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A questão da política e do princípio: breves considerações segundo o pensamento de Ronald Dworkin

07/08/2013 às 17:58
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O juiz não pode resolver o caso concreto utilizando-se de argumentos de natureza política e assim, extrapolar o campo do direito, ue possui um plano racional baseado em princípios e normas.

1. Introdução.

Neste artigo tentou-se explicitar o pensamento de Ronald Dworkina respeito do controle judicial atualmente exercido sobre as atividades políticas do Poder Executivo.


2. O papel do juiz para Ronald Dworkin.

Cada vez mais,os juízes têm julgado ações cujo pedido é o reconhecimento de um direito que depende de uma política estatal para se concretizar.

Ao se deparar com tais questões, ou com qualquer outra, os juízes se veemem regra, segundo Ronald Dworkin[1], com três questões diferentes para decidir: as questões de fato, as questões de direito e as questões interligadas de moralidade, política e fidelidade[2].

Dessa forma, muitos são os pontos que podem haver divergências, sendo comumente questionando qual o papel do juiz ao julgar um processo que está em suas mãos: deve simplesmente aplicar o direito ou tentar sempre aperfeiçoá-lo? E quando há ausência de norma jurídica? Os juízes devem preenchê-la preservando o direito em questão ou devem fazê-lo com o intuito de alcançar uma resposta que represente a vontade popular?     

Para Dworkin, entretanto, o direito é um fenômeno social[3], mas sua complexidade e consequências dependem de uma característica de sua estrutura, que é a prática da argumentação[4]. E esse aspecto pode ser estudado de duas maneiras: sob o ponto de vista exterior – que pergunta o porquê de certos argumentos jurídicos se desenvolverem em certas épocas e circunstâncias e outras não - e sob o ponto de vista interior – que questiona os fundamentos do direito que está sendo reivindicado.

Dworkin, então, trabalha o direito como prática interpretativa, acrescentando à atividade judicial o princípio da integridade[5], que instrui os juízes a identificar os direitos e deveres a partir de pressupostos criados pela comunidade e que expressam uma concepção coerente de justiça e equidade.

Todavia, tal atividade é reconhecidamente árdua e para tentar melhor explicá-la o renomado autor criou um juiz imaginário, o qual chamou de Hércules, dotado de talentos sobre-humanos, porque consegue desenvolver uma interpretação plena de todo o direito que rege uma comunidade[6].

Hércules é virtuoso e reconhece que a aplicação do direito exige a prática da integridade, ou seja, o direito como integridade pede que os juízes admitam que o sistema jurídico é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a equidade e o devido processo legal, de modo que a interpretação do juiz, quando colocada à prova deve conseguir fazer parte de uma teoria coerente que consiga justificar o sistema (composto de estruturas e decisões judiciais consagradas nos repertórios de jurisprudência) como um todo.

Dworkin reconhece que nenhum juiz real é capaz de desenvolver as virtudes de Hercules, pois, na prática, conhecerá suficientemente o problema que está em suas mãos, mas permitir que sua interpretação se estenda a casos semelhantes e pertencentes ao mesmo campo decorre de um processo inconsciente, polêmico e sem qualquer método de interpretação.

Como solução para aqueles juízes que aceitam o ideal interpretativo da integridade, Dworkin recomenda que ao se decidir um caso o juiz procure encontrar em algum conjunto coerente de princípios os fundamentos dos direitos e deveres das pessoas, e que reflitam ainda a estrutura política e jurídica da comunidade. Ressalte-se que tal tarefa não é fácil, pois em casos complexos, vários são os conjuntos de princípios que se ajustam a uma solução nos levando a crer que não existe uma única solução verdadeira.


3. A questão da política e do princípio e o controle judicial na formulação e implementação de Políticas Públicas.

Ainda analisando as ideias do renomado autor, agora em outra obra[7], Ronald Dworkin fala sobre questões teóricas fundamentais da filosofia política e da doutrina jurídica, estabelece diferenças entre o Direito e a política e defende a ideia de que uma decisão judicial deve fundamentar-se em questões de princípio e não de política[8].

O mencionado autor tenciona demonstrar que os juízes devem basear suas decisões em argumentos de princípio político (especialmente o princípio da igualdade) e não em argumentos de procedimento político[9], sob pena de serem ilegítimas as decisões por afrontarem o sistema representativo sobre o qual assenta a democracia[10].

Dworkin acredita que são cada vez mais frequentes questões de índole estritamente política serem decididas pelo Poder Judiciário, não apresentando nenhuma vantagem a retirada dessas questões do âmbito do Legislativo/Executivo para serem solucionadas pelos Tribunais, pois isso enfraquece a legislatura democraticamente eleita e diminui o poder político das pessoas que elegeram essa legislatura[11].

Quanto à possibilidade de revisão de julgamentos políticos pelo Poder Judiciário, Dworkin afirma que não há como o Tribunal substituir aqueles por novos julgamentos, agora de sua autoria, mas reconhece que a revisão judicial assegura que as questões mais fundamentais de moralidade política sejam debatidas como questões de princípio e provoca que o debate político inclua o argumento acerca do princípio, não sendo necessário esperar que o caso seja levado ao Tribunal para tanto.

ParaDworkin, portanto, claramente se percebe que há distinção entre as funções do Poder Judiciário e do Legislativo/Executivo quando se está tratando de políticas públicas.

É bem verdade que o Poder Judiciário tem a função constitucional de controlar os demais Poderes e, nesse âmbito de atuação, exercer o controle das políticas públicas, com a possibilidade de intervir diretamente no espaço tradicionalmente reservado à discricionariedade administrativa.

Com efeito, a Administração deve sempre agir em obediência à lei, tendo em mira o fiel cumprimento das finalidades assinadas na ordem constitucional e normativa. Em algumas situações, todavia, a regulamentação da matéria confere ao administrador “certa esfera de liberdade, perante o quê caber-lhe-á preencher com seu juízo subjetivo, pessoal o campo de indeterminação normativa”[12], a fim de atender, com precisão, a finalidade da lei.

Nesse ponto, a discricionariedade revela-se como uma prerrogativa para a Administração, que segundo critérios de oportunidade e conveniência, decidirá, no caso concreto, qual a melhor solução dentre duas ou mais possíveis, porque a lei não tem condições de prever todas as situações suscetíveis de ocorrerem e todas as correspondentes soluções para cada situação.

Por outro lado, a discricionariedade é sempre relativa, pois o administrador tem sua liberdade conferida nos limites da lei, tanto no seu âmbito de atuação, quanto na finalidade em vista da qual lhe foi atribuída a competência para agir. Ademais, diante do caso concreto, não obstante tenha a lei conferido certa margem de liberdade, esta pode esvair-se completamente, pois a autoridade administrativa poderá se defrontar com uma situação que à toda evidência só poderá ser solucionada por uma conduta que atenderá a satisfação do escopo normativo.

Nesse contexto, frise-se que a escolha administrativa (ato discricionário, portanto) deve ser motivada, expondo o administrador os motivos pelos quais optou por uma das soluções juridicamente possíveis em detrimento das demais, de modo a possibilitar um controle de adequação por parte da sociedade, além do controle pelo Poder Judiciário.   

A discricionariedade, portanto, é componente importante no campo das políticas públicas, pois se aproveitando do espaço deixado pela lei, o administrador elege o conteúdo, a extensão e o momento da implantação de um programa público, possuindo ainda competência privativa para encaminhar propostas orçamentárias e materializar as políticas escolhidas para serem executadas.

Retomando as idéias de Dworkiné possível o controle judicial das Políticas públicas, todavia, como bem afirma o referido autor, o magistrado não pode se afastar do Direito – que possui um plano racional-jurídico baseado em princípios e normas -, e resolver o caso concreto utilizando-se de argumentos de procedimento político-econômico, pois, aos argumentos de natureza jurídica, não se pode responder com argumentos de natureza política. 

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Em suma, a formulação de uma Política pública pertence ao campo de discricionariedade que norteia a atividade do administrador, não cabendo ao Judiciário, quando do controle da execução dessas políticas, a utilização de argumentos políticos (dentre outros, afastados do Direito), pois se exige nesses casos que ocorra o controle, sob o manto dos princípios e normas jurídicas. 

Ademais, por mais que esteja bem intencionado, o Judiciário não tem como formular e implementar políticas, pois além de não possuir os conhecimentos necessários - técnicos, econômicos, de gestão, etc. -, não conseguirá, devido a própria lógica do procedimento judicial avaliar as consequências exigidas na implementação de qualquer política.

Ora, o juiz se lança em uma verdadeira aventura política, pois ainda que possa oferecer alguma solução pontual, não vê e nem controla o impacto de sua decisão, com enormes riscos políticos, jurídicos, econômicos e até de agravamento dos problemas que se pretende resolver, e esse é um ponto fundamental quando se está diante de um caso concreto que repercutirá na ação e no orçamento estatal. 

Concordamos com Celso Fernandes Campilongo[13], quando diz que a “independência do juiz” jamais pode ser vista como absoluta, pois o Judiciário não é um Poder distante, oposto e contraditório em relação aos demais Poderes do Estado. Ademais,

“A magistratura integra o sistema político e não pode ser examinada à margem dos parâmetros institucionais de relacionamento entre um dos ramos de Poder do Estado (que é o seu caso) e os demais. Da mesma forma, a existência de um “direito judicial” só pode ser reconhecida se integrada à obra geral de criação estatal do direito. Assim a criatividade judicial (do mesmo modo que a independência e a imparcialidade) deve ser examinada nestes limites. Se, nos chamados “casos difíceis”, o juiz é obrigado a fazer escolhas políticas – muitas vezes por delegação do próprio legislador -, essa criatividade é exercida nos limites da legitimidade legal-racional[14].”

Por outro lado, acrescenta o mesmo autor:

“é crescente orientação da dogmática jurídica e da atividade judicial para as conseqüências das decisões. A teoria do direito trata desse tema como a passagem de uma análise estrutural para uma análise funcional do direito. (...). O problema reside no seguinte: um sistema jurídico voltado para o futuro pressupõe sua ampla abertura ao ambiente e uma suposta coerência nas relações inter-sistêmicas. Com isso, acaba por se desfigurar como sistema (não reconhece seus limites internos nem as condições auto-referenciais dos demais sistemas, como por exemplo, da economia e da política) e passa a exigir recursos cognitivos excessivos e inatingíveis (juiz-político, juiz-economista, juiz-sociólogo e em casos extremos juiz-herói)[15].”


4. Conclusão.

Em suma, é evidente a dificuldade que paira sobre a atuação do magistrado que se, por um lado, tem que dar uma solução ao caso concreto, por outro lado, não deve se atribuir função política, sob pena do magistrado se envolver em questões que estão fora do seu alcance e invadir a atribuição dos demais Poderes.

Para melhor solucionar uma questão difícil, o magistrado não pode, portanto, se afastar do Direito – que possui um plano racional-jurídico baseado em princípios e normas,devendo utilizar argumentos de natureza jurídica, e não de natureza política. 


Referência

BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Ingeborg Maus e o Judiciário como superego da sociedade. R. CEJ, Brasília, n.30, p. 10-12, jul/set.2005.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, Sistema jurídico e Decisão Judicial.São Paulo: Max Limonad, 2002.

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução: Luis Carlos Borges. 2 ed.  São Paulo: Martins Fontes, 2005.

DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. 2 ed.  São Paulo: Martins Fontes, 2007.

MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na sociedade órfã. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n.58, p. 186-187.


Notas

[1] DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

[2] DWORKIN, op.cit., p. 5-6.

[3] DWORKIN, op.cit., cap. I.

[4]DWORKIN, op.cit., cap. III.

[5]DWORKIN, op.cit., cap. VI.

[6]DWORKIN, op.cit., cap. IX

[7] DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução: Luis Carlos Borges. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

[8] DWORKIN, op.cit., parte um.

[9] DWORKIN, op.cit., p. 6.

[10] DWORKIN, op.cit., p. 26.

[11] DWORKIN, op.cit., p. 26 e ss,

[12]BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 906.

[13] CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, Sistema jurídico e Decisão Judicial.São Paulo: Max Limonad, 2002. p 48.

[14]CAMPILONGO. op.cit., p.48

[15]CAMPILONGO. op.cit., p. 92.

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Sobre a autora
Helena Dias Leão Costa

Bacharela em Direito pela UFRN. Procuradora Federal desde 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Helena Dias Leão. A questão da política e do princípio: breves considerações segundo o pensamento de Ronald Dworkin. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3689, 7 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25126. Acesso em: 11 mai. 2024.

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