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Planejamento sucessório e a redução da carga tributária

04/09/2020 às 15:15
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Quem já participou de um inventário sabe que um dos seus grandes vilões é o ITCMD. A lei parece clara, dando impressão de que nada pode ser feito para reduzir o valor do imposto. No entanto, isso não é verdade.

Lidar com o falecimento de um parente querido não é tarefa fácil. A sensação de perda, a internalização do adeus e o sentimento de vazio são circunstâncias extremamente dolorosas para toda a família, principalmente, para o núcleo familiar mais próximo. Evidentemente, durante o luto, ninguém se encontra em condições ideais para tomar decisões e resolver assuntos burocráticos. Apesar disso, a lei estabelece prazo de apenas 60 dias para que a família providencie a abertura do inventário para transmissão dos bens da pessoa falecida aos seus herdeiros.

Para abertura do inventário, a família deve obter uma série de documentos e tomar diversas decisões acerca da partilha e destino dos bens que integravam o patrimônio do falecido. Nem sempre os parentes encontram-se em condições psicológicas para isso, o que, não raramente, leva-os a agir sem o planejamento adequado e sem o suporte de um profissional capacitado. Graças a isso, sofrem prejuízos ao realizarem distribuições inapropriadas dos bens e efetuarem pagamento de tributos em montantes superiores ao que necessitariam.

Quem já participou de um inventário sabe que um dos seus grandes vilões é o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações, o ITCMD. Cada herdeiro deve pagar, a título de ITCMD, 4% do valor da quota hereditária que vai receber. Isto é, suponha-se que o valor da herança seja igual a R$ 1.000.000,00, cabendo R$ 500.000,00 a cada um dos dois herdeiros existentes. Cada um dos herdeiros, para receber a sua fração, será obrigado a pagar R$ 20.000,00 de ITCMD.

A regra legal parece clara e, sendo assim, há impressão de que nada pode ser feito para reduzir a carga tributária. No entanto, isso não é verdade. Por exemplo, imagine-se que o único bem a inventariar seja um imóvel. Qual valor deveria ser atribuído a esse imóvel para definição do ITCMD a pagar? O fisco, em São Paulo, exige que o valor do bem a ser considerado para fim de apuração do ITCMD seja o valor venal de referência desse imóvel. O valor venal de referência é o mesmo utilizado para pagamento de ITBI nos contratos de compra e venda de imóveis. Todavia, a lei estadual permite a utilização do valor venal do imóvel, ou seja, aquele utilizado para fins de apuração do IPTU, que costuma ser, em muitos casos, consideravelmente menor do que o valor venal de referência. Cogite-se que, no caso dado como exemplo, o valor venal de referência fosse igual a R$ 2.000.000,00, ao passo que o valor venal de IPTU fosse equivalente a R$ 1.200.000,00. Nessa hipótese, o contribuinte que utilizasse o valor venal de referência efetuaria o pagamento de ITCMD no valor de R$ 80.000,00, ao passo que o contribuinte que usasse o valor venal de IPTU pagaria R$ 48.000,00. Haveria, assim, uma economia de R$ 32.000,00 de imposto. Obviamente, o fisco não admite esse procedimento, porém, tendo em vista que a Justiça é amplamente majoritária em aceitar essa possibilidade, contorna-se a proibição do fisco obtendo uma liminar em ação de mandado de segurança de baixa complexidade.

Outro exemplo de possível economia tributária está relacionado ao Imposto de Renda sobre Ganho de Capital. Quando um herdeiro recebe um bem a título de herança, está isento do pagamento de Imposto de Renda sobre Ganho de Capital em relação aquele bem. No entanto, suponha-se que o herdeiro pretenda vender o bem herdado. Poucas pessoas têm conhecimento de que, durante o inventário, o espólio (conjunto de bens deixado pelo falecido) deve efetuar a Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda no lugar do morto, sendo representado pelo inventariante. A última declaração é chamada de Declaração Final do Espólio. Nessa declaração, o fisco admite que o inventariante informe se os bens foram transferidos aos herdeiros por seu valor histórico de aquisição ou pelo seu valor de mercado.

Normalmente, nessa hipótese, o Imposto de Renda sobre Ganho de Capital, se houver atualização, incidirá na diferença entre valor histórico e o valor de mercado. Porém, a lei prevê uma série de circunstâncias em que esse “ganho de capital” será isento de tributação ou em que haverá redução da carga tributária. Entre elas, pode-se citar a seguinte situação: se a pessoa falecida tiver adquirido o imóvel até 1969, haverá isenção de Imposto de Renda sobre Ganho de Capital. Isso significa que a atualização do valor do bem estará isenta de Imposto de Renda.

E, por que, afinal, haveria interesse nessa atualização?

Imagine-se que um imóvel que integra o espólio tenha valor histórico de aquisição equivalente a R$ 200.000,00 e que esse imóvel tenha sido adquirido pelo falecido em 1960. Tenha-se em mente que esse imóvel tem valor de mercado atual igual a R$ 1.200.000,00 e que esse bem será destinado a um único herdeiro, que pretende vendê-lo por R$ 1.300.000,00. Se o bem for transferido pelo seu valor histórico de aquisição e o herdeiro vier a, efetivamente, vendê-lo por R$ 1.300.000,00, o seu lucro imobiliário será de R$ 1.100.000,00. Graças a isso, deverá arcar com Imposto de Renda sobre o Ganho de Capital de 15%, o que será igual a R$ 165.000,00. Por outro lado, se o imóvel for transferido pelo valor de mercado, por conta da isenção relativa a imóveis adquiridos antes de 1969, o herdeiro não deverá pagar Imposto de Renda sobre Ganho de Capital para efetuar a atualização. Se a transferência ao herdeiro ocorrer por R$ 1.200.000,00 e a venda ocorrer por R$ 1.300.000,00 haverá lucro imobiliário de apenas R$ 100.000,00. Incidindo a alíquota de 15%, o herdeiro deverá pagar somente R$ 15.000,00 de Imposto de Renda sobre Ganho de Capital. Isto é, haverá uma economia tributária de R$ 150.000,00.

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As situações citadas são apenas alguns exemplos de como um planejamento sucessório e tributário bem feito é capaz de propiciar grande economia aos herdeiros sem que se burle a lei. O planejamento deve ser feito caso a caso, avaliando-se as circunstâncias concretas e os interesses específicos dos herdeiros envolvidos. Dessa forma, chega-se ao melhor planejamento, que não é apenas admitido, mas também fortemente aconselhável.

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Sobre a autora
Erika Nicodemos

Advogada atuante na área cível, sócia do escritório Erika Nicodemos Advocacia, graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito da Propriedade Intelectual pelo Centro de Extensão Universitária, em convênio com a Universidad Austral de Buenos Aires. Pós-graduada em Direito Empresarial e especialista em Direito Digital e Planejamento Sucessório pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Mestre em Direito Internacional Privado pela Università degli Studi di Roma – La Sapienza. Mestranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família e das Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICODEMOS, Erika. Planejamento sucessório e a redução da carga tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6274, 4 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56798. Acesso em: 27 abr. 2024.

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