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O estupro de vulnerável frente ao Estatuto da Pessoa com Deficiência

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02/03/2018 às 15:00
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O Estatuto da Pessoa com Deficiência veio reforçar a autonomia sexual das pessoas com deficiência, enquanto corolário natural da dignidade humana, elevada ao status de fundamento da República Federativa do Brasil. Algumas questões afetas à capacidade civil, bem como penais, vêm à tona sob nova ótica, e necessitam ser discutidas.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho contempla o tema “O estupro de vulnerável frente ao Estatuto da Pessoa com Deficiência”. Por longo tempo, as vontades e aspirações das pessoas com deficiência foram renegadas pela sociedade, a qual se encarregou de simplesmente lhes atribuir o rótulo de pessoas incapazes. Os desejos sexuais das pessoas com deficiência foram ignorados, sendo elas tratadas como verdadeiras coisas ao invés de sujeitos de direitos.

Acontece que, com a entrada em vigor da Lei n.º 13.146/2015, houve o reconhecimento de direitos às pessoas com deficiência, principalmente a declaração da capacidade e da autonomia da vontade para decidir acerca de assuntos sexuais.

Neste contexto, a questão central da pesquisa é discutir se haveria incompatibilidade entre o reconhecimento da capacidade civil das pessoas com deficiência (inaugurada pela Lei n.º 13.146/15) e o crime de estupro de vulnerável, bem como questionar se o reconhecimento da autonomia à sexualidade das pessoas com deficiência teria deles retirado a condição de vulneráveis, o que, por via reflexa, acarretaria a inocuidade da norma incriminadora.

O estudo trabalha com a hipótese de que não há incompatibilidade entre as disposições contidas no Estatuto da pessoa com deficiência e o conteúdo do tipo penal protetor.

De forma mais específica, pretende-se identificar as diferentes concepções de incapacidade civil das pessoas ao longo da evolução legislativa; abordar a relação entre a capacidade civil e a autonomia para decidir questões relacionadas a aspectos sexuais; apontar a autonomia da vontade como verdadeiro corolário da dignidade da pessoa humana; mostrar que o reconhecimento da capacidade da pessoa com deficiência não lhe retira, necessariamente, a condição de vulnerabilidade essencial para a incidência do crime do art. 217-A, § 1º do Código Penal.

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica através de fontes indiretas, tais como: livros, jurisprudência, periódicos, sites jurídicos e revistas.

O texto está dividido em onze partes. Além desta introdução, o capítulo dois trabalha com as capacidades, vindo o capítulo três esclarecer sobre a teoria das incapacidades a partir do Estatuto da pessoa com deficiência. Já o capítulo quatro aborda os fundamentos da teoria das incapacidades, enquanto o quinto, a ideia de vulnerabilidade. O capítulo seis menciona o reconhecimento de direitos aos portadores de deficiência. Por sua vez, os capítulos sete e oito dispõem sobre considerações gerais e princípios do Direito Penal. Enquanto o nono capítulo ingressa nos crimes contra a dignidade sexual, o décimo levanta a ideia da vulnerabilidade penal em razão de enfermidade ou deficiência mental. Por fim, o capítulo onze faz uma análise do crime de estupro de vulnerável à luz do Estatuto da pessoa com deficiência.


2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A CAPACIDADE

O Direito se encarrega de estabelecer regras e princípios tendentes a regular o comportamento humano para uma convivência harmônica em sociedade, homenageando, de um lado, a autonomia da vontade mas, de outro, regulando relações que porventura possam causar resultados antijurídicos. 

Dessa maneira, encarregou-se o Código Civil de fixar parâmetros de direito privado, estabelecendo, logo no seu art. 1º, a previsão da capacidade civil, ao prever que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

Capacidade pode ser entendida como “a medida das situações de que uma pessoa pode ser titular ou que pode atuar”[1], traduzindo-se numa extensão de possibilidades de ação.

Para a maior parte da doutrina, há uma divisão da teoria das capacidades em relação ao sentido que se emprega: de um lado, temos a capacidade de direito (ou capacidade de gozo) e, de outro, a capacidade de fato (ou capacidade de agir)[2]. Apenas esta será objeto de trabalho mais acurado, tendo em vista que a capacidade de gozo, por sua vez, não traz maiores polêmicas.

O dispositivo mencionado (art. 1º, CC) trata da denominada capacidade de direito (ou de gozo), “que é aquela para ser sujeito de direitos e deveres na ordem privada, e que todas as pessoas têm, sem distinção”[3].

Destaque-se que o texto legal, atento à individualidade das pessoas, traz limitações ao exercício de direitos e obrigações, estabelecendo critérios de aferição da capacidade civil, de maneira a se reconhecer que, por fatores diversos, tais como idade, fatores psicológicos ou compulsão em se gastar dinheiro, algumas pessoas não estão aptas a exercer todos os atos da vida civil pessoalmente como a maioria das pessoas.

Assim, as situações de incapacidade (seja relativa ou absoluta) – que serão tratadas em momento oportuno – geram duplo viés, pois, se de um lado criam mecanismos para que essas pessoas sejam engajadas na comunidade e possam praticar atos, de outro lado,

O que se pretende atingir é uma maior proteção a estas pessoas que não poderiam sozinhas avaliar os atos jurídicos e a eles se obrigarem, por não conseguirem compreender a real situação, externar corretamente a sua vontade ou ter entendimento liberto de vícios para efetivamente realizar o que lhe é melhor[4].

A partir de tais premissas, é de toda importância verificar a proporção da incapacidade (se absoluta ou relativa) para saber até que ponto a vontade do incapaz deve ser considerada para a prática do ato jurídico.

2.1 CAPACIDADE DE DIREITO

O assunto inicial do Código Civil é a capacidade, assentada no art. 1º, in verbis: “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”[5].

Conforme dito alhures, costuma-se definir a capacidade civil plena na junção da capacidade de direito (gozo) mais capacidade de fato (ou de exercício) – esta será tratada adiante.

O instituto da capacidade é definido por meio de lei. Ou seja, só é capaz quem a lei assim o considera. Para se ter ideia, convém mencionar a disposição do art. 6º, II do antigo Código Civil dos Estados Unidos do Brasil (Lei n.º 3.071, de 1º de janeiro de 1916), o qual considerava relativamente incapaz a mulher casada, enquanto subsistisse a sociedade conjugal[6].

Na atual conjuntura do ordenamento pátrio, não há que se falar em incapacidade geral de direitos (aquela que priva o sujeito de ser titular de todo e qualquer direito), uma vez que não é necessário o preenchimento de qualquer requisito, bastando sua simples existência (daí o denominado princípio da capacidade total de direito).

Vale mencionar que a história mostra um passado diferente, “como era o caso dos escravos do Direito Romano, dos estrangeiros na Idade Média e das pessoas submetidas a penalidades de morte civil”[7].

2.2 CAPACIDADE DE FATO

A capacidade de fato (ou capacidade de agir, ou capacidade de exercício) pode ser conceituada como aquela que “permite que o indivíduo pratique por si certos atos da vida civil”[8].

A capacidade de fato está relacionada à possibilidade de a pessoa poder exercer (ou não), pessoalmente, os atos da vida civil sem a necessidade de intermediação de outrem. Trata-se de condicionar o exercício de direitos e obrigações civis ao grau de compreensão e discernimento, de modo que o Estado proteja as pessoas que, em virtude de alguma situação pontual, possam ser prejudicadas na sua esfera civil.

Dessa maneira, todas as pessoas possuem capacidade de direito (conforme art. 1º do CC), mas nem todas têm capacidade de fato. (arts. 3º e 4º do CC)[9]. Isso porque a lei estabelece requisitos para que seja a pessoa considerada capaz (no aspecto da capacidade de agir), todos eles (conforme se verá neste trabalho) relacionados diretamente ao estado do sujeito.

O estado do sujeito, que se traduz em elementos peculiares referentes à personalidade, é divido pela doutrina em estado político (relacionado à posição do sujeito como nacional ou estrangeiro – sem importância para a determinação da capacidade da pessoa, sendo relevante apenas nos direitos políticos, como na ocupação de determinados cargos privativos de brasileiros natos), familiar (que diz respeito ao casamento, união estável etc., não guardando relação no ordenamento atual no que diz respeito à capacidade como guardou outrora – a exemplo da incapacidade relativa da mulher casada, pelo CC/16) e individual (o qual perfaz a análise de condições físicas e de saúde do indivíduo)[10].

Quanto ao estado individual, haverá restrições quanto à capacidade de agir à medida em que a sua falta de experiência ou maturidade (normalmente associadas à idade ou problemas de saúde) afetarem o seu discernimento.

Nas duas grandes codificações civis (Códigos Civis de 1916 e 2002), os sistemas de incapacidades tiveram características semelhantes, havendo, inclusive, coerência na regulamentação do rol de incapazes, de maneira a se buscar (consequência) a proteção do incapaz[11].

A incapacidade, dessa maneira, seria dividida em absoluta e relativa. A diferença entre elas estaria no nível de interferência, por parte de um terceiro (nomeado pelo juiz, no respectivo procedimento próprio – hoje, regulamentado pelo art. 757 do CPC, o qual trata do processo de curadoria), bem como na consequência da prática de ato jurídico sem a necessária representação ou assistência.

Nesse diapasão, a incapacidade absoluta conduziria a um ato jurídico nulo, enquanto a incapacidade relativa, a um ato jurídico anulável.

Vale trazer à baila os ensinamentos de Baptista de Mello, o qual faz menção às causas das incapacidades do CC/1916, que podem ser naturais ou legais. Nas causas naturais, incluem-se “as pessoas privadas de discernimento, os menores, os loucos de todo gênero durante o tempo da moléstia, os surdos-mudos que não puderem exprimir sua vontade e o ausente”. Quanto às causas legais, falar-se-iam nos “defeitos de madureza do espírito, certas enfermidades morais, o estado da mulher casada, etc.”[12]

Já no Código Civil de 2002, nota-se sensível diferença no rol de absolutamente incapazes. Sobre os portadores de transtornos mentais, designados (pejorativamente) pelas Ordenações Filipinas sob a rubrica de “loucos de todo gênero”, houve tratamento mais delicado, podendo eles (portadores de transtornos mentais) serem considerados como absolutamente ou relativamente incapazes, a depender do grau de compreensão, de discernimento e compreensão do mundo, que lhes retira o transtorno que carregam consigo. Vale mencionar crítica sobre os termos “enfermidade”, “deficiente mental” e “excepcional sem desenvolvimento mental completo”, abordados pela lei, a qual deveria utilizar de uma terminologia mais abrangente, sugerida como “portador de transtorno mental[13].

Houve abolição da referência aos surdos-mudos, os quais passaram a se enquadrar numa fórmula mais genérica (aqueles que, ainda que por causa transitória, não possam exprimir sua vontade).

Importante lembrar que o presente trabalho não se presta a abordar, de maneira detalhada, todos os aspectos relacionados à incapacidade, mas apenas aqueles que digam respeito aos portadores de deficiência, de maneira a se fazer uma correlação entre a capacidade (ligada à ideia de vulnerabilidade) e a possibilidade de consentir para determinados atos, principalmente sobre os sexuais (assunto principal do tema). Assim, não se faz necessária abordagem sobre a incapacidade decorrente de menoridade, por exemplo.

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3 A TEORIA DAS INCAPACIDADES A PARTIR DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

O que se constatou, até aqui, é a vinculação da ideia de incapacidade como regra ao portador de transtorno mental. No entanto, com a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, e a consequente modificação dos artigos 3º e 4º do CC/2002, houve grande mudança na teoria das incapacidades.

A título ilustrativo, convém demonstrar os quadros a seguir. O primeiro trata das mudanças sobre a incapacidade absoluta. Já no segundo, o parâmetro de comparação é a incapacidade relativa.

Quadro 1 – dos absolutamente incapazes

Código Civil de 1916

Código Civil de 2002

Código Civil após as modificações da Lei n.º 13.146/2015

ABSOLUTAMENTE INCAPAZES

ABSOLUTAMENTE INCAPAZES

ABSOLUTAMENTE INCAPAZES

Art. 5º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I – os menores de 16 (dezesseis) anos;

II – os loucos de todo gênero;

III – os surdos-mudos, que não puderem exprimir sua vontade;

IV – os ausentes declarados tais por ato do juiz.

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer os atos da vida civil:

I – os menores de 16 (dezesseis) anos;

II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III – os que, ainda por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis anos).

Quadro 2 – dos relativamente incapazes

Código Civil de 1916

Código Civil de 2002

Código Civil após as modificações da Lei n.º 13.146/2015

RELATIVAMENTE INCAPAZES

RELATIVAMENTE INCAPAZES

RELATIVAMENTE INCAPAZES

Art. 6º São incapazes, relativamente a certos atos (Art. 147, I), ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 21 (vinte e um) anos (arts. 154 a 156);

II – os pródigos;

III – os silvícolas.

Parágrafo único. Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do país.

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV – os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;         

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;         

IV - os pródigos.

Parágrafo único.  A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

Ao se referir à extinção da incapacidade decorrente de deficiência física, mental ou intelectual (pela sua mera existência), vale mencionar a lição de Chaves, Sanches e Batista:

Nota-se que o legislador objetivou as causas de incapacidade relativa, afastando indagações relativas ao estado mental. Isso porque, repita-se à exaustão, a deficiência física, mental ou intelectual não é, somente por si, motivo determinante da incapacidade jurídica de uma pessoa. Toda pessoa é especial pela simples condição humana. Não há motivo para impor a alguém a condição de incapaz pelo simples fato de se tratar de uma pessoa com deficiência. O fundamento humanista salta aos olhos[14].

Dessa maneira, a única causa de incapacidade absoluta presente no atual Código Civil (conforme alterações legislativas do Estatuto da Cidadania) é a decorrente do menor de 16 anos (art. 3º, CC).

No entanto, persiste a possibilidade de reconhecimento de incapacidade relativa da pessoa com deficiência (seja ela física, mental ou intelectual) que não possa exprimir sua vontade. Nesse caso, a incapacidade decorre da impossibilidade da manifestação da vontade, e não da deficiência, por si só[15].

De igual modo, há de se reconhecer a incapacidade relativa daquele que, por causa duradoura ou passageira, não tiver o necessário discernimento para a prática de determinado ato (frise-se, tal incapacidade não está unicamente relacionada à existência ou não de uma deficiência), como, por exemplo, de uma pessoa internada num hospital que não possa exprimir sua vontade.

3.1 A CURATELA E A TOMADA DE DECISÃO APOIADA

O capítulo II do Estatuto Protetor (inaugurado pelo seu art. 84) trabalha as medidas para assegurar à pessoa com deficiência o exercício de sua capacidade em igualdade de condições com as demais pessoas (consideradas “normais”). Para tanto, prevê a processo de curatela e o processo de tomada de decisão apoiada.

Um dos grandes reconhecimentos do Estatuto da Pessoa com Deficiência é o absoluto desatrelamento entre as concepções de incapacidade civil e deficiência. Dessa maneira, não deve pairar dúvida sobre o ponto de partida do intérprete: a capacidade jurídica é a regra, sendo a incapacidade, a exceção. Afinal, uma pessoa com deficiência, normalmente, tem capacidade plena, ao revés de um ser humano reputado capaz que, numa situação transitória (a exemplo de estar submetido a internação em UTI), porventura não possa exprimir sua vontade, devendo ser considerado incapaz (em que pese não existir qualquer deficiência)[16].

A curatela é um instituto voltado ao maior incapaz, “pelo qual se nomeia como curador uma pessoa, que passará a ter o munus de zelar pelos interesses daquele, sendo responsável ainda por suprir a deficiência ou impossibilidade de exteriorização de vontade do curatelado”[17]. Tal instituto passa, então, a não mais se direcionar apenas àqueles indivíduos portadores de transtornos mentais, mas às pessoas que sofram qualquer espécie de limitação da autonomia. Prova disso é a dicção do art. 1.767, CC, modificada pela Lei n.º 13.146/2015, que prevê, nos seus incisos, serem sujeitos a curatela aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, bem como os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os pródigos.

Em razão do grau de deficiência (seja física, mental ou intelectual), a curatela pode ter diferentes extensões. Explica a doutrina as seguintes espécies de curatela: a) o curador como um representante do relativamente incapaz para todos os atos jurídicos, por ele não possuir qualquer condição de praticá-los, sequer em conjunto; b) o curador como um representante para certos e específicos atos e assistente para outros (regime misto), quando o curatelado possuir condições de praticar alguns atos, devidamente assistidos, mas não ter qualquer condição de praticar outros; c) o curador sempre como um assistente, caso o curatelando tenha condições de praticar todo e qualquer ato, desde que devidamente acompanhado, para a sua proteção[18].

A Curatela constitui medida excepcional, devendo afetar tão somente os atos de natureza patrimonial e negocial (art. 85, caput) não alcançando, portanto, direitos existenciais, a exemplo do direito ao casamento, à sexualidade ou ao próprio corpo (afinal, esses estão atrelados intimamente à personalidade da pessoa, características inerentes à própria dignidade da pessoa humana).

Já o processo de Tomada de Decisão Apoiada (TDA), até então inexistente no ordenamento pátrio, parte da premissa oposta ao instituto da curatela: inexiste incapacidade, vez que existe apenas uma necessidade de apoio a uma pessoa humana.

Preleciona Chaves, Sanches e Batista que, a partir deste novo sistema inaugurado pelo Estatuto, somente pessoas com deficiência que não podem exprimir sua vontade se amoldam na ideia de incapacidade jurídica.

Continuam os autores relatando que, em que pese a pessoa com deficiência poder exprimir sua vontade,

Podem, eventualmente, precisar de cuidado, proteção. Exsurge, nessa arquitetura, a tomada de decisão apoiada, como um procedimento especial de jurisdição voluntária destinado à nomeação de dois apoiadores que assumem a missão de auxiliar a pessoa em seu cotidiano. Não se trata de incapacidade e, por isso, não são representantes ou assistentes. Apenas um mero apoio para auxiliar, cooperar, com as atividades cotidianas da pessoa[19].

Tal procedimento está regulado pelo Código Civil no art. 1.783-A, inserido pela Lei n.º 13.146/2015.

Ainda, em relação à perda da autonomia causada por incapacidade, vale mencionar que ainda subsiste os efeitos da Lei n.º 10.216/01, que estabelece que a pessoa acometida por transtorno mental pode sofrer internação forçada (frise-se, em caráter excepcional), por ato médico (internação involuntária, como pode ocorrer por requerimento de terceiros) ou por determinação judicial (internação compulsória).

Exemplo prático e importante da internação compulsória é quando algum inimputável, submetido à medida de segurança de internação, ao término do prazo máximo (não fixado pela Lei, mas possuindo parâmetro na Súmula 527 do STJ – a qual estabelece que o prazo máximo é igual à pena máxima cominada ao tipo penal), ainda persistir na sua periculosidade, caso em que o Ministério Público, por questões de tutela à ordem social, deve ingressar perante o juízo cível pleiteando a internação compulsória do inimputável.

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Sobre o autor
Robert Menezes

Robert Menezes da Costa Santos, Policial Militar de Minas Gerais, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE) e pós-graduado em Direito Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Aprovado em exame da OAB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Robert. O estupro de vulnerável frente ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5357, 2 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59422. Acesso em: 29 abr. 2024.

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