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Direito penal tributário: crimes tributários e prisão por dívida

Direito penal tributário: crimes tributários e prisão por dívida

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O que se pune na sonegação fiscal é a fraude e não a mera inadimplência.

1. INTRODUÇÃO

Os crimes contra a ordem tributária são aqueles tipificados nos arts. 1º a 2º da Lei nº 8.137/1990: a apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A), a sonegação de contribuição previdenciária (CP, art. 337-A) e o descaminho (CP, art. 334).

Por sua vez, delito de sonegação fiscal é uma expressão genérica para designar o crime previsto no art. 1º da Lei 8.17/90 ou todos os crimes contra a ordem tributária.

Parcela da doutrina defende que a criminalização do delito de sonegação fiscal é uma forma de coagir, ilicitamente, o contribuinte a pagar o débito fiscal por meio de sanções políticas inconstitucionais, pelo fato de o Fisco burlar o procedimento legal de cobrança (inscrição na dívida ativa, protesto da CDA, execução fiscal, penhora de bens etc.), valendo-se do Direito Penal com a ameaça de prisão por dívida.

Neste artigo, pretende-se enfrentar a controvérsia sobre se a punição dos crimes contra a ordem tributária configura prisão por dívida.

2. ELISÃO, EVASÃO E ELUSÃO FISCAL: DIFERENÇA ENTRE SIMPLES INADIMPLEMENTO E CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

Na dogmática jurídico-penal, é importante precisar qual o bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora.

Nesse sentido, de acordo com Cezar Roberto Bitencourt e Luciana de Oliveira Monteiro, o bem jurídico tutelado pela Lei 8.137/90 é a ordem tributária enquanto atividade administrada pelo Estado dirigida à arrecadação de ingressos e à gestão de gastos em benefício da sociedade[1].

A respeito da importância e da razão de ser do Direito Penal Tributário, confira-se o respeitável pensamento de Vlamir Costa Magalhães:

Portanto, em consonância com a moderna doutrina (...), o Direito Penal Econômico-Tributário tem por finalidade a proteção de bens jurídicos coletivos fundamentais, tais como: a regularidade da arrecadação fiscal; a higidez da ordem normativa tributária; a equitativa distribuição do ônus de pagar tributos e em derradeira, mas não menos importante perspectiva o custeio da efetivação dos direitos sociais pelo Estado. Todos esses objetivos relacionam-se, direta ou indiretamente, com o valor constitucional da dignidade humana.[2]

Apesar de reconhecermos que abusos na utilização do Direito Penal Tributário são reais, por meio da atuação consciente ou inconsciente de servidores públicos[3], com a devida vênia, entende-se que o Ministério Público pode, faz e deve fazer um filtro criterioso das condutas descritas nas Representações Fiscais para Fins Penais como crimes pelos auditores e agentes fiscais, somente denunciando comportamentos que respeitem as tipicidades objetiva e subjetiva do Direito Penal, tais como o princípio da insignificância de 20 mil reais na esfera federal fixado pelo C. STF e E. STJ[4] e a exigência do elemento subjetivo (dolo) na conduta daquele que era administrador da empresa à época da prática da conduta delituosa.

Saliente-se que nem toda infração tributária é crime, porque existe diferença entre a sonegação fiscal e o inadimplemento da obrigação tributária, o que impede a punição penal da inadimplência e a criminalização da atividade empresarial lícita.

Em nossa monografia de graduação, dissertamos a respeito dos conceitos muito práticos e úteis de elisão, elusão e evasão, que ajudam o intérprete na análise dos casos concretos:

Heleno Taveira Tôrres (SIMÃO FILHO, 2005: 348-349) apresenta uma classificação (...) bastante útil para qualificar a conduta do sujeito passivo, que nos valeremos neste trabalho: i) elisão fiscal consiste na legítima economia de tributos, com o fito de suprimir, reduzir ou postergar a tributação, por meio de procedimentos que não violem a lei tributária dentro das lacunas; (...) ii) elusão tributária consiste em uma violação indireta da lei, usando negócios jurídicos atípicos ou indiretos desprovidos de causa ou organizados com simulação ou fraude à lei, com a finalidade de evitar a incidência de norma tributária impositiva, enquadrar-se em regime fisicamente mais favorável ou obter alguma vantagem fiscal específica.; e iii) evasão fiscal (AGUIRRA, 2016: 35), grosso modo, refere-se à conduta do contribuinte que pratica atos ilícitos, assim tidos como crime ou infração administrativa, em violação frontal à lei (...).

Por fim, saliente-se que nas grandes discussões do planejamento tributário referentes à elusão tributária, em que há sólidos argumentos para os dois lados, não há que se falar na caracterização da hipótese de responsabilidade tributária do administrador que tomou a decisão pela operação ou de eventuais empregados ou profissionais autônomos de escritórios de consultoria e advocacia (CTN, art. 135, II e III) ou mesmo dos crimes contra a ordem tributária, justamente pelo fato de não se estar presente a conduta dolosa, fraudulenta, com o animus de fraudar o fisco, mas apenas e tão somente reduzir a carga tributária.[5]

Com efeito, o inadimplemento é mera infração administrativa punida na seara do Direito Tributário com multa e execução fiscal. Nela, o contribuinte ou responsável tributário declara de maneira correta com transparência os tributos que deve pagar nas obrigações acessórias que presta ao Fisco (DCTF, E-Social, DIRPF, DIRPJ, Escrituração Contábil e Fiscal Digitais, entre outras), não havendo fraude, pois os fatos geradores in concreto (atos e negócios jurídicos) realizados são devidamente declarados, porém os tributos não são recolhidos no vencimento.

Por outro lado, na sonegação fiscal, o sujeito passivo da obrigação tributária, dolosamente, não declara o fato gerador, omitindo informações ou prestando informações falsas às autoridades fazendárias, muitas das vezes por meio de falsificações materiais e ideológicas de diversos documentos físicos ou eletrônicos Esta conduta é fraudulenta na medida em que visa induzir as autoridades fiscais em erro e, quando acarreta supressão ou redução de tributos (art. 1º da Lei 8.137/90), configura crime material contra a ordem tributária.

Como exemplo de crime fiscal, cita-se o caso de uma empresa que não emite nota fiscal na venda de suas mercadorias ou prestação de serviços, escondendo o montante real de seu faturamento; empresa que suprime ou reduz o ICMS que deveria pagar, creditando-se indevidamente de imposto de circulação de mercadorias, valendo-se de créditos fictícios e simulados representados em notas fiscais frias; contribuinte emite documento fiscal com preço subfaturado para suprimir ou reduzir o ICMS ou ISS; a conduta daquele agente que declara falsamente o conteúdo de determinados produtos na Declaração de Importação (DI) para reduzir fraudulentamente os tributos incidentes (Imposto de Importação, IPI, ICMS, PIS e COFINS/Importação) no desembaraço aduaneiro; e da empresa que presta informações falsas à Receita Federal sobre o valor real do lucro ou da receita bruta para eliminar ou pagar menos Imposto de Renda, CSLL, PIS e COFINS.

De outro giro, os delitos fiscais de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A) e a apropriação indébita tributária (art. 2º, II, Lei 8.137/90) possuem natureza jurídica diferente dos demais crimes contra a ordem tributária, eis que na conduta do sujeito ativo desses crimes não há fraude, conforme já tivemos a oportunidade de expor em artigo específico sobre o tema[6], pois na apropriação o sujeito passivo tributário declara corretamente os tributos devidos, porém, ele (na condição de substituto tributário, vulgo fonte pagadora) se apropria de valores descontados ou cobrados de terceiros, o que atrai o juízo de reprovabilidade da ação e do resultado, razão pela qual entendemos que a criminalização só se aplica aos casos de substituição tributária, e não, por exemplo, ao ICMS próprio devidamente declarado como decidiu a Suprema Corte (RHC 163.334) [7].

Ainda, segundo Cezar Roberto Bitencourt e Luciana de Oliveira Monteiro, os crimes contra a ordem tributária constituem autênticas normas penais em branco por causa da utilização de elementos normativos definidos no Direito Tributário, razão pela qual é necessário buscar neste último ramo do Direito as informações para a compreensão do alcance do tipo penal, com a ressalva de que devem ser observados os critérios do Direito Penal na persecução penal, tais como a responsabilidade subjetiva (nullum crimen sine culpa).[8]

3. TIPIFICAÇÃO DE CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E PRISÃO POR DÍVIDA

Por razões de política criminal, justifica-se a punição penal dos crimes tributários porque eles acarretam uma grande perda de recursos públicos para o País, que poderiam ser aplicados para efetivar os direitos sociais fundamentais previstos no art. 6º da Constituição da República (saúde, educação, previdência social, transporte, alimentação etc.) e garantir os objetivos fundamentais da República, tais como construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos (CF, art. 3º, I, III e IV).

Na década de 1960, há mais de 50 anos, a doutrina brasileira clássica e respeitada do Direito Penal de Heleno Cláudio Fragoso já propugnava a necessidade de combater os crimes fiscais mediante políticas públicas sérias e alertava a necessidade de distinguir o ilícito penal do mero ilícito tributário.

Estamos convencidos de que a incriminação da fraude fiscal constitui, num país como o nosso, importante elemento de uma séria política tributária. Esse tipo de ilícito, entre nós, não ofende o mínimo ético e o cidadão não tem consciência de que o cumprimento da obrigação tributária constitui dever cívico, cuja transgressão ofende gravemente a economia pública, e, pois, interesses fundamentais da comunidade. A violação desse dever pode apresentar-se como simples atitude passiva de descumprimento da obrigação tributária, fato adequadamente sancionado através de medidas de natureza administrativa (multa). Todavia, pode apresentar maior gravidade, quando o descumprimento da obrigação tributária se realiza através do engano e da fraude, com o emprego de meios tendentes a induzir em erro a autoridade, iludindo o pagamento do tributo. Em tais casos é imperativa a sanção penal, que existe em muitos países, de longa data.[9]

Perfilhamos também do entendimento de que é preciso que fique claro que não haverá crime contra a ordem tributária quando o contribuinte declara os fatos, porém ele formula uma interpretação jurídica razoável sobre a regra matriz de incidência tributária do tributo que elimine ou diminua a carga tributária (p.e., entende que é hipótese de isenção, não incidência, dedução de despesa da base de cálculo de outro tributo, dentro do que se convencionou chamar de planejamento tributário lícito ou elisão fiscal) por ausência de dolo do Direito Penal[10]. Isso é importante naquelas situações em que este entendimento do sujeito passivo tributário venha a ser rechaçado pelo Poder Judiciário, o qual cabe, se provocado, dar a última palavra sobre as decisões proferidas nos processos administrativos tributários.

Neste sentido, é preciso rechaçar acusações criminais baseadas em débitos tributários ilegais e inconstitucionais reconhecidos pela jurisprudência dos Tribunais Superiores ou em que o contribuinte julgou que não devia por razoável interpretação da legislação tributária[11], isto é, amparada em argumentos jurídicos que possuam pelo menos o mínimo de credibilidade científica.

Portanto, se o lançamento tributário for desconstituído pelo Poder Judiciário por alegações de ordem material (reconhecimento de inconstitucionalidade do tributo, não incidência, que se trata de hipótese de isenção etc.) tal decisão deve repercutir na persecução penal por ausência de prova da materialidade dos crimes contra a ordem tributária, devendo ser afastada a independência entre as instâncias civil e penal (Código Civil, art. 935). A toda evidência, a mera discussão judicial do débito tributário administrativo sobre questões formais ou sob aspectos materiais que não influam de maneira significativa no crédito tributário objeto da sonegação não impede o prosseguimento do processo criminal e punição exemplar dos responsáveis pela fraude fiscal[12].

A propósito, o renomado tributaria Helena Taveira Torres consignou:

A interpretação (aplicação) do Direito Tributário convive com a indeterminação e a incerteza () (a dúvida interpretativa) e sua função é aquela de construção de sentidos e significados para os textos normativos. A doutrina do único significado correto já não tem cabimento para prestigiar a certeza jurídica.

Neste cenário, alguma regra deve existir para calibrar o modelo punitivo, que deve ser implacável para os casos de devedores contumazes ou aqueles que cometem fraudes graves e abusivas, sem que se banalize o emprego do instrumento para todo e qualquer caso, sem as devidas cautelas, mormente quando o débito tributário se encontra garantido, não há decisão final sobre elemento do mérito que se preste como motivo da denúncia ou quando realmente persista dúvida fundada, nos casos albergados pelo art. 112 do Código Tributário Nacional CTN.[13]

Além disso, para comprovar que criminalização dos delitos tributários não se trata de prisão por dívida, basta fazer um exercício de reflexão: em caso de inexistência ou revogação do art. 1º da Lei 8.137/90 (pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa), a situação do contribuinte ou responsável tributário que fraudasse o Fisco seria atípica?

A resposta é negativa. E muito pelo contrário, o sonegador fiscal seria punido muito mais severamente pelos tipos penais da Parte Especial do Código Penal, tais como pelo estelionato (CP, art. 171), falsificação de documento público (art. 297), falsificação de documento particular (CP, art. 298), falsidade ideológica (CP, art. 299) e supressão de documento (CP, art. 305), com o gravame de que alguns desses crimes possuem pena superior do que os crimes tributários (p.e., a falsificação de documento público possui pena de 2 a 6 anos).

De mais a mais, todas as centenas de fraudes documentais realizadas como instrumento/meio para a prática de supressão ou redução de tributos, principalmente nos crimes materiais contra a ordem tributária (art. 1º da Lei 8.13/90 e art. 337-A do CP), são absorvidas pelo delito fiscal pelo princípio da consunção, enquanto que na sistemática do Código Penal haveria concurso de crimes (continuado, formal ou material, dependendo das circunstâncias do caso concreto).

Consigne-se também que os crimes contra a ordem tributária podem ter sua punibilidade extinta com o pagamento integral do tributo e acessórios (correção monetária, juros e multa), com fundamento no art. 9º, §2º, da Lei federal nº 10.684/2003[14] a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal[15] e do Superior Tribunal de Justiça[16], enquanto que os delitos tipificados no Código Penal não são contemplados por este benefício legal.

Depreende-se que a utilização do patamar de vinte mil reais como parâmetro para aplicação do princípio da insignificância dos crimes tributários na esfera federal reforça também a seletividade do nosso sistema penal, na medida em que, para os crimes patrimoniais não violentos cometidos pelos mais pobres, os Tribunais Superiores reiteradamente decidem que, atendidos os demais requisitos, o princípio da insignificância é cabível para infrações penais cujo valor do dano não supere 1 salário mínimo[17]. Ainda, nota-se uma intensificação da seletividade pelo fato de o E. STJ não admitir a aplicação do patamar de 20 mil reais para aplicação da insignificância também para o furto de energia elétrica[18].

Nesse sentido, pacificando a matéria, de maneira vinculante, o Colendo Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 999.425[19], fixou o entendimento no sentido de que a criminalização da sonegação fiscal prevista na Lei 8.137/90 não configura prisão por dívida, de tal forma que não há violação ao art. 5º, LXVII da Constituição Federal ou à Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)[20].

Segundo entendeu a Suprema Corte, a nosso ver acertadamente, o que a sonegação fiscal pune é a fraude e não a mera inadimplência.

Constou do brilhante voto do eminente relator Min. Ricardo Lewandowski:

Dessa forma, as condutas tipificadas na Lei 8.137/1991 não se referem simplesmente ao não pagamento de tributos, mas aos atos praticados pelo contribuinte com o fim de sonegar o tributo devido, consubstanciados em fraude, omissão, prestação de informações falsas às autoridades fazendárias e outros ardis. Não se trata de punir a inadimplência do contribuinte, ou seja, apenas a dívida com o Fisco. Por isso, os delitos previstos na Lei 8.137/1991 não violam o art. 5°, LXVII, da Carta Magna bem como não ferem a característica do Direito Penal de configurar a ultima ratio para tutelar a ordem tributária e impedir a sonegação fiscal.

CONCLUSÃO

Analisou-se neste artigo a distinção entre infração tributária e o crime contra a ordem tributária e as razões pelas quais a aplicação do Direito Penal Tributário não significa admitir prisão por dívida vedada pela Constituição da República no art. 5º, LXVII, conforme análise de doutrina e jurisprudência.

Hodiernamente, a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário com repercussão geral, é firme no sentido de que os crimes tipificados na Lei 8.137/90 não ferem a Constituição Federal por não representarem prisão por dívida.

Neste trabalho, observou-se também que existe o benefício legal de extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária com o pagamento integral do crédito tributário a qualquer tempo, inclusive após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 9º, §2º, da Lei federal nº 10.684/2003), o que favorece sonegadores em detrimento do empresário que cumpre regularmente suas obrigações fiscais (violação a solidariedade social e a ampla concorrência CF, arts. 3º, I e 170, IV). Desta forma, conclui-se que cabe ao Congresso Nacional revisar ou não esse posicionamento orientado por critérios de política criminal, conforme precedentes dos Tribunais Superiores, que se limitam em seus acórdãos a respeitar a lei sob a justificativa de violação ao princípio da separação dos Poderes (CF, art. 2º), por entender que cabe ao Poder Legislativo dispor sobre a matéria.

Ademais, observou-se que a jurisprudência pacífica do C. STF e do E. STJ é firme na aplicação do princípio da insignificância para afastar a tipicidade material dos crimes contra a ordem tributária na seara federal se o valor do tributo não ultrapassar 20 mil reais, o que reforça também a seletividade do nosso sistema penal, na medida em que para os crimes patrimoniais não violentos cometidos pelos mais pobres, os Tribunais Superiores reiteradamente decidem que, atendidos os demais requisitos, o princípio da insignificância é cabível para infrações penais cujo valor do dano não supere 1 salário mínimo e também pela não aplicação do patamar de 20 mil reais para aplicação da insignificância também para o furto de energia elétrica.

Para finalizar com uma reflexão, colaciona-se o posicionamento crítico de Heleno Cláudio Fragoso:

Entre nós, o direito penal tem sido amargo privilégio dos pobres e desfavorecidos, que povoam nossas prisões horríveis e que constituem a clientela do sistema. A estrutura geral de nosso direito punitivo, em todos os seus mecanismos de aplicação, deixa inteiramente acima da lei os que têm poder econômico ou político, pois estes se livram com facilidade, pela corrupção e pelo tráfico de influências. [][21]


REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. O novo direito penal tributário e econômico. Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, ano III, n. 12, jan.-fev. 1966. Disponível em: >http://www.fragoso.com.br/wp-content/uploads/2017/10/20171003010844-novo_direito_penal_tributario_economico.pdf<. Acesso em: 16/02/2022.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direito Penal Econômico e Direito Penal dos Negócios. Disponível em: >http://www.fragoso.com.br/wp-content/uploads/2017/10/20171003004126-direito_penal_negocios.pdf<.. Acesso em: 16/02/2022.

MAGALHÃES, Vlamir Costa. Repatriação de ativos clandestinos e anistia criminal: reflexões sobre o princípio da razoabilidade e a efetividade da tutela penal da ordem econômico-tributária. In Ministério Público Federal. (Org.) Câmera de Coordenação e Revisão, 2. Crimes fiscais, delitos econômicos e financeiros. 1. Ed. Brasília: MPF, 2018, v. 5.

SANTANA, Danilo Rodrigues. Desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário à luz de uma interpretação sistemática do instituto no ordenamento jurídico brasileiro. 2018. 52f. Monografia (Graduação em Direito) Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2018.

SANTANA, Danilo Rodrigues. Apropriação indébita previdenciária: crime material ou formal e sujeição ou não à súmula vinculante 24. Jusbrasil. Disponível em: >https://danilorodrigues.jusbrasil.com.br/artigos/765133079/apropriacao-indebita-previdenciaria-crime-material-ou-formal-e-sujeicao-ou-nao-a-sumula-vinculante-24 <. Acesso em: 16/02/2022.

TORRES, Heleno Taveira. Extinção da punibilidade de crimes tributários e garantismo constitucional. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: >https://www.conjur.com.br/2019-nov-27/consultor-tributario-extincao-punibilidade-crimes-tributarios-garantismo <. Acesso em: 16/02/2022.


Notas

  1. BITENCOURT, Cezar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 15.
  2. MAGALHÃES, Vlamir Costa. Repatriação de ativos clandestinos e anistia criminal: reflexões sobre o princípio da razoabilidade e a efetividade da tutela penal da ordem econômico-tributária. In Ministério Público Federal. (Org.) Câmera de Coordenação e Revisão, 2. Crimes fiscais, delitos econômicos e financeiros. 1. Ed. Brasília: MPF, 2018, v. 5, p. 125.
  3. Comungamos do entendimento segundo o qual o oferecimento de denúncias equivocadas a respeito dos crimes contra a ordem tributária é exceção e não são feitas, em regra, de má-fé, mas por desconhecimento pelo Ministério Público da complexa relação entre o Direito Penal e o Direito Tributário. Isso porque, no Direito Tributário, existem temáticas complexas em que não existe consenso nem mesmo entre os tributaristas, por exemplo, sobre questões técnicas difíceis sobre planejamento tributário abusivo, em que há debate se determinado ato ou negócio jurídico realizado pelo contribuinte é lícito ou constitui fraude e simulação, principalmente nos casos de operações de venda de mercadorias interestaduais e de comércio internacional, operações societárias (fusões, cisões e incorporações) e uso de intermediários para tanto (empresas veículo, sociedade de propósito específico etc.), questões referentes ao aproveitamento de ágio, o uso de empresas offshores e trusts etc. Pode acontecer que o auditor-fiscal entende como ilegal a interpretação jurídica do contribuinte e lança o tributo e a pretensão do Fisco vence na esfera administrativa, porém a decisão do CARF, por exemplo, é revista no Poder Judiciário e o auto de infração é anulado. Portanto, é preciso por parte do Ministério Publico cautela na análise do caso concreto para se apurar se fato é ilícito tributário e, posteriormente, se configura crime contra a ordem tributária.
  4. RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS PARA FINS DE REVISÃO DO TEMA N. 157. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES TRIBUTÁRIOS FEDERAIS E DE DESCAMINHO, CUJO DÉBITO NÃO EXCEDA R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). ART. 20 DA LEI N. 10.522/2002. ENTENDIMENTO QUE DESTOA DA ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NO STF, QUE TEM RECONHECIDO A ATIPICIDADE MATERIAL COM BASE NO PARÂMETRO FIXADO NAS PORTARIAS N. 75 E 130/MF R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS). ADEQUAÇÃO.
    1. Considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, deve ser revisto o entendimento firmado, pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp n. 1.112.748/TO Tema 157, de forma a adequá-lo ao entendimento externado pela Suprema Corte, o qual tem considerado o parâmetro fixado nas Portarias n. 75 e 130/MF R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho.
    2. Assim, a tese fixada passa a ser a seguinte: incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.
    ​3. Recurso especial provido para cassar o acórdão proferido no julgamento do Recurso em Sentido Estrito n. 0000196-17.2015.4.01.3803/MG, restabelecendo a decisão do Juízo da 2ª Vara Federal de Uberlândia SJ/MG, que rejeitou a denúncia ofertada em desfavor do recorrente pela suposta prática do crime previsto no art. 334 do Código Penal, ante a atipicidade material da conduta (princípio da insignificância). Tema 157 modificado nos termos da tese ora fixada. (REsp 1.709.029/MG, TERCEIRA SEÇÃO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, por maioria, j. 28/02/2018, DJe 04/04/2018)
  5. SANTANA, Danilo Rodrigues. Desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário à luz de uma interpretação sistemática do instituto no ordenamento jurídico brasileiro. 2018. 52f. Monografia (Graduação em Direito) Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2018, p. 25-26.
  6. SANTANA, Danilo Rodrigues. Apropriação indébita previdenciária: crime material ou formal e sujeição ou não à súmula vinculante 24. Jusbrasil. Disponível em: >https://danilorodrigues.jusbrasil.com.br/artigos/765133079/apropriacao-indebita-previdenciaria-crime-material-ou-formal-e-sujeicao-ou-nao-a-sumula-vinculante-24 <. Acesso em: 16/02/2022.
  7. Tese aprovada: O contribuinte que, de forma contumaz, e com dolo de apropriação, deixa de recolher ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, incide no tipo penal do artigo 2, inciso 2, da Lei 8.137/1990. (RHC 163334, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-271 DIVULG 12-11-2020 PUBLIC 13-11-2020)
  8. BITENCOURT, Cezar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 18.
  9. FRAGOSO, Heleno Cláudio. O novo direito penal tributário e econômico. Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, ano III, n. 12, jan.-fev. 1966. Disponível em: > http://www.fragoso.com.br/wp-content/uploads/2017/10/20171003010844-novo_direito_penal_tributario_economico.pdf<. Acesso em: 16/02/2022.
  10. Em sentido semelhante, o STJ já decidiu:
    (...)
    3. No caso, concluíram as instâncias ordinárias que o recorrente, registrador titular do Ofício de Registro de Imóveis de Itapema/SC, teria cometido o crime de excesso de exação, durante os meses de maio a junho do ano de 2012, por ter cobrado, em cinco registros de imóveis, emolumentos que sabia indevidos - num total de R$ 3.969,00 (três mil, novecentos e sessenta e nove reais) -, ao aplicar procedimento diverso do estabelecido na Lei Complementar Estadual n. 219/2001/SC, quando em um dos lados negociais existiam duas ou mais pessoas.
    4. O tipo penal ora em estudo, art. 316, § 1º, do Código Penal, pune o excesso na cobrança pontual de tributos (exação), seja por não ser devido o tributo, ou por valor acima do correto, ou, ainda, por meio vexatório ou gravoso, ou sem autorização legal. Ademais, o elemento subjetivo do crime é o dolo, consistente na vontade do agente de exigir tributo ou contribuição que sabe ou deveria saber indevido, ou, ainda, de empregar meio vexatório ou gravoso na cobrança de tributo ou contribuição devidos.
    5. E, consoante a melhor doutrina, "se a dúvida é escusável diante da complexidade de determinada lei tributária, não se configura o delito" (PRADO. Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral e Parte Especial. Luiz Regis Prado, Érika Mendes de Carvalho, Gisele Mendes de Carvalho. 14. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pp. 1.342/1.343, grifei).
    6. Outrossim, ressalta-se que "tampouco existe crime quando o agente encontra-se em erro, equivocando-se na interpretação e aplicação das normas tributárias que instituem e regulam a obrigação de pagar" (BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Econômico. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 730, grifei).
    (...)
    11. Desse modo, repisa-se, os elementos probatórios delineados pela Corte de origem evidenciam que, embora o réu possa ter cobrado de forma errônea os emolumentos, o fez por mero erro de interpretação da legislação tributária no tocante ao método de cálculo do tributo, e não como resultado de conduta criminosa. Temerária, portanto, a condenação do réu à pena de 4 anos de reclusão e à gravosa perda do cargo público.
    (...)
    14. Portanto, não havendo previsão para a punição do crime em tela na modalidade culposa e não demonstrado o dolo do agente de exigir tributo que sabia ou deveria saber indevido, é inviável a perfeita subsunção de sua conduta ao delito previsto no § 1º do art. 316 do Código Penal, sendo a absolvição de rigor. Precedentes.
    15. Recurso especial provido para, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal, absolver GUILHERME TORQUATO do crime do § 1º do art. 316 do Código Penal, objeto de apuração na Ação Penal n. 0010371-76.2012.8.24.0125, por atipicidade da conduta.
    ​(REsp 1943262/SC, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021)
  11. Nessa linha de entendimento, pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas, que tampouco existe crime quando o agente encontra-se em erro, equivocando-se na interpretação e aplicação das normas tributárias que instituem e regulam a obrigação de pagar. (BITENCOURT, Cezar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 43)
  12. Nesse sentido, o STJ possui entendimento pacífico segundo o qual a propositura, pelo contribuinte, de ação cível impugnando o lançamento tributário, não é motivo, em regra, para obstar o prosseguimento da ação penal que apura crime contra a ordem tributária que está sendo discutido no Juízo cível (embargos à execução fiscal, exceção de pré-executividade, ação anulatória de débito fiscal ou mandado de segurança etc.). Nesse sentido:
    (...) 2. Conforme orientação deste Superior Tribunal de Justiça, "ocorrido o lançamento definitivo do crédito tributário, eventual discussão na esfera cível, via de regra, não obsta o prosseguimento da ação penal que apura a ocorrência de crime contra a ordem tributária, haja vista a independência das instâncias de responsabilização cível e penal." (RHC 102.196/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 9/4/2019, DJe 6/5/2019, grifou-se).
    3. O simples fato de o processo administrativo já finalizado ser objeto de ação anulatória na esfera cível não enseja qualquer óbice à persecução penal. Assim, não havendo necessidade de suspensão do processo, é ausente qualquer flagrante ilegalidade no caso em exame.
    4. Habeas corpus não conhecido.
    ​(HC 515.639/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 13/12/2019)
  13. TORRES, Heleno Taveira. Extinção da punibilidade de crimes tributários e garantismo constitucional. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: >https://www.conjur.com.br/2019-nov-27/consultor-tributario-extincao-punibilidade-crimes-tributarios-garantismo <. Acesso em: 16/02/2022.
  14. Lei 10.684/2003. Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
    § 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
    ​§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.
  15. Habeas corpus. Crime contra a ordem tributária. Aplicação do princípio da insignificância. Tese não analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. Impossibilidade de conhecimento pela Suprema Corte. Inadmissível supressão de instância. Precedentes. Não conhecimento do writ. Requerimento incidental de extinção da punibilidade do paciente pelo pagamento integral do débito tributário constituído. Possibilidade. Precedente. Ordem concedida de ofício.
    ()
    3. O pagamento integral de débito devidamente comprovado nos autos - empreendido pelo paciente em momento anterior ao trânsito em julgado da condenação que lhe foi imposta é causa de extinção de sua punibilidade, conforme opção político-criminal do legislador pátrio. Precedente.
    4. Entendimento pessoal externado por ocasião do julgamento, em 9/5/13, da AP nº 516/DF-ED pelo Tribunal Pleno, no sentido de que a Lei nº 12.382/11, que regrou a extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito tributário, não afetou o disposto no § 2º do art. 9º da Lei 10.684/03, o qual prevê a extinção da punibilidade em razão do pagamento do débito, a qualquer tempo.
    ​5. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente. (HC 116.828/SP, PRIMEIRA TURMA, Rel. Min. Dias Toffoli, v.u., j. 18/08/2013)
  16. () CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. PAGAMENTO DO TRIBUTO. CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ARTIGO 9º, § 2º, DA LEI 10.684/2003. COAÇÃO ILEGAL CARACTERIZADA. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
    1. Com o advento da Lei 10.684/2003, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, o legislador ordinário optou por retirar do ordenamento jurídico o marco temporal previsto para o adimplemento do débito tributário redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, nos termos do seu artigo 9º, § 2º, sendo vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite.
    2. Não há como se interpretar o referido dispositivo legal de outro modo, senão considerando que o pagamento do tributo, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado.
    3. Como o édito condenatório foi alcançado pelo trânsito em julgado sem qualquer mácula, os efeitos do reconhecimento da extinção da punibilidade por causa que é superveniente ao aludido marco devem ser equiparados aos da prescrição da pretensão executória.
    4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente, com fundamento no artigo 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003. (HC nº 362.478/SP, QUINTA TURMA, Rel. Min. Jorge Mussi, v.u., j. 14/09/2017, DJe 20/09/2017)
  17. (...) III - Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que, não se há falar em aplicação do princípio da insignificância quando o valor da res furtivae ultrapassar o montante de 10% (dez por cento) do salário mínimo vigente à época do fato. Precedentes. (AgInt no HC n. 299.297/MS, Sexta Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 31/5/2016). Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp nº 1.825.003/SP, QUINTA TURMA, Rel. Des. convocado Leopoldo de Arruda Raposo, j. 22/10/2019, DJe 29/10/2019)
  18. PROCESSO PENAL E PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. FURTO DE ENERGIA ELÉTRICA MEDIANTE FRAUDE PRATICADO POR EMPRESA CONTRA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO DO DÉBITO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. POLÍTICA CRIMINAL ADOTADA DIVERSA. NÃO APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 34 DA LEI N. 9.249/95. TARIFA OU PREÇO PÚBLICO. TRATAMENTO LEGISLATIVO DIVERSO. PREVISÃO DO INSTITUTO DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR. RECURSO DESPROVIDO.
    1. Tem-se por pretensão aplicar o instituto da extinção de punibilidade ao crime de furto de energia elétrica em razão do adimplemento do débito antes do recebimento da denúncia.
    2. Este Tribunal já firmou posicionamento no sentido da sua possibilidade. Ocorre que no caso em exame, sob nova análise, se apresentam ao menos três causas impeditivas, quais sejam; a diversa política criminal aplicada aos crimes contra o patrimônio e contra a ordem tributária; a impossibilidade de aplicação analógica do art. 34 da Lei n. 9.249/95 aos crimes contra o patrimônio; e, a tarifa ou preço público tem tratamento legislativo diverso do imposto.
    3. O crime de furto de energia elétrica mediante fraude praticado contra concessionária de serviço público situa-se no campo dos delitos patrimoniais. Neste âmbito, o Estado ainda detém tratamento mais rigoroso. O desejo de aplicar as benesses dos crimes tributários ao caso em apreço esbarra na tutela de proteção aos diversos bens jurídicos analisados, pois o delito em comento, além de atingir o patrimônio, ofende a outros bens jurídicos, tais como a saúde pública, considerados, principalmente, o desvalor do resultado e os danos futuros.
    4. O papel do Estado nos casos de furto de energia elétrica não deve estar adstrito à intenção arrecadatória da tarifa, deve coibir ou prevenir eventual prejuízo ao próprio abastecimento elétrico do País. Não se pode olvidar que o caso em análise ainda traz uma particularidade, porquanto trata-se de empresa, com condições financeiras de cumprir com suas obrigações comerciais. A extinção da punibilidade neste caso estabeleceria tratamento desigual entre os que podem e os que não podem pagar, privilegiando determinada parcela da sociedade.
    5. Nos crimes contra a ordem tributária, o legislador (Leis n. 9.249/95 e n. 10.684/03), ao consagrar a possibilidade da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito, adota política que visa a garantir a higidez do patrimônio público, somente. A sanção penal é invocada pela norma tributária como forma de fortalecer a ideia de cumprimento da obrigação fiscal.
    6. Nos crimes patrimoniais existe previsão legal específica de causa de diminuição da pena para os casos de pagamento da "dívida" antes do recebimento da denúncia. Em tais hipóteses, o Código Penal CP, em seu art. 16, prevê o instituto do arrependimento posterior, que em nada afeta a pretensão punitiva, apenas constitui causa de diminuição da pena.
    7. A jurisprudência se consolidou no sentido de que a natureza jurídica da remuneração pela prestação de serviço público, no caso de fornecimento de energia elétrica, prestado por concessionária, é de tarifa ou preço público, não possuindo caráter tributário. Não há como se atribuir o efeito pretendido aos diversos institutos legais, considerando que os dispostos no art. 34 da Lei n. 9.249/95 e no art. 9º da Lei n. 10. 684/03 fazem referência expressa e, por isso, taxativa, aos tributos e contribuições sociais, não dizendo respeito às tarifas ou preços públicos.
    8. Recurso ordinário desprovido. (RHC nº 101.299/RS, TERCEIRA SEÇÃO, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, por maioria, j. 13/03/2019, DJe 04/04/2019)
    ​(ARE 999425 RG, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 02/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 15-03-2017 PUBLIC 16-03-2017)
  19. Promulgada pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992.
  20. ARTIGO 7
    Direito à Liberdade Pessoal
    (...)
    7. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.
  21. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direito Penal Econômico e Direito Penal dos Negócios, p. 3. Disponível em: >http://www.fragoso.com.br/wp-content/uploads/2017/10/20171003004126-direito_penal_negocios.pdf<.. Acesso em: 16/02/2022.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Danilo Rodrigues. Direito penal tributário: crimes tributários e prisão por dívida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6810, 22 fev. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96459. Acesso em: 14 maio 2024.