Artigo Destaque dos editores

Análise crítica da obra O direito achado na rua: concepção e prática, de José Geraldo Souza Júnior

11/03/2020 às 13:20
Leia nesta página:

Historicamente, a formação em direito se restringiu ao predomínio de um sistema normativo. "O direito achado na rua: concepção e prática" traz a perspectiva de uma ciência jurídica antidogmática, mais humanista e igualitária, apta a substituir as ideologias do direito ocidental moderno.

José Geraldo da Souza Junior, Doutor em Direito pela Universidade de Brasília, em sua obra “O Direito Achado na Rua: Concepção e Prática”, vai ao encontro dos pensamentos de Roberto Lyra Filho e de intelectuais da Nova Escola Jurídica Brasileira, NAIR, na construção de uma visão inovadora sobre o Direito, promotora de uma nova leitura da realidade, com uma visão mais humanista, justa e que defenda, lute e promova os Direitos Humanos.

Para explicar sua teoria em relação aos modos de compreender as regras jurídicas, o autor se vale de alguns conceitos chaves que serão explicados ao longo do texto, como pluralismo jurídico, Direito como ferramenta emancipatória social e igualdade social.

O Direito Achado na Rua vai de oposição à visão e às características do Direito Moderno Ocidental, fazendo críticas e apondo seu pensamento ao Positivismo e ao Jusnaturalismo. Segundo o autor, o Direito atual funciona como um mero instrumento, utilizado pelas classes e grupos dominantes e detentores do poder político, como forma de dominação e o modelo unitário e centralizador do Direito espelha sua ineficácia e injustiça. Segundo ele, o Positivismo moderno causa a redução do Direito à ordem estabelecida, desta forma, sua nova visão seria a realização da inclusão, no Direito Constitucional, de outras formas de compreender as regras jurídicas.

Da mesma forma, como as bases do Pluralismo Jurídico, José Geraldo da Souza Junior reconhece numa “Constituição Extralegal”, “Direitos” extra estatais, o poder e o caminho de modelação do Direito como uma legítima organização social da liberdade. Desta forma, o Estado não seria o único detentor do poder de emanar normas jurídicas.

De acordo com o pesquisador, o Direito Moderno Ocidental se equivoca ao analisar o Direito como uma norma fixa, parada e estática. Assim como a realidade, o Direito deve ser analisado em uma perspectiva modelável em um processo de libertação constante da sociedade. A reivindicação de uma emancipação social, assim como a promoção de uma sociedade mais justa e livre que a atual estaria atrelada à compreensão sobre a atuação jurídica dos novos movimentos sociais e à conciliação da produção do conhecimento com as normas sociais, “tal corrente entende que o verdadeiro direito é o que nasce dos movimentos sociais” (SOUSA JUNIOR, 2008, p. 5).

O projeto é construído, em base, por três principais objetivos orientadores da teoria e política do Direito Achado na Rua. O primeiro objetivo seria a promoção da reflexão do direito como democratização da justiça, determinando o espaço político em que as práticas sociais, que enunciam direitos, acontecem, por exemplo, os direitos humanos. Segundamente, a promoção de uma “identidade de intervenção” que confira um vínculo para uma prática profissional por meio de um projeto político de transformação social. Por fim, seu terceiro objetivo, a construção de uma definição de novas práticas docentes e de pesquisa, sobretudo no campo do estudo do Direito, estabelecendo novas categorias jurídicas nas quais o Direito faça parte de um projeto de legitimação social da liberdade.

O Direito Achado na Rua promove, então, um diálogo entre as diversas disciplinas, de forma que a interdisciplinariedade contribua, complete e justifique a prática de pesquisa para o campo de pesquisa em Direito. Em relação ao campo da pesquisa, o autor busca a reivindicação de uma “pesquisa-ação” onde os campos de pesquisa iriam muito além das fronteiras da universidade. Esses trabalhos científicos seriam resultado de desorientações da ideologia do binômio jusnaturalismo-positivismo.

[...] e desse modo, enfim, que O Direito Achado na Rua se renova como práxis de autoaprendizado e construção de uma cultura e concepção que reconhece e compreende o Direito a partir da sua emergência e afirmação no ambiente social, como enunciação de princípios de uma legítima organização social da liberdade (LYRA FILHO, 2006).

A superação da separação entre teoria e prática proposta por José Geraldo da Souza Junior, em O Direito Achado na Rua, remete à necessidade de substituição dos paradigmas jurídicos tradicionais, presentes na visão moderna do Direito. A variedade das fontes de normatização e direitos assim como os modos diferentes de legitimar os saberes e os conhecimentos são a base, no texto, para a construção de uma nova ordem jurídica estatal, pautada na justiça social, igualdade, direitos humanos e as demandas dos segmentos marginalizados da sociedade.

Assim como o José Geraldo da Souza Junior, Boaventura de Souza Santos elucida, em sua obra “Os conceitos que nos faltam”, a problematização que molda a crítica à visão do Direito moderno ocidental. O Direito parte de um ponto de análise equivocada, não somente pela forma de se passar os conhecimentos dentro do campo jurídico, mas também pela sua própria conceituação do Direito.

 A interpretação da normatividade como algo fixo seria, então, uma contradição às diversas realidades e necessidades e à fluidez da sociedade. Portanto, a legitimação dos saberes do conhecimento, assim como a variedade das fontes de conhecimento seriam ferramentas de combate à manipulação do Direito e da política por classes favorecidas e detentores de poder, sobretudo, político. Tal perspectiva representaria então uma nova realidade refletida no Direito, como ferramenta emancipatório das classes marginalizadas.

Segundo o texto, a legitimidade dos sujeitos decorreria da individualidade e consciência de suas próprias subjetividades para assegurar a titularidade dos direitos. O autor esclarece que, na verdade, o sujeito coletivo não nega, nem exclui, a existência dos sujeitos individualmente considerados. A admissão dos sujeitos coletivos não institucionalizados numa categoria jurídica significaria a necessidade de rompimento com o modelo liberal, que reconhece o Estado como fonte principal do direito. E, desta forma, para admitir aqueles não institucionalizados, o autor expressa a necessidade de adoção de novas formas de reconhecimento da legitimidade dos sujeitos, neste caso, a diversidade das fontes do Direito.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Numa perspectiva acadêmica, sobretudo na pesquisa em Direito, o Direito Achado na Rua atuaria para além e, muitas vezes, contra o direito estatal. As ideologias modernas ocidentais seriam o reflexo de um método incapaz de traduzir as necessidades da sociedade. A pesquisa e extensão seriam consideradas então, nesta nova via, elementos necessários e indispensáveis para um “fazer” universitário. A pesquisa, a extensão e o ensino, segundo o “Direito Achado na rua” são considerados instrumentos e experiências que devem ser comprometidas com os processos de transformação social.

Essa reforma do ensino jurídico, classificada na obra como “necessária”, seria ferramenta para uma transformação e construção de um estudante que deve, a rigor, utilizar o Direito como instrumento de transformações na sociedade. Seu papel seria compreender e refletir em relação à participação jurídica dos novos sujeitos sociais, determinando o espaço no qual se desenvolvem as práticas socias que enunciam direitos, definindo a natureza jurídica do sujeito coletivo capaz de criar projetos de transformação da sociedade.

Segundo o projeto, essas transformações nas bases metodológicas não abandonariam os rigores metodológicos da investigação científica estimulando o pensamento sobre o Direito. As formulações teóricas deveriam ser feitas a partir das realidades sociais.

Essa reforma não seria, entretanto, uma simples reforma curricular, mas sim um projeto completo de definição de um novo tipo de ensino em consonância com a nova ciência jurídica. Conforme destaca Agostinho Marques Neto:

Só então o ensinamento jurídico deixará de constituir uma simples e alienada transmissão de conhecimentos, para assumir o caráter de atividade visceralmente ligada à pesquisa e à extensão, enriquecendo-se com elas, dentro de um sistema universitário aberto à investigação e à crítica. (MARQUES NETO,1982, p. 168-169)

Além da nova metodologia, a objetivação de romper com o ensino tradicional no curso de Direito, as atividades e projetos de extensão também receberam destaque na obra do autor. Segundo o mesmo:

A extensão universitária é a principal forma pela qual a Universidade se relaciona com a sociedade. A extensão possui potencial para fornecer aos estudantes, um “instrumento empírico e crítico capazes de propor soluções alternativas ao dogmatismo jurídico. A importância das contribuições de O Direito Achado na Rua na Experiência de práticas de extensão fica muito clara no trecho, retirado da obra: “a concepção de que não há teoria sem prática e nem prática sem teoria”. (SOUZA JUNIOR,2015, p.192).

Assim como o estudo e pesquisa no campo do Direito, a extensão no curso de Direito deve abordar, em um contexto interdisciplinar, as demandas da sociedade por meio de uma visão ampliada do fenômeno jurídico. Para que isso ocorra, segundo o texto, seria necessário partir de uma crítica aprofundada dos padrões dominantes do ensino do Direito atual para, depois disso, formular novas possibilidades de pensamentos críticos e emancipatórios na produção de ensino e na formulação de pesquisa. “Além desses pontos, acrescentamos a necessidade de dissolver a hierarquia entre os sujeitos envolvidos na pesquisa, ampliando os espaços de construções horizontais, tanto no ensino e na pesquisa quanto na extensão”. (SOUZA JUNIOR,2015, p. 231)

Portanto, O Direito Achado na Rua é fruto de uma reflexão feita a partir dos conceitos sociais e das realidades históricas. Historicamente, a formação em direito se restringiu a um autoritarismo e predomínio de um sistema normativo, a perspectiva de uma ciência jurídica antidogmática apresenta-se como uma nova possibilidade da criação de um campo do Direito mais humanista, igualitário que substitua as ideologias do Direito Ocidental Moderno.

Como desafio e novas propostas para o Direito Achado na Rua, poder-se-ía colocar a ampliação da perspectiva das pesquisas empíricas, relacionadas aos projetos de extensão no campo da universidade. A pesquisa estática, fixa, muitas vezes não consegue abranger todas as possibilidades e necessidades, ou até mesmo atingir o máximo do potencial crítico que um pesquisador poderia ter para conclusão de projetos.

Desta forma, a ampliação das pesquisas empíricas no Direito Achado na Rua significaria uma maior capacidade de percepção da realidade das classes marginalizadas e de um Direito que, na verdade, emanaria das necessidades sociais, da rua. Essa nova perspectiva seria condizente e auxiliadora para as noções, já enumeradas durante o texto, do Direito como ferramenta emancipatória e defensora da justiça social.


Referências Bibliográficas:

SANTOS, Boaventura. Os conceitos que nos faltam. Disponível em: <http://odireitoachadonarua.blogspot.com/2018/08/boaventura-os-conceitos-que-nos-faltam.html>.Acesso em: 07 set. 2018.

SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. O Direito Achado na Rua: Concepção e prática. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2015.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Lucas Moreira. Análise crítica da obra O direito achado na rua: concepção e prática, de José Geraldo Souza Júnior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6097, 11 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79738. Acesso em: 28 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos