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A aplicabilidade da denunciação da lide nas ações de responsabilidade civil do Estado

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24/09/2008 às 00:00
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A denunciação da lide pode ser aplicada às ações de responsabilidade civil do Estado, quando um servidor causar um dano ao particular, e este ajuizar ação apenas contra o ente estatal?

Sumário: 01. Considerações iniciais. 02. A Responsabilidade objetiva do Estado pelos atos de seus agentes. 02.1. A Responsabilidade subjetiva do agente causador do dano. 02.2. A decisão administrativa como instrumento probatório. 03. A ação de regresso nos casos de responsabilidade estatal. 04. A aplicabilidade da denunciação da lide nas ações de Responsabilidade Civil do Estado. 04.1. Por atos cometidos no exercício da função jurisdicional. 04.2. Por atos cometidos no exercício da função administrativa. 04.3. Por atos cometidos por agentes vinculados a concessionárias e permissionárias. 04.4. Por atos cometidos por agentes políticos. 05. A denunciação da lide como método mais eficaz, célere e econômico de resolução do conflito. 06. Conclusão. 07. Referências.


1 Considerações iniciais.

Este trabalho tem como escopo analisar se a denunciação da lide pode ser aplicada às ações de responsabilidade civil do Estado, nos casos em que um servidor causar um dano ao particular, no exercício de função pública, e este último intentar ação indenizatória apenas contra o ente estatal.

Se é certo que se pode chegar a conclusões diametralmente opostas ao tratar de tal matéria, teremos sempre a convicção de que o presente artigo representa apenas uma modesta contribuição para um debate que, hodiernamente, está longe de ser encerrado.

De fato, após um breve estudo jurisprudencial, percebe-se que os Tribunais de Justiça brasileiros, bem como o próprio STJ, já têm deferido, em grande parte das ações de responsabilidade civil do Estado, a denunciação da lide requerida pela Administração Pública em face de seu agente, o que demonstra a desnecessidade de ajuizamento de ação de regresso autônoma.

Não fosse isso, vê-se que o art. 70, III, do CPC prevê como obrigatória a intervenção do terceiro que está obrigado, por lei ou por contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo daquele que perder o processo. E é justamente esse dispositivo que fundamenta este artigo, haja vista existir, de fato, uma vinculação de trabalho entre o agente público e o Estado.

Ademais, a denunciação da lide efetiva princípios processuais e constitucionais basilares, tais como a celeridade, a eficiência, a impessoalidade, a economicidade e a preservação do interesse público, já que, ao invés de se instaurarem duas demandas distintas (com a mesma finalidade), toda a discussão ocorrerá em apenas uma lide, produzindo uma única sentença. Desse modo, o responsável pelo prejuízo, adentrará, ab initio, no processo movido contra o Estado, efetivando o contraditório.

Percebe-se, assim, que há muito se discute acerca da possibilidade de aplicação da denunciação da lide nas ações de responsabilidade estatal, haja vista que a responsabilidade do Estado é objetiva, isto é, independe da averiguação da culpa ou do dolo (com exceção dos atos omissivos), enquanto que a responsabilidade do agente é subjetiva, sendo necessário, para que ele seja responsabilizado civilmente, a averiguação, in casu, dos referidos elementos.

Assim, diante do acirrado debate que circunda o tema, analisar-se-á se a aplicação da denunciação nas ações de responsabilidade estatal é a forma mais célere e econômica de resolução do conflito, vez que isenta o Estado do pagamento da indenização, tornando-o mero devedor subsidiário, para o caso do funcionário não possuir condições de indenizar o particular, além de tornar desnecessária a ação regressiva e fazer com que a vítima seja ressarcida diretamente, sem necessidade de precatório.

O que se busca com a denunciação da lide, pois, não é a declaração da irresponsabilidade estatal, até porque o Estado jamais poderá se escusar da obrigação de responder pelos danos causados por seus agentes, em atenção à culpa in eligendo (pela escolha dos funcionários), prevista no § 6º, do art. 37, da CF, mas sim garantir a efetividade do comando decisório, já que a sentença, por ser una, tornará desnecessária uma futura ação de regresso.

Pelo exposto, percebe-se que a morosidade e os altos gastos que permeiam os processos brasileiros em geral são desnecessários, já que o próprio ordenamento prevê institutos esclarecedores e de fácil aplicação, como a denunciação da lide, que foi criada com o escopo de acelerar e economizar as demandas, razão pela qual verifica-se que os agentes públicos faltosos podem (e devem) ser denunciados pelo Estado, o que resguardará o interesse coletivo e o patrimônio público.


2.A responsabilidade objetiva do Estado pelos atos de seus agentes.

A responsabilidade do Estado compreende três facetas distintas, porém interligadas, quais sejam: a responsabilidade administrativa, em que a culpa ou o dolo do agente público será averiguado via processo administrativo; a criminal, para os casos em que a falta tenha derivado de ato ilícito, típico, punível e culpável, gerando, por conseguinte, conseqüências no âmbito penal e a responsabilidade civil, que é objetiva e prescinde da averiguação do dolo ou da culpa.

No que pertine à responsabilidade administrativa, cumpre salientar que a decisão oriunda de processo disciplinar poderá ser utilizada como instrumento probatório na demanda indenizatória, corroborando o pedido de denunciação do agente à lide, já que tal título configura prova cabal da culpa do aludido funcionário, tornando desnecessária uma ampla instrução derredor da responsabilidade do mesmo, sob pena do processo se tornar repetitivo e, portanto, protelatório.

Com relação à responsabilidade penal, necessário ressaltar que a mesma é autônoma e independe de ação civil (art. 935 do Código Civil). Assim, caso seja verificado que o servidor cometeu um crime funcional, de responsabilidade, com abuso de poder ou, ainda, ato de improbidade administrativa, deverá responder a processo criminal, mesmo que não tenha sido ajuizada ação cível. Desse modo, se o agente for absolvido penalmente, entende-se que, por serem as instâncias autônomas, nada impedirá que o mesmo continue respondendo a processo administrativo, exceto se restar provada a inexistência do fato ou da autoria, nos termos do art. 126 da Lei nº 8.112/90.

Quanto à responsabilidade civil, vê-se que esta corresponde a uma obrigação de dar, fazer, não fazer ou, ainda, de reparar prejuízos causados, resumindo-se no dever contraído pelo agente faltoso de assumir publicamente o dano decorrente de seus atos diretos ou de atos cometidos por aqueles que lhe eram tutelados, a exemplo do Estado em relação aos seus agentes. Conceitualmente, tem-se que a responsabilidade civil do Estado é: "A obrigação que se lhe atribui, não decorrente de contrato nem de lei específica, para recompor os danos causados a terceiros em razão de comportamento comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo que lhe seja imputável." (GASPARINI, 2006, p.825).

Pois bem, nos primórdios do Direito das Obrigações, já se defendeu a irresponsabilidade absoluta do Estado, em razão da soberania, uma vez que o ente estatal representava uma autoridade incontestável perante seus súditos (The King can do no wrong), pelo que seus agentes respondiam, individualmente, pelos danos causados. Isto porque, imaginava-se que o Estado era a personificação do povo, não podendo ser demandado juridicamente, além do que, por não ser uma pessoa viva, o ente era incapaz de praticar atos ou condutas culposas. Pensava-se, também, que os danos causados pelo Estado não passariam de "um ônus de viver em coletividade". (BAHIA, 1995, p.15).

Por outro lado, vê-se que a responsabilidade civil se originou do latim respondere, cuja idéia central é a recomposição ou ressarcimento, enquanto que seus pilares jurídicos se sustentam nas teses Romanísticas, com base no princípio neminem laedere (não lesar a ninguém), cuja principal finalidade é fazer com que o agente faltoso repare o prejuízo pessoalmente, através da indenização por perdas e danos. Tal recomposição foi admitida pelas civilizações mais democráticas, entendendo-se que, caso a vítima não tivesse conhecimento da pessoa que lhe havia causado o dano, poderia demandar diretamente em desfavor da Administração Pública, não importando quem efetivamente havia sido o responsável. Com isto, iniciou-se a fase de verificação da culpa in eligendo do Estado, vez que o mesmo passou a responder pela "má escolha" dos seus funcionários. Para tanto, dividiu-se as atividades exercidas pelo Poder Público em atos de império, praticados em razão dos privilégios da Administração e impostos coercitivamente ao particular, sem a obrigação de indenizar, e atos de gestão, que se assemelham aos atos particulares e têm a finalidade de proteger o patrimônio público, gerando o dever de ressarcir, desde que provada a culpa do Estado.

Assim, observa-se que, anteriormente, a responsabilidade estatal era subjetiva, pois se baseava na culpa, o que, na prática, era muito difícil de ser provado pelo particular, pelo que, em regra, a Administração Pública escapava da obrigação de reparar. No entanto, o entendimento doutrinário evoluiu, alcançando a teoria da responsabilidade objetiva, em que basta a comprovação do dano e do nexo causal, sem necessidade de analisar se o Estado atuou culposamente. (BAHIA, 1995).

No Brasil, vê-se que, desde a primeira Constituição, em 1824, o tema vem, paulatinamente, sendo discutido, senão vejamos o art. 179, item 29, do citado regramento: "Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos". Todas as outras Constituições previram entendimentos semelhantes, ora responsabilizando integralmente o funcionário (período da irresponsabilidade estatal – Cartas de 1824 e 1891), ora responsabilizando solidariamente o agente e o Estado (Constituições de 1934 e 1937), ora responsabilizando subsidiariamente a Administração Pública, cabendo ação de regresso contra o agente (a partir da Carta de 1946).

O tema foi evoluindo, até que, em 1988, a nossa Constituição Federal instituiu que:

Artigo 37.

[...]

§ 6º: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que os seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de culpa ou dolo.

Nos casos, portanto, que o ente estatal figurar no pólo passivo da lide, a sua responsabilidade será objetiva, não sendo necessário analisar o dolo ou a culpa, bastando que a vítima quantifique o dano e demonstre o liame causal entre a falta e o prejuízo. Caso o agente público seja denunciado à lide, porém, deverá o Estado provar que foi ele quem cometeu a falta (o que, em regra, já foi averiguado no processo administrativo), eximindo-se, desde que quitada a dívida, do dever de indenizar.

Desse modo, verifica-se que a real finalidade da responsabilização estatal, além de permitir a igualdade entre as partes, é atingir o bem estar comum, devendo a Administração indenizar os prejuízos que ocasionar de forma célere, eficaz, econômica e eficiente (GIGENA, 1987).

Saliente-se, ainda, que a natureza da responsabilidade civil estatal é extracontratual, já que a vítima pode pautar suas alegações em vários fatos, desde que condizentes com uma violação às normas de Responsabilidade, tais como: imperícia, negligência, imprudência, abuso de direito ou de poder, falta de vigilância, eficiência, fiscalização ou segurança, morosidade na prestação dos serviços ou o simples dolus malus intencional. Assim, diante da responsabilidade objetiva do Estado, vê-se que a vítima precisa, apenas, demonstrar a culpa presumida, baseada no suposto risco causado pelo agente, constituindo-se em um dever-poder da Administração observar a extensão do dano e o liame causal entre o prejuízo e a falta, como explica Caio Mário Pereira (2005, v.I, p.295), senão vejamos:

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O princípio da igualdade dos ônus e dos encargos exige a reparação. Não deve um cidadão sofrer as conseqüências do dano. Se o funcionamento de serviço público, independentemente da verificação de sua qualidade, teve como conseqüência causar dano ao indivíduo, a forma democrática de distribuir por todos a respectiva conseqüência conduz à imposição à pessoa jurídica do dever de reparar o prejuízo e, pois, em face de um dano, é necessário e suficiente que se demonstre o nexo de causalidade entre o ato administrativo e o prejuízo causado.

Quando houver, portanto, uma ligação direta e imediata entre o dano e a conduta do agente, deve o administrado ajuizar demanda em face do Estado ou diretamente contra o funcionário, salientando-se que, no primeiro caso, entende o STF, que a Administração deverá cobrar regressivamente do servidor, após indenizar a vítima, enquanto que o STJ admite que o agente seja denunciado à lide.

Desse modo, vê-se que a intenção do legislador, ao instituir a responsabilidade objetiva, foi potencializar a obrigação de indenizar e conferir à parte mais fraca da relação o direito à inversão do ônus da prova, não havendo necessidade que o particular prove a culpa do agente público/Estado, mas, tão somente, que quantifique o dano e demonstre o nexo de causalidade.

Conclui-se, assim, que a responsabilidade objetiva só será aplicada quando houver previsão legal e em caso de conduta comissiva, já que na omissão a responsabilidade permanecerá subjetiva, como é regra, em atenção à culpa in vigilando. Como há, de fato, norma específica tratando da responsabilização objetiva do Estado (art. 37, § 6º, da CF/88), em razão da culpa in eligendo da Administração, não há como ser aplicada a responsabilidade subjetiva ao Estado, já que esta é específica do servidor, devendo ser analisada via processo administrativo.

Pelo exposto, observa-se que o Estado possui a responsabilidade ética de reparar os danos porventura causados por seus agentes, como bem pontua o autor Egon Moreira (2003, p.135):

O respeito a um Estado Democrático de Direito impõe à Administração a adoção de comportamento ativo e respeitoso aos cidadãos. Reparar os males causados aos detentores do poder público (o povo) configura um mínimo de conduta ética e legal por parte de seus representantes, ou daqueles por si contratados.

Mas, como será analisada a culpabilidade do agente público?

2.1.A responsabilidade subjetiva do agente causador do dano.

Inicialmente, cumpre salientar que, para Hely Lopes Meirelles (2005, p.589), agentes públicos são "todas as pessoas físicas incumbidas da realização de algum serviço público, em caráter permanente ou transitório. [...] O essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato ou a omissão administrativa no exercício de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las."

Nesta mesma linha de intelecção se situa Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p.226), que esclarece que a expressão agente público "é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente".

Por fim, afirma Miriam Giusti (2004, p.41) que os agentes públicos são "Pessoas físicas ou jurídicas que prestam serviços à Administração Pública ou realizam atividades sob sua responsabilidade, exprimindo a vontade estatal em razão da autoridade que lhes foi conferida pelo próprio Estado".

Assim, observa-se que a qualidade de "agente" só gerará a responsabilidade estatal caso o mesmo, ainda que movido por sentimentos e emoções, pratique ato ligado ao exercício de suas funções públicas, já que, só assim, o Estado absorverá a falta, averiguando-a via processo administrativo, e se responsabilizará pelo ressarcimento da vítima, sem necessidade de comprovação da culpa.

Saliente-se, por outro lado, que só a responsabilidade do Estado é objetiva, devendo a conduta do funcionário ser averiguada para que o dano se torne indenizável. Ocorre que esta averiguação é, em regra, realizada internamente, antes mesmo do particular instaurar ação indenizatória, através de processo administrativo, sendo que a decisão que comprova a culpa ou o dolo do agente público, poderá ser apresentada como instrumento probatório na demanda cível, tão logo seja requerida a denunciação da lide, vez que a mesma reconhece a falta perpetrada pelo funcionário.

Pelo exposto, verifica-se, de logo, que a denunciação é o melhor remédio nas hipóteses de responsabilização estatal, em razão da celeridade e da economia processual, já que, ao invés de se instaurarem duas demandas distintas - a principal, movida pela vítima contra o Estado, e a ação de regresso, ajuizada pelo Poder Público contra o agente causador do dano -, tudo será resolvido simultaneamente, resguardando-se o direito do agente de perseguir e comprovar o grau de culpa com que concorreu para a prática do ato (ampla defesa e contraditório), salientando-se, mais uma vez, que tal conduta, em regra, é perquirida através de processo administrativo, restando ao Poder Judiciário o controle de legalidade do procedimento disciplinar que deu origem à decisão.

De mais a mais, todo agente público possui os deveres de lealdade, fidelidade, dedicação ao serviço, respeito às leis, obediência à fiel execução da atividade, moralidade, boa-fé e ética. Assim, caso sua falta derive do desrespeito a alguma dessas obrigações, o mesmo deverá ser punido administrativamente, por meio de advertência, suspensão ou exoneração, e civilmente, reparando o dano que causou a terceiro ou, ao menos, ressarcindo o Poder Público.

Cumpre salientar, também, que o ônus probatório, seja quando a denunciação for aplicada, seja na hipótese de ajuizamento de ação regressiva autônoma, pertence ao Estado, já que é este que terá que demonstrar qual de seus agentes causou o dano e, portanto, possui o dever de indenizar.

Observa-se, assim, que a denunciação da lide é a forma mais eficaz de isentar o ente estatal da demanda (ou, ao menos, de torná-lo devedor subsidiário) e, conseqüentemente, resguardar o patrimônio público, vez que tal intervenção traz ao processo principal o efetivo causador do dano, para que ele arque com os prejuízos que causou, de acordo com suas condições financeiras.

Desse modo, é irrelevante a argumentação do STF, que entende ser inaplicável a denunciação nas ações de responsabilidade do Estado, sob a alegação de que a culpa do agente não pode ser discutida na mesma demanda em que se analisa a responsabilidade objetiva da Administração, uma vez que tal discussão, de fato, já foi dirimida no processo administrativo, devendo a decisão daí oriunda ser apresentada como meio de prova, corroborando o pedido de intervenção na lide.

2.2 A decisão administrativa como instrumento probatório.

Pois bem, após breve explanação acerca da responsabilidade do agente público, há de se demonstrar como se desenrola o processo de apuração de falta perpetrada pelo mesmo e conseqüente punição.

Inicialmente, deve-se ressaltar que a sindicância é um procedimento mais célere e informal que o processo administrativo, podendo até anteceder esta demanda. Tal instituto visa "elucidar uma irregularidade no serviço público e, se for comprovado o ilícito e houver indícios convincentes de autoria, instrumento preparatório do processo administrativo disciplinar." (COSTA, 2003, p.217). Este procedimento prescinde de defesa formal, já que trabalha com o conceito da "probabilidade", além de ser preliminar, pois, em geral, antecede o processo disciplinar, prestando-se à averiguação do lastro probatório da infração. Ocorre que a sindicância tem sido realizada por pessoas que não guardam conhecimento da matéria apurada, o que acaba por atrasar e obscurecer a resolução da mesma, culminando na ineficácia e na nulidade do instituto (GONZALEZ; OCTAVIANO, 2002).

Assim, verifica-se que o processo disciplinar é o meio mais eficaz para se apurar a culpa do agente faltoso, sendo que a decisão oriunda desse procedimento, apesar de não guardar vinculação com a sentença que será proferida no processo indenizatório, vai, por certo, influenciar o convencimento do juiz, corroborando o pedido de denunciação da lide, haja vista já ter sido comprovada a culpa do servidor, tornando desnecessária, pois, uma longa instrução probatória e a própria ação de regresso.

O processo disciplinar é o procedimento que mais se assemelha ao processo judicial, seja pelo rito e pelas formalidades (audiência, defesa etc), seja porque dará brecha à intervenção do funcionário na ação de responsabilidade estatal. Tal processo está conceituado no art. 148 da Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores federais, in verbis: "O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade do servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido."

Verifica-se, portanto, que a finalidade do processo disciplinar é democrática, já que limita a conduta dos servidores, penalizando aqueles que causarem prejuízos para a própria Administração ou para os particulares, como explica Egon B. Moreira (2003, p.63):

A existência e a celebração do processo administrativo fazem parte da busca por um Estado Democrático de Direito. É atividade pela qual o particular contribui com a formação da "vontade" estatal, de forma direta e imediata. Como decidiu o Tribunal Regional Federal da 5ª Região: "A homenagem ao devido processo legal é um comportamento da Administração pública que se insere no cultivo à democracia e respeito ao direito do cidadão."

A sanção do funcionário deverá ser fixada de acordo com o grau, a qualidade e a intensidade da falta, sempre em respeito aos princípios previstos no art. 5º e incisos da CF e na Lei nº 9.784/99, que trata da procedimentalidade do processo administrativo, a exemplo do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da legalidade, da proporcionalidade e da moralidade.

Por fim, cumpre ressaltar que, caso a culpa do servidor seja reconhecida no processo disciplinar, o mesmo poderá ser demandado civilmente pelo particular ou denunciado à lide pelo Estado, uma vez que a decisão administrativa servirá como meio de prova na ação indenizatória. De fato, se já foi comprovada a participação do agente no ato danoso, poderá o mesmo integrar à ação de responsabilidade do Estado, não havendo necessidade deste último indenizar a vítima e só depois de longos anos receber o ressarcimento, via ação regressiva, até porque o funcionário pode não possuir mais condições de quitar a dívida, tendo, inclusive, fraudado a execução.

Para que se ratifiquem as razões supra demonstradas, há de se analisar a disposição do art. 37, § 6º, da CF, que prevê a possibilidade do Estado ser ressarcido pelo agente público via ação de regresso.

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Sobre a autora
Fernanda Salinas di Giacomo

Bacharel em Direito pela UNIFACS (Universidade Salvador).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIACOMO, Fernanda Salinas di. A aplicabilidade da denunciação da lide nas ações de responsabilidade civil do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1911, 24 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11766. Acesso em: 28 abr. 2024.

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