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Condenação por dano moral nas ações de improbidade administrativa

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Danos à moralidade e probidade, além do prejuízo de ordem material, que é medido valorando o custo estimado para a recomposição do status quo, causam evidente comoção no meio social, sendo passíveis de caracterizar um dano moral coletivo.

RESUMO:O presente artigo tem por finalidade refletir acerca da possibilidade de condenação por dano moral decorrente de ato de improbidade administrativa. O trabalho abordará a posição dos doutrinadores e da jurisprudência a respeito do assunto, também será discutido o conceito de ato de improbidade e quem são os sujeitos do dano moral decorrente de ato de improbidade administrativa.

Palavras-chave: Dano moral. Improbidade administrativa. Administração pública. Coletividade. Jurisprudência.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Conceito e Caracterização. 1.1 Improbidade Administrativa. 1.2. Dano Moral. 2. As sanções previstas na Lei nº 8.429 e a indenização por danos morais. 3. A condenação por dano moral nas ações de improbidade administrativa – posição da doutrina e da jurisprudência. 4. Os sujeitos passivos do dano moral resultante de ato de improbidade. Conclusão. Referências


INTRODUÇÃO

O trabalho em tela se propõe a analisar a possibilidade de condenação por dano moral nas ações de improbidade administrativa, através de uma interpretação da jurisprudência e doutrina pátrias. Essa temática não possui tipificação na Lei de Improbidade Administrativa, entretanto, é assunto bastante debatido nos tribunais pátrios.

Inicia-se conceituando e caracterizando a improbidade administrativa e o dano moral; em seguida será abordada a diferença entre as sanções previstas na Lei 8429/92 e a indenização por danos morais.

Em seguida será analisada, com base na doutrina e em entendimentos jurisprudenciais a possibilidade de condenação por dano moral nas ações de improbidade administrativa, sendo, por fim, definidos os sujeitos passivos do dano moral resultante do ato de improbidade.


1 CONCEITO E CARACTERIZAÇÃO

1.1 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Há na Constituição Federal dispositivos que tratam da improbidade, como o artigo 14 , §9º (cuida da improbidade administrativa em período eleitoral), artigo 15 , V (veda a cassação de direitos políticos, permitindo apenas a suspensão em caso de improbidade), artigo 85 , V (tipifica a improbidade do Presidente da República como crime de responsabilidade) e artigo 37 , §4º (dispõe algumas medidas aplicadas em caso de improbidade).

O art. 37, §4º, da Constituição Federal brasileira, informa que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Na doutrina, não há uma uniformidade no que tange ao conceito de improbidade administrativa.

Pazzaglini Filho, Rosa e Fazzio Júnior (1997, p. 37) conceituam a improbidade administrativa associando-a à corrupção administrativa, à promoção do desvirtuamento da Administração Pública e à afronta aos princípios nucleares da ordem jurídica. Mencionam, ainda, que ela se revela pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pela prática de tráfico de influência e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade.

Para Vhoss (2008, p. 52), a melhor forma para condensar a ideia cerne da improbidade administrativa é extrair o sentido de probidade a partir da observância plena dos princípios que devem nortear a Administração e, tendo em mente que a improbidade é antônima da probidade, definir aquela como o resultado da inobservância dos princípios norteadores da Administração.

Garcia (2012, p. 172) afirma:

“Improbidade não guarda identidade com imoralidade e muito menos é por ela absorvida”.

Para o referido autor, o acerto dessa afirmação resulta da exegese do art. 37 da Constituição da República, que enunciou um extenso rol de regras e princípios vinculantes para a Administração Pública e, em seu § 4º, conferiu ao Legislativo plena liberdade de conformação para definir o que seriam atos de improbidade.

A Lei 8.429/92, regulamentando o art. 37, §4º, da Constituição Federal, passou a enumerar, em seus arts. 9º, 10 e 11, os atos de improbidade administrativa que o legislador optou por tipificar.

No art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa1, ganharam tipificação atos de improbidade administrativa que ocasionem enriquecimento ilítico. Consiste em auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades públicas ou privadas criadas ou controladas pelo Poder Público, que ele participe ou tenha participado, ou mesmo que dele recebam benefício.

Já no art. 10 da Lei 8.429/9222, foram tipificados atos que causam prejuízo ao erário, correspondem a qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades mencionadas acima.

Por sua vez, no art. 11 da Lei 8.429/9233, houve tipificação dos atos comissivos e omissivos que importem em violação dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições administrativas, representando atentado contra os princípios relacionados à Administração Pública.

Sintetizando, improbidade administrativa é o termo técnico para conceituar corrupção administrativa, ou seja, o que é contrário à honestidade, à boa-fé, à honradez, à correção de atitude. O ato de improbidade, nem sempre será um ato administrativo, poderá ser qualquer conduta comissiva ou omissiva praticada no exercício da função ou fora dela.

1.2 DANO MORAL

A tese relativa à indenização pelo dano moral decorrente de ofensa à honra, imagem, violação da vida privada e intimidade das pessoas somente foi acolhida expressamente no ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição Federal de 1988 (artigo 5º, incisos V e X), fazendo parte do rol dos direitos fundamentais.

Existem inúmeras definições na doutrina pátria para o dano moral.

Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona o conceituam como “lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p. 55). Neste mesmo sentido, Maria Helena Diniz estabelece o dano moral como “a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo ato lesivo”. (DINIZ, 2003, p. 84).

O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, ao conceituar o dano moral assevera que:

“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação” (GONCALVES, 2009, p.359).

Nestes termos, também leciona Nehemias Domingos de Melo “dano moral é toda agressão injusta aqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica, insuscetível de quantificação pecuniária”. (MELO, 2004, p. 9).

Para Garcia (2012, p 177), dano moral pode ser conceituado como um dano extrapatrimonial, atingindo, fundamentalmente, os direitos da personalidade. Tais direitos estão assentados num referencial de humanidade e são insuscetíveis de exata mensuração econômica. O dano moral é uma violação à integridade física, psíquica, privacidade, intimidade, honra, imagem, dentre outros.

Dano moral, em síntese, é uma lesão aos direitos da personalidade, cujo conteúdo não é pecuniário, pelo menos não de imediato. Danos morais são as perdas sofridas por um ataque à moral e à dignidade das pessoas, caracterizados como uma ofensa à reputação da vítima. Qualquer perda que abale à honra pode ser caracterizada como dano moral.

No que diz respeito às pessoas jurídicas, a possibilidade de reparação por dano moral sofrido por elas já foi objeto de inúmeras controvérsia, porém, hodiernamente, já se consolidou tal possibilidade. Inclusive, esse entendimento já está na súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça, cujo enunciado afirma que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Conforme ensina Emerson Garcia (2012, p. 180):

“É indiscutível que determinados atos podem diminuir o conceito da pessoa jurídica junto à comunidade, ainda que não haja uma repercussão imediata sobre o seu patrimônio. Existindo o dano não-patrimonial ou moral, o que se constata a partir da avaliação da conduta tida como ilícita e das regras de experiência, deve ser promovido o seu ressarcimento integral, o que será feito com o arbitramento de numerário compatível com a qualidade dos envolvidos, as circunstâncias da infração e a extensão do dano, tudo sem prejuízo da reparação das perdas patrimoniais”.

Já em, relação à pessoas jurídicas de direito público, vejamos as lições de Garcia e Alves (2011, p. 533):

“Do mesmo modo que a as pessoas jurídicas de direito privado, as de direito público também gozam de determinado conceito junto à coletividade, do qual muito depende o equilíbrio social e a subsistência de várias negociações, especialmente em relação: a) aos organismos internacionais em virtude dos constantes empréstimos realizados; b) aos investidores nacionais e estrangeiros, ante a frequente emissão de títulos da dívida pública para a captação de receita; c) à iniciativa privada, para a formação de parcerias; d) às demais pessoas jurídicas de direito público, o que facilitará a obtenção de empréstimos e a moratória de dívidas já existentes”.

Segue julgado no mesmo sentido, afirmando ser perfeitamente cabível o dano moral contra a pessoa jurídica de direito público:

ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO. MULTA CIVIL. DANO MORAL. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO.

(...)

3. Não há vedação legal ao entendimento de que cabem danos morais em ações que discutam improbidade administrativa seja pela frustração trazida pelo ato ímprobo na comunidade, seja pelo desprestígio efetivo causado à entidade pública que dificulte a ação estatal.

4. A aferição de tal dano deve ser feita no caso concreto com base em análise detida das provas dos autos que comprovem efetivo dano à coletividade, os quais ultrapassam a mera insatisfação com a atividade administrativa.

(...)

6. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte.

(Fonte: STJ, RESP nº 960926 / MG, Rel. Min. Castro Meira, DJ Data: 18/03/2008)

Entretanto, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, decidiu que não é possível que um ente público seja indenizado por dano moral sob a alegação de que sua honra ou imagem foram violadas4.

No caso concreto, o município de João Pessoa pretendia receber indenização da Rádio e Televisão Paraibana Ltda., sob a alegação de que a empresa teria atingido, ilicitamente, sua honra e imagem.

Segundo alegou o município, os apresentadores da referida rede de Rádio e Televisão teriam feito diversos comentários que denegriram a imagem da cidade. Entre os comentários mencionados na petição inicial estava o de que a Secretaria de Educação e o seu secretário praticavam maus-tratos contra alunos da rede pública.

Ao analisar o recurso do Município, o Min. Luis Felipe Salomão ressaltou que o STJ admite apenas que pessoas jurídicas de direito PRIVADO possam sofrer dano moral, especialmente nos casos em que houver um descrédito da empresa no mercado pela divulgação de informações desabonadoras de sua imagem.

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Para o STJ, contudo, não se pode admitir o reconhecimento de que o Município pleiteie indenização por dano moral contra o particular, considerando que isso seria uma completa subversão da essência dos direitos fundamentais. Seria o Poder Público se valendo de uma garantia do cidadão contra o próprio cidadão.

Dentre os pensamentos citados, o Professor Almiro do Couto e Silva, em seu brilhante artigo (Notas Sobre O Dano Moral No Direito Administrativo, p.14), entende não ser possível o Estado como pessoa jurídica de direito público ser vítima do dano moral. Afirma com maestria que:

“Ao admitir-se uma honra objetiva do Estado, que é pressuposto do dano moral, alimenta-se o Leviatã que o Estado de Direito visou a extirpar. Honra do Estado, razões de Estado, segurança do Estado foram sempre, na história da humanidade, conceitos indeterminados utilizados muito mais em detrimento do povo, de onde emana todo poder de nosso Estado, segundo a fórmula clássica, do que em seu favor ou benefício”.

Assevera, nesta linha de raciocínio, o Eminente Professor:

Bem se compreende, portanto, que entre pessoas cuja honra e imagem são invioláveis pela Constituição não se inclui o Estado. A ele não se aplica o inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, o qual tem como destinatários, exclusivamente, as pessoas privadas. No concernente ao Estado, por via de consequência, a crítica é livre, porque é livre a expressão de pensamento. Não há que falar, igualmente, em dano moral, pois a honra e imagem do Estado não estão protegidas pela Constituição. (grifos propositais)

Conforme exposto, em que pese decisões divergentes no âmbito do próprio STJ, o entendimento mais atual é de que não cabe dano moral contra o Estado.


2 AS SANÇÕES PREVISTAS NA LEI Nº 8.429 E A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

O agente que pratica qualquer dos atos de improbidade administrativa está sujeito à sanção criminal, punição administrativa, multa civil ou perda da função pública.

Para alguns doutrinadores, a sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa já se prestam a reparar o eventual dano moral causado. Para outros, as sanções não tem o condão de reparar o dano extrapatrimonial, devendo, por isso, o sujeito passivo ser indenizado.

Segundo afirma o Professor José Dos Santos Carvalho (2009, p. 1032), existe grande confusão doutrinária no que tange à definição precisa e ao cabimento das sanções:

No entendimento de alguns, porém, a multa civil e a perda de bens já refletem e englobam esse tipo de indenização. Segundo outros, o autor do dano tanto se sujeita a reparação por dano moral, como às demais sanções, posição que nos parece mais congruente com o sistema punitivo da Lei de Improbidade. (grifos aditados).

Maria Silvia di Pietro (2003, p.190) faz as seguintes considerações a respeito do tema:

Quanto ao ressarcimento do dano, constitui uma forma de recompor o patrimônio do lesado. Seria cabível ainda que não previsto da Constituição, já que decorre do artigo 159 do Código Civil de 1916, que consagra, no direito positivo, o princípio geral de direito segundo o qual quem quer que cause dano a outrem é obrigado a repará-lo. A norma repete-se no artigo 186 do Código Civil de 2002, com o acréscimo de menção expressa ao dano moral.

Sendo assim, alguns entendem que a multa civil e a perda de bens já refletem e englobam esse tipo de indenização. Já para outros, o autor do dano tanto se sujeita a reparação por dano moral, como às demais sanções.

O dano moral causado à Administração Pública quando da prática de ato de improbidade administrativa não se confunde com seus reflexos materiais. Se a legitimidade da Administração Pública é maculada, o dano moral já está configurado, ao contrário do dano material, que necessita de efetiva e comprovada perda pecuniária.

Conforme leciona Vhoss (2008, p. 91), essa restauração não é necessariamente atingida com a imposição de multa ou outras sanções aos envolvidos com tal ato, já que a multa e as sanções têm um caráter punitivo que implica agravamento da situação do agente envolvido na prática

do dano, como desestímulo a que ele e outros optem por tal prática. No caso, o agravamento da situação do agente não necessariamente se equipara à restauração do patrimônio moral da vítima do dano.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Jéssica Samara Freitas. Condenação por dano moral nas ações de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4781, 3 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50968. Acesso em: 1 mai. 2024.

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