Núcleos de mediação comunitária do Ministério Público do estado do Ceará como instrumento de pacificação e exercício da cidadania

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10/04/2023 às 18:04
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Resumo: O surgimento de conflitos é inevitável quando se vive em sociedade, tendo em vista que é natural que cada um busque proteger seus interesses e necessidades. Partindo dessa vertente, pode o conflito ser benéfico ou maléfico a depender do modo de como esse litígio atingirá e será interpretado pelo indivíduo. Sendo assim, se tem como uma prática comum do cidadão direcionar ao judiciário seus conflitos para que o mesmo possa resolvê-los, posto isso, revelando que é desconhecida pela maioria da população a existência dos vários instrumentos pacíficos que podem ser utilizados como meios para dirimir conflitos. A mediação destaca-se entre esses meios de resolução pacífica de conflitos, tendo embasamento no próprio ordenamento jurídico pátrio, auxiliando a população na busca de uma resposta eficaz e célere para seus anseios. Destarte, o presente artigo tem por objetivo descrever, por meio de pesquisa bibliográfica e documental, a construção histórica e a importância da mediação comunitária que foi fomentada pelo pioneiro Programa dos Núcleos de Mediação Comunitária do nobre Ministério Público do Estado do Ceará. Mediante isso, tal programa é um instituto que influi na pacificação social, incentiva a autonomia da pessoa, desafoga o judiciário e principalmente exercita a cidadania.

Palavras-Chave: Conflitos. Mediação Comunitária. Ministério Público.


1. INTRODUÇÃO

No decorrer da vida várias habilidades são desenvolvidas pelo indivíduo para se relacionar com o mundo que o cerca, isso possibilita que o mesmo se desenvolva e aprenda a viver em sociedade. Muitas dessas relações são desenvolvidas a partir de um interesse em comum ou por afinidades, esse vínculo pode advim de uma amizade, por motivos de estudo ou trabalho, por participar de um mesmo grupo (um clube, um condomínio, uma comunidade etc.), posto isso, percebe-se que as relações sociais acontecem por variados motivos podendo ser desenvolvida de forma solidária ou conflituosa.

O conflito está presente nas relações entre as pessoas, podendo ser gerado por diversos fatores como, por diferenças de opiniões, interesses, objetivos, dentre outros. Assim, se faz necessários meios eficazes para resolver esses litígios. Diante disto, o Ministério Público do Estado do Ceará que é a entidade responsável pela ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais promoveu a criação e inserção de Núcleos de Mediação nas comunidades desenvolvendo, desse modo, a participação de forma solidária da comunidade na resolução de seus próprios conflitos.

É de extrema importância ressaltar que o termo comunidade refere-se a um agrupamento de pessoas que vivem dentro de uma mesma área geográfica, seja ela rural ou urbana, unida por interesses afins e que participam das condições gerais de vida. Haja vista a política de urbanização a qual o país vem passando foi dado uma nova denominação a palavra comunidade, passando a ser usada para designar algumas favelas brasileiras. Por esse motivo geralmente ao se falar em mediação comunitária se tem uma ideia de que ela acontece somente nas periferias o que é um equivoco, pois a mediação comunitária não deve ser direcionada de forma exclusiva para solucionar conflitos de comunidades carentes, tendo em vista que os conflitos atingem todas as classes socioeconômicas e culturais.

A ideia de mediação comunitária é habitualmente relacionada a periferias por falta de conhecimento acerca do assunto, no entanto, o conceito de comunidade é bem amplo e ao se tratar de mediação comunitária o conceito amplia-se ainda mais, pois se entende que a mediação deve ser a oportunidade de diálogo entre as partes envolvidas no conflito que poderão ou não chegar a um entendimento, respeitando assim, as relações que tal mediação atende. (CRONEMBERGER, 2016)

Portanto, por meio da criação e implantação dos Núcleos de Mediação Comunitária do Ministério Público do Estado do Ceará e com o apoio de mediadores voluntários que atuam em diversos bairros da cidade, divulgando a mediação como uma ferramenta para resolução de conflitos, é notória a diminuição de casos de litígios no judiciário e a efetivação de benefícios para as pessoas mediadas que possibilita aos envolvidos no conflito, através do processo de conscientização realizada pelos mediadores uma reflexão de seus atos, ocasionando assim, grandes mudanças em suas vidas.


2. A MEDIAÇÃO COMO MEIO PARA DIRIMIR CONFLITOS

Uma das formas de resolução de conflito por um terceiro imparcial na negociação e onde a resolução do litígio é uma mera consequência dá-se o nome de mediação. Caracterizada por esse terceiro (mediador) como aquele que auxilia, facilita e ajuda ambas as partes à realização de um acordo. Em outras palavras, a mediação é a colaboração de um corpo fora do litígio totalmente imparcial, sem nenhum poder de decisão e seu único objetivo é simplesmente ajudar os envolvidos a alcançar por uma vontade consensual, uma solução mutuamente aceitável. São as partes que decidem e as próprias que chegam à solução, como relata a advogada Lívia Maria Xerez:

As pessoas envolvidas são responsáveis pelo resultado de seus embates, de forma diversa do que ocorre quando simplesmente recebem uma resposta do Estado-Juiz. Assim, a mediação também proporciona a inclusão social dos indivíduos na medida em que tenta provocar a conscientização de todos sobre a importância da participação ativa na efetivação dos direitos e deveres. Nesse contexto, divergência do conflito deve ser entendida como uma oportunidade de transformação do negativo através da contribuição de cada um e resultando na vitória de todos. (XEREZ, 2010, p.03)

A ideia de mediação não é recente, ocorrendo desde as sociedades primitivas até os tempos de hoje. Devido há seu tempo histórico a mediação pode ser meramente informal e sem perceber acontece em nosso dia a dia em várias situações, desde a intervenção de parentes e amigos até a de líderes comunitários e religiosos. Esses mediadores do cotidiano seguem métodos intuitivos, sem reflexão, baseados no bom senso e experiência de vida. Mesmo sem a técnica adequada pode-se afirmar que a medição existe nesses casos.

Às vezes confundida com outras formas de resolução de conflitos, por exemplo, a conciliação, porém ambas divergem em vários aspectos. Uma das diferenças mais notórias está relacionada à questão do relacionamento entre os conflitantes, em alguns casos na mediação podendo ter um vínculo duradouro entre eles, portanto, o mediador tem uma responsabilidade ímpar de conhecer de forma aprofundada a complexidade do litígio. Consequentemente para um auxilio qualificado nas questões controversas o mediador deve ter mais tempo para apurar a complexidade daquela inter-relação. Assim sendo, a conciliação e mediação não se confundem. Nas palavras de Lília Maia de Morais Sales:

Diferencia-se, pois conciliação da mediação porque, na primeira, o tratamento do conflito é superficial, encontrando-se um resultado parcialmente satisfatório em um acordo; já na segunda, é aprofundado e o acordo representa total satisfação. A decisão pela aplicação de uma ou de outra técnica pode residir no fato de existir ou não relacionamento entre as partes envolvidas no conflito. Se existe um vínculo entre elas (família, vizinhos, colegas de trabalho), para a manutenção e aprimoramento desse vínculo, a mediação torna-se bastante adequada. Por outro lado, quando não há relacionamento entre as partes ou em relacionamentos circunstanciais (compra e venda casual, acidentes entre desconhecidos, colisões automobilísticas), a conciliação apresenta-se como meio satisfatório de solução de conflitos. (SALES, 2003, p.29-30)

Vale ressaltar, que a mediação não almeja simplesmente o acordo em si, tem como uns dos objetivos trabalhar o conflito estimulando o diálogo cooperativo entre as partes e elas cheguem a uma solução conciliatória. Com esse método pacifico entende-se que as partes em antagonismo, amadureçam sobre o conflito existente e analisem a melhor opção em face da relação criada. Nessa vertente, como enfatiza Moore (1998, p.43), “o acordo passa a ser a consequência lógica, resultante de um bom trabalho de cooperação realizado ao longo de todo o procedimento, e não sua premissa básica.”.

E mais do que nunca, devido à grande demanda de ações no poder judiciário, logo deixando o processo mais moroso, recorre-se cada vez mais para outros métodos de solução de conflito. Desta maneira, a medição vem sendo bastante exercida e também impulsionada pelo Novo Código de Processo Civil que em seu art. 3 §3º que expressa que a medição e os outros métodos de solução de conflitos sejam estimulados pelos juízes, advogados, Ministério Público inclusive no curso do processo. Não se pode esquecer que o responsável também por esse aumento na procura da mediação são os projetos criados pelo governo. Como por exemplo, o NMC (Núcleo de Mediação Comunitária) criado pelo Ministério Público do Ceará.

No âmbito do processo de mediação existem alguns princípios norteadores que são empregados para sejam assegurados aos litigantes um processo justo. Princípios esses que estão previsto no artigo segundo da lei 13.140/15 (Lei de Mediação). Vejamos: Principio da autonomia da vontade das partes, um dos princípios primordiais, pois tudo relacionado à mediação deriva do consentimento das partes, expressa o eventual poder de administrar o próprio conflito e ter a liberdade de tomar as próprias decisões; Principio da imparcialidade, esse princípio é o principal para o papel do mediador, pois o mesmo em momento nenhum poderá empregar juízo de valor ou preconceito em relação alguma das partes, seu objetivo é ouvi-las e compreender a realidade dos mediados; Principio da confidencialidade, a qual garante as partes que o mediador manterá sob sigilo todas as informações, relatos, documentos do processo, não podendo usar para uso próprio ou de outrem. Além desses, devem-se enfatizar outros princípios norteadores, como: boa-fé, oralidade e isonomia entre as partes. Para Nunes (2010, p.90) “[...] os princípios norteadores da mediação são: liberdade das partes, não­ competitividade, poder de decisão das partes, participação de terceiro imparcial, competência do mediador, informalidade do processo, confidencialidade do processo.”.

Dado o exposto, percebe-se a importância da mediação como um instrumento de pacificação social que trabalha como um auxiliar do Poder Judiciário, na qual não se tem a intenção de substituir o mesmo e sim fazer com que um e outro se complementem gerando benefícios a população, proporcionando qualidade no acesso da Justiça.


3. MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA NO BRASIL E SEU CONCEITO

Como já foi citada acima a mediação é uma forma pacífica que proporciona a resolução de um conflito entre as partes envolvidas nele, por meio de um terceiro imparcial que facilita o diálogo entre os mesmos, para que eles possam construir, com solidariedade e autonomia, a melhor solução para o problema. Mediante isso se entende por mediação comunitária o processo de resolver problemas que ocorrem dentro das comunidades, necessitando para a resolução desses conflitos, apenas um local e pessoas dispostas a ajudar. Segundo o Ministério Público do Estado do Ceará, (PROCURADORIA GERAL DA JUSTIÇA, 2010, online), mediação comunitária é:

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Uma técnica de administração de conflitos de caráter informal, não adversarial no qual um terceiro, chamado mediador que não tem poder sobre as partes (não decide, nem sugere), facilita a comunicação entre estas e ajuda a criar opções, para chegar a um acordo consensual e mutuamente satisfatório. A mediação comunitária promove uma maior responsabilidade e participação da comunidade na solução de seus conflitos, abrindo novos caminhos para uma positiva transformação sociocultural.

De acordo com Mendonça (2006, p.36), outro aspecto dessa mediação realizada nas comunidades é que ambas as partes saem vencedoras desse processo, extinguindo-se assim, a ideia de que para se solucionar um litígio se faz necessário que uma das partes perda e a outra vença, portanto:

A mediação comunitária surge como uma fomentadora do respeito, participação e cultura de paz. Tudo isso se daria mediante técnicas e procedimentos operativos informais (desinstitucionalizados), em favor de uma Justiça que pretende resolver o conflito, dar satisfação à vítima e à comunidade, pacificar as relações sociais interpessoais e gerais danificadas pelo delito e melhorar o clima social: sem vencedores nem vencidos, sem humilhar nem submeter o infrator às “iras da lei”, nem apelar à “força vitoriosa do Direito”.

Dessa forma, a mediação comunitária é um trabalho desenvolvido nas comunidades que torna possível o acesso à justiça em bairros de diversas localidades que é realizada por mediadores da própria comunidade que como um dos protagonistas dessa ação promovem a pacificação social, pois amenizam os anseios daqueles que precisam, vale ressaltar que desde o inicio as partes envolvidas no litígio são empoderadas a elas próprias encontrarem a melhor solução para o seu problema o que torna os mediadores facilitadores na efetivação do diálogo, exercendo assim, a sua cidadania.

Conforme Sales (2007, p. 202-203), se encontra na mediação comunitária muitos aspectos positivos que a torna um meio expresso de cidadania, pois:

[...] estimula o diálogo entre os vizinhos, incentiva à participação ativa, incentiva à participação ativa dos cidadãos na solução de conflitos individuais e coletivos, cria espaços de escuta, previne a má administração de conflitos futuros e sugere o pensamento coletivo em detrimento do individual, ou seja, busca sempre a solução de um problema que satisfaça todas as partes envolvidas.

A mediação comunitária surgiu no Brasil como resultado da ineficiência do Poder Judiciário brasileiro em atender a necessidade de solucionar os vários conflitos e suas várias ramificações, assim como pela existência de dificuldades ao acesso de uma justiça célere, barata e eficaz. Reforça Sales (2007, p. 234-235) que: “O estado Democrático de Direito elege como seus fundamentos: a soberania, a cidadania, [...] Possui como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, [...] e a redução da desigualdade social e regional, [...]”.

Surgiu também a necessidade de oferecer alternativas de acesso gratuito à justiça, para a população que vivia as margens dos grandes centros urbanos, pois se notava um crescimento cada vez maior da mesma, junto com a necessidade de resolver seus conflitos. Diante disso, o Brasil no século XX, decide se modernizar e descentralizar algumas atividades que até então só eram realizadas pelo judiciário, acompanhando assim os avanços nos métodos de resolução alternativa. Na década de 1970, surgiram inúmeros movimentos nos Estados Unidos que requeriam uma reforma no Sistema Judiciário e a inclusão de uma forma extrajudicial para resolver os litígios. Contudo, no Brasil a história da Mediação Comunitária nesses novos moldes é recente, cabe dizer que existem diversas iniciativas de organizações comunitárias e por parte dos Tribunais para implementar meios de resoluções alternativas no âmbito comunitário.

Um exemplo claro disso é que no Estado do Ceará, desde 1998, já se trabalha com a mediação comunitária, por esse motivo foi criada a:

Casa de Mediação Comunitária- CMC é um programa do governo do Ceará, o qual foi inicialmente executado pela Ouvidoria Geral (1998), depois pela Secretaria da Ouvidoria Geral do Meio Ambiente (SOMA) até fevereiro de 2003, quando, em função de mudanças administrativas do novo governo estadual, passou a ser coordenado pela Secretaria de Justiça e Cidadania. (SALES, 2007, p. 203).

Sendo criado no Estado do Rio de Janeiro em 1997 o MEDIARE:

O MEDIARE é um Centro de Referência da Administração de conflitos e integra redes de instituições- nacionais e internacionais- de Mediação e de outros Instrumentos de Resolução Alternativa de Disputas (RAD), com elas estabelecendo parcerias e intercâmbios. Compõe o quadro de fundadores do Conselho Nacional de Instituições de Mediação e Arbitragem- CONIMA, tanto participando da elaboração do Código de Ética e Regulamento Modelo para o exercício da Mediação no Brasil, assim como da construção do currículo mínimo para a Capacitação Básica em Mediação. (MEDIARE, 2007, p. 7).

Assim, a mediação comunitária vai além das decisões judiciais, isso porque ela não se restringe apenas ao fato apresentado, o mediador tem a função de buscar identificar os problemas que estão intrínsecos aquela relação, e a partir disso fazer com que as partes restabeleçam o diálogo, tornando assim, possível que ambos cheguem ao entendimento de uma solução que será justa para eles. Ressalta Isoldi (2008, p. 155) que:

A mediação comunitária, da forma como vem sendo desenvolvida no Brasil, tem se tornado cada vez mais importante, com resultados efetivos na melhoria da qualidade de vida das pessoas em situação econômica e social menos favorável.

Contudo, deve ser salientado que a mediação, inclusive a comunitária, não deve ser destinada exclusivamente para resolver conflitos de comunidades carentes, pois, [...], os conflitos atingem todas as classes socioeconômicas e culturais.

Em suma, a mediação comunitária não tem por interesse substituir o poder Judiciário, pelo contrário, ela tem por escopo complementar e subsidiar. Uma forma de perceber isso é que na medida em que ela impede que determinados litígios cheguem ao judiciário, ela está incentivando os envolvidos no conflito a resolvê-los sem a intervenção do Estado-Juiz. Portanto, essa mediação promove o empoderamento das partes para que as mesmas encontrem a melhor solução para seus problemas, sem que haja a necessidade de uma intervenção judiciária. Sendo assim:

É cabível salientar que a Mediação Comunitária do Estado do Ceará foi implantada nas comunidades não com o propósito de “desafogar o judiciário” e, sim, na visão de pacificar conflitos que ameaçavam a dignidade da pessoa humana, conflitos estes, que por meio do diálogo e da reflexão eram possíveis de serem solucionados. (LANDIM, 2013, p. 11)


4. OS NÚCLEOS DE MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA DO ESTADO DO CEARÁ

Quando mencionado o tema mediação comunitária no Brasil, o estado do Ceará é a referência, sendo o primeiro estado a criar um programa que envolvesse a mediação na comunidade. Haja vista, um estudo aprofundado sobre a Mediação Comunitária do Ministério Público do Estado do Ceará é essencial, sendo posto em análise o período de 1998 a 2016, para que se possa compreender sua história e experiência adquirida ao longo desses anos. (LANDIM; GONDIM, 2016)

A construção histórica dos núcleos de mediação comunitária teve início no dia 13 de setembro de 1998, pois foi nesse dia em que houve uma convocação de autoridades, feito pela Dra. Socorro França que na época era da Ouvidoria Geral do Ceará, para sintetizarem um plano operacional que gerasse a possibilidade de se ter um acesso á justiça, tendo como intuito a pacificação em prol da comunidade. Após essa primeira etapa de amadurecimento da ideia, no dia 02 de agosto de 1999, se teve o 1° convênio de número 02/99 de parceria para a implantação do programa da casa de mediação do Pirambu.

Sendo inaugurada no dia 24 de setembro a primeira Casa de Mediação do Brasil e do Estado do Ceará, tendo sua localização no Bairro do Pirambu, pois foi observado que o bairro, na época, era uma área de constantes atos de violência e de miserabilidade com surgimento de diversos conflitos diários, sendo estes noticiados como um dos bairros mais violentos de Fortaleza. Mediante a essa realidade, observando a preocupação social em busca de melhoria de vida, quanto à pacificação social, foi criada a Casa de Mediação Comunitária do Pirambu.

Programa esse, criado pela Secretaria da Ouvidoria Geral e do Meio Ambiente (SOMA) e, também à Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (SEJUS/CE), denominado de Casa de Mediação Comunitária do Estado do Ceará. Com a surpresa positiva relacionada ao alto índice de êxito nas mediações o projeto foi incorporando e logo no ano seguinte, foi possível expandir a mediação de conflitos para as comunidades do bairro da Parangaba, sendo instalada a segunda Casa de Mediação Comunitária do Estado do Ceará, em 26 de junho de 2000. (LANDIM; GONDIM, 2016, p.04)

Como se esperava, o projeto prosperou muito rápido, alcançando as demais localidades do Estado e da capital como Jurema, Pacatuba, Messejana, Barra do Ceará, Bom Jardim, Antônio Bezerra e Caucaia. E atualmente são 11 núcleos, 9 em atividade, 2 parados por problemas administrativos e sendo planejado em 2016 a inauguração de mais um núcleo localizado em Forquilha. (CRONEMBERGER. 2016)

O exímio promotor de Justiça Francisco Edson de Sousa Landim leciona em seu artigo (2013 p.4), que atualmente é referência sobre mediação comunitária:

O Estado do Ceará mais uma vez, antecipou-se ao Brasil e, hoje, expande para os demais Estados do País a prática da Mediação Comunitária, pois, como foi observada, a mediação é um instrumento de pacificação social que utiliza o acesso à justiça para facilitar possíveis resoluções de conflitos no âmbito extrajudicial.

E após oito anos, o programa até então pertencente a (SOMA) e (SEJUS/CE) passou a ser de responsabilidade do Ministério Público do Estado do Ceará, surgindo assim, nova nomenclatura, hoje, conhecido como Programa de Núcleos de Mediação Comunitária (NMC), vindo a ser instituído pela Resolução de n.º 01/2007, juntamente com o advento da Lei Estadual nº 14.114, publicada no Diário Oficial do Estado de 23 de maio de 2008.

Sendo agora a responsabilidade de conduzir o programa da conceituada entidade do Ministério Público do estado do Ceará, a qual é respeitada no âmbito judiciário por sua função essencial a justiça. Logo, a parceria entre o Ministério Público e o programa (NMC) foi considerada impecável.

Cabe ressaltar que por ser instituído o Órgão do Ministério Público para acompanhar os avanços da mediação comunitária, pode-se afirmar que foi de plena adequação esse vínculo, pois sendo o Ministério Público, entidade competente para defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais como assevera a Constituição Federal do Brasil, a mediação visa em seus princípios o olhar democrático e humano sob efeito dos valores morais que respaldam a dignidade da pessoa humana. Não obstante, o Programa de Mediação Comunitária, consagrou vários princípios, todos descritos no Código de Ética do Mediador Comunitário. (LANDIM, 2013, p.7)

Antes mencionado a grande responsabilidade da função do mediador na resolução do conflito, pois é ele que irá ajudar os litigantes a analisar a situação que estão passando no momento, constituindo um diálogo coeso e se, existindo uma possibilidade de ser construída uma solução que seja benéfica para todos. Diante disso, depreende-se que o mediador deve ser alguém com qualificação, vocação e treinamento para lidar com as circunstancias conflituosas que lhe aparecerão. Para esse papel, é indispensável que o mediador seja capacitado tanto por estudos teóricos, e principalmente, pela prática.

Nos Núcleos de Mediação Comunitária, os mediadores são normalmente, pessoas da respectiva comunidade com alguns pré-requisitos definidos que será citado adiante, porém não importando classe social, raça, profissão, mas o primordial é que tenham interesse em participar da mediação comunitária. O voluntario irá passar por um processo de capacitação sob a orientação do próprio Ministério Público, que é formado por: 40 horas-aula teórica e 60 horas-aula prática. Sendo a prática dividida em três fases: observação, co-mediação e mediar. Posteriormente sendo aprovado em todo o processo, o voluntario receberá o certificado. E assim poderá exercer o papel de mediador comunitário. É imperioso ressaltar que os mediadores comunitários não recebem remuneração por suas atividades, conforme se encontra taxativo no artigo 16 do Regimento Interno do Programa dos Núcleos de Mediação Comunitária do Ministério Público do Estado do Ceará:

Art.16 A atividade do mediador comunitário é um trabalho voluntário, não remunerado e sem vínculos para a Administração Pública, regido pela Lei do Voluntario (Lei nº 9.608 de 18 dezembro de 1998), mediante Termo de Adesão de Voluntariado.

Assim, o Regimento Interno do Programa dos Núcleos de Mediação Comunitária do Ministério Público do Estado do Ceará (2013, online), determina em seus artigos 13 e 14, os requisitos para ser um mediador comunitário:

Art. 13 O mediador comunitário é uma pessoa da comunidade, capacitada, pelo Programa dos Núcleos de Mediação Comunitária do Ministério Público, nas técnicas de mediação comunitária que desenvolve trabalho voluntário com base na Lei do Voluntário (Lei n° 9.608 de 18 de dezembro de 1998).

Art. 14 A inscrição para o processo de mediadores comunitários obedecerá aos seguintes requisitos: I - pessoa da comunidade compromissada em promover a mediação comunitária; II - ter idade mínima de 18 anos completos; III - estar no gozo de seus direitos políticos, nos termos do art. 12, §1° da Constituição Federal; IV – estar em dias com as obrigações eleitorais; V – possuir idoneidade moral e não possuir antecedentes criminais; VI – apresentar os seguintes documentos: a) 02 (duas) fotos 3x4; b) cópia da carteira de identidade; c) cópia do CPF; d) cópia do comprovante de endereço. [...]

Por fim, na vertente das espécies de conflitos existentes nos Núcleos de Mediação Comunitária, pode-se afirmar que são de diversas formas, entretanto, uma característica comum entre elas é que a mediação comporta conflitos que envolvam vínculos sentimentais entre as pessoas, relações continuadas. Exemplos clássicos e recorrentes são de conflitos entre familiares e vizinhos. Como afirma a professora Lília Sales (2010, p.77):

Apesar de a mediação ser um meio de solução de conflitos que possa ser utilizado para vários tipos de controvérsias, ela tem apresentado um maior destaque na área familiar, tendo em vista as especificidades desses conflitos (relações continuadas, emoções, sentimentos, dificuldades de diálogo).

E através de estatísticas fornecida pela Coordenação dos Núcleos de Mediação Comunitária, em uma pesquisa realizada entre Janeiro e Março de 2015, sobre os tipos de conflitos que mais geraram procedimentos nos Núcleos. Destacam-se os conflitos entre vizinhos e os conflitos entre familiares ambos os mais recorrentes. Logo após, também com números consideráveis de procedimentos realizados se evidenciam os conflitos por cobrança de dívidas e os conflitos que versem sobre pensão alimentícia. Não menos importante, pois todos os conflitos são dá mesma relevância para as que estão envolvidas encontram-se os conflitos sobre imóvel, conflitos contra honra, reconhecimento de paternidade, ameaça, conflito escolar, entre outros. E que todos podem ser esclarecidos pela mediação.

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Sobre o autor
Dener Neres Caminha

Advogado. Pós-Graduado Lato Sensu em Direito Processual Civil – Faculdade Única de Ipatinga – FUNIP e Pós-Graduado Lato Sensu Planejamento Previdenciário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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