Capa da publicação Crimes contra as instituições militares: natureza objetiva
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A natureza jurídica objetiva da expressão "contra as instituições militares" no art. 9º, III, do Código Penal Militar

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27/12/2022 às 22:33
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Exige-se uma finalidade específica de atentar contra as instituições militares?

Resumo: As condições dos incisos II e III do art. 9º do CPM são elementares do tipo penal, pois sua ausência gera atipicidade relativa ou absoluta. O tipo objetivo representa a exteriorização da vontade. É composto pelo núcleo (verbo) e por elementos descritivos ou normativos. O tipo subjetivo compreende representações anímicas. É composto pelo dolo (consciência e vontade de realizar o tipo objetivo) e, eventualmente, por elementos subjetivos especiais. Nestes, a intenção do sujeito ativo extrapola o tipo objetivo e a consumação do crime prescinde da consecução do especial fim almejado. A expressão "contra as instituições militares" (art. 9º, III, do CPM) não constitui elemento subjetivo especial do tipo. Por exemplo, o "silêncio malicioso" do civil, no crime militar de estelionato previdenciário, exige apenas a consciência e a vontade de obter vantagem indevida mediante fraude e em prejuízo ao patrimônio sob a administração militar. Não há uma finalidade específica de atentar contra as instituições militares, cuja concretização seria dispensável para a consumação do delito. Ademais, não há um novo ato (do sujeito ativo ou de terceiro) necessário para a materialização dessa finalidade específica (delitos de intenção), nem uma tendência subjetiva especial que acompanha a realização da conduta, sem que se vise a um resultado futuro fora do tipo objetivo (delitos de tendência). Tampouco se exige "especial motivo de agir" ou "momento especial de ânimo". Logo, trata-se de elemento objetivo (interpretação autêntica intranorma), não havendo óbice técnico-jurídico (senão político-criminal) à configuração de crimes militares culposos praticados por civis.

Palavras-chave: Elemento subjetivo especial do tipo. Contra as instituições militares. Art. 9º, III, do CPM. Natureza objetiva. Submissão de civis à jurisdição militar. Interpretação autêntica. Crimes militares culposos.

Sumário: 1. Introdução 2. Adequação típica indireta e tipo penal em sentido amplo 3. Elementos do tipo 3.1. Elementos objetivos 3.2. Elementos subjetivos 3.2.1. Dolo 3.2.1. Elementos subjetivos especiais 4. A expressão "contra as instituições militares" no art. 9º, III, do Código Penal Militar 4.1. A natureza objetiva da elementar 4.2. A possibilidade de crimes militares culposos subsumidos à alínea III do art. 9º do CPM 5. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

O art. 9º do Código Penal Militar define as condições para a configuração do crime militar em tempo de paz. Em seu inciso III, aponta os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II do mesmo artigo, passando então a especificar os casos de incidência do dispositivo, a partir de suas alíneas.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, assim como parte da doutrina, exige que a conduta do civil apresente dolo inequívoco de atingir especificamente a instituição militar, restringindo a submissão de civis à Justiça Militar.

Todavia, para além das motivações político-criminais de tal postura, mostra-se necessária a investigação dogmática acerca da expressão "contra as instituições militares", constante do inciso III do art. 9º do CPM.


2. ADEQUAÇÃO TÍPICA INDIRETA e TIPO PENAL EM SENTIDO AMPLO

Para que uma determinada conduta seja tida como criminosa, devem ser preenchidos os requisitos de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, segundo o conceito analítico de crime.

A tipicidade se refere à adequação entre a conduta humana e a hipótese abstrata descrita como crime pela lei penal. Esta subsunção pode se dar de forma direta (ou imediata), na qual o fato se enquadra no preceito primário da lei penal incriminadora sem que seja necessária a intermediação de outra norma; ou de forma indireta (ou mediata), em que tal enquadramento somente é possível com a utilização de uma norma de extensão (ou integrativa), a exemplo do que ocorre com os crimes tentados.

Nas hipóteses do art. 9º, I, do CPM, a adequação típica será direta, bastando que estejam presentes os elementos do preceito primário do tipo penal previsto no CPM. Os incisos II e III do art. 9º, por outro lado, caracterizam-se como normas de extensão, sendo necessária a satisfação das condições neles previstas para que haja a tipicidade do crime militar.

Entendemos que as condições insculpidas nos incisos II e III do art. 9º do CPM devem ser consideradas elementares do tipo penal, ainda que presentes apenas na norma de extensão. O tipo penal, por sua vez, passaria a ser lido em um sentido alargado (tipo penal em sentido amplo), como a soma do tipo penal em sentido estrito (preceito primário e preceito secundário) e da norma de extensão.

Rogério Greco traz uma definição sintética e precisa do termo elementar: são os dados essenciais à figura típica, sem os quais ocorre uma atipicidade absoluta ou uma atipicidade relativa. Se a atipicidade for de natureza absoluta, a conduta tornar-se-á um indiferente penal. Sendo relativa, haverá a desclassificação do fato para uma outra figura típica[1].

Pois bem. No caso de crimes definidos tanto no CPM como na legislação penal comum, assim como naqueles definidos apenas na legislação penal comum, a falta das condições previstas nos incisos II e III do art. 9º do CPM é suficiente para a descaracterização do crime militar. Em outros termos: se não estiverem presentes as condições descritas em pelo menos uma das alíneas dos incisos II ou III do art. 9º do CPM, restará fulminada a tipicidade da infração penal militar. Em tese, passará a incidir o tipo penal previsto na legislação penal comum, configurando um crime comum (atipicidade relativa).

Para deixar ainda mais clara a natureza de elementar das condições dos incisos II e III do art. 9º do CPM, passemos a outra abordagem. É certo que os crimes militares fundados nos incisos II ou III do art. 9º são exemplos de tipicidade indireta. Outrossim, é assente que a tipicidade nos casos de tentativa, concurso de pessoas e crimes comissivos por omissão só é possível devido à incidência de normas de extensão, de modo que tais casos também são exemplos de tipicidade indireta. Pretendemos demonstrar que as condições previstas na norma de extensão serão também elementares do tipo penal, visto que sua ausência resultará, no mínimo, em atipicidade relativa.

Para ilustrar o raciocínio, será útil o recurso a alguns exemplos:

  1. A arremessa uma faca em direção a B, com o intuito de matá-lo. Todavia, por circunstância alheia à vontade de A, a arma não atinge a vítima, não ocorrendo o resultado morte. Houve, no caso, um homicídio tentado. Entretanto, nota-se que A não praticou a conduta nuclear do tipo penal (matar); afinal, B não morreu. A imputação do crime de homicídio (art. 205 do CPM) a A só é possível devido à norma do art. 30, II, do CPM, que determina haver crime tentado quando, iniciada a execução, este não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Suprimindo-se a norma de extensão (e a tipicidade indireta), haveria exclusão da tipicidade, restando apenas um indiferente penal (atipicidade absoluta). Logo, nas hipóteses de crimes tentados, a condição presente na norma de extensão do art. 30, II, do CPM deve ser considerada uma elementar.

  2. A, assentindo com o plano de B, entrega-lhe uma arma para a prática de um homicídio, o qual é concretizado por B. Houve homicídio consumado, do qual B é autor e A é partícipe. Todavia, A não praticou o verbo núcleo do tipo penal (matar), de forma que, se ausente a incidência das normas do art. 53, caput e §1º, do CPM[2], a conduta de A deixaria de se subsumir ao tipo penal do homicídio. Conclui-se que a norma de extensão relativa ao concurso de pessoas contém uma elementar do tipo nos casos em que o agente, embora não pratique diretamente a conduta típica, contribui para a ocorrência do crime.

  3. A é auxiliar de enfermagem em uma UTI, tendo sob seus cuidados um paciente em estado grave, o qual deve receber determinada medicação a cada duas horas. Ao saber que o paciente era um criminoso perverso, A decide deixar de ministrar a medicação, com o intuito de matá-lo. Certificando-se que o paciente está à beira da morte, A produz registros falsos de que a medicação havia sido ministrada, deixa o hospital e fica incomunicável, tornando impossível um eventual arrependimento tempestivo. Por acaso, a irregularidade é descoberta em seguida e o paciente é socorrido, não ocorrendo a morte.

Apesar de A, sob o prisma do nexo causal naturalístico, não ter praticado nenhum ato que contribuísse para a morte do paciente, o caso é de homicídio tentado. Por ter assumido a responsabilidade de impedir o resultado morte, mediante o cumprimento do dever de ministrar o remédio, A é considerado um garantidor. Incide, portanto, a norma do art. 29, §2º, do CPM[3]. Por conseguinte, a omissão do enfermeiro torna-se penalmente relevante, sendo possível a prática, por omissão, de crimes que, em tese, seriam comissivos. Se a qualidade pessoal de garantidor estivesse ausente, não incidiria a norma de extensão do art. 29, §2º, do CPM, restando afastada a tipicidade atinente ao crime de homicídio. Sendo assim, também essa norma de extensão conteria uma elementar, que seria a qualidade pessoal de garantidor.

Frise-se que incide igualmente, neste último exemplo, a norma de extensão relativa à tentativa (art. 30, II, do CPM), também essencial para a configuração da tipicidade, demonstrando-se a possibilidade de emprego simultâneo de normas de extensão.

Ante o exposto, firma-se a seguinte premissa: nos casos em que a utilização da norma de extensão seja essencial para a subsunção da conduta humana ao preceito primário do tipo penal em sentido estrito (composto pelo preceito primário e pelo preceito secundário), os elementos presentes na norma de extensão devem também ser considerados elementares do tipo penal em sentido amplo (resultante da soma do tipo penal em sentido estrito e da norma de extensão).

Nessa toada, as condições trazidas pelos incisos II e III do art. 9º do CPM devem ser consideradas elementares do crime militar, nas hipóteses em que o crime seja definido tanto no CPM como na legislação penal comum, ou seja definido apenas na legislação penal comum[4].


3. ELEMENTOS DO TIPO

O tipo penal descreve o comportamento incriminado pelo ordenamento jurídico. Em sua construção, o legislador vale-se de elementos objetivos e subjetivos[5], que caracterizam, respectivamente, o tipo objetivo e o tipo subjetivo.

Não obstante, Luís Regis Prado assevera que distinção entre tipo subjetivo e tipo objetivo tem caráter meramente didático-pedagógico, dado que estes formam, em conjunto, um contexto único e indissolúvel. Há uma unidade subjetiva objetiva da conduta típica[6].

3.1. Elementos objetivos

O tipo objetivo representa a exteriorização da vontade (aspecto extemo-objetivo), refletindo uma realidade externa. É composto de um núcleo (o verbo, que representa ação ou omissão) e de elementos secundários ou complementares, os quais são classificados em:

A) Elementos descritivos ou objetivos propriamente ditos: são aqueles cuja identificação ressai da simples verificação sensorial. Dizem respeito a objetos, seres ou atos perceptíveis pelos sentidos.

B) Elementos normativos: exigem um juízo de valor para o seu conhecimento. Em geral, classificam-se em:

B.1) normativos jurídicos: exigem um juízo de valor de cunho jurídico (valoração jurídica). Exemplos: funcionário público, no crime de peculato, casamento, no crime de bigamia, instituição financeira, no art. 3° da Lei 7.492/1986 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro).

B.2) normativos extrajurídicos (ou empírico-culturais): envolvem juízos de valor de cunho não jurídico, fundados experiência, na sociedade ou na cultura. Exemplos: ato obsceno; doença contagiosa, no crime de infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do CP); bens de produção, no art. 4.°, IV, Lei 8.137/1990 (Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e contra as Relações de Consumo)[7].

3.2. Elementos subjetivos

O tipo subjetivo compreende determinadas representações anímicas, psicológicas ou psíquicas do sujeito ativo, presentes no momento em que este realiza a conduta típica (a sua realização é mentalmente representada)[8]. É composto pelo dolo e, eventualmente, por elementos subjetivos especiais.

Podem ser divididos ainda em: a) positivos: a finalidade que deve animar o agente para que o fato seja típico; b) negativos: a finalidade que não deve animar o agente para gerar a tipicidade[9].

3.2.1 Dolo

O dolo consiste na consciência e na vontade de realizar o tipo objetivo. Apresenta dois elementos:

a) elemento cognitivo/intelectual: refere-se à consciência (previsão, representação, conhecimento) da conduta, do resultado e do nexo de causalidade entre conduta e resultado. Deverá abranger os elementos objetivos descritivos e normativos, exigindo-se a percepção sensorial daqueles e a compreensão intelectual destes.

b) elemento volitivo: é a vontade (ou a assunção do risco) de realizar a conduta e de produzir o resultado, caso este seja previsto no tipo penal.

3.2.2. Elementos subjetivos especiais

Os elementos subjetivos especiais seriam todos os requisitos de caráter subjetivo, distintos do dolo, exigidos pelo tipo. Baseiam-se na ideia de que, em alguns delitos, o conteúdo do injusto não pode ser determinado sem análise dos ânimos, tendências e fins dotados de especificidade própria que pertencem ao campo psíquico-espiritual ou subjetivo do autor e permeiam a conduta típica. São caracterizados pelo fato de a intenção do sujeito ativo, no momento da prática do delito, extrapolar os limites de seu âmbito objetivo. A consumação do crime, a seu turno prescinde da consecução, pelo agente, do especial fim almejado[10].

Estes elementos especificam o dolo, sendo exigido apenas que a conduta tenha sido orientada por essa finalidade específica. Conferem colorido num determinado sentido ao conteúdo ético-social da ação. Dessarte, embora o "tomar uma coisa alheia" seja uma atividade dirigida a um fim por imperativo do dolo, o seu sentido ético-social será completamente distinto se a conduta tiver como fim o uso passageiro ou se tiver o desígnio de apropriação[11].

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Ressalta-se que os elementos subjetivos especiais do tipo por vezes são chamados de "dolo específico", em contraposição ao "dolo genérico" (que seria o dolo)[12].

A diversidade de elementos subjetivos especiais leva a doutrina a classificá-los em:

A) Delitos de intenção ou delitos de tendência interna transcendente[13]: requerem uma finalidade adicional de obter um resultado ulterior ou uma ulterior atividade, distintos da simples realização dolosa dos elementos objetivos do tipo. Esta finalidade transcendente (ou especial fim de agir) que integra a estrutura subjetiva de determinados tipos penais não precisa ser efetivamente alcançada para que ocorra a consumação do delito. Exemplos: para si ou para outrem (art. 157 do CP); com o fim de obter (art. 159 do CP); em proveito próprio ou alheio (art. 180 do CP).

Os delitos de intenção podem ser subdivididos em:

A.1) delitos de resultado cortado: realiza-se um ato visando à produção de um resultado que fica fora do tipo e sem a intervenção do autor (ex.: extorsão mediante sequestro, art. 159 do CP). O legislador corta a ação em determinado momento do processo executório, consumando-se o crime independentemente de o agente haver atingido o propósito pretendido.

A.2) delitos mutilados de dois atos: consumam-se quando o autor realiza o primeiro ato com o objetivo de levar a termo o segundo. O autor quer alcançar, após ter realizado o tipo, o resultado que fica fora dele (ex.: arts. 289 moeda falsa; 290 crimes assimilados ao de moeda falsa, do CP)[14].

No crime de resultado cortado, o resultado posterior não depende do agente, não está na sua esfera de decisão. No crime mutilado de dois atos, o resultado posterior depende de novo comportamento do agente, inserido em sua esfera de decisão[15].

2) Delitos de tendência: exige uma determinada tendência subjetiva na realização da conduta típica. O agente impregna sua conduta do significado desaprovado, e não se exige a persecução de um resultado ulterior ao previsto no tipo. Exemplos: a satisfação da própria lascívia ou concupiscência, que permite distinguir o exame médico ginecológico normal de um eventual delito sexual; o propósito de ofender, no crime de injúria[16]. Esses crimes são chamados também de crimes de tendência intensificada, nos quais o tipo requer o ânimo ou tendência de realizar a própria conduta típica, sem transcendê-la, como ocorre nos delitos de intenção[17].

Essas duas categorias gozam de maior consenso na doutrina. Todavia, Bitencourt menciona ainda:

  • "especiais motivos de agir": constituem a fonte motriz da vontade criminosa. Todavia, muitas vezes os motivos de agir não constam do tipo penal (encontram-se fora dele), de forma que não serão elementares típicas, e sua falta não descaracterizará a tipicidade. Estes motivos extratípicos serão valorados na dosimetria da pena, por exemplo, como circunstâncias agravantes (genéricas ou especiais) ou causas de aumento ou de diminuição de pena (causas modificativas da pena).

  • "momentos especiais de ânimo": características como sem escrúpulos, sem consideração, satisfazer instinto sexual, inescrupulosamente e outras semelhantes. Porém, o autor critica essa classificação, entendendo que se trata de autênticos elementos típicos objetivos, que reclamam congruência do dolo[18].

Luis Regis Prado, por sua vez, meciona os "delitos de expressão", caracterizados por um processo ou estado interno do autor (discordância entre uma declaração e o saber do agente), citando como exemplo os delitos de falso testemunho e de calúnia.


4. A EXPRESSÃO "CONTRA AS INSTITUIÇÕES MILITARES" NO ART. 9º, III, DO CÓDIGO PENAL MILITAR

Há certa polêmica a respeito da natureza da expressão "contra as instituições militares", constante do art. 9º, III, do Código Penal Militar:

Crimes militares em tempo de paz

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Cícero Coimbra afirma se tratar de um elemento subjetivo especial do tipo, na espécie delito de intenção. O autor, a quem temos enorme deferência, prossegue com um exemplo[19]:

"In exemplis, um militar reformado ingressa em quartel e comete homicídio contra um soldado PM; ao ser detido, após uma busca pessoal, no bolso da camisa do militar é encontrado um cheque devolvido por falta de fundos; claramente o intento não foi matar um soldado PM, afrontando assim a segurança da Unidade e, por consequência, a própria instituição, mas acertar as contas com o pobre inadimplente. Por outro lado, imagine-se um reformado que, fazendo parte de um grupo guerrilheiro, ingressa em quartel do Exército e ceifa a vida de um sentinela, buscando provar aos seus correligionários que a segurança de determinadas Unidades é displicente; nesse caso, a vítima foi o Soldado A, mas poderia ter sido o Soldado B, C, enfim, qualquer um, porquanto o objetivo, a intenção do sujeito ativo era afrontar a própria instituição; teremos, pois, crime militar. O perspicaz estudioso notará que, pela compreensão proposta, o militar da reserva remunerada, reformado ou o civil apenas praticarão delitos militares em condutas dolosas, que preencham esse elemento subjetivo especial do tipo, afastando-se a possibilidade de cometimento de crime militar culposo para essas pessoas."

Ousamos discordar do mestre.

Como já mencionado, nos crimes de intenção ou de tendência interna transcendente, há uma finalidade específica buscada pelo agente, que transborda do tipo objetivo. Por essa razão, a sua consumação exige apenas a realização do tipo objetivo, sendo irrelevante (para fins de diferenciação entre a tentativa e o crime consumado) a concretização do fim especial almejado pelo sujeito ativo do delito.

Estes delitos podem ser de resultado cortado (ou separado) ou mutilado de dois atos. Na primeira espécie, para que a tal finalidade específica se materialize, é necessário um outro evento que não depende do autor. Já nos delitos mutilados de dois atos, o novo evento necessário para a concretização da finalidade transcendente ao tipo objetivo é um novo ato do agente.

Para analisar o inciso III do art. 9º do CPM, sugerimos o exame da seguinte hipótese: o beneficiário de pensão militar falece, e o seu filho deixa de informar tal fato à Administração Militar. O descendente, então, permanece realizando indevidamente saques dos valores correspondentes à pensão militar, a qual continua a ser depositada mês a mês. Trata-se do "silêncio malicioso" configurador do estelionato (art. 251 do CPM):

Estelionato

Art. 251. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em êrro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de dois a sete anos.

Ressalta-se que, embora o §3º do art. 251 do CPM preveja uma causa de aumento de pena, a incidir se o crime for cometido em detrimento da Administração Militar, o Superior Tribunal Militar adota o entendimento de que a sua aplicação a civis resultaria em bis in idem, dado que a ofensa à Administração Militar já foi utilizada para a adequação típica mediata no inciso III do art. 9º do CPM, no qual consta a expressão "contra as instituições militares".

Sigamos. O delito mencionado é de alta recorrência na Justiça Militar na União, sendo pacífico na doutrina, no Superior Tribunal Militar e no Supremo Tribunal Federal que há perfeita adequação ao art. 9º, III, a, do CPM. Por conseguinte, a elementar "contra as instituições militares" resta atendida.

Se o caso é mesmo de crime de intenção ou de tendência interna transcendente, resta perguntar: o filho do beneficiário teria uma finalidade específica de atentar contra as instituições militares? Esta suposta finalidade específica transborda do tipo objetivo? E qual seria o novo ato (do sujeito ativo do delito ou de terceiro) para alcançar a materialização dessa finalidade específica?

Entendemos que a resposta às três perguntas é negativa.

Quanto à existência de uma finalidade específica, é certo que esta se encontra na expressão "para si ou para outrem", referente ao animus rem sibi habendi (intenção de se assenhorar, tornar-se senhor; propósito de exercer o direito de propriedade como se fosse o titular[20]. Ainda que o agente não consiga exercer efetivamente os poderes inerentes à propriedade do bem, concretizando a finalidade específica, estará consumado o crime.

Todavia, no que toca à suposta finalidade específica de atentar contra as instituições militares, cremos que ela inexiste, havendo apenas a consciência e a vontade caracterizadores do dolo de realizar os elementos objetivos do tipo, neles incluídos a obtenção de vantagem indevida mediante fraude (art. 251 do CPM) e o prejuízo ao patrimônio sob a administração militar (art. 9º, III, a, do CPM), o que automaticamente qualificará a conduta como "contra as instituições militares" (art. 9º, III). Afinal, a doutrina é pacífica em considerar o prejuízo alheio como elemento objetivo do tipo nesse sentido, Coimbra[21], Nucci[22], Rosseto[23].

Ademais, analisando-se o tipo penal em sentido amplo, obtido a partir da combinação do art. 9º, III, a, com o art. 251 do Código Penal Militar, não se verifica qualquer finalidade específica consignada de forma expressa e cuja concretização seria dispensável para a consumação do delito. O crime de estelionato é material, consumando-se no momento da obtenção da vantagem, que produzirá o prejuízo alheio (duplo resultado). A expressão "contra as instituições militares", nesse contexto, se refere ao prejuízo patrimonial causado à Administração Militar, o qual faz parte do tipo objetivo e é necessário para a consumação.

Nessa toada, a consumação do delito exige a total realização do tipo objetivo, o qual se espelha no tipo subjetivo. O tipo penal é congruente, e não incongruente (ou seja, o tipo subjetivo não vai além nem fica aquém do tipo objetivo). Se o sujeito ativo emprega a fraude, mas o sujeito passivo não lhe proporciona a obtenção da vantagem indevida, haverá tão somente a tentativa, ratificando a observação de que o elemento subjetivo exigido pelo tipo penal não transborda do tipo objetivo.

E qual seria o novo ato (do sujeito ativo do delito ou de terceiro) necessário para alcançar a materialização dessa finalidade específica? A obtenção da vantagem indevida, no estelionato, de fato envolve a atuação do sujeito passivo do delito, que, iludido pela fraude, a concede ao autor do crime. Todavia, trata-se de elemento essencial para a realização do tipo objetivo, como já abordado, e não de uma conduta posterior à consumação do delito.

Refutada a hipótese do delito de intenção, passemos à análise do delito de tendência. Nestes crimes, não há uma finalidade específica expressa no tipo penal. Existe uma tendência subjetiva que acompanha a realização da conduta, sem que se vise a um resultado futuro fora do tipo objetivo.

Contestamos também essa opção. O estelionatário não precisa ter uma tendência subjetiva de atentar contra o regular funcionamento das instituições militares. Imaginemos que o filho do falecido pensionista apenas tenha um gosto especial por "dinheiro fácil", estando disposto a se apropriar indevidamente de bens sempre que possível. Quando sua mãe pensionista falece, seu descendente, que nada tem contra as instituições militares, continua a utilizar o cartão e a senha de sua genitora para realizar indevidamente os saques. Para ele, é irrelevante que o prejuízo se dê em face de uma instituição militar. Poderia ser contra o Ministério da Saúde, contra a Secretaria Municipal de Educação, ou mesmo contra o irmão da sua falecida mãe. Se há uma tendência subjetiva, ela é apenas a de obter vantagem de forma rápida e sem esforço significativo.

Mesmo assim, entendemos que a conduta provocará ofensa à regularidade da instituição militar afetada, ensejando o devido enquadramento no art. 9º, III, a. Parece ser esta, inclusive, a linha seguida pela jurisprudência do STM e pela jurisprudência do STF, as quais demonstram a total desnecessidade de se investigar a tendência subjetiva do agente nos costumeiros casos de "silêncio malicioso".

Outrossim, o tipo não exige qualquer "especial motivo de agir". Será irrelevante se o autor age movido pela obtenção de vantagem fácil e rápida ou se por alguma espécie de desgosto em relação às instituições militares. Tampouco se requer um "momento especial de ânimo".

Por fim, embora os "delitos de expressão" sejam caracterizados por um processo ou estado interno do autor (discordância entre uma declaração e o saber do agente), e o estelionato envolva uma fraude, esta constitui indubitavelmente elemento objetivo do tipo, exigindo-se, em relação a ela, apenas o dolo (consciência e vontade de realizar a fraude), sem qualquer elemento subjetivo adicional.

4.1. A natureza objetiva da elementar

Descartadas as hipóteses que permitiriam a categorização da expressão "contra as instituições militares" como elemento subjetivo do tipo penal, resta a sua classificação como elemento objetivo.

Essa é, de fato, a nossa opinião. Sempre que a conduta delituosa gerar prejuízo a um bem jurídico relativo às instituições militares, esta conduta será "contra as instituições militares". A análise há de ser, portanto, objetiva.

Mas isso não significa que qualquer conduta que gere algum tipo de ofensa às instituições militares resultará em crime de competência na Justiça Militar.

O próprio inciso III do art. 9º restringe a sua incidência aos casos descritos em suas alíneas, especificando as circunstâncias em que a ofensa será apta a caracterizar um crime militar. Ademais, será necessária a realização do tipo penal em sentido estrito (constante da Parte Especial do CPM da legislação penal comum, no caso de crime militar por extensão ou extravagante), o qual terá seus próprios elementos objetivos e subjetivos, que deverão ser plenamente atendidos.

Perceba-se que a configuração da ofensa à instituição militar, a partir de uma análise objetiva, é apenas um de vários requisitos para que a aplicação do inciso III do art. 9º do CPM efetivamente gere a configuração de um crime militar.

É verdade que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal apresentava (ou ainda apresenta) certa tendência de limitar a submissão de civis à Justiça Militar. Como exemplo, citem-se a Súmula Vinculante nº 36 e a Súmula nº 298:

Súmula Vinculante nº 36:

Compete à Justiça Federal comum processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de Habilitação de Amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil.

Súmula nº 298:

O legislador ordinário só pode sujeitar civis à justiça militar, em tempo de paz, nos crimes contra a segurança externa do país ou as instituições militares.

No mesmo sentido:

"1. A Justiça Militar da União é incompetente para julgar o crime de uso de documento ideologicamente falso cometido por civil quando não houver relação intrínseca da conduta com a atividade castrense. 2. O Supremo Tribunal Federal tem decidido, em casos análogos, pela incompetência da Justiça Militar da União para processar e julgar o uso de documento ideologicamente falso perante órgão das Forças Armadas (HC 108744, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 13/03/2012; HC 107731, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 17/05/2011; HC 101471, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 26/04/2011; HC 104837, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 28/09/2010) 3. In casu, o paciente usou declaração de capacidade ideologicamente falsa com o objetivo de contratar com o Exército brasileiro. O Superior Tribunal Militar entendeu pela competência da Justiça Militar da União em razão da ofensa direta à moralidade castrense, aplicando o disposto no artigo 9º, III, a do Código Penal Militar: art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar. razão pela qual pretende o reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça Militar da União para processar e julgar crime de uso de documento falso perante a administração militar cometido por civil. 4. In casu, não há relação de necessariedade entre o crime de falso e o crime previsto no artigo 89 da Lei 8.666/1993. É dizer, não é indispensável para o tipo do artigo 89 da Lei 8.666/1993 que se utilize de documento ideologicamente falso, o uso do documento não perfaz elemento normativo do tipo descrito na Lei das Licitações, razão pela qual não há consunção entre os delitos. 5. Recurso Ordinário a que se dá parcial provimento, para remeter os autos à Justiça Federal em Bagé/RS; (STF, RHC 118030, Primeira Turma, Relator Ministro Luiz Fux, julgado em 19/08/2014, DJe de 12/09/2014)

Seguindo a mesma linha defendida por Coimbra, a decisão do STF no Habeas Corpus n. 99.671/DF, sob relatoria da Ministra Ellen Gracie, é clara ao exigir do agente civil o dolo inequívoco dirigido a ofender a instituição militar. No caso, um civil atropelou um soldado do Exército Brasileiro que fazia a função de balizamento de trânsito nas proximidades de uma Organização militar, entendendo a Suprema Corte que não houve crime mililtar:

"1. Não há na conduta descrita na peça acusatória qualquer intenção de o paciente atingir instituição militar. 2. O simples fato de a vítima ser militar no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, só por si, não é suficiente para atrair a competência da Justiça Castrense. 3. Consoante já decidiu essa Suprema Corte, a tipificação da conduta de civil como crime militar depende do 'intuito de atingir, de qualquer modo, a Força, no sentido de impedir, frustrar, fazer malograr, desmoralizar ou ofender o militar ou o evento ou situação em que este esteja empenhado.' (CC 7.040/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 22.11.1996). No mesmo sentido HC 86.216/MG, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 24.10.2008). 4. Habeas corpus concedido." (STF, Segunda Turma, HC 99671, Relatora Ministra Ellen Gracie, julgado em 24/11/2009, DJe de 11/12/2009)

Tais posicionamentos parecem se alinhar ao "Projeto de Princípios das Nações Unidas sobre a Administração de Justiça por Tribunais Militares", em que o princípio de n. 5 prega a incompetência da Justiça Militar para o julgamento de civis[24].

Não obstante, como demonstramos em tópicos anteriores, temos que a tese do elemento subjetivo especial do tipo não se sustenta tecnicamente. Acreditamos que essa postura de parcela da doutrina e da jurisprudência do STF está ligada à intenção de afastar civis do juízo castrense, para evitar que sejam julgados por Conselhos de Justiça (integrados por juízes militares) em tempos de paz. Esse pensamento é bem ilustrado pelas lições de Nucci[25]:

"há uma tendência de se restringir a competência da Justiça Militar Federal (a Estadual jamais julga civil), circunscrevendo-se os crimes militares no âmbito daqueles que, efetivamente, lesam interesses essenciais das Forças Armadas, envolvendo a segurança das fronteiras, o funcionamento e a organização das instituições militares, a hierarquia e a disciplina das tropas, dentre outros. É a atual inclinação do STF. Parece-nos correta, afinal, o civil e o militar inativo devem ser submetidos à Justiça comum, como regra, somente encaminhados à Justiça castrense em situações excepcionais, pois se vive em Estado Democrático de Direito, sem qualquer participação direta das Forças Armadas na vida política e no cotidiano da comunidade. O Código Penal Militar foi editado em época diversa, quando politicamente os militares governavam o país, motivo pelo qual se ampliava sobremaneira a competência da Justiça Especial para envolver os civis."

Ocorre que, com a promulgação da Lei 13.774/2018 e a instauração do juízo monocrático na Justiça Militar da União, aquela postura perde, em parte, a razão de ser, pois os civis serão julgados em 1º grau por um juiz civil, com formação jurídica, selecionado por concurso público e dotado de todas as garantias de independência e imparcialidade outorgadas pelo ordenamento jurídico brasileiro à magistratura. É dizer, o órgão julgador terá atributos idênticos aos magistrados da justiça comum.

Entretanto, reconhecemos que o segundo grau permanece composto por órgão judicial com a forma do escabinato, qual seja, o Superior Tribunal Militar, composto por dez ministros militares e cinco ministros civis.

Ainda a respeito da caracterização da natureza objetiva da elementar, tem-se que, estando presente no caso concreto uma das alíneas do inciso III do art. 9º do CPM, haverá necessariamente ofensa à instituição militar.

Jorge César de Assis pontua que haverá crime militar praticado por civil quando o fato ofender as instituições militares, e o Código Penal Militar preferiu indicar os casos em que haverá delito contra as instituições militares[26].

Em interessante abordagem histórica, Adriano Alves-Marreiros afirma que o inciso III do art. 9º do CPM tinha redação idêntica no Código Penal Militar de 1944. Cita, então, os comentários de Sílvio Martins Teixeira sobre aquele Código, no sentido de que o legislador teria declarado quais os crimes que devem ser considerados contrários às instituições militares.

Logo, a especificação trazida nas alíneas do inciso III constitui interpretação autêntica intranorma sobre o que se deve entender por conduta "contra as instituições militares". Assim sendo, parece que o legislador optou por não deixar ao livre crivo do aplicador do direito a interpretação do que seriam os crimes contra as instituições militares.

Ao analisar a alínea b do inciso III, frisa que a lei não contém palavras inúteis e afirma que a referida alínea se satisfaz com uma conduta contra militar e em local sob administração militar. Qualquer condição a mais tornaria letra morta essa disposição, pois a natureza militar do crime seria determinada exclusivamente por força das alíneas a, c ou d do mesmo inciso, sem que se cogitasse a necessidade da alínea b[27].

Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal Militar:

"No caso da alínea "b" do inciso III do art. 9º do CPM, há necessidade de demonstrar apenas que os fatos ocorreram em lugar sujeito à administração militar e que foram direcionados a militar em situação de atividade. Não se requer prova de que houve ofensa às instituições militares, em virtude de essa ser presumida, nem deve ser analisada a propriedade do bem furtado."

(STM, Recurso em Sentido Estrito, nº 7000673-80.2020.7.00.0000, Relator Ministro Artur Vidigal de Oliveira, julgado em 03/12/2020, publicado em 18/12/2020).

No julgado, o Ministro Artur Vidigal de Oliveira, atuando como relator, pontuou que o inciso III já define que os crimes praticados em suas alíneas atentam, necessariamente, contra as instituições militares.

Até mesmo nos crimes contra a Administração da Justiça Militar, dispostos nos arts. 340 a 354 do CPM, é possível afirmar que haverá ofensa às instituições militares. Afinal, o direito penal militar, aplicado pela Justiça Militar, é a ultima ratio na tutela da regularidade das instituições militares. Trata-se de uma verdadeira garantia das destas instituições e, assim, do próprio Estado brasileiro. Dessarte, a ofensa dirigida à Justiça Militar tem aptidão para atingir, ainda que mediatamente, as instituições militares. Inclusive, o art. 55 do CPM afirma expressamente que cabe ao Ministério Público Militar fiscalizar o cumprimento da lei penal militar, tendo em atenção especial o resguardo das normas de hierarquia e disciplina, como bases da organização das Fôrças Armadas.

Ocorre que, devido ao elemento especializante presente na maioria destes tipos penais, a utilização desse raciocínio será dispensável, haja vista a submissão do delito ao inciso I do art. 9º do CPM, e não ao inciso III. Nesse sentido:

"2. Eventuais desacatos perpetrados contra juízes militares, por exercerem a função e não por estarem no serviço ativo da respectiva Força Armada, seriam processados e julgados perante a JMU, devendo ser adotada a mesma solução quando desferidos contra o juiz togado. 3. Os desacatos propagados contra os juízes togados têm direta e pujante repercussão no tocante à preservação dos princípios e dos valores alicerces das Forças Armadas, sendo por isso que o Estado ocupa a posição de sujeito passivo em primeiro grau. 4. A autoridade judiciária militar exara as decisões que tutelarão os serviços prestados pelas Forças Armadas à sociedade. O agente que a desacata atinge, por via reflexa, além da Administração da Justiça Militar, as Instituições Castrenses. 5. A JMU está especialmente aparelhada para oferecer maior celeridade e acurada análise do contexto castrense envolvido nesses fatos. Num viés de prevenção geral e especial, informa a todos os integrantes das Forças Armadas sobre os duros efeitos advindos dessa espécie de desacato. 6. A Lei nº 13.491/17 ampliou, no contexto normativo, significativamente a competência da JMU. Em tal rumo, inexiste motivo para reduzi-la no quanto já estava fixado, antes mesmo da sua publicação, na Parte Especial do CPM - art. 341. 7. Recurso provido. Decisão unânime."

(STM, Recurso em Sentido Estrito nº 7000956-74.2018.7.00.0000, Relator Ministro Marco Antônio de Farias, julgado em 13/03/2019, publicado em 22/03/2019).

4.2. A possibilidade de crimes militares culposos subsumidos à alínea III do art. 9º do CPM

Divergimos do entendimento de Coimbra, para quem os crimes militares fundados no inciso III do art. 9º do CPM apenas poderão ser dolosos.

Considerando que a elementar "contra as instituições militares" tem natureza objetiva, assim como todas as elementares constantes nas alíneas que compõem o multicitado inciso III, entendemos ser plenamente possível que o agente, por imprudência, negligência ou imperícia, pratique conduta que se amolde simultaneamente ao inciso III, a umas de suas alíneas e a um tipo penal que admita a modalidade culposa (ex: receptação culposa, art. 255 do CPM), desde que, naturalmente, estejam atendidos os requisitos para a configuração do crime culposo, como a previsibilidade objetiva e a violação do deve de cuidado.

Ora, se o crime de homicídio, em sua modalidade culposa, não deixa de ser um "crime contra a pessoa", não vemos razão para que um crime culposo deixe de ser classificado como "contra as instituições militares". Afinal, o elemento subjetivo do delito não guarda relação de necessariedade com o bem jurídico tutelado (ex: pessoa, patrimônio, administração da justiça, instituições militares).

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Sobre o autor
Leonardo Jucá Pires de Sá

Analista do Ministério Público da União.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SÁ, Leonardo Jucá Pires. A natureza jurídica objetiva da expressão "contra as instituições militares" no art. 9º, III, do Código Penal Militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7118, 27 dez. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100511. Acesso em: 27 abr. 2024.

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