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Direitos individuais homogêneos, coletivos e difusos nas relações laborais

15/02/2023 às 18:45
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A partir da diferenciação entre os tipos de direitos coletivos e sua classificação de acordo com o CDC, passa-se a enquadrá-los na seara do direito coletivo e individual do trabalho.

Quando o dano causado por uma conduta ilícita ultrapassa a barreira de uma vítima individual e atinge um grupo de pessoas, fala-se de direitos ou interesses coletivos de reparação. O Código de Defesa do Consumidor – CDC se preocupou com essa situação e trouxe uma disciplina legal que serve de base para direitos além das relações de consumo.

Reza o artigo 81 do CDC:

“A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos desse código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

Temos, portanto, uma espécie de classificação que divide os possíveis direitos coletivos em um sentido lato sensu. São eles os interesses ou direitos difusos, os interesses ou direitos coletivos stricto sensu e os interesses ou direitos individuais homogêneos. Todos eles dizem respeito a uma coletividade e jamais serão direitos de apenas um indivíduo isoladamente que tenha sido lesado em determinado caso concreto. Em um primeiro momento devemos fazer a diferenciação destas três espécies de direitos coletivos para em seguida tratar da sua aplicabilidade no campo trabalhista, nas relações laborais e ver a exata relação que temos com o segmento do direito individual do trabalho, o chamado direito coletivo do trabalho.

Celso Antonio Fiorillo aponta que os direitos difusos tem como características, ser direito transindividual, ter um objeto indivisível e titulares indeterminados e interligados por circunstâncias de fato. A característica da transindividualidade significa dizer que o direito ultrapassa a esfera da individualidade, transcende o individuo, ou seja, não se trata mais de um direito ou obrigação de cunho individual isolado. Ser indivisível aqui, nos remete a ideia de que o objeto pertence a todos mas ninguém em específico o possui. Exemplo disso, seria o ar que respiramos. Já a titularidade dos direitos difusos é indeterminada, pois se o ar estiver contaminado não será possível determinar quem exatamente foi atingido. Mesmo que se tenha um noção da área que foi contaminada, não seria possível determinar exatamente quem foi prejudicado por conta disso. Por fim, os indivíduos afetados pela poluição do ar estão interligados por uma circunstância de fato. (FIORILLO, 2005.)

No que tange aos direitos coletivos em sentido estrito, que estão contidos no inciso II, do parágrafo único do art. 81 do CDC, o autor menciona que também são caracterizados pela transindividualidade pois também transcendem a esfera individual de alguém, atingindo o direito de uma coletividade. No entanto, aqui existe a chamada determinabilidade dos titulares. “Como vimos, o direito difuso é aquele que se encontra difundido pela coletividade, pertencendo a todos e a ninguém ao mesmo tempo. Os coletivos, por sua vez, possuem como traço característico a determinabilidade dos seus titulares. Deve-se observar que, ainda que num primeiro momento não seja possível determinar todos os titulares, por conta da natureza do direito coletivo, esses titulares (que estão ligados por uma relação jurídica entre si ou com a parte contrária) são identificáveis.”

O Professor Rodrigo Galia lembra que os direitos coletivos possui uma determinação relativa dos titulares, ou seja, tais direitos não possuem um titular individual, e a ligação que se dá entre os vários titulares de forma coletiva decorre de uma relação jurídica base, como exemplo, o Estatuto da OAB. Assim, imaginando uma situação hipotética podemos citar o direito de classe dos advogados de ter representante na composição dos tribunais. (GALIA, 2016.)

Não menos importante e também presente no mencionado dispositivo do CDC encontramos os chamados interesses ou direitos individuais homogêneos, classificados como espécie de direitos coletivos em sentido amplo. As características dessa espécie de direitos coletivos é determinabilidade dos titulares, a divisibilidade e a origem comum.

“Como exemplo de interesses individuais homogêneos, suponhamos os compradores de veículos produzidos com o mesmo defeito de série. Sem dúvida, há uma relação jurídica comum subjacente entre os consumidores, mas o que os liga no prejuízo sofrido não é a relação jurídica em si (como ocorre quando se trata de direitos coletivos, como numa ação que vise a combater uma cláusula abusiva em contrato de adesão), mas sim é antes o fato de que compraram carros do mesmo lote produzido com o defeito em série (interesses individuais homogêneos), sendo que cada integrante do grupo tem direito divisível à reparação devida.” (MAZZILLI, 2001.)

Por vezes a doutrina se confunde ao diferenciar entre as três classes de direitos coletivos, bem como a própria jurisprudência traz definições que acabam se confundindo entre decisões de primeiro e segundo graus. De fato, os direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos apresentam entre si aspectos comuns e muito parecidos em alguns pontos. Para deixar mais clara essa divisão vale a transcrição do entendimento de Nelson Nery Júnior trazido Vanessa Cardone.

Seguem as palavras do jurista Nelson Nery Júnior ao trazer de forma brilhante o caso envolvendo a embarcação Bateau Mouche:

“o que determina a classificação de um direito como difuso, coletivo, individual puro ou individual homogêneo é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Ou seja, o tipo de pretensão que se deduz em juízo. O mesmo fato pode dar ensejo à pretensão difusa, coletiva e individual. O acidente com o Bateau Moche IV, que teve lugar no Rio de Janeiro no final de 1988, poderia abrir oportunidade para a propositura de ação individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu (direito individual), ação de indenização em favor de todas as vítimas ajuizada por entidade associativa (direito individual homogêneo), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de turismo que têm interesse na manutenção da boa imagem desse setor na economia (direito coletivo), bem como ação ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e segurança das pessoas, para que seja interditada a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso). Em suma, o tipo de pretensão é que classifica um direito ou interesse como difuso, coletivo ou individual.” (NERY JÚNIOR, apud, CARDONE, 2010.)

Realizada a diferenciação entre os tipos de direitos coletivos e sua classificação de acordo com o CDC, passa-se agora a enquadrar tais interesses e direitos na seara do Direito Coletivo do Trabalho e Direito Individual do Trabalho. Evidentemente que isso é possível, afinal estamos lidando com um ramo do direito que é composto por empresas com milhares de empregados, com sindicatos de classe e com o direito ao trabalho de toda sociedade.

Importante salientar, antes de adentrar ao mérito e citar exemplos da aplicabilidade desses direitos coletivos na seara trabalhista que interesses e direitos são coisas diferentes, como bem lembra Amauri Mascaro Nascimento e Sônia Mascaro Nascimento. De acordo com os autores, embora os conceitos sejam próximos, interesses está ligado a ideia de pretensão que poderá ser pleiteada perante o Poder Judiciário, já o termo “direito” é a garantia conferida pelo ordenamento jurídico em que uma pessoa se sente provável titular. (NASCIMENTO, NASCIMENTO, 2018.)

Em se tratando de direitos coletivos de natureza trabalhista vale lembrar que cabe ao sindicato a defesa dos interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas como está disposto no art. 8º, III da Constituição Federal. Quando poderá ocorrer a incidência de interesses difusos na esfera trabalhista? Luciano Martinez assevera que tais interesses dizem respeito a sujeitos indeterminados, como já visto anteriormente, unidos por uma situação fática e exemplifica dizendo que um caso seria o Ministério Público do Trabalho, por meio de ação coletiva, exigir a realização de concurso público pelos entes públicos ou pelas empresas estatais que estejam se valendo de mão de obra temporária de forma permanente. Assim, temos um interesse difuso, visto que não sabemos ao certo a quem tal benefício aproveitaria, pois é incerto quem exatamente iria se inscrever no concurso e muito menos quem seriam os aprovados. (MARTINEZ, 2021)

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Outro exemplo de direito ou interesse difuso nas relações de trabalho seria o caso de uma empresa anunciar no jornal uma vaga de emprego mas com exigência de um determinado perfil de pessoa em detrimento de outra, como mencionar que o candidato deva ser heterossexual ou homossexual, ou que o candidato deva pesar tantos quilos no máximo por exemplo, ou ainda vagas que não aceitam mulheres grávidas, ou que não contratam empregados portadores de doença grave ou HIV positivo trazendo uma clara forma de discriminação que atingiria pessoas indeterminadas, não se saberia da mesma forma quem seriam os prejudicados no caso. (CARDONE, 2010.)

Rodrigo Galia cita ainda exemplo de direito difuso na seara trabalhista ao mencionar o caso da greve em serviços ou atividades chamadas de essenciais em que possa causar sérios prejuízos a toda coletividade de forma indeterminada. (GALIA, 2016.)

No que tange aos direitos coletivos stricto sensu nas relações laborais podemos citar o exemplo de uma redução salarial que atinja todos os trabalhadores de uma determinada categoria como é o caso de todos os comerciários de uma certa cidade sem que houvesse uma negociação coletiva para tal finalidade. Assim, temos uma situação em que todos os trabalhadores estão ligados por uma relação jurídica base, no caso, ser comerciário de determinada base territorial e além disso, ocorre a indivisibilidade do bem jurídico, visto que a redução salarial não seria nem mais nem menos ilegal para qualquer dos trabalhadores do comércio. (MARTINEZ, 2021.)

Por fim, cabe fazer menção a situações envolvendo os interesses ou direitos individuais homogêneos, que por sua vez, dizem respeito a bem divisível com sujeitos determinados ou determináveis unidos por um fato de origem comum. Um exemplo que é possível de ocorrer é o caso de uma empresa que tenha tido uma explosão acidental causando ferimentos em um grande grupo de empregados. Tais trabalhadores atingidos pela explosão estão interligados por um fato de origem comum. Assim, esses trabalhadores poderão ser representados pelo sindicato que irá atuar no lugar dos trabalhadores afetados. (MARTINEZ, 2021.)

Note-se, porém, que não podemos confundir direitos individuais homogêneos com direitos individuais propriamente ditos de natureza heterogênea que dizem respeito a um único trabalhador de forma individual, direitos que são unicamente dele. Por vezes, os sindicatos entram com ações na condição de substitutos processuais pleiteando ações de caráter puramente individuais em conjunto com pedidos de caráter individual homogêneo, ou seja, na causa de pedir estão direitos trabalhistas que afetaram de fato a uma coletividade (direito individual homogêneo) mas também direitos próprios e exclusivos de determinado empregado que só dizem respeito a ele e que não têm origem em fato comum. Para esses pedidos, o juiz certamente irá extinguir o processo sem resolução do mérito, por carência da ação, no que toca à ilegitimidade ativa, visto que quem deveria pleitear o direito é o empregado que requer os direitos trabalhistas individuais.


Referências

CARDONE, Vanessa. Direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos na esfera trabalhista. Organizadores, Candy Florencio Thome, Rodrigo Garcia Schwarz. Direito Coletivo do Trabalho: curso de revisão e atualização. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005.

GALIA, Rodrigo Wasem. Os interesses difusos nas dispensas coletivas no Brasil. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. São Paulo: Saraiva, 2001.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro; NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2018.

Sobre o autor
Mauricio Antonacci Krieger

Bacharel e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural (IDC).Professor de Direito e Processo do Trabalho na Graduação e Pós-Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Advogado, atua nas áreas cível e trabalhista (OAB/RS 73.357).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRIEGER, Mauricio Antonacci. Direitos individuais homogêneos, coletivos e difusos nas relações laborais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7168, 15 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102449. Acesso em: 18 mai. 2024.

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