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Ativismo judicial do STF e implicações políticas em face do Executivo e Legislativo

Ativismo judicial do STF e implicações políticas em face do Executivo e Legislativo

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Qual o impacto na democracia das inovações à ordem jurídica perpetrados pelo STF?

Resumo: A judicialização das relações sociais em prol da concretização dos direitos fundamentais no Brasil, especialmente após a promulgação da Carta Constitucional de 1988, abriu caminho para o aumento do poder decisório do Judiciário e o controle político sobre os demais poderes da República, o que tem sido denominado de ativismo judicial. Embora não bem compreendido no Brasil, o ativismo judicial já é bastante discutido no mundo. Diante da visível fragilização da harmonia entre os Poderes da República no Brasil e das crises econômica e política que têm trazido prejuízo aos direitos individuais e sociais, faz-se necessário compreender se o Supremo Tribunal Federal (STF) tem inovado ou não na ordem jurídica e adotado uma postura interpretativista discricionária com impactos negativos na democracia brasileira. Em termos globais, a Corte Constitucional brasileira ora se mostra mais ativista, ora menos, ao sabor dos embates sociais e políticos que se apresentam. Quando adota uma postura ativista, o Supremo Tribunal Federal cria tensões com os demais Poderes, gerando contrapartidas destes, especialmente do Poder Legislativo, na forma de leis ou emendas à Constituição contrários à decisão da Corte Constitucional. Fica cada vez mais claro que é necessário elaborar novos arranjos institucionais para legitimar a jurisdição constitucional. Várias propostas têm sido apresentadas, como a Teoria da Decisão e a Teoria dos Diálogos Institucionais, que permitem refutar subjetivismos e discricionariedades no ato de interpretar e aplicar a lei e fazer distinção objetiva entre decisão jurídica e escolha política.

Palavras-chave: Judicialização da Política, Ativismo Judicial, Supremo Tribunal Federal.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1. INDEFINIÇÃO CONCEITUAL E MULTIDIMENSIONALIDADE DO TERMO ATIVISMO JUDICIAL. 1.1. Surgimento da expressão “ativismo judicial”. 1.2. A multidimensionalidade do ativismo judicial. 1.3. Tentativas de conceituação do ativismo judicial. 2. A DISTINÇÃO ENTRE JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E ATIVISMO JUDICIAL NO CONTEXTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. 2.1. A superação da teoria clássica da separação dos poderes. 2.2. Distinção entre judicialização da política e ativismo judicial. 3. ATIVISMO JUDICIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E IMPLICAÇÕES POLÍTICAS SOBRE OS DEMAIS PODERES. 3.1. A tensão institucional entre os poderes frente ao ativismo do Supremo Tribunal Federal. 3.2. A busca de um novo equilíbrio entre a jurisdição constitucional e os demais poderes. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

O tema do ativismo judicial tem sido um dos principais assuntos abordados pela doutrina jurídica mundial, especialmente a norte-americana, que reconhece ter sido o historiador estadunidense, Arthur Schlesinger Jr., o criador do termo “ativismo judicial”, em 1947. Não é um assunto livre de controvérsias, muito pelo contrário. Uma das principais é a própria delimitação conceitual da expressão “ativismo judicial”. Existe a premissa de que o ativismo judicial apresenta sentidos diferentes para pessoas distintas, mas o núcleo comportamental básico seria a expansão do poder decisório de juízes sobre os demais atores de uma dada organização sociopolítica.

O advento da Carta Constitucional de 1988, que buscou atender os anseios sociais do povo brasileiro com um gama extensa de direitos e garantias, gerou dificuldades estruturais e orçamentárias aos poderes Executivo e Legislativo no atendimento dessa demanda. A facilitação do acesso à justiça, o fortalecimento do Ministério Público e o aperfeiçoamento de instrumentos processuais de defesa dos cidadãos, como a ação civil pública e a ação popular, reforçaram as transformações institucionais que tornaram o Judiciário um proeminente ator no controle dos poderes políticos e na concretização de direitos dos cidadãos. No quadro geral de ascensão do Poder Judiciário, foi o Supremo Tribunal Federal (STF) que incontestavelmente ganhou mais visibilidade e participação nas decisões políticas e governamentais.

Diante do contexto atual do Brasil, em que a fragilização da harmonia entre os Poderes da República, a crise de representação política e a crise econômica têm trazido prejuízo à concretização dos direitos individuais e sociais, o debate sobre ativismo judicial e atuação do STF na interpretação e aplicação da Constituição Federal de 1988 se faz urgente e relevante. O presente estudo teve por objetivo contribuir para a compreensão do fenômeno do ativismo judicial e promover o conhecimento geral sobre a atuação ativista do STF e suas implicações políticas no contexto brasileiro. Para tanto, buscou-se desvendar a origem terminológica da expressão e suas múltiplas dimensões conceituais, contextualizar o ativismo judicial brasileiro antes e após a Constituição Federal de 1988, analisar a atuação do STF na interpretação e aplicação da Constituição e suas implicações políticas em face dos Poderes Legislativo e Executivo.


1 INDEFINIÇÃO CONCEITUAL E MULTIDIMENSIONALIDADE DO TERMO ATIVISMO JUDICIAL

1.1 Surgimento da expressão “ativismo judicial”

Trata-se de um tema que tem suscitado muitos debates tanto no campo do Direito quanto da Política, especialmente no atual momento em que a judicialização da política e a politização do Poder Judiciário saltam aos olhos de todos os brasileiros. O Poder Judiciário tem estado muito presente no cotidiano do País, seja tomando decisões impactantes, interferindo na atividade de outros Poderes e na vida das pessoas, seja tendo destaque na mídia de grande circulação. Entretanto, poucos realmente conhecem o significado e o alcance da expressão “ativismo judicial”, o que enfraquece o debate e atrasa a compreensão do fenômeno no Brasil. Visando contribuir para o esclarecimento das nuances conceituais e axiológicas do ativismo judicial, apresenta-se a seguir as formulações epistemológicas de autores que buscaram estudar o tema de maneira aprofundada.

Carlos Alexandre de Azevedo Campos, em sua obra “Dimensões do Ativismo Judicial do Supremo Tribunal Federal”, de 2014, faz um resgate do contexto histórico do surgimento da expressão “ativismo judicial”. Segundo o autor, a doutrina norte-americana reconhece que o primeiro uso público desta foi feito pelo historiador estadunidense Arthur Schlesinger Jr., em artigo intitulado The Supreme Court: 1947, publicado na Revista Fortune, vol. XXXV, n° 1, no mês de Janeiro de 1947 (existe uma suspeita de que ele pegou o termo “emprestado” do seu colega de Harvard, Thomas Reed Powell). Schlesinger analisou os posicionamentos dos juízes da Corte Americana em seus julgados e verificou que eles poderiam ser classificados da seguinte forma: (a) juízes ativistas com ênfase na defesa dos direitos das minorias e das classes mais pobres – Justices Black e Douglas; (b) juízes ativistas com ênfase nos direitos de liberdade – Justices Murphy e Rutledge; (c) juízes adeptos de uma postura mais autorrestrita – Justices Frankfurter, Jackson e Burton; e (d) juízes representantes do equilíbrio de forças (balance of powers) – Chief Justice Fred Vinson e Justice Reed.

Neste ponto, é oportuno contextualizar a realidade político-institucional da Suprema Corte americana da época, personagem principal do artigo escrito por Schlesinger na Revista Fortune, para compreender que existia uma interrelação muito nítida entre o ativismo judicial dos juízes norte-americanos e o contexto político da época. A Suprema Corte americana estava e está até hoje no centro do campo de disputa secular entre conservadores e liberais naquele país, o que não difere em muito do que acontece no Brasil face aos eternos embates entre governo e oposição, senão, vejamos, nas próprias palavras de Carlos Alexandre de Azevedo Campos (2014):

A história do ativismo judicial nos Estados Unidos é marcada por um duelo político-ideológico entre conservadores e liberais pela alma da Suprema Corte. (...) Conservadores e liberais divergem sobre o grau de intervenção do Estado na economia, federalismo, aborto, direitos dos gays, ações afirmativas raciais, pena de morte, financiamento de campanhas eleitorais etc. Mas o desenvolvimento judicial dessas controvérsias mostra um ponto comum: ambos são dispostos a utilizar o ativismo judicial para avançar suas agendas político-ideológicas e são igualmente dispostos a atacar juízes e cortes quando não é a sua agenda que está sendo posta em prática. Como disse um destacado juiz norte-americano, “quando liberais são preponderantes na Corte, conservadores exaltam autorrestrição e denunciam “ativismo”, mas “quando conservadores são preponderantes na Corte, liberais exaltam autorrestrição ...e denunciam ‘ativismo judicial conservador’”. Os acontecimentos a seguir descritos revelam como essa adversidade histórica torna o debate norte-americano sobre o ativismo judicial um “debate sem fim”, e também como fatos e circunstâncias políticas podem influenciar a direção das decisões ativista (p. 60).

Keenan Kmiec, jurista norte-americano, explica no texto “The Origin and Current Meanings of ‘Judicial Activism’” (2004) que, antes do século XX, ainda não se utilizava a expressão “ativismo judicial”, mas os juristas já se questionavam sobre a postura de juízes que faziam leis. Na primeira metade do século XX, muitos acadêmicos discutiram os méritos da legislação judiciária, havendo adeptos tanto a favor quanto contra, mas ninguém conseguiu traduzir esse conceito em uma palavra ou expressão. Nesse contexto, era de se esperar que ela fosse surgir de uma dissidência de algum juiz em um tribunal ou em uma palestra sobre revisão de leis, mas na verdade surgiu em um artigo escrito por um não jurista, em uma revista popular para atrair a atenção do público em geral. Kmiec salienta também que Schlesinger conseguiu demonstrar que cada grupo de juízes teria uma visão distinta da legalidade. A visão de Black-Douglas teria suas raízes na Escola de Direito de Yale, para a qual o raciocínio jurídico é mais maleável do que científico, de modo que os recursos jurídicos, a ambiguidade dos precedentes e a extensão da doutrina aplicável seriam tão abrangentes que, na maioria dos casos, a divergência de opinião não forçaria o tecido da lógica legal. Em contraposição, para os juízes adeptos da autorrestrição, as leis teriam significados fixos, e o desvio desses significados seria inadequado. Se a legislatura cometesse erros, caberia ao legislador remediá-los. Depois de descrever essas facções opostas, Schlesinger percebeu a ameaça intrínseca à democracia na ideologia do grupo Black-Douglas e preferiu sugerir que o ativismo judicial se restringisse apenas aos casos de liberdades civis.

Schlesinger teria apresentado o termo ativismo judicial exatamente como o oposto de autorrestrição judicial. Embora isto não seja o suficiente para uma compreensão cristalina do que realmente venha a ser ativismo judicial, pois faltou conteúdo à comparação, o historiador deu vazão ao sentimento de incômodo já existente na época quanto à politização da atividade judicial. Ao entender que juízes ativistas substituem a vontade do legislador pela própria porque acreditam que devem atuar ativamente na promoção das liberdades civis e dos direitos das minorias, dos destituídos e dos indefesos, e que, ao contrário, os juízes adeptos da autorrestrição judicial preferem não intervir no campo da política (CAMPOS, 2014), Schlesinger antecipou em décadas as discussões sobre essa temática que viriam a ser travadas em todo o mundo, inclusive no Brasil.

1.2 A multidimensionalidade do ativismo judicial

Apesar de Schlesinger nunca ter explicado que características de fato tornariam uma decisão ativista ou autorrestrita, ele sugeriu várias dicotomias fundamentais no confronto entre uma e outra: juízes não eleitos versus estatutos democraticamente promulgados; julgamento orientado para resultados versus tomada de decisão baseada em princípios; uso estrito versus criativo do precedente; supremacia democrática versus direitos humanos; lei versus política; e outras dicotomias igualmente fundamentais (KMIEC, 2004). Neste mesmo sentido, Luiz Henrique Diniz Araújo (2018) assinala que o ativismo é um conceito que traz em si um dualismo: de um lado, é ne­cessário aos estados constitucionais que buscam o aprofundamento dos direitos que se propõem a reconhecer e efetivar, o que implica uma certa margem de discricionarieda­de judicial; de outro lado, traz o risco da deslegitimação do estado de direi­to.

Parece de simples compreensão a redução do ativismo judicial a um dualismo, a dois lados de uma moeda. Mas, como alerta Carlos Alexandre de Azevedo Campos (2014), não há realmente consenso sobre o que é ativismo judicial e ele acaba significando coisas distintas para pessoas distintas. Há quem considere os juízes ativistas como uma ameaça aos valores democráticos e à separação de poderes, e há aqueles que defendem que os juízes e as cortes devem agir de modo mais contundente em nome dos direitos da liberdade e igualdade e diante da inércia ou do abuso de poder por parte de outros atores políticos e instituições. Segundo o autor, as cortes ativistas não somente fazem parte do sistema político de determinado país, como também são verdadeiros centros de poder que participam, direta ou indiretamente, da formação da vontade política predominante. Embora acredite que o ativismo judicial tenha um núcleo comportamental, qual seja, a expansão de poder decisório que juízes e cortes promovem sobre os demais atores relevantes de uma dada organização sociopolítica e constitucionalmente estabelecida, Campos (2014) propõe que esse é um termo que apresenta muitas dimensões. Estas dimensões auxiliam na compreensão conceitual do termo “ativismo judicial” e servem como ferramenta de análise da postura das cortes constitucionais ao redor do mundo, inclusive para a avaliação se o Supremo Tribunal Federal é uma corte ativista ou não, como será discutido adiante. Por ora, apresentam-se as características essenciais de cada dimensão do ativismo judicial propostas por Campos (2014, p. 165):

  1. Ativismo judicial e interpretação da constituição: é a mais importante dimensão do ativismo, segundo o autor, e consiste na interpretação ampliativa das normas e princípios constitucionais, com a afirmação de direitos e poderes implícitos ou não claramente previstos nas constituições, assim como a aplicação direta de princípios constitucionais, muito vagos e imprecisos, para regular condutas concretas sem qualquer intermediação do legislador ordinário. Os juízes ativistas, verdadeiros “arquitetos sociais”, fazem mudanças na interpretação constitucional conforme as exigências das transformações sociais;

  2. Ativismo judicial e criação legislativa: nesta dimensão, os juízes criam o direito ao invés de aplicá-lo. Ao preencherem lacunas e omissões legislativas, corrigirem as leis, inovando-as e dando-lhes novos sentidos e significados, os juízes, especialmente os da Suprema Corte, estariam complementando ou substituindo a atividade legislativa de modo a conformá-la melhor aos princípios e valores constitucionais;

  3. Ativismo judicial e deferência aos demais poderes: se refere a juízes que não encontram dificuldades, de fundo institucional, para afastar as decisões de outros poderes e substituí-las pelas próprias. Nesta dimensão, os juízes exercem controle rígido de legitimidade sobre os atos dos demais poderes, minimizando padrões como a presunção de constitucionalidade das leis, o que se torna particularmente dramático no âmbito de interpretação de normas constitucionais muitas vezes vagas, imprecisas e que veiculam pautas de valor moral e político;

  4. Ativismo judicial e afirmação de direitos: devido ao alto grau de indeterminação semântica e da alta carga valorativa das normas constitucionais que expressam direitos fundamentais, as cortes constitucionais, para conseguir justificar eticamente e axiologicamente suas decisões sobre esses direitos, realizam escolhas essenciais que governarão o comportamento da sociedade e dos poderes políticos. Como esses direitos justificam-se na moral e legitimam o ordenamento jurídico, decisões judiciais sobre esses direitos poderão envolver, além de raciocínios jurídicos, juízos de validade moral e política, impactando dramaticamente a sociedade;

  5. Ativismo judicial e políticas públicas e sociais: nesta dimensão, cortes e juízes definem políticas públicas no lugar dos outros poderes. Cortes ativistas, ao invés de apenas anularem leis, têm definido e desenvolvido por si mesmas políticas públicas nas áreas de educação, saúde, sistema penal, dentre outras;

  6. Ativismo judicial e auto expansão da jurisdição e dos poderes decisórios: cortes ativistas ampliam o acesso à sua jurisdição e do seu espaço de atuação afastando dificuldades procedimentais, criando critérios rígidos de legitimidade processual e de cabimento de ações e recursos. Do mesmo modo, formulam doutrinas que reforçam o alcance de ações e recursos constitucionais e aumentam a força vinculante de suas decisões, ampliando dessa forma seus poderes de decisão e aumentando o seu grau de independência frente aos demais poderes constitucionais;

  7. Ativismo judicial e superação de precedentes: juízes ativistas não se restringem por precedentes, antes entendem que sua superação é um estágio necessário para melhor desenvolver os significados adequados das normas constitucionais. “Acima da estabilidade, certeza e uniformidade do direito proporcionadas pelo respeito aos precedentes, os ativistas escolhem exercer a flexibilidade interpretativa e decisória se isso for necessário para a construção do sentido correto das normas constitucionais – correto segundo suas perspectivas” (p. 172);

  8. Ativismo judicial e maximalismo: esta dimensão está presente quando juízes ativistas justificam suas decisões em formulações teóricas ambiciosas, extensas e profundas, além do necessário para fundamentar o resultado das decisões concretas. Caracteriza-se, assim, o maximalismo, no sentido de ultrapassar questões teóricas e principiológicas do caso julgado para estabelecer amplas regras e princípios que dirigirão outros casos semelhantes no futuro;

  9. Ativismo judicial e partidarismo: ocorre quando as decisões judiciais não são fundadas em razões jurídicas, mas nas preferências político-partidárias dos juízes;

  10. Ativismo judicial e soberania judicial: O exercício da soberania judicial é o exemplo mais extremado de ativismo judicial, pois as cortes tomam decisões judiciais tão expansivas e ambiciosas que excluem os poderes políticos do processo de construção dos significados constitucionais.

Dez anos antes de Carlos Alexandre de Azevedo Campos (2014), Kmiec (2004) já assinalava que, assim como a expressão “ativismo judicial” se tornara muito comum, ela também se tornara confusa, pois fora utilizada de formas diferentes e até contraditórias, uma vez que juristas e juízes reconheciam o problema do ativismo judicial, discutiam sobre ele, mas não o definiam. Kmiec então sugeriu que, devido aos vários significados atribuídos à expressão, deveria ser explicitado o significado do qual se fala, dessa forma transformando o tema do ativismo judicial em instrumento de uma discussão construtiva. Para incrementar o debate na época, o autor supracitado apontou cinco principais significados para o ativismo judicial, que também podem ser compreendidos como dimensões conceituais, quais sejam:
  1. Invalidação das ações dos demais poderes por meio da declaração de inconstitucionalidade: a invalidação por si só não torna suspeita a decisão judicial, porém suscita o debate sobre ser papel do Poder Judiciário dizer a última palavra sobre a Constituição ou ser/dever ser quem diz o que é a lei, mesmo nas questões difíceis ou politicamente sensíveis;

  2. Falha em aderir a precedentes judiciais: seria ativismo os juízes e Tribunais inferiores desconsiderarem os precedentes da Suprema Corte (precedentes verticais) e os Tribunais desconsiderarem seus próprios precedentes no julgamento de casos semelhantes anteriores (precedentes horizontais), o que é discutível na opinião de Kmiec, pois há quem entenda que às vezes é necessário superar precedentes horizontais;

  3. Atividade judicial legislativa: as Cortes são menos competentes para criar políticas públicas do que o legislativo, entretanto, em casos individuais, mesmo que as cortes se comportem inapropriadamente, podem surgir boas decisões ou precedentes desejáveis;

  4. Não adoção de metodologias interpretativas aceitas: pode significar que um juiz usa ferramentas diferentes (em espécie ou número) para tomar uma decisão, comparado com o que outro juiz usaria, ou, mais útil, pode significar que duas pessoas concordam sobre quais ferramentas devem ser usadas para tomar uma decisão, mas discordam sobre como aplicar as ferramentas em um caso particular, embora a grande dificuldade deste significado seja as diferentes opiniões sobre o que seja uma metodologia interpretativa apropriada;

  5. Julgamento orientado por resultado: uma decisão é ativista apenas quando o juiz tem um motivo oculto para tomar a decisão e a decisão se afasta de alguma "linha de base" de correção (o quão ativista é a decisão depende de quão longe ela se desvia dessa linha de base), embora nem sempre seja fácil de detectar essa forma de ativismo porque os elementos críticos são subjetivos ou desafiam uma definição clara e concreta.

Kmiec (2004) concluiu que o ativismo judicial não tem um conceito monolítico. Pelo contrário, pode representar várias ideias jurisprudenciais distintas que merecem uma investigação mais aprofundada. Hoje, uma acusação de ativismo judicial isolada ou descontextualizada significa pouco ou nada porque a expressão adquiriu muitos significados distintos e até mesmo contraditórios. No entanto, quando explicada com cuidado, pode ser um ponto de partida para uma conversa significativa sobre o ofício judicial, uma oportunidade para fazer as perguntas subsidiárias que vão além do superficial.

1.3 Tentativas de conceituação do ativismo judicial

Apesar das contribuições de inúmeros autores para a elucidação do fenômeno do ativismo judicial, não é tarefa fácil reduzi-lo a um conceito que permita a convergência de toda a sua multidimensionalidade, sem desprezar sua transversalidade com o contexto histórico, político e social de um País. Mas tal façanha é possível, desde que se consiga agregar à postura judicial em análise, o contexto político-institucional no qual se insere. Nesse sentido, Carlos Alexandre de Azevedo Campos (2014) toma como base importantes decisões da Suprema Corte norte-americana para indicar os dois aspectos cruciais do ativismo judicial: primeiro, as decisões ativistas são multifacetadas, isto é, se revelam por diferentes dimensões, já explicitadas anteriormente, e, segundo, o ativismo judicial não é o resultado puro e simples de uma atitude deliberada de juízes e cortes, mas sim, responde a uma pluralidade de fatores, os quais influenciam e podem explicar o comportamento mais ou menos ativista dos juízes e das cortes (o ativismo judicial pode ser politicamente construído e direcionado). Desse modo, ele define o ativismo judicial:

como o exercício expansivo, não necessariamente ilegítimo, de poderes político-normativos por parte de juízes e cortes em face dos demais atores políticos, que: (a) deve ser identificado e avaliado segundo os desenhos institucionais estabelecidos pelas constituições e leis locais; (b) responde aos mais variados fatores institucionais, políticos, sociais e jurídico-culturais presentes em contextos particulares e em momentos históricos distintos; (c) se manifesta por meio de múltiplas dimensões de práticas decisórias. (CAMPOS, 2014, p. 164)

O Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal brasileiro, em seu artigo “Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática”, de 2008, apresenta sua ideia de ativismo judicial associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifestaria por meio de diferentes condutas, que incluem: (a) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (c) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas. As posturas ativistas apontadas pelo Ministro Barroso estão incluídas entre aquelas citadas por Kmiec (2004) e Campos (2014).

O Ministro Barroso contribui para a conceituação do ativismo judicial ao contrapô-lo com a autocontenção ou autorrestrição judicial. O ilustre magistrado reconhece que o binômio ativismo-autocontenção judicial está presente na maior parte dos países que adotam o modelo de supremas cortes ou tribunais constitucionais com competência para exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos do Poder Público. Para o Ministro, o movimento entre as duas posições costuma ser pendular e varia em função do grau de prestígio dos outros dois Poderes. Sua definição de autocontenção judicial seria conduta na qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais (a) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (b) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (c) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas. O Ministro entende que até o advento da Constituição de 1988, essa era a inequívoca linha de atuação do Judiciário no Brasil, mas tudo mudou no cenário pós-Constituição de 1988, assunto que será debatido nos próximos itens deste texto.

Borges, Corrêa e Villarroel (2016) chamam a atenção para o caráter ideológico das decisões ativistas dos juízes. Para esses autores, decisões judiciais, quaisquer que sejam, são intrinsecamente políticas e, consequentemente, ideológicas. Além disso, o ativismo judicial para definir os rumos políticos do país, sobretudo os partidários, “revelariam ainda que o judiciário não só está dentro da sociedade, mas também ‘joga o jogo’ desta, tem partido, toma posição e segue as ondas ideológicas de setor específico da sociedade, qual seja, os setores mais abastados tendo em vista a formação elitizada dos juízes” (p. 43). Tendo isso em mente, definem ativismo judicial como uma ação do órgão jurisdicional no sentido de alterar certos contextos político-sociais, utilizando-se de um juízo necessariamente valorativo, ou seja, situando-se no âmbito da subjetividade individual, podendo ser conservador ou progressista. Por fim concluem que existe uma diferença entre o ativismo judicial na garantia de direitos e o ativismo judicial na esfera política. A primeira dimensão está ligada ao interesse do magistrado em promover a mudança social ou acelerá-la, enquanto a segunda apresenta-se como a vontade do magistrado em guiar e direcionar os rumos políticos do povo e, consequentemente, do país.

Para Mônia Clarissa Hennig Leal (2014), mesmo quando a intenção é acelerar a mudança social desejada pela comunidade, a atividade jurisdicional dos Tribunais Constitucionais pode ultrapassar, em certa medida, a função meramente negativa de controle, adotando uma dimen­são construtiva e criativa, assentada na necessidade de concretização dos princípios e dos direitos fundamentais extraídos dos textos das Constituições, onde figuras como as sentenças interpretativas e as sentenças manipulativas [1] tornam-se cada vez mais frequentes, assim como os recursos a instrumentos hermenêuticos que viabilizem e instrumentalizem a tarefa de realização e garantia dos direitos fundamentais.

Neste ponto, surge a inescapável dúvida se o ativismo judicial é um conceito que, ao se concretizar em uma das várias dimensões apontadas pelos estudiosos, num determinado contexto sociopolítico e ideológico, traria uma carga axiológica positiva ou negativa considerando as necessárias relações democráticas entre os poderes e a vontade popular soberana, afinal, os representantes dos Poderes Legislativo e Executivo são eleitos pelo povo, e os do Judiciário teriam papel contra majoritário. Quem deve dizer a última palavras sobre a aplicação da lei ou das políticas públicas, especialmente em questões sensíveis? Não há uma resposta unânime e fácil para uma questão tão complexa, havendo juristas defendendo ambos os pontos de vista. Algumas das reflexões construídas sobre a temática serão explicitadas a seguir, numa tentativa de contribuir para a compreensão das causas e consequências do ativismo judicial, especialmente no Brasil.

Anderson Vichinkeski Teixeira (2012) diferencia posturas ativistas positivas e nocivas e denomina ativismo judicial positivo como aquele que se enquadra no padrão de racionalidade jurídica vigente no ordenamento em questão e busca, em última instância, assegurar direitos fundamentais ou garantir a supremacia da Constituição. Por outro lado, entende nociva toda prática ativista que fuja desse quadro ou persiga, sobretudo, a preponderância de um padrão de racionalidade eminentemente político. Baseando-se nas dimensões apontadas por Kmiec (2004), o autor considera práticas nocivas à estabilidade interinstitucional e ao ordenamento constitucional as seguintes posturas: invalidar ou afastar a aplicabilidade de atos oriundos de outros Poderes, afastar a aplicação de precedentes judiciais horizontais ou verticais, atuar como legislador (mesmo quando deva ser legislador negativo) e fazer julgamentos predeterminados a fins específicos (decisionismo político).

Especificamente no que diz respeito ao afastamento da aplicação de precedentes, o Supremo Tribunal Federal não estaria legalmente ads­trito a seus próprios precedentes, mas o Tribunal lhes deveria respeito, seja para confirmá-los, seja para afastá-los por distinção ou superação. Na jurisprudência constitucional, a força do precedente se funda sobre a natureza da constituição como uma norma duradoura, destinada a estabilizar a vida política e social, subtraindo-a à inconstância das vicissitudes quotidianas. Sem dúvida, os precedentes funcionariam como uma força a favor da objetividade (impessoalidade) e, consequentemente, redução da discricionariedade (voluntarismo) nos julgamentos (ARAÚJO, 2018).

Retomando a opinião de Anderson Vichinkeski Teixeira (2012), a forma mais nociva de ativismo judicial é aquela que “ocorre quando a decisão judicial tem um fim político e depende da negação à tutela de interesses legítimos de alguma parte da ação, fundamentando-se em argumentos que transcendem a racionalidade jurídica” (p. 48). Mas o autor também conclui que o Judiciário não pode corroborar a omissão administrativa ou legislativa, pois a norma jurídica conterá inevitavelmente um “vazio” a preencher hermeneuticamente, o que deve ser feito mediante interpretação limitada pelo sentido da lei e pela vontade do legislador, o que seria uma forma de ativismo judicial positivo:

Quanto a uma possível definição de ativismo judicial positivo, entendemos que a sua caracterização ocorre com a existência de algum dos seguintes elementos (...):

1. Decisão que busque primordialmente assegurar direitos fundamentais;

2. Decisão orientada à garantia da supremacia da Constituição;

3. Decisão fundamentada substancialmente em princípios jurídicos, sobretudo em princípios constitucionais;

4. Decisão sustentada por técnicas hermenêuticas que não extrapolem a mens legis e não derroguem a mens legislatoris do ato normativo em questão.

(...) Mais importante do que estabelecer uma definição conceitual dogmaticamente precisa de ativismo judicial ou então bradar contra toda e qualquer espécie sua, devemos reconhecer que se trata de uma patologia constitucional cada vez mais necessária – desde que seja na sua vertente positiva –, para a proteção do indivíduo contra omissões ou excessos do Estado. Hipoteticamente, a partir de um critério de negação, o que ocorreria se também o Judiciário decidisse abandonar uma postura ativista e passasse a se omitir diante das ofensas aos direitos fundamentais que muitas vezes são perpetradas pelo próprio Estado? A quem restaria recorrer? (p. 52).

Considerando tudo que foi exposto até aqui, fica claro que o uso da expressão ativismo judicial sem a devida contextualização a torna esvaziada de sentido. Thiago Aguiar Pádua (2015) alerta que a expressão ativismo judicial se converteu em uma espécie de “clichê constitucional”, destinado à simplificação excessiva das questões a ela relacionadas e, assim sendo, destinada a se tornar um argumento que na realidade passa a ser um “não argumento”. No entanto, quando explicado com cuidado, o termo pode ser um ponto de partida para uma conversa significativa sobre o papel do Poder Judiciário, uma oportunidade para fazer as perguntas necessárias que vão além do superficial (KMIEC, 2004).

Portanto, pode-se dizer que ativismo judicial é uma determinada postura do órgão jurisdicional que, em determinado contexto político e social, caracteriza-se como uma atuação preponderante frente aos demais poderes do Estado, seja para conferir concretude e eficácia às normas constitucionais, especialmente na defesa dos direitos fundamentais, seja para interferir politicamente no cenário das relações interinstitucionais, ultrapassando determinados limites impostos pelo ordenamento jurídico. No item a seguir, será feita uma análise do ativismo judicial no Brasil e explicitada sua distinção do fenômeno da judicialização da política e como esta pode servir como estímulo ao ativismo judicial.


2 A DISTINÇÃO ENTRE JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E ATIVISMO JUDICIAL NO CONTEXTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

2.1 A superação da teoria clássica da separação dos poderes

À medida que as sociedades evoluem e as relações sociais e políticas tornam-se mais complexas, os diálogos institucionais entre os Poderes também se modificam, havendo uma alternância da preponderância de um poder sobre o outro ao longo das décadas conforme o modelo de Estado que melhor atende à vigente conjuntura de forças. Esse é o entendimento de Clarissa Tassinari e Danilo Pereira Lima no artigo intitulado “A Problemática da Inefetividade Constitucional no Brasil: O Estado Patrimonialista e o Ativismo Judicial”, datado de 2011. Segundo os autores, durante a formação do Estado Liberal de Direito, havia um contexto de forte preocupação com a limitação do poder estatal, fazendo com que a predominância na atuação institucional ficasse com o Poder Legislativo, organizado nesse período como representante legítimo do povo para coibir o excesso de poder exercido pelas monarquias europeias.

Mais tarde, com a formação do Estado Social de Direito, a predominância na atuação institucional foi transferida para o Poder Executivo, como condição necessária para a realização das políticas públicas contidas nesse modelo, marcado por características fortemente intervencionistas na economia. Por último, com o advento de constituições compromissórias e, consequentemente, com o surgimento do Estado Democrático de Direito, questões exclusivamente relegadas ao campo da política tornaram-se jurídicas, na medida em que a exigência da efetivação dos direitos se tornou judicializada. Com isso, houve um redimensionamento do papel do Judiciário, fenômeno que ocorreu no mundo todo, especialmente como produto do que ficou conhecido como novo constitucionalismo (ou constitucionalismo do segundo pós-guerra) (TASSINARI; LIMA, 2011).

A noção de Estado Democrático de Direito está indissociavelmente ligada à racionalização, humanização e concretização dos direitos constitucionais, pois um dos pilares sustentadores desse paradigma constitucionalista é, sem dúvida, a democracia (MORAES, 2012; ROCHA et al., 2017). Após um longo período de intervenções militares, golpes de Estado e governos autoritários, a sociedade brasileira construiu sua Constituição democrática, dirigente e compromissória. Entretanto, pouco se conseguiu na efetivação desse modelo pois, dentre outras situações, não se operou uma verdadeira ruptura com as velhas estruturas, mantendo-se, por exemplo, o velho modelo de Estado patrimonialista e estamental (TASSINARI; LIMA, 2011). Apesar disso, a Constituição brasileira de 1988 teve o mérito de alçar princípios importantes como cidadania e dignidade da pessoa humana ao status de fundamentos da República, utilizando estes termos em sentido abrangente, e não apenas técnico-jurídico, sinalizando que o Estado deve atuar de modo a incentivar e oferecer condições propícias à efetiva participação dos indivíduos nas decisões políticas do País e terem reconhecidas suas posições jurídicas (PAULO; ALEXANDRINO, 2018).

José Murilo Duailibe Salém Neto, Aline Matias Lima e Arthur Linhares (2017), em artigo sobre a judicialização das relações para a concretização dos direitos fundamentais no Brasil, corroboram esse entendimento ao afirmar que o ativismo judicial decorre do próprio espírito da Carta Constitucional de 1988, que busca atender os anseios sociais do povo brasileiro. Considerando as frequentes omissões dos poderes Executivo e Legislativo no atendimento desses anseios, o Judiciário termina por se sobressair, numa prática nem sempre voluntária, ao explorar ao máximo a hermenêutica constitucional.

Nesse mesmo sentido, Carlos Alexandre de Azevedo Campos (2014) observa que o ativismo judicial no Brasil se tornou fenômeno de particular importância a partir da Constituição Federal de 1988 e do período de redemocratização do País. A facilitação do acesso à justiça, o fortalecimento do Ministério Público e o aperfeiçoamento de instrumentos processuais de defesa dos cidadãos, como a ação civil pública e a ação popular, reforçaram as transformações institucionais que tornaram o Judiciário um proeminente ator no controle dos poderes políticos e na concretização de direitos dos cidadãos. No quadro geral de ascensão do Poder Judiciário, foi o Supremo que incontestavelmente ganhou mais visibilidade e participação nas decisões políticas e governamentais. Portanto, a imperfeição da democracia brasileira forçou o Judiciário a se imiscuir em assuntos políticos, pois os direitos constitucionalmente estabelecidos não se concretizaram a contento.

Neste contexto, Gerson Ziebarth Camargo (2016) entende que é inegável a tendência de superação da teoria clássica da separação de poderes pela teoria da preponderância de um poder sobre o outro:

De Aristóteles e do Iluminismo aos dias atuais, defende-se a tese de que o detentor do poder é o povo e de que todo aquele que detém o poder tende a dele abusar. Por isso, a necessidade de um sistema de freios e contrapesos entre os órgãos que, autorizados pelo titular do poder constituinte, exercem o poder. Entretanto, a concepção clássica dos poderes já não consegue mais ex­plicar as complexas relações em seu exercício. Já se fala hodiernamente, a despeito do tradicional sistema de freios e contrapesos, em preponderância de um poder sobre o outro. Isso porque as exigências sociais fizeram o Estado mudar, alterando, por sua vez, a relação entre os poderes. Em uma época em que o Estado assumia uma essência liberal, clara­mente se constatou o Poder Legislativo como protagonista das relações sociais. Por sua vez, quando o Estado avocou prestações positivas, o que se chamou de Estado social, o Poder Executivo atraiu as expectativas sociais para si. Hoje, em um cenário de Estado democrático de direito, o foco volta-se contundentemente para o Judiciário. Assim, é possível verificar que, em nenhum momento da história do direito houve um equilíbrio formal e uma justa distri­buição entre as atribuições dos poderes, pois as demandas e reivindicações da sociedade ora requeriam maior participação de um poder, ora de outro. Discute-se, portanto, uma nova teoria de separação de poderes que não se resuma tão somente à aparência formal e historicamente a ela. (p. 233-234).

Portanto, a consequência desse fenômeno de preponderância do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito, em detrimento principalmente do Poder Legislativo, seria, para Gerson Camargo (2016), uma das causas da emergência do ativismo judicial. No cenário brasileiro, pelo fato de os magistrados, agentes públicos não eleitos, exercerem um poder político que eventualmente contra­ria as disposições dos demais poderes representantes da vontade popular, torna-se cada vez mais comum o surgimento de controvérsias e questionamentos sobre a possibilidade de o Poder Judiciário ter ou não legitimidade para inovar o ordenamento jurídico ou invalidar decisões daqueles que foram escolhidos pelo povo.

No item a seguir, discute-se como o protagonismo judicial decorrente do novo modelo de Estado Democrático de Direito tem contribuído para a judicialização da política e para o ativismo judicial, entendidos como fenômenos distintos.

2.2 Distinção entre judicialização da política e ativismo judicial

No artigo “O Ativismo Judicial e Constrangimentos a Posteriori”, Luiz Henrique Diniz Araújo (2018) elenca diversos fatos que estão relacionados a esse empoderamento do Poder Judiciário no cenário pós Constituição de 1988:

  • O Supremo Tribunal Federal foi dotado de diversas competências originárias: ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (ADI; CF, art. 102, I, a); ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO; CF, art. 102, § 2.º); arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF; CF, art. 102, parágrafo único); mandado de injunção para sanar omissão de norma regulamentadora que torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais, assim como prerrogativas inerentes à nacionalidade, à so­berania e à cidadania (CF, art. 5, LXXI); mandado de segurança e habeas data contra atos de autoridades sujeitas à sua jurisdição (CF, art. 102, I, d); controle difuso de constitucionalidade (CF, art. 102, III, a, b e c); ampliação dos legitimados à propositura de ação direta de inconstitucionalidade;

  • A Emenda Constitucional nº 03/93 criou a ação declaratória de constitucionalidade (ADC), atribuindo legitimidade ativa a muitos atores, tais como o Presidente da República, as Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados e o Pro­curador-Geral da República;

  • No plano infraconstitucional, as Leis nº 9.868/1999 e 9.882/1999, que trazem normas processuais sobre a ADI, ADC e a ADPF, fortaleceram e expandiram os poderes do Supremo Tribunal Federal em relação ao controle concentrado de constitucionalida­de, com a possibilidade de modulação temporal de efeitos, declaração de nulidade par­cial sem redução do texto e participação de amici curiae. Com a ADPF, fica o Supremo Tribunal Federal autorizado a julgar se um determinado ato normativo federal, estadual ou municipal, mesmo que anterior à Constituição, afronta preceito fundamental;

  • A Emenda Constitucional nº 45/04 continuou o processo de empoderamento do Supremo Tribunal Federal, materializando a Reforma do Poder Judiciário. Ampliou o rol de legitimados à propositura da ADC (CF, art. 103, caput), igualando-o ao rol de legitimados para a ADI. Além disso, deu status constitucional ao efeito vinculante da ADI (CF, art. 102, § 2.º). Criou a figura da súmula vinculante (art. 103-A), bem como instituiu a repercussão geral como mais um requisito de admissibilidade de recurso extraordinário (CF, art. 102, § 3.º).

Essas inovações legislativas aportaram profundo incremento nos poderes do Supremo Tribunal Federal, aprofundando a sua participação na vida política do país, bem como a sua aproximação à ideia de uma Corte Constitucional (ARAÚJO, 2018). Marcos Paulo Veríssimo (2008) cita outros sinais da judicialização da vida pública nacional:

  • atribuiu-se a qualquer juiz a tarefa e a prerrogativa de analisar a legalidade de atos produzidos quer pelo Legislativo, quer pelo Executivo, por meio da jurisdição una e controle misto (difuso e concentrado) de constitucionalidade;

  • consagraram-se ideais de liberdade individual e igualdade material, propriedade e redistribuição de renda, liberdade de empresa e dirigismo econômico por meio do texto constitucional, transformando em regra jurídica um conjunto amplo e por vezes contraditório de anseios sociais e políticos e outorgando à justiça a tarefa de implementar esse plano difuso de ação;

  • outorgou-se ao Ministério Público garantias de independência semelhantes às entregues ao próprio judiciário, positivando-se sua competência para agir em proteção de qualquer interesse social, coletivo ou difuso;

  • ampliou-se o rol de legitimados ao controle de constitucionalidade das leis, cuja iniciativa está à disposição da sociedade civil por meio dos partidos políticos, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, das confederações sindicais ou das entidades de classe de âmbito nacional;

  • previram-se juizados especiais para pequenas causas cíveis, criminais e federais;

  • estabeleceu-se constitucionalmente a legitimidade processual das associações para representarem seus filiados em juízo;

  • constitucionalizaram-se inúmeros princípios processuais;

  • ampliou-se a regulamentação da justiça e seus órgãos essenciais no texto constitucional, o qual traz 44 de seus 250 artigos com menção direta a esses órgãos, sem prejuízo de outras citações indiretas espalhadas ao longo de toda a Constituição;

  • criaram-se também, por força da nova Carta, cinco novos tribunais de apelação em nível federal (os Tribunais Regionais Federais - TRFs, tendo sido criado o TRF da 6ª Região em 2021), além de um novo tribunal de sobreposição em matéria infraconstitucional (o Superior Tribunal de Justiça - STJ), destinado a absorver parte das competências antes atribuídas ao Supremo Tribunal Federal.

Raquel Botelho Santoro (2014) sugere que a Constituição Federal de 1988 não só optou pela regulação excessiva das matérias políticas, como também previu, por meio de seus próprios dispositivos, instrumentos aptos a conferir ao Judiciário esse poder de interpretação alargada. Nesse contexto, o estabelecimento de diversos princípios e de dispositivo constitucional que impõe que a sua aplicação deva ser feita de forma imediata (CF, artigo 5º, §1º) estimulam essa nova hermenêutica e dão margem a um papel cada vez mais expansivo do Poder Judiciário, remodelando as balizas da atividade jurisdicional.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, no artigo “As Súmulas Vinculantes no Brasil e a Necessidade de Limites ao Ativismo Judicial”, de 2012, também compreende que houve uma ampliação da atuação do Poder Judiciário a partir da Constituição Federal de 1988, exacerbada pela inércia dos poderes políticos em concretizarem as normas constitucionais. Senão, vejamos:

No Brasil, a partir do fortalecimento da Jurisdição Constitucional pela Constituição de 1988, principalmente pelos complexos mecanismos de controle de constitucionalidade e pelo vigor dos efeitos de suas decisões, em especial os efeitos erga omnes e vinculantes, e das “Súmulas Vinculantes”, somados à inércia dos Poderes Políticos em efetivar totalmente as normas constitucionais, vem permitindo que novas técnicas interpretativas ampliem a atuação jurisdicional em assuntos tradicionalmente de alçadas dos Poderes Legislativo e Executivo. A possibilidade do Supremo Tribunal Federal em conceder interpretações conforme à Constituição, declarações de nulidade sem redução de texto, e, ainda, mais recentemente, à partir da edição da Emenda Constitucional n. 45/04, a autorização constitucional para editar, de ofício, Súmulas Vinculantes não só no tocante à vigência e eficácia do ordenamento jurídico, mas também em relação à sua interpretação, acabaram por permitir, não raras vezes, a transformação da Corte em verdadeiro legislador positivo, completando e especificando princípios e conceitos indeterminados do texto constitucional; ou ainda, moldando sua interpretação com elevado grau de subjetivismo (p. 267).

O também Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes (2011, 2014), ao tratar da legitimidade, transparência e segurança jurídica do controle de constitucionalidade, demonstra que a jurisdição constitucional brasileira pode ser caracterizada pela originalidade e diversidade de instrumentos processuais destinados à fiscalização da constitucionalidade dos atos do Poder Público e à proteção dos direitos fundamentais, como a ADI, a ADC, o mandado de segurança, o habeas corpus, o habeas data, o mandado de injunção, a ação civil pública e a ação popular. Todo esse aparato de garantias e controles resultaram numa sobrecarga da Corte Constitucional, especialmente com o aumento do número de recursos extraordinários decorrente do controle difuso de constitucionalidade. No entanto, ressalta o Ministro, à demanda cada vez maior da sociedade a Corte tem respondido com profundo compromisso com a realização dos direitos fundamentais. E arremata que o caráter pluralista e aberto das Cortes Constitucionais é fundamental para o reconhecimento de direitos e a realização das garantias constitucionais. Nesse sentido, o Supremo Tribunal estaria se consolidando como instituição vital à democracia, decidindo casos relevantes com responsabilidade e, sobretudo transparência, referindo-se, neste caso, à publicização das sessões da corte em canal de televisão.

Em vários textos de sua autoria, o jurista Lênio Streck manifesta preocupação com as posturas voluntaristas dos juristas, considerando como o grande dilema contemporâneo a ausência de controles à interpretação do direito. Em um contexto de afirmação das Constituições e de judicialização da política, existe o risco de posturas subjetivistas redundarem em um fortalecimento do protagonismo judicial, fragilizando sobremodo o papel da doutrina ou da própria Constituição. Para o autor, o sentido da norma não está à disposição do intérprete e o drama da discricionariedade transforma juízes em legisladores:

Nesse sentido, é importante lembrar que é nesse contexto de afirmação das Constituições e do papel da jurisdição constitucional, que teóricos dos mais variados campos das ciências sociais – principalmente dos setores ligados à sociologia, à ciência política e ao direito – começaram a tratar de fenômenos como a judicialização da política e o ativismo judicial. Ambos os temas passam pelo enfrentamento do problema da interpretação do direito e do tipo de argumento que pode, legitimamente, compor uma decisão judicial. Esse é o grande dilema contemporâneo. Superadas as formas de positivismo exegético-racionalista (formas exegéticas), os juristas ainda não conseguiram construir as condições para o controle das posturas voluntaristas. (...) Se antes o intérprete estava assujeitado a uma estrutura pré-estabelecida, já a partir do século XX o dilema passou a ser: como estabelecer controles à interpretação do direito e evitar que os juízes se assenhorem da legislação democraticamente construída? (STRECK, 2011, p. 3).

Abre-se um parêntese neste ponto para elucidar o fenômeno do “neoconstitucionalismo”, ou o “novo constitucionalismo”. Trata-se de um movimento jurídico, filosófico, sociológico e polí­tico com o objetivo principal de limitar o poder do Estado por meio da inserção de direitos fundamentais compilados em uma Constituição, que se caracteriza por: reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e a valorização da sua importância no processo de aplicação do direito; atenção maior à ponderação do que à simples subsunção; participação mais frequente da filosofia nos debates jurídicos; comunhão de técnicas subsuntivo-jurí­dicas e éticas; onipresença da Constituição, dentre outras, mostrando a irradiação das normas e valores constitucionais para todos os ramos do direito (CAMARGO, 2016).

Para o ilustre professor Streck (2014), sob a bandeira do neoconstitucionalismo estão o uso da ponderação, a recepção da jurisprudência dos valores e o entendimento equivocado sobre os princípios, todos eles, posturas que promovem a discricionariedade judicial e que abandonam o problema interpretativo à vontade decisionista do aplicador de normas, enfraquecendo demasiadamente a legalidade constitucional.

Destarte, passadas mais de duas décadas da Constituição de 1988, e levando em conta as especificidades do direito brasileiro, é necessário reconhecer que as características desse neoconstitucionalismo acabaram por provocar condições patológicas, que, em nosso contexto atual, acabam por contribuir para a corrupção do próprio texto da Constituição. Ora, sob a bandeira “neoconstitucionalista”, defende-se, ao mesmo tempo, um direito constitucional da efetividade; um direito assombrado pela ponderação de valores; uma concretização ad hoc da Constituição e uma pretensa constitucionalização do ordenamento a partir de jargões vazios de conteúdo e que reproduzem o prefixo neo em diversas ocasiões, tais quais: neoprocessualismo (sic) e neopositivismo (sic). Tudo porque, ao fim e ao cabo, acreditou-se ser a jurisdição responsável pela incorporação dos “verdadeiros valores” que definem o direito justo (vide, nesse sentido, as posturas decorrentes do instrumentalismo processual) (STRECK, 2014, p. 27).

Outro importante jurista que aponta consequências desfavoráveis ao neoconstitucionalismo é o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Daniel Sarmento, que assim se manifesta sobre o tema [2]:

Não gosto muito da expressão “neoconstitucionalismo”, que foi popularizada no Brasil por uma ótima coletânea do professor mexicano Miguel Carbonell, que circulou muito por aqui, e por excelentes artigos do Luís Roberto Barroso. (...) O que os neoconstitucionalistas parecem ter em comum é a defesa de um novo paradigma jurídico que envolve, dentre outros elementos: a) a afirmação da centralidade da Constituição no ordenamento jurídico; b) o reconhecimento da força normativa e irradiante dos seus princípios; c) o recurso a métodos mais flexíveis na adjudicação, como a ponderação de interesses; d) a defesa da permeabilidade da interpretação jurídica a considerações de ordem moral; e) a constatação e defesa de um certo protagonismo judicial na vida política e social, que se justificaria pela necessidade de proteção e promoção dos princípios constitucionais, especialmente os ligados aos direitos fundamentais.

Vitor Soliano (2012) resume bem a problemática do neoconstitucionalimo no Brasil. Se por um lado esse movimento influenciou fortemente a atuação judicial na direção de um constitucionalismo sério, por outro lado não conseguiu criar limites à atividade jurisdicional de concretização da Constituição. Parecem ter faltado mecanismos teóricos suficientemente adequados para lidar com a criatividade judicial e com um substancialismo democrático.

Retomando as preocupações de Lênio Streck com a ausência de controle da interpretação jurídica, interessante ressaltar suas considerações sobre a relação direta entre o ativismo judicial e o presidencialismo de coalização adotado no País. As constantes dificuldades encontradas pelo governo para constituir uma maioria parlamentar no Congresso Nacional reforçam a instabilidade política e acarretam o mau funcionamento dos Poderes Executivo e Legislativo. A consequência disto é a exigência da participação do Poder Judiciário na resolução dos conflitos, o qual termina sofrendo pressões das mesmas coalizões que atuam no âmbito do governo, e perdendo o fundamento jurídico de suas decisões em prol de sempre ter uma decisão (política) favorável (STRECK, 2013).

Essa maior interferência do Judiciário na política, tal qual descrita por vários autores, muitas das vezes é confundida com ativismo judicial. No entanto, a atividade jurisdicional pode se articular não apenas a partir da perspectiva do ativismo judicial, mas também a partir da judicialização da política (TASSINARI; LIMA, 2011). Já foi explicado no item anterior que existe a dificuldade em se estabelecer a abrangência do significado de tais expressões, o que dificulta sua diferenciação, entretanto, já é quase um consenso na literatura jurídica especializada que judicialização não é sinônimo de ativismo judicial.

Embora ambos os fenômenos proporcionem um maior protagonismo do Poder judiciário, a judicialização é uma escolha do constituinte, devido ao modelo constitucional abrangente, como é o caso da Constituição de 1988, que busca proteger e garantir o mais amplo rol de direitos possível. Já o ativismo não é uma escolha legislativa, mas sim uma atitude, um modo proativo de interpretar a constituição, avançando sobre as posições dos outros Poderes (SANTOS, 2014). Com certa frequência, a judicialização e o ativismo são vistos como acomodações institucionais e funcionais pós-ditatoriais (BORGES; CORRÊA; VILLARROEL, 2016).

Clarissa Tassinari (2016) corrobora esse entendimento ao afirmar que o movimento constitucionalista do pós-Segunda Guerra Mundial redefiniu o papel do Poder Judiciário como instância de resolução das questões políticas mais importantes da sociedade. Disso resultou a percepção da atuação judicial de duas formas: ativismo judicial como postura arbitrária (discricionária) do Poder Judiciário, e judicialização da política como decorrente de condições políticas (exemplo, a ausência de concretização de direitos assegurados). Em suma, a judicialização é consequência de uma escolha legislativa e, ativismo, de uma postura protagonista voluntária do judiciário.

A compreensão do fenômeno da judicialização da política perpassa pela compreensão de que o intricado tecido social e político de um Estado se desenvolve a partir do modelo constitucional por ele adotado. Os tribunais constitucionais são os responsáveis pela interlocução entre o conteúdo programático constitucional e a vivência cotidiana das sociedades por meio do seu filtro interpretativo, que não deixa de ser influenciado pelo conjunto de valores morais incrustados na compreensão que essas sociedades têm de si mesmas. Como afirma Miguel Carbonell, em sua obra “Presentación: El neoconstitucionalismo en su laberinto”, de 2007, a cada modelo de Constituição corresponde uma forma interpretativa específica, não sendo possível escolher entre alternativas de interpretação porque se trata de uma proposta metajurídica e não de dogmática jurídica. Ora, a partir do momento em que a Constituição estabelece que as políticas públicas são os instrumentos adequados de realização dos direitos fundamentais, por certo que se trata de matéria constitucional sujeita ao controle interpretativo do Judiciário.

Pensar que a inércia dos poderes Executivo e Legislativo de dispor sobre políticas públicas não desencadearia um aumento de demanda sobre o Poder Judiciário para a consecução da efetividade dessas políticas, seria supor que a Constituição é apenas um documento desprovido de normatividade. Estefânia Maria de Queiroz e Katya Kozicki, ao tratar de judicialização da política e controle judicial de políticas públicas (2012), afirmam que é difícil encontrar uma única causa para justificar a judicialização da política. No entanto, defendem que são os partidos políticos ou grupos de interesses que transferem muitas das questões políticas para os Tribunais. Assim sendo, verificam que o Poder Judiciário tem sido utilizado como arena política paralela, onde minorias políticas que não se sobressaem no âmbito de discussão deliberativa parlamentar têm a possibilidade de ter protegidos os seus direitos ou interesses. Nesse caso, isto não pode ser visto como um fenômeno jurídico ou um fenômeno de usurpação das funções dos outros poderes pelo Judiciário.

A judicialização das políticas públicas em saúde no Brasil é emblemática. O problema da judicialização do direito à saúde não envolve apenas os operadores do Direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área da saúde e a sociedade civil. As decisões judiciais sobre o tema transformaram-se em um confronto entre os elaboradores e os executores das políticas públicas (MAAS; LEAL, 2018). Essa judicialização, segundo Ana Paula Oliveira Ávila e Karen Cristina Correa de Melo (2018), iniciou sua expansão na década de 90, principalmente devido ao crescimento dos índices de infecção pelo vírus HIV, causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) ou AIDS, no acrônimo em inglês. A ascensão da epidemia da AIDS no Brasil, gerando forte mobilização dos porta­dores da doença e seus familiares, estimularam a sociedade civil a buscar o fornecimento de tratamento para a doença junto ao poder público, com fundamento no direito constitucional à vida e à saúde. Conforme as autoras, o aspecto positivo dessa mobilização dos cidadãos foi a promoção da organização das políticas públicas, como a implantação da política nacional para o tratamento do HIV/AIDS. Porém, como aspecto negativo, houve um aumento de demandas judiciais iniciadas por pacientes, grupos profissionais e indústria na defesa de seus interesses particulares, em desconsideração às políticas públicas, com propensão a desor­ganizar o orçamento público, muitas vezes de forma desproporcional, em prejuízo do interesse coletivo.

Até os dias atuais, remanesce o protagonismo judicial em ações e políticas de saúde, seja determinando internações compulsórias de pacientes em hospitais sem leitos disponíveis, seja determinando o financiamento pelo Estado de medicamentos ou terapias caríssimas, muitas vezes sem respaldo científico. Intensos debates se sucedem a essas decisões, especialmente no que diz respeito à ponderação entre os princípios da reserva do possível (em termos de restrições orçamentárias) versus a dignidade da pessoa humana (direito à vida e à saúde). A título de exemplo, uma decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, do ano de 2011, citando o dever do Estado de prover os meios para garantir a proteção do cidadão e invocando o espírito de solidariedade no qual os entes federativos devem se pautar para conferir efetividade ao direito constitucional da saúde:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAÚDE (ART. 196, CF). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SOLIDARIEDADE PASSIVA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. CHAMAMENTO AO PROCESSO. DESLOCAMENTO DO FEITO PARA JUSTIÇA FEDERAL. MEDIDA PROTELATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O artigo 196 da CF impõe o dever estatal de implementação das políticas públicas, no sentido de conferir efetividade ao acesso da população à redução dos riscos de doenças e às medidas necessárias para proteção e recuperação dos cidadãos. 2. O Estado deve criar meios para prover serviços médico-hospitalares e fornecimento de medicamentos, além da implementação de políticas públicas preventivas, mercê de os entes federativos garantirem recursos em seus orçamentos para implementação das mesmas. (arts. 23, II, e 198, § 1º, da CF). 3. O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isto por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional. 4. In casu, o chamamento ao processo da União pelo Estado de Santa Catarina revela-se medida meramente protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde da recorrida. 5. Agravo regimental no recurso extraordinário desprovido” (RE nº 607.381-AgR/SC, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 17/6/11).

De tanto ser demandado a decidir em ações sobre o direito à saúde, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu três orientações jurisprudenciais sobre o assunto, conforme a opinião de Ana Paula Oliveira Ávila e Karen Cristina Correa de Melo (2018). Segundo as autoras:

Na primeira, existe uma política pública e o direito está regulamentado, e o Judiciário, ao deferir determinada prestação, está apenas a determinar seu cumprimento, numa ma­nifestação típica da função jurisdicional stricto sensu, sem que se verifique qualquer exacerbação no exercício das competências constitucionalmente cometidas ao Judici­ário. Na segunda, a política pública já foi implementada e está sendo executada, mas o Judiciário concede prestação que não foi previamente incluída pelo Poder Público (omissão parcial). Neste caso manifesta-se um ativismo judicial na imposição de de­veres à Administração Pública sem prévia cominação legal ou provisão orçamentária, tanto em demandas coletivas quanto em individuais. Esta hipótese revela-se particular­mente delicada à medida que a concessão de medicamentos e terapias não registrados pressupõe conhecimentos técnicos que os magistrados geralmente não possuem. Na terceira situação, inexiste a política pública de cunho social (omissão total) e o Judici­ário determina que seja implementada. O deferimento de uma prestação fática indivi­dual nesses casos, a despeito da inexistência de qualquer regulamentação normativa, caracteriza uma forma de ativismo judicial e os mesmos problemas de falta de conheci­mento técnico relativo à saúde. Contudo, no caso das demandas coletivas (geralmente por ação civil púbica), em vez de conceder prestações materiais, o Poder Judiciário tem determinado que os poderes competentes tomem providências no sentido de formu­lar e implementar a política pública para atender prioridade já fixada na Constituição Federal (p. 85).

Portanto, na opinião das autoras, o Poder Judiciário está sendo ativista quando determina a execução de prestações de saúde não previstas nas políticas públicas instituídas para favorecer determinados indivíduos. Por outro lado, nas demandas coletivas, quando se abstém de conceder prestações materiais e determina que o poder competente tome as providências necessárias de maneira técnica, o Judiciário privilegia o adequado relacionamento institucional. Esta última orientação jurisprudencial seria a nova tendência da Corte Constitucional, preservando as competências legislativas e administrativas para que as instituições ou entes federativos executem suas funções e cumpram os deveres constitucionalmente impostos. “Essa espécie de terceira via de atuação judicial na judicialização das políticas públicas, com o Judiciário colocando-se como um articulador entre os demais poderes, tem sido referido na doutrina constitucional como a teoria do ‘Diálogo Institucional’” (ÁVILA; MELO, 2018, p. 86), que revela que a tradicional polarização autorrestrição x ativismo judicial está cedendo lugar a uma nova forma de relação, voltada a potencializar as capacidades institucionais de cada órgão, evitan­do que o Judiciário se sobreponha ou se substitua aos demais órgãos responsáveis.

Antônio Ezequiel Inácio Barbosa e Martonio Mont’alverne Barreto Lima (2018) definem a Teoria do Diálogo Institucional da seguinte forma:

Nessa ambiência, a postura dialogal, longe de representar o desprestígio ao âm­bito de atribuições próprias de cada instituição surge como componente necessário e lubrificante do postulado da separação dos Poderes. Implica a admissão de que a Corte Suprema e o Congresso Nacional são atores legitimados ao exercício da interpretação constitucional, de modo a afastar toda pretensão de sobreposição hierárquica por par­te de qualquer um deles. Desse modo, a decisão proferida pelo STF em sede de controle de constitucio­nalidade será apenas provisoriamente a última palavra sobre o tema que constitui o seu objeto. Será o derradeiro pronunciamento até que sobrevenha outro do Poder Legis­lativo, que então assumirá temporariamente a função de última palavra, enquanto não seja realizado novo julgamento pela Corte Constitucional. E assim sucessivamente, em um espiral dialético-argumentativo, em que cada nova manifestação sobre o assunto eleva a discussão para um outro patamar. (p. 121)

A teoria do diálogo institucional pode justificar e explicar adequadamente o qua­dro hoje vigente na área da saúde. “Nesse sentido, não se trata apenas de responder qual a instituição mais capaz para decidir sobre a questão, mas de integrar e potencializar as diversas instituições encarregadas das diversas facetas do problema, na medida de suas capacidades” (ÁVILA; MELO, 2018). O Poder Judiciário tem se mostrado aberto a sugestões e encaminhamentos oriundos dos órgãos técnicos envolvi­dos na área da saúde, que são as instâncias responsáveis pelos debates que implicam o conhecimento de protocolos científicos concernentes à ciência médica e farmacêutica. Desse modo, aquilo que parecia uma tendência na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está se conso­lidando também no plano da realidade: o Poder Judiciário reconhece a neces­sidade de diálogo com as demais instituições responsáveis pela efetivação da saúde (ÁVILA; MELO, 2018, p. 104).

Se no campo da saúde o STF parece estar se abrindo para uma moderna atuação de mediação interinstitucional, em outras áreas ainda há longo caminho a percorrer. No caso das uniões homoafetivas, o Supremo Tribunal Federal reinterpretou os signi­ficados dos conceitos de homem e mulher para reconhecer as uniões de pessoas do mesmo sexo, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.277 e da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 132, da relatoria do Min. Carlos Ayres Britto, com julgamento em 5/5/2011. Ao decidir essas ações, o Su­premo Tribunal fez a interpretação conforme do artigo 1.723 do Código Civil, entendendo pela mutação constitucional do artigo 226, § 3.º, da Constituição Federal e reconhecendo a pessoas do mesmo sexo (união homoafetiva) o regramento infraconstitucional da união estável. Isso resultou em muitas acusações de ativismo judicial ao Supremo Tribunal.

Entretanto, uma análise mais aprofundada da questão parece indicar que houve apenas mais um caso de judicialização de questão política, pelo menos esse é o entendimento de Luiz Henrique Diniz Araújo (2018). Segundo o autor, apesar da interpretação inovadora em relação aos conceitos de homem e mulher adotados pela legislação, a despeito de parcela da sociedade ainda não estar preparada para a evolução dos costumes, é importante considerar que o ordenamento brasileiro já há algum tempo vinha progressivamente reconhecen­do direitos aos casais homoafetivos. Por essa razão, o Supremo Tribunal Federal não se comportou de forma ativista neste caso, uma vez que não se valeu de uma discricionariedade inapropriada a julgamentos, mas seguiu uma linha evolutiva já esta­belecida durante anos no ordenamento brasileiro.

Nisso não concorda o constitucionalista Daniel Sarmento [3], para quem a decisão do Supremo Tribunal Federal no caso das uniões homoafetivas foi ativista. In verbis,

Considero que a postura mais ativista da Corte foi correta em alguns casos, e equivocada em outros. A decisão sobre a união homoafetiva, por exemplo, me parece ativista, pois o STF se baseou em princípios constitucionais abstratos, de elevado teor moral, para resolver uma questão altamente controvertida na sociedade, não dando tanto peso aos elementos literal e histórico da interpretação constitucional. Foi, na minha opinião, uma excelente decisão, talvez a mais importante da história da Corte em matéria de direitos humanos, que protegeu os direitos mais básicos de uma minoria estigmatizada. Já a decisão de Raposa Serra do Sol, na parte em que impôs condicionantes às futuras demarcações de terras indígenas, também foi ativista. Neste caso, porém, acho que foi um ativismo ilegítimo: o STF praticamente atuou como legislador e impôs graves restrições a direitos básicos de uma minoria étnica vulnerável, que estão em total desacordo com o texto constitucional e com a normativa internacional sobre direitos humanos. Ao julgar os embargos declaratórios opostos contra tal decisão, o lado negativo das condicionantes foi em certa medida suavizado, já que o Supremo esclareceu que elas não são vinculantes para outros casos, mas não foi eliminado, uma vez que tais restrições aos direitos indígenas foram confirmadas, tendendo a pautar a atuação do Judiciário brasileiro em outros processos.

Entretanto, o Poder Legislativo, ou ao menos parte dele, não ficou nada satisfeito com esse posicionamento e nem com o reconhecimento da interrupção terapêutica da gestação de fetos anencefálicos, uma vez que provocou a formulação da Proposta de Emenda Constitucional nº 33/2011, de autoria da bancada evangélica da Câmara dos Deputados, propondo medidas de controle da atuação do Supremo Tribunal Federal, tais como revisão ou ratificação de seus julgados (ARABI, 2013).

Portanto, a judicialização da política representa o “debruçamento jurisdicional” sobre um conjunto de matérias sob as quais o Judiciário, simplesmente, não possui controle, representando dimensões preexistentes em relação à sua atuação/atividade, refletindo-se como razões de ordem político-sociais que podem ser pensadas de diversas maneiras para além da estrita dimensão jurisdicional. Já o ativismo judicial apresenta uma natureza diversa, se caracterizando como uma ação do órgão jurisdicional no sentido de alterar certos contextos político-sociais (BORGES; CORRÊA; VILLARROEL, 2016).

Para Elival da Silva Ramos (2010), ativismo judicial significa a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo, o que acarreta a descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes. Portanto, para o autor, ativismo judicial é o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento, o que denota uma sinalização claramente negativa no tocante às práticas ativistas, por importarem na desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais Poderes.

Vanessa Jéssica Mansur Silva (2019), ao discutir a evolução do Poder Judiciário como legislador positivo, apresenta a preocupação sobre o ativismo judicial em face do histórico de autoritarismo no Brasil, havendo o risco de o Poder Judiciário incorrer por esse viés. Porém, a autora compreende que o fenômeno do ativismo estará sempre presente ante a modificação do direito e a morosidade dos poderes políticos. Portanto, preconiza que o Judiciário se paute pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, atentando para a vontade popular manifestada na escolha dos seus representantes políticos.

Caso recente e de grande repercussão foi a decisão do pleno do Supremo Tribunal Federal em sede do HC 126.292/SP que contraria frontalmente o inciso LVII do art. 5º da Constituição, ao considerar que é constitucional, no caso de condenação confirmada em segunda instância, mas sem trânsito em julgado, a execução provisória da pena. Essa decisão marca uma mudança de pensamento frente a atuação da Corte nos últimos anos, nos quais ela era considerada como progressista e inclusiva, gerando a falsa impressão de que o ativismo caminha apenas no sentido da efetivação de direitos (BORGES; CORRÊA; VILLARROEL, 2016).

Nessa questão específica, o ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal causou grande impacto social e político no País, pois multiplicaram-se as prisões provisórias com base nesse entendimento do Supremo, decididas de maneira até mesmo automática por juízes e tribunais (alterando o conteúdo da decisão da própria Suprema Corte, que estabeleceu a necessidade de justificativa fundamentada da prisão antes do trânsito em julgado conforme determinados requisitos), dando azo em determinados casos muito polêmicos a acusações de uso de lawfare (perseguição política levada a cabo por meio de decisões judiciais). Posteriormente a Corte reviu seu posicionamento no julgamento de três ações declaratórias de constitucionalidade, relatadas pelo Ministro Maro Aurélio Mello e protocoladas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) e pelo antigo Partido Ecológico Nacional, atual Patriota.

Anderson Vichinkeski Teixeira (2012) alerta para as consequências do ativismo judicial em sua vertente nociva, ao sinalizar que ele representa, em última instância, a deslegitimação da Política em relação à sua tarefa essencial de buscar a realização dos valores determinados pela sociedade no cotidiano dessa mesma sociedade. Por sua vez, Daniel Barile da Silveira (2017) critica também a crescente judicialização das relações sociais, pois todas as decisões prolatadas por um órgão jurisdicional comportam reflexos nos campos social e político. Assim, toda ordem emanada de uma autoridade judicial provoca necessariamente uma transformação no universo social, por mínima que seja, e o Poder Judiciário precisa estar atento quanto a essas implicações, sob pena de sofrer profundo desgaste de sua imagem e provocar o enfraquecimento do regime democrático.


3 ATIVISMO JUDICIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E IMPLICAÇÕES POLÍTICAS SOBRE OS DEMAIS PODERES

3.1 A tensão institucional entre os poderes frente ao ativismo do Supremo Tribunal Federal

Sabe-se que a concentração de competências em sede de um só corpo coletivo ou de uma pessoa não seria compatível com um Estado moderno. Tal é a imprescindibilidade de que haja equilíbrio e controles na relação entre os poderes, que o constituinte originário erigiu o princípio da separação dos poderes como cláusula pétrea no art. 60, §4º, III da Constituição (ÁVILA, 2012). Entretanto, como discutido anteriormente, a verdade é que a divisão de poderes sempre se mostrou, ao longo da história do direito, como imperativo meramente formal, pois o que ocorreu foi um Poder prevalecendo sobre o outro em determinado momento histórico (CAMARGO, 2016).

André Cambuy Ávila (2012) relembra Montesquieu, que em 1748, publicou a obra “Do Espírito das Leis”, na qual elabora conceitos de formas de governo e exercício da autoridade que se tornaram fundamento para o pensamento político moderno. Em Montesquieu, o Poder Judiciário é tratado como poder necessariamente autônomo e independente para ter a força para frear a natural tendência de o governante concentrar diversas competências em si mesmo e abusar dos privilégios que lhe são concedidos. A doutrina de Montesquieu, que preconizava o equilíbrio entre os entes estatais por meio do controle e da distribuição clara de competências serviu de motivação para os constitucionalistas inserirem nas novas Cartas Políticas dos Estados liberais uma exagerada separação dos poderes.

Hoje já se entende que a interpretação e aplicação direta dos textos de Montesquieu não combinam de fato com um Estado Constitucional, pois como se faria a legitimação, por exemplo, da competência do Chefe do Poder Executivo para a iniciativa de leis delegadas ou medidas provisórias? Ou a competência do Senado Federal de julgar crimes de responsabilidade? Ou a competência do Supremo Tribunal Federal para estabelecer súmulas vinculantes a toda a estrutura organizada do Estado? Dessa forma, os limites adotados por cada país para fundamentar o princípio da separação dos poderes se modificam a depender das exigências sociais e políticas que se materializam de acordo com a época considerada (ÁVILA, 2012).

Conforme a Constituição Federal de 1988, cabe ao legislativo editar normas gerais e abstratas, mas estabelece-se também que, nesse arranjo, participe o executivo, seja pela iniciativa de leis, seja pela sanção ou veto. Por um lado, isto é compensado pela possibilidade de o Congresso alterar o projeto por emendas ou simplesmente rejeitá-lo. Por outro lado, o poder de veto do Chefe do Executivo confere maiores embaraços à aprovação da lei, pois há necessidade de maior mobilização parlamentar para derrubar o veto do Executivo. Os tribunais, por sua vez, não podem interferir na realização dos trabalhos legislativos, mas poderão, se for o caso, declarar a norma inconstitucional, deixando de aplicá-la. Assim, nas palavras de André Cambuy Ávila,

(...) fundamentalmente cabe ao Judiciário a missão constitucional de controlar os atos emanados dos outros poderes sob o crivo da constitucionalidade à medida que lhe são submetidos e houver uma real contenda. Logo, apesar de esses atos governamentais (leis e atos administrativos) se revestirem de presunção de constitucionalidade, é certo dizer que a palavra final quanto à conformidade deles à Carta Política pertence ao Judiciário. A esse é dado historicamente o controle de constitucionalidade (2012, p. 12).

Importante ressaltar que, apesar de os Poderes da União serem estruturados para se relacionarem modo independente e harmônico, por força de exigência expressa da Constituição da República de 1988, a estrutura interinstitucional complexa que decorre daí será sempre fonte de conflitos, conforme observam Antônio Ezequiel Inácio Barbosa e Martonio Mont’alverne Barreto Lima (2018). Segundo os autores,

(...) já se deve ter por claro que o conflito integra o conceito de democracia e, por esta razão, a separação de poderes possui em sua natureza explicativa a evidente percepção de que o conflito entre os Poderes também estará presente. (...) Desse modo, na realidade cotidiana concreta, nem sempre é muito nítida a deli­mitação do campo de atuação legítima das instituições, o que pode dar ensejo a emba­tes envolvendo acusações recíprocas de invasão das esferas de competência próprias de cada Poder. Exemplo notável disso é o tipo de relação, não raro conflituoso, que se estabelece entre, de um lado, o Legislativo e o Executivo, como produtores de leis e atos normativos e, de outro lado, o Judiciário, responsável pelo controle de constitucionali­dade dessa produção (p. 110).

A possibilidade do Supremo Tribunal Federal conceder interpretações conforme à Constituição, ou declarações de nulidade sem redução de texto, e, ainda, mais recentemente, à partir da edição da Emenda Constitucional n. 45/04, a autorização constitucional para editar, de ofício, súmulas vinculantes, não só no tocante à vigência e eficácia do ordenamento jurídico, mas também em relação à sua interpretação, acabaram por permitir, não raras vezes, a transformação da Corte em verdadeiro “legislador positivo”, completando e especificando princípios e conceitos indeterminados do texto constitucional, ou ainda, moldando sua interpretação com elevado grau de subjetivismo (MORAES, 2012).

Como advertem Estefânia Maria de Queiroz Barboza e Katya Kozicki (2012), o caráter aberto e abstrato das normas constitucionais modifica a expectativa positivista de previsibilidade decisória na aplicação da norma ao caso concreto, aproximando a proteção dos direitos fundamentais contra as arbitrariedades estatais da técnica do common law, especialmente no que diz respeito à jurisdição constitucional. Aduzem, portanto, que:

Como não há possibilidade de se apontar previamente qual o direito aplicado ao caso, caberá ao Judiciário densificar e dar significado a esses direitos, de acordo com o contexto histórico, social, político, moral e jurídico da sociedade naquele determinado momento. A norma, portanto, não existe no texto, mas apenas no caso concreto. Esse novo papel dos Tribunais Constitucionais, especialmente com a possibilidade de dar conteúdo aos direitos humanos, reflete em grande expansão de sua autoridade, o que se dará por meio do judicial review.

Rogério Volpatti Polezze (2015) traz como exemplo desta ideia de expansão da atuação do Supremo Tribunal Federal, além dos já citados anteriormente, a inclusão da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no quadro de ações diretas de controle de constitucionalidade, que gerou ampliação nítida da atuação do Tribunal em relação a temas variados e sensíveis, com reflexos sobre toda sociedade:

“É que o caráter aberto da ADPF – “descumprimento de preceitos fundamentais” – reforça bastante a óptica subjetiva do STF. E tal subjetividade – em clara consonância com o texto constituinte originário, bom frisar (não se trata usurpação, mas de competência prevista na CF) – reforça um papel do STF muito além de uma Corte jurídica, promovendo evidente atuação política (p. 94).

É nesse contexto que tem aumentado a tensão institucional entre os Poderes Judiciário e Legislativo, segundo Abhner Youssif Mota Arabi, no artigo intitulado “A Ascensão do Judiciário e a Tensão Institucional: Judicialização, Ativismo e a Reação do Poder Legislativo (PEC 33/2011)”, de 2013. Consoante o autor, o exercício da Jurisdição Constitucional estaria sendo ativista e se projetando sobre assuntos tipicamente políticos, invadindo esferas de competência do Poder Legislativo enquanto órgão de representação política da República.

Seriam exemplos desse protagonismo exacerbado do Supremo Tribunal Federal: instituição de contribuição dos inativos na Reforma da Previdência (ADI 3105/DF); criação do Conselho Nacional de Justiça na Reforma do Judiciário (ADI 3367); pesquisas com células troncos embrionárias (ADI 3510/DF); liberdade de expressão e racismo (HC 82424/RS – caso Ellwanger); interrupção da gestação de fetos anencefálicos (ADPF 54/DF); restrição ao uso de algemas (HC 91952 e Súmula Vinculante nª 11); demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol (Pet 3388/RR); legitimidade de ações afirmativas e quotas sociais e raciais (ADI 3330); vedação ao nepotismo (ADC 12/DF e Súmula nº 13); não recepção da Lei de Imprensa (ADPF 130); a questão relativa à importação de pneus usados (ADPF 101/DF), a proibição ou não do uso do amianto (ADI 3937/SP), e, um dos principais julgamentos da história recente do Supremo Tribunal Federal e um dos primeiros a ser lembrados quando o assunto é ativismo judicial, dadas as divergências principalmente de ordem religiosa que o assunto envolve, a possibilidade de existência das uniões estáveis homoafetivas (ADPF 132 e ADI 4277) (ARABI, 2013).

Antônio Celso Baeta Minhoto (2014) aponta que o mais destacado crítico da postura ativista do Poder Judiciário talvez seja o filósofo Jürgen Habermas, a quem atribui um alinhamento ao grupo dos procedimentalistas:

Para os “procedimentalistas”, o verdadeiro espaço de construção da democracia é o parlamento, e isso não somente porque sua composição partiu de uma escolha popular, mas também porque se trata de um órgão de proporções muito maiores que uma corte constitucional, composta, normalmente, de alguns poucos juízes ou ministros, e também porque o parlamento, justamente por ser órgão de composição popular, está muito mais permeável às interferências críticas da população, o que não ocorre com uma corte constitucional ou mesmo com a atividade jurisdicional de um modo geral. Habermas critica duramente o papel desempenhado especialmente pelas cortes constitucionais na dinâmica político-social, chegando a afirmar que “ao deixar-se conduzir pela ideia da realização de valores materiais, dados preliminarmente no direito constitucional, o tribunal constitucional transforma-se numa instância autoritária” e mais adiante ainda completa sua crítica vendo na atuação do Judiciário relativamente às grandes questões da cidadania uma “colonização do mundo da vida” (p. 174).

Entretanto, Minhoto revela que os “procedimentalistas” são criticados por se isolarem demasiadamente numa realidade sócio-política de nações já desenvolvidas. Habermas, assim, estaria fazendo uma abordagem excessivamente centrada na realidade europeia, notadamente alemã, ignorando outras realidades em que o papel do Judiciário pode ser relevante na construção de uma sociedade mais desenvolvida e avançada em termos humanísticos. Nesse sentido, existem três situações em que cabe a intervenção do Judiciário nas políticas públicas: “quando a omissão ou a política já implementada não oferecer condições mínimas de existência humana; se o pedido de intervenção for razoável; e, do ponto de vista administrativo, a omissão ou a política seja desarrazoada. Em todos os casos, é preciso que haja verba para a implementação das medidas” (p. 175).

Mas o espaço de poder que de certa forma foi ocupado pelo Judiciário, na verdade, foi cedido pelos outros poderes, na opinião de Arabi (2013), e, em matéria de direitos fundamentais e garantias individuais, principalmente em se tratando daquelas constitucionalmente asseguradas, não pode existir um vazio de poder, sob pena de lesão a esses próprios direitos e garantias. E nesse sentido, ante à omissão dos outros dois poderes, o Judiciário foi sendo provocado e aos poucos exercendo essa parcela desocupada de poder. Para o autor, “vendo-se em descrença frente à opinião pública e sentindo ter lesado suas atribuições, o Legislativo tenta forçosamente recuperar um espaço de poder que durante anos renegou exercer” (p. 39). O autor aduz ainda que

Não se pode agora acusar o Judiciário de quebrar a harmonia e independência dos três poderes, ou de estar agindo de forma extremamente ativa. Acertadamente o STF, por exemplo, tem tomado decisões que não podem ser adiadas, visto que intencionam garantir e concretizar os princípios norteadores da Constituição Federal, e muitas ampliá-los (sic), estendendo o alcance da sempre aberta figura do sujeito constitucional. É claro que com maiores poderes e atribuições deve também ser maior a responsabilidade no exercício destes; e carece também o Judiciário de um maior controle, de uma certa accountability judicial. A mera autocontenção (self-restraint) não é suficiente, uma vez que alguém não pode controlar a si mesmo, principalmente quando se trata de poderes tão grandes quanto os que se está a tratar. Nesse sentido é que se tem feito importante a atuação de órgãos como o CNJ, que imponham ao Judiciário mecanismos de controle e accountability. É necessário sim aumentar o controle sobre as ações do Judiciário como um todo, porém não julgo ser eficiente e acertado passar tal atribuição ao poder Legislativo, como, não oficialmente, propõe a PEC 33/2011. (ARABI, 2013, p. 41)

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 33/2011 é um perfeito exemplo do mal-estar que se estabelece entre os Poderes Legislativo e Judiciário num contexto de preponderância de um poder sobre o outro, conforme já explicado anteriormente. A não adoção de um diálogo interinstitucional harmonioso cria embates desnecessários e crises políticas que desestabilizam o frágil equilíbrio entre os poderes. A PEC foi proposta em razão das decisões da Suprema Corte nas ações sobre as uniões estáveis homoafetivas e o aborto de fetos anencefálicos, e dentre os dispositivos que sugere modificação estão os artigos 97, 102 e 103-A da Constituição Federal. A proposta prevê o aumento do quórum para a declaração de inconstitucionalidade nos Tribunais (passaria para quatro quintos), o condicionamento do caráter vinculante das súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à prévia aprovação pelo Poder Legislativo, e a submissão das decisões que afirmem a inconstitucionalidade de Emenda Constitucional à análise do Congresso Nacional. Na justificação constante do texto da proposta, os signatários afirmam que o protagonismo que o Poder Judiciário desempenha no cenário nacional é:

um modo proativo de interpretar a Constituição [...] além do que o caso concreto exige, criando normas que não passaram pelo escrutínio do legislador (...) É o conhecido ativismo judicial considerado distinto da judicialização dos conflitos sociais, o qual, prossegue a Proposta, estaria gerando quadros de insegurança jurídica e um cenário, dito prejudicial à democracia, no qual o agigantamento do Judiciário estaria atraindo questões relevantes do Poder Legislativo.” (ARABI, 2013, p. 34)

A justificativa da proposta ainda traz a afirmação de que o Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, deixou de ser um “legislador negativo”, figura idealizada pelo jurista austríaco Hans Kelsen, e passou a legislar de forma positiva, sem ter, no entanto, legitimidade democrática e eleitoral para tanto. Seria devido a esse ativismo do STF que se propunham as mudanças no texto constitucional. A proposta chegou a sugerir a criação de um mecanismo institucional exótico: no caso de a declaração de inconstitucionalidade de emenda constitucional feita pelo Supremo Tribunal Federal ser rejeitada pelo Congresso Nacional, convocar-se-ia a população para que diretamente votasse e decidisse a controvérsia entre os Poderes (ARABI, 2013). No momento, a PEC nº 33/2011 encontra-se arquivada, nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em virtude do encerramento da legislatura. Entretanto, tornar o Poder Judiciário subjugado ao Poder Legislativo, como sugere a PEC nº 33/2011, não resolve o problema da fragilidade das relações entre os Poderes, só o desloca de um âmbito para o outro.

Pode-se mencionar também, como exemplo do conflito entre a Suprema Corte e o Congresso Nacional, a série de decisões envolvendo a constitucio­nalidade da vaquejada, em que poucos Ministros do Supremo Tribunal Federal demonstraram preocupação com a deferên­cia ao legislador, consoante a opinião de Mônia Clarissa Hennig Leal e Maria Valentina De Moraes no artigo “‘Diálogo’ entre Poderes no Brasil? Da Inconstitucionalidade da Regulação Da Vaquejada à Vaquejada Como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro: Uma Análise Crítica”, de 2018. In casu, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4983/CE, foi declarada a in­constitucionalidade da lei cearense que regulamentava a prática da vaquejada. Como reação, houve a promulgação de uma lei, no mesmo ano, elevando a vaquejada e outras manifestações culturais à condição de pa­trimônio cultural brasileiro, em clara oposição ao posicionamento adotado pelo Supre­mo Tribunal Federal. Meses depois, foi apresentada uma Proposta de Emenda Constitucional com a mesma finalidade, a qual originou a Emenda Constitucional nº. 96/2017, que excluiu do rol de práticas cruéis aos animais aquelas que, reguladas por lei específica (como a Lei nº. 13.364/2016), configurem-se como manifestações culturais.

Mas o Supremo Tribunal Federal nem sempre foi ativista, conforme aponta Luiz Henrique Diniz Araújo (2018). Após ser reconfigurado pela Constituição Federal de 1988, em seus primeiros anos, mante­ve a passividade que marcara o período pré-1988. O Tribunal, além de ter restringido alguns de seus poderes, também limitou o acesso à sua jurisdição. Como exemplos, o autor cita o mandado de injunção, a partir da adoção da teoria da proibição do judiciário como legislador positivo; a imposição de limitações aos legitimados ativos para propositura de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), em uma clara restrição aos termos do art. 103 da CF/88; a criação do conceito de pertinência temática, segundo o qual, para a propositura de ADI, os Governadores, Assembleias Legislativas, Confederações Sindicais e Entidades de Classe de âmbito na­cional deveriam comprovar repercussão direta sobre os seus interesses; e nas medidas provisórias, o Supremo adotou uma pos­tura passiva, entendendo que o controle de constitucionalidade sobre os pressupostos de relevância e urgência apenas seriam controláveis em caso de excesso de poder de legislar.

Apenas nos anos 2000, teve início a fase que se poderia chamar ativista na história do Supremo Tribunal Federal, com criação de direitos, em decisões muitas vezes pobremente fundamentadas (ARAÚJO, 2018). Nisso corroboram Ingo Wolfgang Sarlet e Carolina Zancaner Zockun, no artigo “Notas Sobre o Mínimo Existencial e sua Interpretação Pelo STF no Âmbito do Controle Judicial das Políticas Públicas com Base nos Direitos Sociais”, de 2016, ao lembrar que o Supremo Tribunal Federal, ao longo dos últimos anos, especialmente desde os anos 2000, vem tendo papel de destaque e tem recorrido reiteradamente à noção de “mínimo existencial” em diversos contextos, especialmente no domínio dos direitos fundamentais sociais, como um “direito (subjetivo) às condições materiais mínimas para que possa fruir de uma vida com dignidade” (p. 134). No mesmo sentido se posicional o Prof. Daniel Sarmento [4], para quem a Corte era mais autocontida na primeira década de vigência da Constituição, talvez pela hegemonia de Ministros nomeados durante o regime militar, que não se sentiam muito confortáveis no papel de guardiães de uma nova ordem, cujos valores não compartilhavam integralmente.

Essa mudança de postura do Supremo Tribunal Federal tem sido avaliada tanto como positiva quanto negativa por diversos setores da sociedade. Quanto ao aspecto positivo, há quem entenda que a Corte Suprema está atendendo a demandas da sociedade que não puderam ser satisfeitas a contento ou a tempo pelo legislador. A multiplicidade de novas relações sociais, num tempo de pluralização da subjetividade jurídica, torna a tarefa do legislador por vezes sobre-humana, se sua intenção for regular toda e qualquer atividade com implicação jurídica. Dessa forma, a Corte Constitucional teria atendido as demandas sociais ao apreciar temas como a greve do serviço público, a abrangência da realização do plebiscito para a definição de novos quadros geográficos de estados e municípios, a estipulação de um regime jurídico para o exercício do direito constitucional ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, dentre outros (ÁVILA, 2012).

Todavia, há juristas, como Lênio Luiz Streck (2013), que veem com bastante preocupação o Supremo Tribunal Federal adentrar nas veredas da política, e, com isso, indiretamente incentivar as demais instâncias a fazerem o mesmo. O autor cita o caso da ADI 4.424/DF, que questionava dispositivos da chamada “Lei Maria da Penha”:

No caso, o STF alterou – via interpretação conforme a Constituição (na verdade, o correto teria sido utilizar a Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung, ou seja, uma nulidade parcial sem redução de texto) – a ação penal do crime de lesão corporal tutelado pela lei, estabelecendo que, nos casos em que o crime for cometido no âmbito da violência doméstica, a ação penal seria pública incondicionada (e não condicionada à representação, como se previa anteriormente). Preocupa-me, sobremodo, o fato de que, em inúmeros votos, os ministros mencionaram o fato de que as estatísticas sobre a violência doméstica são “alarmantes”, estando a necessitar de um meio mais rigoroso de persecução criminal. Pergunto: manejar estatísticas e planejar ações futuras não seria tarefa pertencente ao âmbito da política legislativa? Seria esse um argumento jurídico suficiente para adicionar um sentido à lei? (p. 213).

Outro caso importante é lembrado por João Marcelo da Costa e Silva Lima e Diego Werneck Arguelhes, no artigo “Políticas Públicas, Interpretação Judicial e as Intenções do Legislador: O Prouni e o ‘Criptoativismo’ do Supremo Tribunal Federal”, de 2017. No artigo, os autores discutem a decisão do Supremo Tribunal Federal em alterar a finalidade do Projeto PROUNI do governo federal, considerando-a ativista. O programa foi concebido pelo Ministério da Educação (MEC), integrante do Poder Executivo, e posteriormente convertido em lei. Nos termos da exposição de motivos do programa, o PROUNI seria uma política de acesso democrático ao ensino superior para estudantes de baixa renda e, também, para minorias étnico-raciais, estruturado como um programa de democratização do ensino superior mediante a concessão de bolsas de estudo. A Corte Constitucional foi demandada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional de Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN) e pelo partido Democratas (DEM) sobre a constitucionalidade da lei que instituiu o PROUNI. Para legitimar sua decisão pela constitucionalidade da lei e aplacar os questionamentos de setores da sociedade, a Corte alterou o objetivo atribuído ao programa pelo Poder Executivo e pelo Congresso Nacional, que seria a democratização do acesso ao ensino superior, para outro objetivo mais ambicioso e nobre, a redução das desigualdades sociais. João Marcelo da Costa e Silva Lima e Diego Werneck Arguelhes (2017) argumentam que, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter sido deferente ao Poder Legislativo, declarando a constitucionalidade da lei correspondente, por outro lado desconsiderou a intenção do legislador ao alterar o conteúdo social da política pública, desvirtuando-a quanto a seus propósitos e efetividade.

Na leitura do STF, o objetivo do ProUni não é o nº 1 (objetivo original), e sim o nº 2: a correção de um problema social específico – a desigualdade de renda. Com isso, a lógica do ProUni passa a ser a eficiência na solução desse problema específico (...). Se tomamos essa como a finalidade do ProUni, porém, o programa não parece estar funcionando da melhor maneira possível. De fato, ele direciona seus alunos a cursos que lhes permitem acessar mercados de trabalho menos valorizados e, portanto, menos aptos a contribuir para a mobilidade social. Para promover seu “novo” objetivo normativo – o da redução de desigualdades sociais -, o ProUni precisaria focar sua oferta de bolsas em cursos mais valorizados pelo mercado de trabalho. E tudo indica que isso é algo que o ProUni, da forma que está hoje estruturado, não consegue fazer, pois a lógica do programa é se valer das altas ociosidades que marcam alguns cursos cujos custos fixos e marginais são baixos – como é o caso de direito e administração (p. 176). (...) Nesse caso, a origem do erro está no fato de o STF ter ignorado, por completo, pistas no processo legislativo que pudessem sugerir qual o objetivo do ProUni. Ao não recorrer ao processo legislativo, o STF se distanciou muito do legislador na definição do objetivo de uma lei. (p. 178).

Lima e Arguelhes (2017) entendem que é particularmente preocupante quando a matéria discutida possui dimensões técnicas que fogem à competência técnica dos juízes, de modo que a livre escolha judicial pode acabar gerando consequências negativas para além do caso concreto. Segundo os autores, isto tem sido comum no Brasil: os elementos do processo legislativo são considerados secundários na atividade de interpretação de leis e, ainda que em menor medida, da própria Constituição.

Essa é uma posição disseminada no direito brasileiro. A ideia de que os elementos objetivos da lei – o que inclui tanto as palavras de seu texto, quanto a sua “finalidade objetiva” ou mens legis – não apenas são independentes dos elementos mais “subjetivos” (as intenções concretas dos legisladores que aprovaram a lei - a mens legislatoris), mas devem prevalecer sobre eles, aparece em várias outras decisões do Supremo e ecoa em diversas obras doutrinárias (LIMA; ARGUELHES, 2017, p. 183).

Por fim, os autores supracitados denominam de criptoativismo a esse comportamento de aparente deferência ao Poder que criou a política pública ou a norma jurídica, mas que na verdade altera seu conteúdo ou sua finalidade. Nas palavras dos autores,

Chamamos esse fenômeno de “cripto-ativismo” – um tipo de intervenção judicial forte na produção legislativa que fica oculta sob sinais exteriores de deferência, como a declaração de constitucionalidade. A maneira mais clara pela qual isso pode acontecer está em decisões de “interpretação conforme a constituição” que acabam acrescentando, no texto legal, exceções, requisitos ou regras adicionais que os legisladores não chegaram a aprovar - e talvez jamais tivessem aprovado, se tivessem sido forçados a se pronunciar sobre a questão. (LIMA; ARGUELHES, 2017, p. 165)

Juliana Gonçalves de Oliveira e Rafael Fonseca Ferreira (2017) afirmam que a Corte Constitucional assumiu um manifesto papel de Corte Política, decidindo sobre diversos aspectos de ordem social, econômica e política, entretanto, em sua maioria, as decisões não têm seguido uma fundamentação capaz de criar uma jurisprudência coerente. Nos últimos tempos, segundo os autores, as decisões do Supremo fundadas no clamor público e/ou social tem se tornado corriqueiras, o que demonstra que a atuação política deste Tribunal pende muito mais para o lado do ativismo judicial do que para o da jurisdição constitucional.

No entendimento do atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, em artigo publicado no ano de 2012, o ativismo judicial é indesejável e só poderia ocorrer em situações excepcionais e de maior gravidade na defesa da supremacia dos princípios constitucionais. Sua proposta é a reestruturação da teoria da separação dos poderes de modo a alcançar-se um maior equilíbrio entre a atuação judicial e a legislativa na busca da máxima efetividade das normas constitucionais, senão, vejamos:

Essa realidade torna cada vez mais necessária a reestruturação da tradicional teoria da tripartição de Poderes e, principalmente, a compatibilização e harmonização das duas “grandes qualidades” existentes no moderno Estado Constitucional: Estado de direito e Estado Democrático (p. 268). (...) O Estado Constitucional conciliando de forma harmônica e fortalecendo aos noções de Estado de Direito e Estado Democrático, introduziu fortemente no constitucionalismo efetivas garantias de legitimação e limitação do poder; e, se, realmente, como afirmou o professor Jean Marcou, da Universidade de Grenoble, “o século XX é o século dos tribunais constitucionais”, o século XXI deve ser o século do equilíbrio entre a Jurisdição Constitucional e as Instituições legislativas. O bom senso entre a “passividade judicial” e o “pragmatismo jurídico”, entre o “respeito à tradicional formulação das regras de freios e contrapesos da Separação de Poderes” e “a necessidade de garantir às normas constitucionais à máxima efetividade” deve guiar o Poder Judiciário, e, em especial, o Supremo Tribunal Federal na aplicação do ativismo judicial, com a apresentação de metodologia interpretativa clara e fundamentada, de maneira a balizar o excessivo subjetivismo, permitindo a análise crítica da opção tomada, com o desenvolvimento de técnicas de autocontenção judicial, principalmente, afastando sua aplicação em questões estritamente políticas, e, basicamente, com a utilização minimalista desse método decisório, ou seja, somente interferindo excepcionalmente de forma ativista, mediante a gravidade de casos concretos colocados e em defesa da supremacia dos Direitos Fundamentais (p. 283).

Continuando com o raciocínio do Ministro Alexandre de Moraes, “o ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico” (MORAES, 2012, p. 282). Ao adotar o ativismo, o juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as tradições políticas da sociedade. Tudo isso seria ignorado para conseguir impor a outros poderes do Estado o seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige.

Em termos globais, a Corte Constitucional brasileira ora se mostra mais ativista, ora menos, ao sabor dos embates sociais e políticos que se apresentam. Flávia Danielle Santiago Lima e José Mário Wanderley Gomes Neto resumem bem essa postura da Corte no texto “Autocontenção à Brasileira? Uma Taxonomia dos Argumentos Jurídicos (E Estratégias Políticas?) Explicativo(a)s do Comportamento do STF nas Relações com os Poderes Majoritários”, de 2018. Em suma, o Supremo Tribunal Federal possui uma postura seletiva quanto à escolha dos casos a decidir, isto é, entre as dimensões de árbitro, de ativista ou de instituição autocontida. Desse modo, alternaria rotineiramente o seu comportamento de maneira estratégica, dependendo, por exemplo, do contexto econômico ou do tema envolvido em sua agenda de julgamentos, ora invocando o dogma para eximir-se de decidir, ora superando o dogma total ou parcialmente para decidir em flagrante atividade criativa legiferante.

O Ministro Roberto Barroso, ilustre magistrado do Supremo Tribunal Federal, reconhece que o binômio ativismo-autocontenção judicial está presente na maior parte dos países que adotam o modelo de supremas cortes ou tribunais constitucionais com competência para exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos do Poder Público. Mas é importante ressaltar que o Ministro reconhece que o movimento entre as duas posições costuma ser pendular e varia em função do grau de prestígio dos outros dois Poderes (BARROSO, 2008).

Quando Ministros da Corte Constitucional adotam comportamento de afastamento do argumento jurídico da fundamentação por meio da primazia da vontade daquele que julga, acabam criando um ambiente de fragilização constitucional. A maior atuação do Poder Judiciário, em decorrência da crescente judicialização, não deve ocorrer no sentido de um ativismo político-ideológico, mas, ao contrário, deve ser determinado pela busca de uma maior efetividade dos preceitos e princípios previstos na Constituição de 1988. A redefinição pós-Constituição de 1988 do Poder Judiciário não lhe permitiu uma atuação totalmente arbitrária, livre de qualquer controle democrático. Faz-se necessário construir as condições imprescindíveis para que o poder dos juízes não se sobreponha ao Direito (TASSINARI; LIMA, 2011).

O que todos os casos anteriormente apresentados explicitam é que o crescente ativismo judicial (nas diversas dimensões já estudadas, especialmente a interpretação ampliativa da Constituição, a criação legislativa para preenchimento de lacunas das normas jurídicas, a deferência parcial ou não deferência às decisões de outros poderes, a utilização de juízos de validade moral e política para justificar decisões judiciais e a alteração substancial das políticas públicas – as mais exercitadas pelo Supremo Tribunal Federal) revela uma fragilidade no relacionamento entre os poderes e uma consequente debilidade da democracia no Brasil, que ainda é relativamente jovem e necessita de consolidação e estabilização.

Ainda que o ativismo pudesse ser visto como uma espécie de necessidade para países como o Brasil, o fato é que a fixação de limites para tal atividade segue sendo tema pendente e polêmico, cujo equacionamento não parece ser simples ou célere. O certo é que os juízes devem agir dentro dos ditames constitucionais e das leis infraconstitucionais, deixando de lado a vontade política, atuando em nome da sociedade dentro de limites plausíveis e justificáveis. Quando decisões da Suprema Corte ultrapassam esses limites, “cria para a população uma perspectiva bastante preocupante: o eventual autoritarismo dos juízes. Uma minoria passaria a ditar os rumos de várias questões de relevo transcendental para a sociedade” (MINHOTO, 2014, p. 182).

Porém, também não se pode atribuir a responsabilidade deste fenômeno completamente às custas de um protagonismo do Poder Judiciário. A falta de credibilidade do Poder Legislativo, acentuada em virtude de graves casos de corrupção e da atuação em prol de interesses outros que não os do povo a quem representam, e a ausência de comprometimento do Poder Executivo com um Projeto de Nação, de longo prazo, que trate seriamente de reformas estruturais há muito necessárias, resultam na politização da atuação jurisdicional, na judicialização da política e no ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal.

3.2 A busca de um novo equilíbrio entre a jurisdição constitucional e os demais poderes

O debate sobre o ativismo judicial está ganhando corpo e atenção no Brasil e a razão é simples: vive-se uma crescente inquietação com a atenuação das fronteiras entre o direito e a política, decorrente do novo modelo constitucional inaugurado pela Carta Magna de 1988, que entre outros efeitos, propiciou uma progressiva judicialização da política, dando margem também ao ativismo judicial. É inegável o papel de fiscalização constitucional do Judiciário em face da atuação dos outros Poderes, no escopo de garantir direitos fundamentais e defender o Estado Democrático de Direito. Porém, salta aos olhos que o protagonismo do Poder Judiciário, mesmo que não intencional, é uma das causas do esgarçamento da dinâmica dialógica entre os Poderes. Fica cada vez mais claro que é necessário elaborar novos arranjos institucionais para legitimar a jurisdição constitucional. Várias propostas têm sido apresentadas, algumas das quais serão citadas aqui.

Uma primeira proposta para que o Poder Judiciário cultive uma atuação equilibrada frente aos demais poderes é a adoção da autorrestrição. Segundo Carlos Alexandre de Azevedo Campos (2014), o marco da sistematização teórica da autorrestrição judicial é o ensaio escrito por James Bradley Thayer, em 1893, segundo o qual uma lei só deve ser declarada inconstitucional pelas cortes na hipótese de a violação à constituição ser tão manifesta que não deixe espaço para dúvida razoável (“regra do erro manifesto” ou rule of the clear mistake). Caso não esteja presente erro dessa natureza, juízes e cortes devem abster-se de pronunciar a inconstitucionalidade, ainda que não concordem com isso. Desde então, importantes constitucionalistas norte-americanos têm desenvolvidos formulações teóricas sobre a autorrestrição, como as virtudes passivas de Alexander Bickel, o minimalismo judicial de Cass Sunstein e a análise institucional da capacidade decisória das cortes por Adrian Vermeule.

Alexander Bickel sugeriu mecanismos processuais estratégicos (ilegitimidade do autor para a propositura da demanda; falta de maturidade do caso para julgamento; inexistência de controvérsia atual e por isso a perda do objeto da ação; questão discutida eminentemente política, carecendo a Corte de competência para julgá-la e ausência de relevância do caso para ser julgado pela Suprema Corte) como forma de exercício da prudência, sendo as virtudes passivas verdadeiras limitações procedimentais. Já o minimalismo judicial de Cass Sunstein (“uso construtivo do silêncio”) consistia em adotar decisões estreitas em vez de amplas, ou seja, evitar dizer mais do que o necessário para justificar o resultado de um caso concreto e adotar decisões superficiais em vez de profundas, isto é, deixar as questões teóricas ou filosóficas mais fundamentais sem decidir para evitar generalizações prematuras. Adrian Vermeule, por sua vez, defendeu que a revisão judicial (judicial review) e o processo de interpretação constitucional deveriam ser avaliados à luz das capacidades institucionais do intérprete e dos efeitos sistêmicos das decisões, de modo que interpretações ambiciosas e equivocadas não fossem cometidas (CAMPOS, 2014).

O problema dessas teorias é que são de pouca aplicabilidade prática, pois ostentam um caráter homogêneo, sendo muito difícil trabalhar o controle de constitucionalidade das leis a partir de normas que não têm a mesma importância, como é o caso dos direitos fundamentais, que se destacam em comparação a outras normas (CAMPOS, 2014). Outra opção mais viável seria conceber a presunção de constitucionalidade de forma graduada e heterogênea, de acordo com diversas variáveis. Nesse sentido, Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (2012) sugeriram parâmetros para “calibrar a presunção de constitucionalidade dos atos normativos, e também, por consequência, o grau de ativismo do Poder Judiciário no exercício da jurisdição constitucional” (p. 373). Estes parâmetros, citados a seguir, delimitam as condições em que o juiz deve reconhecer maior presunção de constitucionalidade das leis ou, de outro lado, deve exercer controle mais rígido sobre a validade dos atos. Trata-se de proposta teórica de fixação de standards que definem quais circunstâncias requerem mais ou menos autorrestrição judicial ou mais ou menos ativismo judicial:

  1. Grau de legitimidade democrática: quanto mais democrática tenha sido a elaboração do ato normativo, mais autocontido deve ser o Poder Judiciário no exame de sua constitucionalidade para prestigiar a efetiva participação popular e o maior grau de consenso político na elaboração do ato normativo;

  2. Condições de funcionamento da democracia: o Poder Judiciário deve atuar de maneira mais ativa para proteger direitos e institutos que são diretamente relacionados com o funcionamento da democracia (direitos políticos, liberdade de expressão, direito de acesso à informação e as prerrogativas políticas da oposição), assegurando os pressupostos mínimos necessários ao seu funcionamento;

  3. Proteção de minorias estigmatizadas: justifica-se uma relativização da presunção de constitucionalidade de atos normativos que impactem negativamente os direitos de minorias estigmatizadas, devendo o Poder Judiciário ser mais ativista na defesa dos direitos e interesses de grupos excluídos dos processos decisórios ou cujas pretensões não são alcançadas pela vontade majoritária;

  4. Fundamentalidade material dos direitos em jogo: normas que restrinjam direitos básicos merecem um escrutínio mais rigoroso do Poder Judiciário, tendo a sua presunção de constitucionalidade relativizada. Isto se refere às liberdades públicas e existenciais, os direitos sociais em seu âmbito de mínimo existencial, mas excluem as vantagens corporativas e direitos de natureza exclusivamente patrimonial;

  5. Comparação de capacidades institucionais: é recomendável uma postura de autocontenção judicial diante da falta de expertise do Judiciário para tomar decisões em áreas que demandem profundos conhecimentos técnicos fora do Direito, como ocorre para a área de regulação econômica e de políticas públicas redistributivas;

  6. Época de edição do ato normativo: normas editadas antes do advento da Constituição não desfrutam de presunção de constitucionalidade equiparada àquelas feitas posteriormente.

Outra proposta que leva em consideração a superação da tripartição clássica dos poderes e lança um olhar sobre desenhos institucionais mais contemporâneos é a Teoria dos Diálogos Institucionais, já referida anteriormente. Clèmerson Merlin Clève e Bruno Meneses Lorenzetto, em artigo de 2015 intitulado “Diálogos institucionais: estrutura e legitimidade”, preconizam esse modelo para legitimar a jurisdição constitucional. Segundo os autores,

Em substituição a uma leitura tradicional da separação dos poderes, a prática dos diálogos institucionais procura evidenciar pelo menos dois aspectos a respeito da formulação de decisões de casos controvertidos. Primeiro, as decisões, tomadas em qualquer um dos poderes, passam a ter um caráter parcialmente definitivo, pois, podem ser contestadas em outras instâncias públicas. Segundo, cada espaço de poder possui características que o potencializam ou o inibem para a realização de tomada de decisões. Isso reafirma a necessidade de canais de diálogo entre as instituições, pois, uma pode ter melhores condições que outra para lidar com o caso concreto em apreço (p. 189).

Como exemplo, os autores supracitados apontam o Canadá, onde diante da edição da “Carta de Direitos e Liberdades” de 1982 surgiu o questionamento sobre o problema da legitimidade democrática do controle de constitucionalidade. A resposta para tal dificuldade foi a de que o controle seria parte do diálogo entre juízes e legisladores. Evocando o modelo canadense, em que é possível observar a continuidade de decisões institucionais nas quais a decisão judicial pode ser revertida, modificada ou evitada por uma nova lei, Clève e Lorenzetto (2015) ressaltam que os diálogos institucionais poderiam substanciar uma restrição ao processo democrático. Todavia, as práticas de revisão das leis editadas e do acomodamento das decisões da jurisdição constitucional seriam características importantes do próprio jogo democrático. No caso do Canadá, a Carta de Direitos e Liberdades acabou por agir como catalisadora dos intercâmbios entre o Judiciário e o Legislativo, ao não erguer uma barreira intransponível para as decisões tomadas pelas instituições. Esse modelo funcionaria bem no Brasil? Talvez, se houvesse uma mudança na compreensão de que democracia não é a ditadura das maiorias e que o juiz não é um “super-herói” ou um ser “com poderes supremos”.

Como bem afirma Matheus Souza Galdino (2016), parece existir um paradoxo na legitimação democrática da jurisdição constitucional. Pergunta o autor: “Como a decisão de uma jurisdição constitucional pode legitimar-se democraticamente se uma de suas próprias razões de ser consiste exatamente em apresentar-se em defesa de uma regra contramajoritária pela proteção do direito das minorias?”. Responde o autor que esse paradoxo não existe. Na verdade, o problema consiste basicamente em se ter uma concepção errônea de democracia como a vontade da maioria. A democracia não pode ser vista, apenas e tão somente, como o governo das maiorias. Uma visão ampliada de democracia compreende que o poder decisório das maiorias seja conjugado com o império da lei e a tutela dos direitos fundamentais, protegendo a dignidade das minorias e seu tratamento igualitário.

Certamente a jurisdição constitucional pode se constituir em ferramenta útil para a defesa da própria democracia. As respostas adequadas ao problema proposto da legitimação da jurisdição constitucional precisam estar atentas à necessidade de superação de uma teoria da decisão estruturada sob um positivismo normativista, o qual outorgou excessiva discricionariedade ao Poder Judiciário na aplicação do direito. Deve-se assim, buscar uma redução da discricionariedade judicial para evitar decisões ilegítimas, vez que proferidas em ato de vontade do julgador (GALDINO, 2016).

Por fim, apresenta-se a Teoria da Decisão, que no entendimento de Lênio Streck (2011), permite refutar relativismos e rejeitar discricionariedades no ato de interpretar e aplicar a lei, e fazer distinção entre decisão jurídica e escolha política. Seria o grande dilema contemporâneo o controle das posturas voluntaristas dos juízes, pois é difícil perceber se, ao interpretarem a Constituição, estão se substituindo ao legislador e proferindo argumentos de política ou de moral. Para tanto, recomenda que, “A partir da feitura da lei, a decisão judicial passa a ser racionalizada na lei, que quer dizer, ‘sob o comando da Constituição’ e não ‘sob o comando das injunções pessoais-morais-políticas do juiz ou dos tribunais’” (p. 28).

Lênio Streck tem, na verdade, em Ronald Dworkin, uma das suas fontes de inspiração. Dworkin (2010), defende que as decisões judiciais nos casos civis, mesmo em casos difíceis, devem ser geradas por princípios e não por políticas. Os argumentos de política justificariam uma decisão que fomenta ou protege algum objetivo de uma coletividade como um todo. Já os argumentos de princípios justificariam uma decisão que respeita ou garante o direito de um indivíduo ou de um grupo. Um exemplo de argumento de princípio, segundo Dworkin, é aquele favorável a leis contra a discriminação, segundo o qual uma minoria tem direito a consideração e respeito. Sem dúvida, as decisões judiciais não originais, que apenas aplicam os termos de uma lei de validade inquestionável, sempre são justificadas por argumentos de princípios, mesmo que a lei em si tenha sido gerada por uma política.

Na verdade, Dworkin pretendeu apontar para os limites que devem ser observados no ato de aplicação judicial, sendo imperioso que o julgador deixe de lado suas convicções pessoais e morais e decida por princípios. Sem essa proteção da atuação judicial contra o voluntarismo e a discricionariedade, jamais será possível consolidar o próprio Estado Democrático de Direito.

Há que ser otimista e manter a expectativa de que a sociedade brasileira irá encontrar o ponto de equilíbrio entre a jurisdição constitucional e a deferência aos agentes políticos democraticamente eleitos para fazer política e construir as leis conforme a vontade popular. Já há caminhos teóricos em franca construção para pavimentar o êxito desse processo.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema “ativismo judicial” é instigante, tanto por suas conexões com os eventos históricos que fundamentaram as decisões políticas de cada sociedade, como também pela profundidade dos debates filosóficos que lhe são concêntricos, que foram e estão sendo travados, dentro e fora do Brasil. Desde a sua delimitação conceitual, passando pela caracterização da postura de quem o exercita, até chegar às teorias que buscam modulá-lo ou mesmo evitá-lo, o tema do ativismo judicial tem movimentado os bastidores do Poder na República Federativa do Brasil.

Urge, porém, que a sociedade amplie e aprofunde imediatamente esses debates, posto que o tensionamento das relações institucionais decorrentes do ativismo judicial ou mesmo da judicialização da política está chegando em nível crítico, a ponto de ruptura de tradições democráticas tão caras e tão dolorosamente construídas pelo povo brasileiro. A democracia, o equilíbrio institucional e a estabilização dos poderes são pilares fundamentais para o crescimento sustentável de um País com as dimensões do Brasil e não podem ser negligenciados em função de posturas supremacistas ou descoladas da realidade social.

Uma maior abertura do Poder Judiciário e do Parlamento para dialogar com a sociedade em prol da construção de um novo modelo de diálogo institucional é uma alternativa viável e auspiciosa. Em conjunção com o conhecimento gerado e acumulado a partir do trabalho de renomados juristas e estudiosos dedicados ao tema, há uma possibilidade real de se encontrar a maneira mais eficiente de limitação do poder que está nas mãos de poucos.


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Notas

1. Sentenças interpretativas se valem de recursos hermenêuticos e interpretativos, tais como interpretação conforme a Constituição e nulidade parcial sem redução de texto – para assegurar a constitucionalidade dos dispositivos legais. Sentenças manipulativas seriam as que alteram o texto original, acrescentando, retirando ou substituindo, para evitar declaração de inconstitucionalidade (LEAL, 2014, p. 127).

2. Entrevista com o Prof. Daniel Sarmento (UERJ) ao Blog “Os Constitucionalistas”. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/o-stf-nao-e-o-centro-do-constitucionalismo>. Acesso em: 26/4/2022.

3. Daniel Sarmento, op. cit., pp 29.

4. Daniel Sarmento, op. cit., pp 29.




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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Cristiane Batista Bezerra. Ativismo judicial do STF e implicações políticas em face do Executivo e Legislativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7156, 3 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97425. Acesso em: 8 maio 2024.