Capa da publicação Responsabilidade por mau uso das redes sociais: servidores e agentes públicos
Capa: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
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A responsabilidade dos servidores públicos e agentes políticos pelo mau uso das redes sociais

18/01/2023 às 08:47
Leia nesta página:

A crítica sempre é bem-vinda em uma democracia, mas a discordância deve acontecer por meio do diálogo.

As redes sociais têm servido como importante ferramenta de disseminação de informações sobre os mais diversos assuntos, notadamente, na seara política.

É nesse ambiente, onde opiniões são formadas e narrativas são amplamente difundidas, que o servidor público deve ter o mais absoluto cuidado com o que posta e com o que reproduz, sob pena de ser responsabilizado civil, penal e administrativamente.

Com efeito, o direito à livre manifestação do pensamento não é absoluto, e não pode ser utilizado para justificar postagens antidemocráticas, isto é, aquelas que atentam contra as instituições da República, seus representantes, e a ordem pública constitucionalmente estabelecida.

Se para as pessoas em geral tais postagens não merecem amparo, com muito mais razão, para o servidor público, que é um representante do Estado, elas devem ser veementemente combatidas. O direito à livre manifestação do pensamento não dá a ninguém autorização para cometer crimes. Não é um salvo conduto para acobertar práticas manifestamente inconstitucionais.

O exercício inconsequente dessa prerrogativa, notadamente por servidores do Estado, além de banalizá-la perante os órgãos do Poder legalmente constituído e perante a própria sociedade, gera consequências nefastas à democracia. Poder não se toma, se conquista.

Com efeito, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil (Decreto nº 1.171/1994) estabelece que

“I - A dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais são primados maiores que devem nortear o servidor público, seja no exercício do cargo ou função, ou fora dele, já que refletirá o exercício da vocação do próprio poder estatal. Seus atos, comportamentos e atitudes serão direcionados para a preservação da honra e da tradição dos serviços públicos.

(...)

IV - A função pública deve ser tida como exercício profissional e, portanto, se integra na vida particular de cada servidor público. Assim, os fatos e atos verificados na conduta do dia-a-dia em sua vida privada poderão acrescer ou diminuir o seu bom conceito na vida funcional”.1

Como se vê, o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal (aplicável também no âmbito estadual, distrital e municipal, salvo disposição em contrário) sugere que a função pública transcende o exercício profissional no órgão público, se integrando inarredavelmente à vida particular de cada agente do Estado. 

Discordar é necessário. Protestar é democrático. A beleza da democracia está justamente na divergência de ideias e de pontos de vista. É assim que a civilidade se consolida.

Entretanto, o que se vê nas redes sociais atualmente, não é o simples (e necessário) debate de ideias, mas a disseminação de fake news, o engajamento em condutas que atentam contra a vida e a incolumidade de pessoas e órgãos públicos e a desconfiança na ordem democrática.

O mais grave em tudo isso, é que não raras vezes, tais postagens são feitas por servidores públicos vinculados ao Estado.

São políticos diplomados e em exercício disseminado o ódio e incentivando as pessoas a desrespeitarem o poder legalmente constituído (esses agem como verdadeiros influencers digitais),2 servidores do Poder Judiciário fabricando e reproduzindo postagens que ridicularizam, põe em desconfiança, mentem, distorcem e alteram o significado das decisões, além de atingirem a honra e probidade dos próprios membros e a cúpula desse Poder,3 agentes públicos utilizando a estrutura pública para difundir conteúdo político-partidário com informações falsas (inclusive no horário de trabalho),4 e por aí vai.

Repise-se: a crítica sempre é bem-vinda em uma democracia, e a discordância, é elemento de importantes transformações. Ocorre que essas transformações devem acontecer por meio do diálogo, do confronto de ideias, onde a tese é confrontada pela antítese, chegando-se a uma síntese, mas de forma democrática e sem violar os direitos fundamentais arduamente conquistados no ordenamento jurídico brasileiro.

Políticos e agentes públicos que postam ou reproduzem mentiras, incentivam e disseminam o ódio, descredibilizam as instituições públicas legalmente constituídas, e atentam contra o Estado Democrático de direito não podem e nem merecem permanecer no cargo. Devem ser afastados do serviço público por um período razoável e proporcional aos crimes praticados. Não se despreza aqui a necessidade de previsão legal nesse sentido, já que ilegalidade não combate com ilegalidade.

Outrossim, se for particular que recebe algum financiamento ou subvenção do poder público, deve também parar de receber, por um período razoável de tempo, e ser proibido de contratar com o poder público, já que, é inadmissível que uma empresa que contrata com o poder público lhe afronte com conduta antidemocrática.

Parece grave, mas, mais grave ainda, é atentar contra a democracia, e cuspir no prato que está comendo. É pôr em xeque a credibilidade da instituição e do Poder a que está vinculado. Lógico que, cada caso deve ser devidamente analisado, e o devido processo judicial, cumprido. O que temos por enquanto, é a desmonetização de canais antidemocráticos, a suspensão de seu funcionamento, e até mesmo o banimento da rede social, em casos mais extremos.

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E nesse sentido, o poder público deve ser concebido como um sistema. Um sistema público de órgãos, entidades e agentes públicos em sentido amplo, de sorte que, uma vez desferida conduta criminosa (vandalismo, terrorismo, incitação ao crime) contra um órgão ou representante de determinado Poder, os outros também tenham capacidade para reprimir a ofensa, encaminhando à autoridade competente os fatos e as provas de que tenham acesso.

O argumento de que foram eleitos democraticamente não merece maior respaldo, notadamente porque, em que pese o processo eleitoral ter sido democrático, diante das postagens que fazem, as pessoas que os elegeram e eles próprios, são antidemocráticos.

São pessoas que fazem de tudo para embaraçar o crescimento e aperfeiçoamento da democracia, seja na tentativa de impor à fórceps suas ideias, seja por mero desafeto pessoal com este ou com aquele representante de Poder. A eleição é importante instrumento da democracia, de sorte que, se os representantes eleitos o foram eleitos por pessoas antidemocráticas, para defender posturas antidemocráticas, ela se desnatura e perde a sua finalidade.

O Código Penal, em seu artigo 286, descreve o delito de incitação ao crime, que consiste em incentivar ou estimular, publicamente, que alguém cometa um crime, prevendo pena de detenção de 3 a 6 meses e multa.

Incentivar pessoas a comparecerem em manifestações como a do último dia 8 de janeiro, o “dia da quebradeira” na praça dos Três Poderes da República, seja convocando, seja compartilhando mensagens que acaloram os ânimos, seja marcando presença em tais atos golpistas é conduta que deve ser exemplarmente punida, até para inibir futuros adeptos.

Assim, os agentes públicos em geral (inclusive políticos) que incidem no referido tipo penal devem ser punidos com os rigores da lei. Devem se for o caso (respeitados o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal), ser afastados do cargo que ocupam e dar lugar para pessoas sérias, que amam a democracia e não trabalham contra ela. A oposição é válida, a livre manifestação do pensamento também. Entretanto, não servem de escudo para a prática de crime por agente que representa o Estado e as suas instituições democráticas.


Notas

  1. Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. Capítulo I, Seção I, incisos I e VI. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1171.htm> Acesso em 14/1/2023.

  2. Disponível em: <https://diaonline.ig.com.br/2022/11/07/veja-quem-sao-os-politicos-e-artistas-que-tiveram-as-contas-retidas-nas-redes-sociais/>. Acesso em 14/1/2023.

  3. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/11/30/ex-desembargador-alexandre-de-moraes-senado.htm. Acesso em 14/1/2023.

  4. Disponível em: https://www.juscatarina.com.br/2020/06/12/servidor-que-usa-estrutura-publica-para-divulgar-fake-news-comete-ato-de-improbidade-decide-tjsc-ao-reformar-sentenca/. Acesso em 14/1/2022.

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Sobre o autor
Leonis de Oliveira Queiroz

Mestre em Regulação e Políticas Públicas (Universidade de Brasília - UNB, conceito CAPES 6). Pós-graduação em Direito Público. Graduação em Direito e em Segurança da Informação. Ex- Conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal COPEN/DF. Servidor do Superior Tribunal de Justiça (ex-assessor da Presidência). Advogado licenciado. Autor de diversos artigos publicados em diferentes periódicos e revistas eletrônicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Leonis Oliveira. A responsabilidade dos servidores públicos e agentes políticos pelo mau uso das redes sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7140, 18 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102044. Acesso em: 27 abr. 2024.

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