003 CanLII 50085 (ON CA), marcou a interpretação do Tribunal a respeito da possibilidade da Seguradora garantir reclamações derivadas do próprio contrato garantido, que nesse caso, estabeleceu um acordo de repartição de custos para além daqueles necessários aos reparos e término da obra, pois no entender da corte: não há nada nas condições da apólice ou nas circunstâncias em torno de sua negociação ou conclusão que sugira que as cláusulas de compartilhamento de custos do contrato de construção não estão incluídas como perdas vinculadas.[18], ampliando-se a garantia fornecida pela Seguradora para além do tijolo e argamassa bricks-and-mortar, como se convencionou nominar.

As mais diversas discussões exsurgem necessariamente diante de reclamações dos Segurado por compensações financeiras, no contexto de atraso de obras, em oposição aos custos necessários para completa retomada da obra física.

Em outro caso, decidido pela corte Alberta, MGN Constructors Inc. v. AXA Pacific Insurance Company, 2013 ABQB 216, determinou-se que o Segurado ao declarar a inadimplência do Tomador, não deu tempo razoável à Seguradora de promover sequer a regulação do sinistro, pois após o aviso do sinistro, em seguida, houve a rescisão do contrato principal, de modo que foi exigido o pagamento integral da garantia, sem que houvesse a oportunidade pela retomada, o que é bem comum na prática, pois os desvios dos contratos de construção não são acompanhados e quando a Apólice é acionada o vínculo contratual, por vezes, é irrecuperável, notadamente, já está há muito rompido e as chances da obra ser retomada são quase nulas.

Ademais, no referido caso, o magistrado observou que a lei atual é obscura em relação ao escopo de cobertura da garantia de performance bond, e que, por vezes, é necessário aportar recursos além daqueles efetivamente necessários à construção física do projeto com vistas a cumprir seu cronograma, abarcando gastos com atrasos, os quais, de acordo com as circunstâncias de caso, podem ser garantidos pela Apólice.

De toda forma, o julgado traz duas advertências importantes, a primeira é que a retomada não será opção viável em todos os projetos de construção e segunda diz respeito à incerteza redacional dos contratos que continuará até a Suprema Corte do Canadá decidir qual o precedente deve prevalecer, enquanto isso, sugere o magistrado, É curioso o motivo pelo qual as empresas seguradoras não fizeram nada para resolver a incerteza por meio de uma redação clara nos contratos padrão seguro garantia. A indústria poderia criar dois tipos de apólices com preços diferentes: um apenas para tijolos e argamassa e outro para todas as obrigações contratuais. Interpretações desfavoráveis, mesmo pela Suprema Corte, podem ser revertidas por uma linguagem cuidadosamente construída.[19].

Diante das evidências factuais apresentadas é possível facilmente extrair a mais importante lição para que a Cláusula de Retomada nos Contrato de Seguro Garantia de Obras públicas seja empregada como se pretendeu pela reforma da lei de licitações, os contratantes devem prezar pela melhor e possível redação do instrumento jurídicos.

A obviedade de tal certeza pode ser contestada, porém a clareza e detalhamento do Contrato Principal, do edital de licitação e seus anexos, a antecipação de instrumentos, a renegociação e adoção de novos instrumentos a exemplo do Takeover Agreement geram a previsibilidade do que a Administração espera, caso seja necessária retomada da obra pela Seguradora, sendo despicienda a utilização de outros instrumentos como a regulamentação por decreto da Cláusula de Retomada. É preciso construir soluções específicas para o caso concreto, evitando mais generalizações.

Por sua vez, caberá ao mercado segurador, ressegurador e corretor, o desenho de melhores produtos que prevejam com clareza os limites seguráveis, com linguagem acessível, evitando-se longas e custosas batalhas judiciais que apenas retardam o cumprimento do objeto segurado, que é a execução do serviço ou obra pública em benefício da sociedade.

Afinal, existe na frase que se atribui à Albert Einstein ("insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes") verdade atemporal, e que nos impulsiona e exige esforço mútuo para apresentar soluções diversas para problemas comuns.


  1. .................
  2. TCU. Justiça e órgãos de controle lançam programa para retomada de obras. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/justica-e-orgaos-de-controle-lancam-programa-para-retomada-de-obras.htm>. Acesso em: 8/10/2021.
  3. TCU. AUDITORIA OPERACIONAL SOBRE OBRAS PARALISADAS. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/auditoria-operacional-sobre-obras-paralisadas.htm>. Acesso em: 8/10/2021.
  4. BOTELHO MESQUITA. Disponível em: <http://www.botelhomesquita.adv.br/download.php?arq=adjudicacao_rev_12_11_marcada.pdf >. Acesso em: 8/10/2021.
  5. Adalberto de Souza Pasqualotto, Garantias no direito das obrigações: um ensaio de sistematização, p. 226.
  6. Art. 13 A seguradora indenizará o segurado, mediante acordo entre as partes, segundo uma das formas abaixo: I realizando, por meio de terceiros, o objeto do contrato principal, de forma a lhe dar continuidade, sob a sua integral responsabilidade;
  7. Projeto Aeroporto Parnaíba, Piauí. Disponível em: http://www.ppp.pi.gov.br/pppteste/wp-content/uploads/2021/03/Anexo-VI-do-Edital-Minuta-Acordo-Tripatite.pdf; Concessão do Zoológico e Jardim Botânico do Governo do Estado de São Paulo. Disponível em: https://smastr16.blob.core.windows.net/editais/sites/41/2020/11/32-anexo-xxxii-diretrizes_para_o_acordo_tripartite_zoo_jdbot.pdf; Concessão de Rodovia Piracicaba Panorama, Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.artesp.sp.gov.br/Shared%20Documents/Licita%C3%A7%C3%B5es/Concorrencia_Internacional01-2019/Republica%C3%A7%C3%A3o/AnexosContrato/08%20-%20ACORDO%20TRIPARTITE.pdf
  8. O exercício da Administração Temporária não importará a responsabilização do Agente, dos financiadores ou do Administrador Temporário em relação à tributação, encargos, ônus, sanções, obrigações ou compromissos da Concessionária perante a ANTT, o Poder Concedente, terceiros ou empregados da Concessionária, permanecendo essa como responsável por tais encargos, ônus, sanções, obrigações ou compromissos. Disponível em: <https://portal.antt.gov.br/documents/359170/2430273/Anexos+do+Contrato+-+P%C3%B3s+Esclarecimentos.pdf/622725e2-d8b8-570f-4e8d-dabd9ec97b71?version=1.1&t=1617765203667> Acesso em 8/10/2021.
  9. Typically this means that, if the developer becomes insolvent halfway through a project and breaches the building contract and the professional appointments, the beneficiary (often, but not necessarily, a funder) may step in and effectively become the developer, pay any sums due to the building contractor and the professional consultants and complete the project. Disponível em: https://uk.practicallaw.thomsonreuters.com/8-107-7320?transitionType=Default&contextData=(sc.Default)&firstPage=true
  10. Philip L. Bruner & Patrick J. O'Connor, Jr., 4A Bruner & O'Connor on Construction Law § 12:80 (2009)
  11. Travelers Indem. Co. v. United States, 16 Cl. Ct. 142 - 1988 , disponível em https://cite.case.law/cl-ct/16/142/
  12. XL SPECIALTY v. COM., DEPT. OF TRANSP., 624 SE 2d 658 - Va: Court of Appeals 2006.
  13. It is the general rule that the amount that can be recovered from a surety is limited to the penal sum of the bond. Disponível em: https://www.leagle.com/decision/19881151202calapp3d94911082
  14. KLINGER, Marilyn. Surety Bond Penalty Waivers in Takeover Situations. Disponível em: https://www.irmi.com/articles/expert-commentary/surety-bond-penalty-waivers-in-takeover-situations#footnote3
  15. One who is in reality a surety may contract as a principal. He may waive the rights which the law throws around a surety, for such a waiver has nothing in it offensive to the law; and the surety does waive such rights when he in terms contracts and agrees to be bound as principal." Caron v Andrew, 133 Cal App 2d 402, 284 P2d 544 (1955), disponível em: https://law.justia.com/cases/california/court-of-appeal/2d/133/402.html
  16. SEAWATCH AT MARATHON v. THE GUARANTEE CO., 286 So. 3d 823 - Fla: Dist. Court of Appeals, 3rd Dist. 2019, disponível em: https://scholar.google.com/scholar_case?case=12853837345412862252&hl=en&as_sdt=2006
  17. [61] Western Surety Co. v. Lac La Ronge Indian Band, 2004 SKCA 109 (CanLII), <https://canlii.ca/t/1hpwb>, retrieved on 2021-10-15
  18. [27] Whitby Landmark Development Inc. v. Mollenhauer Construction Ltd., 2003 CanLII 50085 (ON CA), <https://canlii.ca/t/4s20>, consulta em 2021-10-15
  19. [135] ... MGN Constructors Inc. v. AXA Pacific Insurance Company, 2013 ABQB 216 (CanLII), <https://canlii.ca/t/fx707>, acesso em 2021-10-15.
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Sobre o autor
Raphael Saydi Macedo Mussi

Graduado em direito pela Universidade Estácio de Sá (2007). Pós-graduado lato sensu em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá (2010) e Direito Empresarial pela Universidade Católica de Petrópolis (2011). Professor Convidado da Escola Nacional de Seguros. Ex-pesquisador da Fundação Getúlio Vargas. Áreas de atuação: Direito Civil, Responsabilidade Civil, Consumidor, Seguros, Resseguro, Processo Civil e Arbitragem. Advogado e sócio do escritório Pellon & Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MUSSI, Raphael Saydi Macedo. A viabilidade da cláusula de retomada no seguro garantia de obras públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6816, 28 fev. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96357. Acesso em: 27 abr. 2024.

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