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A (im)produtividade na Justiça e novas lentes sobre as secretarias judiciais

13/06/2010 às 00:00
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O CNJ estabeleceu praticamente uma revolução na Justiça ao implantar a Meta 2, a qual consistia em julgar, até 31 de dezembro de 2009, todos os processos distribuídos até 2005. Embora não se tenha conseguido cumprir toda a proposta, a mesma foi boa por permitir identificar alguns gargalos como processos não arquivados. É fato que há muita dificuldade para se definir a situação de processos suspensos e também alguns critérios adotados de forma diferenciada por alguns Tribunais. No entanto, autonomia administrativa não significa superpoder de independência. Não se pode confundir autonomia administrativa com independência funcional, pois o primeiro é de ordem gerencial e menos poderoso e o segundo tem maior amplitude. Em suma, traduzindo, o Judiciário tem que julgar (independência funcional mais ampla) e administrar (neste caso tem apenas autonomia); no entanto, ambos os conceitos estão umbilicalmente ligados.

Contudo, o meio jurídico está acostumado com um erro grave de paradigma que é medir serviço pela quantidade de processos parados. Isto é, acha-se que trabalha muito quem tem sete mil processos e que trabalha pouco quem tem mil processos. Ora, mas este critério é ERRADO. Afinal, tem que se medir o fluxo: quantidade mensal de processos que foram ajuizados, população média e quantidade de sentenças mensais (preferencialmente de mérito). Com este critério poderemos saber se o Juiz que tem sete mil processos realmente está produzindo ou não. O importante não é o tanto que se trabalha, mas sim o quanto se produz em resultados (sentenças). Porém, as Corregedorias e até o meio jurídico ainda continuam fazendo a pergunta errada, logo chegam a caminhos errados: Pergunta errada: Quantos processos existem na Vara?; Pergunta certa: Qual a média mensal de processos distribuídos?

Em geral, a média mensal de processos judiciais gira em torno de 100 a 150 mensais, exceto locais específicos como juizados especiais (contam também com conciliadores e juízes leigos), bem como varas de fazenda pública (processo de execução fiscal, em regra, sem complexidades).

Estudos indicam que um juiz brasileiro produz em torno de 1.000 sentenças ao ano enquanto um juiz norte americano produz aproximadamente 11.000 sentenças ao ano. O Juiz norte americano produz sentenças sucintas e nem sempre ocupa seu tempo com audiências ou despachos, pois delega estes atos. No Brasil, o juiz tende a se ocupar excessivamente com atos administrativos, bem como audiências de conciliação e despachos, além seguir o paradigma do direito romano e das faculdades de direito de fazer sentenças bonitas e recheadas de jurisprudência e doutrina, o que demanda mais tempo.

No entanto, no meio jurídico falta visão macro; no máximo, há algumas visões micro do problema. Por sua vez, as faculdades de Direito ainda focam apenas em questões processuais, ou seja, quanto mais burocracia melhor, afinal vendem-se mais remédios jurídicos.

As críticas ao Judiciário têm sido focadas no juiz, em razão de um protagonismo histórico e ainda pelo fato de que, até antes de 1988, não eram as secretarias judiciais estatizadas, em regra. Hoje, pesquisas indicam que o tempo de um processo é consumido em 70% nas secretarias. Realmente, tem se observado que simples juntadas de papel demoram até 60 dias, enquanto o Juiz despacha em menos de 10 dias. Logo, tem havido uma total inversão, pois furar, juntar e numerar folhas tornou-se um ato mais complexo do que decidir ou despachar.

Dessa forma, as lentes da reforma do sistema judicial estão voltando para as secretarias judiciais, as quais foram estatizadas a partir de 1988 sem se discutir o modelo. Lado outro, existe uma figura que ficou um pouco esquecida, mas deve ser melhor analisada, que é o escrivão/diretor de secretaria, pois tem se observado que as secretarias em que este profissional entende de gestão funcionam melhor do que aquelas em que o escrivão desconhece o seu papel.

Recentemente, o CNJ recomendou que os escrivãos tenham curso superior, preferencialmente em Direito. Com a devida vênia, mas acho importante também que se exijam conhecimentos de gestão processual. Pesquisas da FGV também já constatam que o problema das Secretarias precisa ser resolvido e o CNJ já estuda padronização de rotinas. É preciso discutir também temas como sistema de punições e recompensas.

Outra questão extremamente importante, mas que vem sendo esquecida, é como selecionar o escrivão? Opções: 1) concurso para o cargo, 2) promoção de escreventes, 3) cargo em comissão de livre provimento ou 4) função de confiança a ser ocupada apenas por servidores de carreira, mas sem efetividade. Cada Tribunal vem fazendo isso de uma maneira.

De todos os modelos, acredito que o melhor seja "função de confiança", a qual está prevista no art. 37, V, da Constituição Federal e evita o comodismo, pois o Juiz poderia nomear qualquer "escrevente" do Tribunal para ser "escrivão". Este exerceria esta função apenas enquanto for eficiente; caso contrário, será exonerado e volta a ser escrevente. Isso estabeleceria uma saudável competitividade e evitaria os riscos de cargo em comissão de livre recrutamento.

Função de confiança e cargo em comissão são conceitos bem diferentes e previstos na Constituição Federal, embora alguns leigos façam confusão. As funções de confiança são temporárias e exercidas EXCLUSIVAMENTE por servidores de carreira, enquanto cargos em comissão podem ser exercidos por pessoas que não sejam servidores de carreira, embora haja necessidade de se reservar parcela para os servidores de carreira, o que vem sendo negligenciado por muitos órgãos públicos. Tanto a função de confiança como o cargo em comissão apenas podem ser para atribuições de direção, chefia e assessoramento. O escrivão/diretor de secretaria encaixa-se perfeitamente na função de chefia ou de direção da secretaria.

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Nesse sentido, transcreve-se o texto constitucional:

Art. 37:

- as funções de confiança

, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (Grifo nosso)

A proposta do novo CPC já se preocupa com esta questão, mas não basta delegar serviços para a secretaria. Afinal, há bons servidores e outros que simplesmente não trabalham.

Alegam que há falta de pessoal, mas o problema é quase sempre gerencial e não quantitativo.

Portanto, é importante que o CNJ defina um modelo de escolha para exercer a função de "escrivão", bem como Recomende aos Tribunais que os Escreventes atuem no processo conforme o dígito final. Por exemplo: escrevente/analista processual/analista judicial/oficial de apoio fulano atuará nos processos com dígito final 1 e 2. Dessa forma, é possível identificar quem são os mais "espertinhos" e que não trabalham. Estes se aproveitam quando a divisão é feita de outra forma como a de uns juntam, outros lançam no Diário Oficial e esta tarefa muda a cada dia; logo, ao final da semana, já não se sabe quem foi que atrasou e nem o motivo, pois apenas há algumas mesas mais cheias e outras menos, mas preferem redistribuir o serviço sem apurar as causas. Tudo vai se acumulando.

Por fim, urge que o CNJ foque as lentes nas secretarias e enfrente temas como forma de escolha do escrivão, normatizar punição de escrivães e escreventes improdutivos, bem como dividir os processos por dígito a cada servidor, permitir às partes realizar atos como citação, intimação e juntadas de papéis, além de publicar um ranking de distribuição mensal de processos por vara, pois isto mudaria o paradigma errado de "premiar" quem tem mais processos parados com mais pessoal e verbas.

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Sobre o autor
André Luís Alves de Melo

Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito Público. Professor universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, André Luís Alves. A (im)produtividade na Justiça e novas lentes sobre as secretarias judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2538, 13 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15020. Acesso em: 2 mai. 2024.

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