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Taxa de desemprego e a Lei de Acesso à Informação:

paradigma entre cidadania e ideologia

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Por coerência metodológica, a taxa divulgada pelo IBGE relativa à taxa de desocupação jamais deveria ser informada como taxa de desemprego, por tratar-se de elementos técnicos distintos, diversos em fundamento e realidade.

1. O Instituto de estatística IBGE e a Lei de Acesso à Informação brasileira; 2. IBGE na estrutura administrativa governamental; 3. Qualidade da informação; 4. Conceituação tergiversadora; 5. Natureza dos termos; 6. Desemprego e seguro-desemprego; 7. Considerações finais; 8. Referência bibliográfica

Resumo: A presente pesquisa experimental objetiva analisar a taxa de desemprego enquanto informação prestada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE por ser a entidade da administração pública que tem a missão legal e estatutária de informar um conjunto de dados relativos à realidade brasileira, sendo eles considerados dados oficiais do Estado. Desta forma, foram apresentadas as principais características de fundamento conceitual relativo ao desemprego/desocupação e suas imbricações concernentes ao direito à informação para a cidadania. A questão motivadora passa por saber se seria eufemismo a substituição do termo desemprego por desocupação? Qual a natureza dessa modulação terminológica, jurídica ou ideológica? A informação prestada pelo IBGE corresponde à mens legis da LAI? É aceitável a técnica de prestar informação dissimulada que equivale dizer uma ação comissiva de prestar desinformação ou informação equivocada com base de dados fidedignos?

Palavras-chave: Desemprego. Desocupação. Direito De Informação. ONU. IBGE 


Introdução

O emprego no Brasil, nos últimos cinquenta anos, seguiu a modulação das mudanças estruturais, tecnológicas, organizacionais e de produção. Viu-se no mundo do trabalho uma transferência importante da mão de obra agrária para a indústria e principalmente para o setor de serviços, na medida exponencial do incremento tecnológico na agricultura.

O incremento de postos de emprego nesse período foi compatível com o crescimento populacional segundo Veloso[3], contudo, entre 2003 para 2015 a taxa de desemprego caiu mês a mês, de 12,3% a 5,5%, numa notável queda em meio a um cenário econômico de incertezas ao nível internacional, principalmente a queda continuou mesmo durante as crises que se sucederam a partir de 2008, em que os países da União Europeia, Estados Unidos e Japão alcançavam altas taxas de desemprego e gravíssimo enfrentamento social. A desconfiança de que a taxa de desemprego não correspondia à realidade passou a ser evidente com a crise em que o atual governo mergulhou toda a economia após as fundadas evidências demonstradas nas denúncias de corrupção, desvio de recursos, entre outros fatos[4]

A questão delicada é que o IBGE realiza a pesquisa dentro de parâmetros corretos sob a ótica cientifica, porém sente-se na pele social que o desemprego é muito maior do que a taxa anunciada pelo governo. Então como explicar essa aparente contradição?

A presente investigação contribui para a discussão aportando elementos da ideologia liberal internacional e elementos técnicos contrapostos ao direito do cidadão à informação sem mascaras. 


1. O Instituto de estatística IBGE e a Lei de Acesso à Informação brasileira

Com a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação (LAI) Lei n. 12.527/2011, o cidadão brasileiro passou a ter garantia jurídica de acesso amplo a qualquer informação ou documento cujo autor ou possuidor seja o Estado, desde que não tenham caráter pessoal nem estejam protegidos por situação de sigilo. Em razão disto, todos os entes governamentais passaram a ter a obrigação de prestarem informações daquilo que produzirem ou custodiarem[5].

A Lei de Acesso à Informação-LAI foi regulamentada pelo Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012, e ficou conhecida como a Lei geral de acesso à informação pública. A importância dessa lei e do direito à informação é notória, pois com regulamentação os procedimentos passaram a ser observados por toda as administrações publicas brasileira a fim de garantir o acesso a informações. Contudo, esta informação tem que ser de qualidade, sob pena de esvaziar o sentido próprio do direito que é a informação.

O efeito desta Lei, ao nível de administração pública, é importante para a implementação da transparência nas atividades de Estado bem como da dos gestores públicos federais, estaduais e municipais no sentido de servir de apoio e aprimoramento da gestão pública, e por óbvio, possibilitar o acesso à informação e estimular à participação cidadã ao seu controle.[6]

No sentido estrito da LAI, a informação que se assegura é aquela sob a guarda de órgãos e entidades públicas e privadas, nos termos da lei, devendo o acesso às informações serem restringidas apenas em casos específicos.

A Lei ao conceituar o sentido e abrangência do termo “informação”,  diz que são dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento”[7].

Dessa forma, o presente artigo busca analisar os elementos que orientam a discussão sobre a taxa de desemprego ou como é tratado pelo IBGE taxa de desocupação, com especial recorte na qualidade ou fidelidade dessa informação que se presta, enquanto categoria da Lei de Acesso a Informação-LAI, que no Brasil é medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE, sendo a taxa oficial para todos os efeitos.

Inicialmente se repercutirá um disparate perceptível entre a prestação de informação realizada pelo IBGE por um lado, e por outro, se questionará a qualidade da informação relativa a taxa de desocupação como corolário da taxa de desemprego.


2. IBGE na estrutura administrativa governamental

O setor governamental encarregado das atividades de estatísticas do Brasil, passou por vários órgãos, desde o período imperial até chegar ao Instituto que atualmente se conhece, a saber:

Em 1871- Diretoria Geral de Estatística, Império do Brasil;

Em 1934 - Departamento Nacional de Estatística, República dos Estados Unidos do Brasil;

Em 1936 - Instituto Nacional de Estatística - INE ,  República dos Estados Unidos do Brasil;

Em 1937 - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, República dos Estados Unidos do Brasil;

Em 1967- Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, República Federativa do Brasil.[8]

O Estatuto Social do IBGE diz que a fundação tem:

“como missão retratar o Brasil, com informações necessárias ao conhecimento da sua realidade e ao exercício da cidadania, por meio da produção, análise, pesquisa e disseminação de informações de natureza estatística - demográfica e sócio-econômica, e geocientífica-geográfica, cartográfica, geodésica e ambiental”.[9]

Está, portanto, bem destacado no Estatuto Social que a sua missão é “retratar o Brasil, com informações necessárias ao conhecimento da sua realidade e ao exercício da cidadania”, estando, assim, sujeita aos efeitos da Lei de Acesso à Informação -LAI. Tal sujeição não é negada pelo IBGE pois assim está exposto em sua própria pagina WEB[10].

No artigo segundo está disciplinado que se aplica a LAI até mesmo as “entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento”[11] ou ainda na forma de subvenções sociais, termo de parceria, convênios, acordo, etc..

Já o inciso dois, do artigo sétimo, diz que o acesso à informação nos termos da Lei compreende, entre outros direitos o de obter “informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades(…)

 Portanto, a Fundação IBGE mantida por recursos públicos com missão e propósitos estratégicos, tem a obrigação legal de informar coerentemente ao cidadão a taxa de desemprego correspondente com a realidade brasileira.

No caso da produção de conhecimento realizado pelo IBGE a qualidade de informação relativa à taxa de desemprego que é apresentada para a sociedade enquanto produto do trabalho científico da Fundação, ipso facto, do próprio Estado.


3. Qualidade da informação

Cabe destacar que a LAI, em seu inciso I do Artigo 4º, conceitua informação como os “dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato”[12].

No trato da compreensão do conceito informação, segundo Arouck[13], é necessário entender o atributo de qualidade da informação. A base teórica para compreensão passa necessariamente pela análise de conteúdo, desenvolvidas por Bardin na perspectiva dos atributos de qualidade de Joseph Juran, Philip Crosby e Lucien Cruchant, que perspectivaram o conceito de qualidade respectivamente em:

 “Adequação ao uso”

“Conformidade com requisitos”

“Aptidão para um emprego específico, em dadas condições de utilização, de ambiente, de duração e de manutenção”.

 Com esse referencial teórico, Arouck[14] propõe uma orientação metodológica para identificar e definir os atributos de qualidade, agrupando em três dimensões que se complementam, a saber:

Meio, onde se destacam as características textuais que se relacionam à apresentação, acesso e formato da informação;

Conteúdo, que analisa o conteúdo informacional da comunicação contraposta à resposta à demanda intencional da informação; e

Uso, que se relaciona com o impacto da informação ao destinatário dessa informação.

Contrapondo os parâmetros utilizados pelos IBGE relativo ao levantamento por ele proposto, concebe-se que todos esses atributos para aferição da qualidade da informação aparentam estar todos rigorosamente dentro do padrão metodológico da pesquisa estatística e na sua apresentação.

Se os parâmetros propostos pelo IBGE para o cálculo de desemprego forma elaborados estão dentro dos limites da estatística e da apresentação de resultados, ou seja, pelos parâmetros feitos tudo está certo, mas pergunta-se: como pode apresentar resultados tão contraditórios como a linha histórica de desemprego baixo e por outro lado a linha histórica de seguro-desemprego alta­?

A raiz dessa situação está subsumida em dois fundamentos um de ordem ideológica e outro, de política interna, visto que a decisão de seguir a orientação principiológica fornecida pela OIT, é deliberação política de Estado.

No que pese não ser o objeto desta pesquisa desvendar os fundamentos ideológicos das ferramentas de pesquisa para manutenção e controle dos grupos econômicos, é relevante destacar a opinião de Bezerra que ao discutir os parâmetros estabelecidos pela OIT para a taxa de desocupação, ressalta que se observa caracterizada:

“a inserção da ideologia da classe dominante na concepção das pesquisas oficiais utilizadas pelos Estados, bem como a utilização do próprio método de pesquisa como um meio de se articular a realidade com os interesses de classe”[16].

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Relativamente à decisão politica de submeter aos princípios orientativos da OIT existem duas condições a se observar: uma relativa ao compromisso assumido pelo Brasil[17] por ser membro das Nações Unidas bem como signatário da OIT e outra disponibilizar o resultado desses parâmetros de forma a escamotear a realidade, como por exemplo:

Computar-se como pessoas com 10 anos em diante que, como integrante da população economicamente ativa. Sabe-se que indivíduos de 10 a 14 anos são proibidas de trabalhar. Essas pessoas serão computadas para efeito da pesquisa como empregado/ocupado. Em Portugal, recentemente foi reformulado esse parâmetro passando de 14, para 15 anos em diante, as pessoas economicamente ativas, por ser legalmente permitido o trabalho para essa faixa de idade, segundo o Instituto Nacional de Estatística.[18]

Considerar como não desempregado/desocupado pessoas que: possam ter trabalhado pelo menos uma semana nos últimos 352 dias; que realizam trabalhos precários; que sejam vendedores ambulantes nos semáforos, etc.

Enquanto a pesquisa de ocupação/desocupação, o resultado das taxas encontra-se tecnicamente dentro dos padrões estabelecidos, contudo, quando o conceito de ocupação/desocupação está a significar emprego/desemprego, a pesquisa torna-se completamente desprezível.

Conforme diz o Instituto Ludwig von Mises – Brasil, em poucas palavras diz:

“A metodologia do IBGE é totalmente ridícula.  Um malabarista de semáforo é considerado empregado.  Um sujeito que vende bala no semáforo também está empregadíssimo.  Um sujeito que lavou o carro do vizinho na semana passada em troca de um favor é considerado empregado (ele entra na rubrica de 'trabalhador não remunerado').  Se um sujeito estava procurando emprego há 6 meses, não encontrou nada e desistiu temporariamente da procura, ele não está empregado, mas também não é considerado desempregado.  Ele é um "desalentado".  Como não entra na conta dos desempregados, ele não eleva o índice de desemprego”.[19]

Se se tomar em referencia os indicadores publicados pelo IBGE, tem-se a taxa de desemprego no Brasil no ano de 2015 foi de 8,4%[20]. Para o Departamento Intersindical de Estatística e Estudo-DIEESE, a taxa para a região mensurada é de 14,1%,[21] e para a OIT desocupação no Brasil em 2015 deve ficar em 6,7%[22].

Bezerra, relativamente a esse tema, conclui que:

“a apresentação de dados estatísticos diferenciados (devido a metodologia de mensuração adotada por cada entidade), resulta da submissão dos fenômenos do desemprego e da informalidade, às diferentes abordagens utilizadas nas análises econômicas. Tudo isso nos leva a crer em uma insuficiência, seja estatística, metodológica ou política, das informações disponíveis referentes ao mundo do trabalho e desemprego, conduzindo ainda a um questionamento referente à confiabilidade dessas informações”[23].

Os dados são contraditórios entre os indicadores de desemprego e ainda se se confrontados com a decrescente taxa de crescimento econômico, PIB, recessão e o aumento no número de pedido recuperação judicial e de falência[24], a taxa de desemprego não poderia estar a níveis tão baixos como se apresentam. Como então se pode conciliar esses dados de desemprego com o pedido de seguro-desemprego em índices cada vez mais altos? O índice histórico, abaixo da relação desemprego/seguro-desemprego demonstra bem essa situação:

Um fato que se soma para a essa distorção está em que os beneficiados do seguro-desemprego para efeito da pesquisa de desocupação, não são computados como desocupados e sem como ocupados. Logo, quanto maior o número de beneficiários de seguro-desemprego, menor a taxa de desempregados/desocupados.

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Sobre os autores
João Ernesto Paes de Barros

Professor Mestre, doutorando na Universidade de Lisboa, advogado em Portugal e no Brasil, porfessor de Direito das Obrigações, Contratos e Responsabilidade Civil.

Jessika Matos Paes de Barros

Advogada. Mestre. Doutoranda na Universidade de Lisboa. Assessor Jurídico da Fundación Cauce (Burgos, Espanha). Professora de Direito Empresarial, Falência e Propriedade Intelectual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, João Ernesto Paes ; BARROS, Jessika Matos Paes. Taxa de desemprego e a Lei de Acesso à Informação:: paradigma entre cidadania e ideologia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4661, 5 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47860. Acesso em: 29 abr. 2024.

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