Capa da publicação Inconstitucionalidade das comissões de conciliação prévia
Artigo Destaque dos editores

A (in)constitucionalidade nas comissões de conciliação prévia

16/05/2023 às 17:20
Leia nesta página:

Se a CLT cria uma condição para que o empregado ajuíze uma ação trabalhista, é preciso avaliar sua constitucionalidade,

A comissão de conciliação prévia é uma forma extrajudicial de solução de conflitos, classificada como de forma autocompositiva, visto que não possui um terceiro imparcial que irá dizer o direito, proferir uma decisão a favor de uma das partes envolvidas como ocorre com o poder judiciário ou por meio da arbitragem (heterocomposição). Aqui é formada uma comissão que irá trazer algumas alternativas e tentar apenas uma conciliação, um acordo entre as partes envolvidas.

A CLT traz a previsão legal em seu artigo 625-A e seguintes. Reza o dispositivo referido que “As empresas e os sindicatos podem instituir Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais de trabalho. Parágrafo único. As Comissões referidas no caput deste artigo, poderão ser constituídas por grupos de empresas ou de caráter intersindical.”

Interpretando o referido dispositivo, Mauricio Godinho Delgado esclarece que as comissões de conciliação prévia poderão ser instituídas no âmbito de uma empresa, ou de um grupo de empresas, ou se for de caráter intersindical, poderemos ter comissões dentro de um sindicato ou grupo de sindicatos. Assevera ainda, que as comissões de caráter sindical deverão ter suas normas e funcionamento descritos por meio de uma negociação coletiva, conforme está no disposto do art. 625-C da CLT, e não seguir todo o regramento previsto nos dispositivos da legislação trabalhista, que serão obedecidos para as comissões no âmbito das empresas. (DELGADO, 2004, p, 1455)

A comissão estabelecida no âmbito da empresa segue a regra do art. 625-B da CLT, onde traz a ideia de uma composição igualitária na comissão com metade de seus membros indicados pelo empregador e a outra metade eleita pelos empregados, sendo composta de no mínimo 2 membros e no máximo 10 membros, e terá o mesmo número de suplentes. Evidentemente que quando temos representantes dos empregados em uma comissão que busca uma conciliação entre as partes envolvidas, o empregador poderá não ficar muito satisfeito com a participação e instrução dos membros eleitos dos empregados e, por isso, surge a estabilidade provisória prevista no § 1º do mesmo dispositivo.

De acordo com o § 1º do art. 625-B da CLT: “É vedada a dispensa dos representantes dos empregados membros da Comissão de Conciliação Prévia, titulares e suplentes, até 1 (um) anos após o final do mandato, salvo se cometerem falta grave, nos termos da lei.” Observa-se que o legislador teve a preocupação de não somente garantir uma estabilidade provisória durante o mandato do membro da comissão, como também a extensão dessa garantia no emprego por mais um ano após o final do mandato, afim de evitar que no dia imediatamente posterior ao fim do mandato, o empregado despedisse o seu empregado.

Como muito bem ensina Sergio Pinto Martins “empresas que tiverem apenas um empregado não terão como instalar a comissão, salvo se a comissão tiver o próprio empregado e um membro qualquer indicado pelo empregador, que não seja seu empregado. (...) O empregador não irá tolerar que os membros dos empregados sejam de fora da empresa, até porque não teriam garantia de emprego. Logo, devem ser empregados da própria empresa.” (MARTINS, 2016, p. 106)

Um ponto de suma importância no que tange às comissões de conciliação prévia está disciplinado no art. 625-E em seu parágrafo único que reza o seguinte: “O termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas.” Ora, quando se faz um acordo, se presume que a empresa irá cumprir com suas obrigações e pagar o que foi acordado. No entanto, em caso de não cumprimento do que foi acordado, caberá ao interessado executar perante a Justiça do Trabalho o acordo não cumprido. Além do que está disciplinado no referido artigo acima, o art. 876 da CLT, que trata da execução trabalhista, mais especificamente sobre os títulos executivos, deixa claro quais são as possibilidades de execução trabalhista, e os termos de acordo firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia aparecem na redação do artigo como título executivo extrajudicial.

Quanto ao que toca à prescrição, o legislador se preocupou em trazer um dispositivo sobre as Comissões de Conciliação Prévia para deixar claro como afetaria na prescrição trabalhista. Antes de mencionar o dispositivo, cabe aqui explicar como funciona a prescrição no processo trabalhista. Existem duas formas clássicas de prescrição, a bienal e a quinquenal, ambas disciplinas no art. 7º XXIX da CF. A prescrição bienal significa que o reclamante terá um prazo de dois anos para ajuizar uma ação trabalhista, a partir da extinção do contrato de trabalho. Caso esse prazo não seja cumprido, a parte contrária poderá alegar em defesa o seu descumprimento e pedir a prescrição bienal, resultando, caso acolhida, em extinção do processo com resolução do mérito.

Por outro lado, existe também a chamada prescrição quinquenal, significa dizer que mesmo que a parte tenha obedecido o prazo de 2 anos para ajuizar uma ação, será a partir do momento do ajuizamento que irá retroceder 5 anos para trás, ou seja, se o reclamante trabalhou 5 anos e foi despedido, ele terá, a partir da dispensa, 2 anos para ajuizar a ação. Se o reclamante ajuizar a ação 1 ano depois, ele irá pleitear 5 anos para trás da data do ajuizamento, o que significa dizer que ele poderá receber os direitos trabalhistas de apenas 4 anos do contrato de trabalho, visto que um deles já prescreveu, por conta da prescrição quinquenal, haja vista, que se o empregado esperou um ano para ajuizar a ação, nesse último ano ele não trabalhou e, portanto, não faz jus a nenhuma verba trabalhista.

A prescrição é algo fundamental no direito, traz a paz social, ninguém poderá ficar com a ideia de que é devedor por uma vida toda, se ressentindo de que a qualquer momento poderá ser alvo de uma ação judicial. As dívidas devem ser cobradas dentro de um lapso temporal razoável e não 30 anos depois. Em outras palavras “uma das mais relevantes do transcursar do tempo é, sem dúvidas, a de proporcionar a pacificação social e a segurança dela decorrente. Os eventos não devem, em regra, ter força suficiente de produzir efeitos depois de passado um longo e considerável período de reflexão. A passagem dos dias por ele proporcionada tem a sublime missão de esmaecer a dor e de fechar as feridas.” (MARTINEZ, 2021, p. 954)

Sabendo do funcionamento do prazo prescricional, resta voltar às Comissões de Conciliação Prévia que em seu art. 625-G determina que “o prazo prescricional será suspenso a partir da provocação da Comissão de Conciliação Prévia, recomeçando a fluir, pelo que lhe resta, a partir da tentativa frustrada de conciliação ou do esgotamento do prazo previsto no art. 625-F.” Ora, de acordo com a intenção do legislador, o empregado que se submeter a tentativa de conciliação perante às Comissões de Conciliação Prévia terá o prazo da prescrição suspenso. A suspensão do prazo significa, que o prazo irá congelar, irá parar de fluir até que se encerre a tentativa de conciliação.

A suspensão iniciará quando o empregado solicitar o trabalho da comissão e perdurará pelo prazo máximo de 10 dias que é o prazo que a comissão de conciliação terá para realizar a sessão. Se houver acordo, não há que se falar mais em prescrição. Se não houver acordo ou se, por algum motivo, for impossível realizar a sessão nesse prazo de 10 dias, recomeçará o prazo prescricional de onde parou. A ideia da suspensão do prazo é exatamente essa, o prazo começa a fluir novamente de onde parou, diferente de uma interrupção do prazo que devolveria o prazo por completo.

Por fim, e não menos importante, cabe destacar a possível inconstitucionalidade do artigo 625-D da CLT que reza o seguinte: “Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria.” A inconstitucionalidade referida aqui, estaria na obrigatoriedade de submissão à Comissão de Conciliação Prévia. No momento em que, se obriga o empregado a passar pela comissão, como uma condição para ação trabalhista, por certo que se estaria ferindo o amplo acesso à justiça, ou seja, a possibilidade de qualquer cidadão de “bater as portas do Poder Judiciário”.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Nesse sentido Enoque Santos e Ricardo Filho sustentam que “no nosso sentir, o empregado possui maior respaldo jurídico diante do juiz do que diante dos membros da Comissão de Conciliação Prévia; ademais, não podemos nos olvidar do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, cujo sentido é o da inafastabilidade do Poder Judiciário, em conflitos judiciais e administrativos.” (SANTOS e HAJEL FILHO, 2017, p. 65)

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional é uma decorrência natural do amplo acesso à justiça, significa que a lei não poderá criar obstáculos para impedir o acesso do jurisdicionado ao Poder Judiciário. Nesse caso, claramente a CLT cria uma condição para que o empregado ajuíze uma ação trabalhista, o que fere dispositivo constitucional. Antes da discussão se o art. 625-D da CLT era ou não inconstitucional, o empregado que ajuizava uma ação trabalhista, sem ter passado pela Comissão de Conciliação Prévia anteriormente, em uma localidade que existia tal comissão, daria motivo para o reclamado em sua defesa, alegar nas preliminares da contestação a não submissão do reclamante à Comissão de Conciliação Prévia, e assim, caberia ao juiz acolher a preliminar e extinguir o processo sem resolução do mérito, para que o conflito fosse submetido a tal comissão.

No entanto, essa questão caiu no “colo” do Supremo Tribunal Federal – STF e conforme Mauro Schiavi “o Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado de constitucionalidade (ADIs ns. 2.139 e 2.160), fixou entendimento no sentido de não ser obrigatória a submissão do litígio trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia, como condição de ingressa da reclamação trabalhista conforme o informativo n. 909/18 do STF.” (SCHIAVI, 2023, p. 56)

Sendo assim, a obrigatoriedade das ditas comissões foi obrigada e passam então a serem facultativas, pois de fato, o referido dispositivo apresenta uma inconstitucionalidade que fere o acesso à justiça. Mas como muito bem lembra José Cairo Jr., “o que o STF considerou inconstitucional não foi o dispositivo legal que criou as Comissões de Conciliação Prévia, mas sim a interpretação do referido artigo que exige a submissão da demanda à Comissão de Conciliação Prévia antes do ajuizamento da ação trabalhista.” (CAIRO JÚNIOR, 2015, p. 95)

Considerando todo o exposto, é possível concluir que as Comissões de Conciliação Prévia têm uma função extremamente importante na forma autocompositiva de conflitos trabalhistas, sendo, portanto, louvável sua existência. O que não estava correto era a obrigação do empregado de se submeter a elas, pois todo empregado deverá ter o direito de ajuizar uma ação trabalhista e ter seu conflito apreciado pelo Poder Judiciário, ainda mais que a norma do art. 625-D da CLT era restritiva, ou seja, somente existia a exigência se na localidade que o empregado prestava serviços tivesse uma Comissão de Conciliação Prévia, caso contrário, o trabalhador poderia ir direto para uma reclamatória trabalhista, o que sugere além de tudo, uma discriminação entre um empregado e outro.


Referências

CAIRO JÚNIOR, José. Curso de direito processual do trabalho. Salvador: Editora JusPodivam, 2015.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2016.

SANTOS, Enoque Ribeiro dos; HAJEL FILHO, Ricardo Antonio Bittar. Curso de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2017.

SCHIAVI, Mauro. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023.

Sobre o autor
Mauricio Antonacci Krieger

Bacharel e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural (IDC).Professor de Direito e Processo do Trabalho na Graduação e Pós-Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Advogado, atua nas áreas cível e trabalhista (OAB/RS 73.357).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRIEGER, Mauricio Antonacci. A (in)constitucionalidade nas comissões de conciliação prévia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7258, 16 mai. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104056. Acesso em: 18 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos