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O que o Tribunal Superior do Trabalho pretende sinalizar com a nova redação da Súmula 428?

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A súmula que trata da concessão de sobreaviso vem sendo aplicada de formas diferentes pelo TST, que ora mantém o critério da restrição de locomoção, ora adota a disponibilidade do empregado para o empregador.

O regime de sobreaviso é um sistema de trabalho onde o empregado permanece fora do local de trabalho, em sua residência,  à espera do chamado de algum serviço pelo empregado. Eis a literalidade do art. 244, §, 2º, da CLT:

Art. 244. (...)

§ 2º Considera-se de "sobre-aviso" o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de "sobre-aviso" será, no máximo, de vinte e quatro horas, As horas de "sobre-aviso", para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário normal. (Restaurado pelo Decreto-lei n º 5, de 4.4.1966)

A evolução da tecnologia permitiu que o empregado pudesse resolver problemas atientes a seu serviço, fora do local de trabalho, mas permitindo maior mobilidade: não era mais necessário permanecer no restrito espaço geográfico da casa.

Foi o que aconteceu com o aparecimento do "bip", hoje algo quase obsoleto. Com tal inovação tecnológica, o TST se deparou com a necessidade de definir se o sobreaviso caracteriza-se: pelo fato de  o empregado estar aguardando chamado, estar a disposição do empregador (regime de escala), estar aguardando instruções em casa, ou um conjunto de tais fatores.

Optou o TST pela interpretação literal do art. 244, da CLT: o sobreaviso somente se caracteriza quando há restrição de locomoção. Veja-se o principal fundamento extraído do acórdão TST-AG-E-ED-RR-294.655/96.5 (SDI-1, Rel. Min. Rider de Brito, DJ de 04/05/1999), onde se afirma que para a caracterização do sobreaviso é necessário que haja limitação à locomoção do Empregado, o que, in casu, não se verifica, desde que não restou comprovado que havia indisponibilidade do seu tempo livre para descanso e repouso.  A SDI-1 afirmou ainda que, podendo o empregado sair para desfrutar momentos de lazer, não havia que se falar em sobreaviso

Assim que em 1995 foi editada a Orientação Jurisprudencial nº 49, pela Subseção de Dissídios Individuais-I, que em sua redação original previu que o uso do "bip"não caracterizava o sobreaviso:

O.J/SBDI-1 nº 49.Horas extras. Uso do bip. Não caracterizado o "sobreaviso".

Mas a questão referente à restrição de locomoção foi considerada tão imoportante, que em 2005, foi dada nova redação à O.J. 49, nos seguintes termos: "O uso do aparelho BIP pelo empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso, uma vez que o empregado não permanece em sua residência aguardando, a qualquer momento, convocação para o serviço."

Com o passar do tempo e novas tecnologias, o enunciado jurisprudencial incorporou novos elementos, como celular e "pager", mas seu conteúdo principal – necessidade de o trabalhador permanecer na residência - foi reiteradamente afirmado, ensejando, em 2011, a transformação da Orientação Jurisprudencial nº 49 na Súmula 428, que teve a seguinte redação:

Súmula nº 428: Sobreaviso (conversão da Orientação Jurisprudencial n.º 49 da SBDI-1) O uso de aparelho de intercomunicação, a exemplo de BIP, “pager” ou aparelho celular, pelo empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso, uma vez que o empregado não permanece em sua residência aguardando, a qualquer momento, convocação para o serviço.

Em setembro de 2012, o TST realizou uma revisão de seus enunciados. Talvez a revisão que teve mais repercussão foi a revisão da redação da Súmula nº 428 que passou a ter a seguinte redação:

SOBREAVISO APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244, § 2º DA CLT (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012)  - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

I - O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso. 

II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso.

A divulgação institucional do Tribunal (notícias TST[1][2]) informou que a mudança na redação da Súmula ocorreu em razão da necessidade de reconhecer que mesmo fora de sua residência, o trabalhador estaria, de fato, em "estado de disponibilidade".  Observe-se excertos da reportagem:

"A grande mudança nessa Súmula é que não é mais necessário que o empregado permaneça em casa para que se caracterize o sobreaviso, basta o "estado de disponibilidade", em regime de plantão, para que tenha direito ao benefício.

(...)

De acordo com o presidente do TST, João Oreste Dalazen, a necessidade de revisão da Súmula 428 surgiu com o advento das Leis 12.551/2011 e 12.619/2012, que estabeleceram a possibilidade eficaz de supervisão da jornada de trabalho desenvolvida fora do estabelecimento patronal, e dos avanços tecnológicos dos instrumentos telemáticos e informatizados."

A mudança de critério não é pequena. Com a redação anterior, o entendimento era o de que o sobreaviso estaria caracterizado apenas se o empregado ficasse em casa, aguardando ligação.

Neste sentido, mesmo que o empregado, para resolver problemas de trabalho, fora do horário comercial, utilizasse "smartphone", "tablets", ou notebooks em outros espaços que não o residencial ou profissional propriamente dito, como por exemplo, "lan houses" ou outro local, não teria direito ao sobreaviso. Isso gerava uma distorção clara: o empregador poderia fornecer as ferramentas móveis de trabalho e demandar (sobre)serviço a seu empregado, mas não pagaria o  sobreaviso, pelo critério da mobilidade. Óbvio que a situação é injusta, até porque a redação do art. 244, da CLT é bem anterior a própria criação do bip.

O outro ponto interessante a ressaltar é que a mudança da redação foi influenciada pela edição da Lei nº 12.551/2011, que alterou a redação do art. 6º, da CLT para regulamentar expressamente o teletrabalho. Eis o teor da lei:

Art. 1º  O art. 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação: 

“Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. 

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.” (NR) 

Art. 2º  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A toda evidência, a possibilidade de executar trabalho a distância, com meios telemáticos e informatizados de comando, coloca em xeque o critério da imobilidade residencial, que vinha sendo utilizado pelo TST até setembro de 2.012.

No entanto, nos chamou a atenção dois julgados a respeito da aplicação da Súmula 428/TST com sua nova redação.

O primeiro é o RR - 7200-60.2010.5.01.0000, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, SDI-1, DJe de 11/10/2012. Em referido acórdão colhemos a seguinte frase, fundamento da decisão denegatória da pretensão do Reclamante:

"(...)

 Afinal, o uso desses aparelhos não conduz à conclusão de que a liberdade de locomoção do empregado estaria limitada, especialmente pelo alcance verificado pela telefonia móvel."

O segundo julgado é o RR - 75100-57.2008.5.04.0611, Rel. Min. Dora Maria da Costa, SDI-1, com publicação de acórdão ainda pendente[3]. Neste processo, "o regional consignou que "configura o regime de sobreaviso o simples fato de o obreiro ver a sua liberdade tolhida pela iminência de vir ser convocado para laborar de imediato. O conceito de liberdade, nesse particular, não se circunscreve ao fato de poder ou não sair da residência".

A Quinta Turma do TST reformou o acórdão regional ao invocar o entendimento do antigo texto da Súmula nº 428. O dispositivo expressava que o uso de aparelho celular por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso, uma vez que o empregado não permanece em sua residência aguardando, a qualquer momento, convocação para o serviço."

No entanto, a Eg. SDI-1, reformou o decidido pela Turma e restabeleceu o direito ao recebimento das horas em sobreaviso, conforme concedido pelo TRT. A ministra  relatora destacou que a referida questão já não comporta maiores discussões, na medida em que o Pleno da Corte aprovou a nova redação da Súmula n° 428: "O reconhecimento do regime de sobreaviso não se dá exclusivamente pelo porte de telefone celular, mas pela constatação de que o reclamante estava sujeito a escalas periódicas de plantão, tendo sido acionado para atender aos chamados do empregador fora do horário de trabalho, a denotar efetiva restrição ao direito de livre disposição das horas de descanso".

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Vê-se que no primeiro julgado o critério continuou sendo o da restrição de locomoção, nos termos da antiga O.J. nº 49. O segundo critério, foi a da disponibilidade do empregado para o empregador.

É claro que o segundo acórdão ainda não foi publicado, e assim ainda não temos acesso ao teor de sua fundamentação. E por isso, talvez estejamos sendo afobados demais na nossa leitura.

Mas fato é que ambos os acórdãos foram proferidos pelo mesmo Órgão Jurisdicional: SDI-1, após a nova redação da Súmula 428/TST, supostamente com a mesma composição. Mais notório é que o resultado de estes processos foram divulgados no sítio eletrônico do TST, como notícias importantes. No entanto, mesmo que não sejam divulgações oficiais, produzem um efeito importante pois diversos operadores do direito consultam as notícias do sitio do TST para se manterem informados dos rumos, das sinalizações que o Tribunal Superior dá, apontando sua interpretação.

Se a mesma Súmula, em menos de um mês, é aplicada de forma diferente pelo mesmo Órgão, teremos um problema sério de orientação para os jurisdicionados. Com apoio em Lênio Streck[4], entendemos que as súmulas possuem a função de buscar construir a unidade do ordenamento jurídico mediante reprodução autopoiética. Ela não deixará nunca de ser uma interpretação de um enunciado normativo, mas poderá, sempre que necessário, ser revisada e mudar de sentido quando a evolução social assim o exija. Ou seja, as Súmulas representam condições de validade das normas que interpretam. Portanto, a norma jurídica termina por ser o que a Súmula diga o que ela é. O entendimento sumulado, assim, pode ser entendido como uma norma imanente.

Mas a norma sumular deve preencher, de fato, o requisito de completude do ordenamento jurídico. No direito brasileiro, por poder ser a Súmula do TST fonte de direito heterônoma (pois é requisito de admissibilidade recursal previsto em lei e não possui necessariamente a participação das partes),  é a suma ratio do direito trabalhista. Deveria ser a aplicação prática do princípio da segurança jurídica. Quando a súmula é editada, ela não pode ser reinterpretada ad infinitum de acordo com a subjetividade do caso concreto. Do contrário, a função de harmonização da legislação federal nunca será alcançada e a própria existência da Súmula deixa de fazer sentido.

O que aconteceu com a Súmula 428/TST é bastante intrigante. Quais seriam os motivos pelos quais as decisões ficaram tão díspares? Ou seria, melhor dos mundos, apenas uma leitura apressada por parte deste autor.


Notas

[1] <http://www.tst.jus.br/busca-de-noticias?p_p_id=buscanoticia_WAR_buscanoticiasportlet_INSTANCE_xI8Y&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-2&p_p_col_count=2%20&advanced-search-display=yes%20&articleId=2406636%20&version=1.0%20&groupId=10157%20&entryClassPK=2406638> acessado em 21.10.2012.

[2] <http://tst.jusbrasil.com.br/noticias/100062927/nova-redacao-da-sumula-428-reconhece-sobreaviso-em-escala-com-celular> acessado em 21.10.2012

[3] as informações foram extraídas do órgão de divulgação institucional do TST: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/empresa-condenada-pelo-tst-a-pagar-sobreaviso-por-plantao-com-uso-de-celular?redirect=http%3A%2F%2Fwww.tst.jus.br%2Fnoticias%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_89Dk%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn-2%26p_p_col_count%3D2%26_101_INSTANCE_89Dk_advancedSearch%3Dfalse%26_101_INSTANCE_89Dk_keywords%3D%26_101_INSTANCE_89Dk_delta%3D10%26_101_INSTANCE_89Dk_cur%3D2%26_101_INSTANCE_89Dk_andOperator%3Dtrue> acesso em 21.10.2012.

[4] STECK, Lênio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2a. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. P. 241.

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Sobre o autor
Sergio Lindoso Baumann Pietroluongo

Advogado. Especialista em Direito Público na UniDF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIETROLUONGO, Sergio Lindoso Baumann. O que o Tribunal Superior do Trabalho pretende sinalizar com a nova redação da Súmula 428?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3401, 23 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22874. Acesso em: 28 abr. 2024.

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