Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/79130
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Marcas indeléveis: considerações sobre o cativeiro judeu na Babilônia à luz das ciências da religião, história política e direito

Marcas indeléveis: considerações sobre o cativeiro judeu na Babilônia à luz das ciências da religião, história política e direito

|

Publicado em . Elaborado em .

Reflete-se sobre o cativeiro do povo judeu na Babilônia, que teria durado cerca de setenta anos, segundo a Bíblia, tendo por recorte temático a escravidão, dotada de significado diverso na Antiguidade.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A escravidão é fenômeno social observado nas relações humanas desde priscas eras, avançando por todas as civilizações até a pós-modernidade, nada obstante restar proscrita na sociedade internacional a partir de iniciativas tomadas pela Organização das Nações Unidas, Organização Internacional do Trabalho e organismos internacionais relacionados 1.

Observada como espécie de modo de produção econômica, em especial a partir dos estudos econômicos de Karl Marx (1818-1883), sustenta-se que os desdobramentos da escravidão desde a Idade Antiga até o período medievo não eram necessariamente relacionados à exploração de mão de obra sob a ótica de determinado modo de produção econômica, embora inevitavelmente repercutisse de forma significativa nas economias de outrora.

Nesse desiderato, várias narrativas colhidas em textos religiosos remontam à prática hodierna da escravidão na Antiguidade, especialmente como reflexo dos rituais de guerra e outras causas decorrentes da cultura de civilizações que compunham determinadas regiões globais no período, mormente nos Orientes Próximo e Médio. Uma das mais conhecidas, sob o ponto de vista das sociedades ocidentais, fortemente marcadas pela matriz religiosa judaico-cristã, é a narrativa sobre o cativeiro judeu na Babilônia, iniciado durante o reinado do monarca Nabucodonosor II (604-562 AEC2) e encerrado apenas quando o reino babilônico foi dominado pela Pérsia, nos anos iniciais do reinado do monarca Ciro II (559-530 AEC).

O presente artigo científico visa a abordar o exílio judaico no reino babilônico, sob o recorte temporal de setenta anos apontado pela Bíblia Sagrada Cristã, e tendo por recorte temático o fenômeno da escravidão, recorrente nas civilizações da Antiguidade e dotado de significado distinto do usualmente aplicado na pós-modernidade, que proscreveu semelhante forma de exploração de mão de obra a partir da atuação de organismos internacionais no século XX, em especial da Organização Internacional do Trabalho.

Apresenta-se estudo sistemático do tema, com enfoque no fenômeno social referido da escravidão por guerras que, na história do povo judeu, não se deu por tempo determinado, findando somente após a dominação do reino babilônico pela Pérsia, sob o reinado do monarca Ciro II. Outrossim, a narrativa do cativeiro na Babilônia, por se encontrar presente em texto sagrado comum às religiões judaica e cristã, é entremeada por relevantes episódios baseados nas relações travadas entre os profetas judeus e a monarquia dominante, com especial enfoque ao profeta Daniel, cujo livro homônimo na Bíblia Sagrada Cristã será utilizado como fonte principal para a elaboração do presente trabalho.

Uma vez que este estudo propõe-se a interpretar fatos e fenômenos históricos, com destaque para os desdobramentos da escravidão na Antiguidade, bem como abebera de textos sagrados de matriz judaico-cristã enquanto fontes documentais (com enfoque no Livro de Daniel, da Bíblia Sagrada Cristã), sob uma metodologia qualitativa fundada no levantamento bibliográfico, método histórico e indutivo (interpretando a escravidão na Antiguidade a partir da narrativa bíblica do cativeiro judeu na Babilônia), justifica-se seu mérito acadêmico no âmbito da História Política, da História das Religiões (fundada na nova abordagem científica da Mitologia, com ênfase no repertório teórico de Mircea Eliade) e da História do Direito (considerando a estratificação social do povo sumério decorrente do Código de Hamurabi, que influenciou sobremaneira o complexo status do povo judeu em cativeiro na Babilônia, sob a égide da contemporânea perspectiva dos Estudos Culturais (Cultural Studies).

Ademais, ressalte-se que este trabalho propõe-se a abordar seu objeto de pesquisa sob uma perspectiva sistêmica do pensamento científico, considerando a interdisciplinaridade e proposta de transdisciplinaridade existente entre as Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, sob a ótica da teoria da complexidade de Edgar Morin, valendo-se em momentos pontuais das necessárias considerações de ordem jurídica existentes no recorte temporal considerado em cotejo com a atual ótica proibitiva da exploração de mão de obra escrava no sistema global a partir do século XX.


2. CONTEXTO HISTÓRICO DO CATIVEIRO JUDEU NA BABILÔNIA

O povo hebreu tem sua origem marcada pela fuga do patriarca Abraão da Cidade-estado de Ur para a terra de Canaã, que terá significativa importância para a civilização judaica até a atualidade, uma vez que o Estado de Israel localiza-se na referida região do Oriente Médio. A partir da descendência deste personagem o povo hebreu é formado, sendo reconhecido como judeu a partir da unificação parcial das doze tribos de Israel, segundo nome dado a Jacó, neto de Abraão. Tal genealogia encontra guarida segura do ponto de vista das fontes documentais no conjunto de livros bíblicos conhecido como Pentateuco3.

Após diversos momentos de sua trajetória enquanto povo, ocasionalmente marcados por cativeiros em civilizações que rivalizavam a ocupação do território na África Setentrional e no Oriente Médio, a civilização judaica retoma Canaã anos após o regresso conduzido pelo patriarca Moisés, em fuga de cativeiro no Egito. Os reinados de Davi (1040-970 AEC) e Salomão (966-926 AEC) consolidaram a fixação do povo judeu na região de Canaã.

Considerando especialmente a tradição religiosa cristã na abordagem do objeto de pesquisa, observa-se que o ponto nevrálgico do assentamento da civilização judaica em Canaã deu-se com a construção do Templo de Iahweh por Salomão, consagrado à religião monoteísta elaborada desde o período abraâmico e sua deidade única (Iahweh). Porém, um significativo alerta é encontrado no Livro de I Reis, capítulo 9, versículos 4 a 9, em relato de aparição da divindade Iahweh a Salomão após a abertura deste que seria o primeiro templo judeu segundo as fontes documentais oficiais da tradição religiosa judaico-cristã:

Quanto a ti, se procederes diante de mim como teu pai Davi, na integridade e retidão do coração, se agires segundo minhas ordens e observares meus estatutos e minhas normas, firmarei para sempre teu trono real sobre Israel, como prometi a Davi, teu pai, dizendo: 'Jamais te faltará um descendente sobre o trono de Israel'; porém, se vós e vossos filhos me abandonardes, não observando os mandamentos e os estatutos que vos prescrevi e indo servir a outros deuses e prestar-lhes homenagem, então erradicarei Israel da terra que lhes dei; rejeitarei para longe de mim este Templo que consagrei a meu Nome e Israel será objeto de escárnio e de riso entre todos os povos. Este Templo sublime será para todos os transeuntes motivo de espanto: assobiarão e dirão: 'Por que Iahweh tratou assim esta terra e este Templo?' E responderão: 'Porque abandonaram Iahweh, seu Deus, que fez sair seus pais da terra do Egito, porque aderiram a outros deuses e lhes prestaram homenagem e culto, por isso Iahweh fez cair sobre eles todas estas desgraças4.

A referida passagem, cuja fala é atribuída ao próprio Iahweh, revela um caráter onisciente, uma vez que a trajetória da civilização judaica passa pelo reinado de monarcas após Salomão os quais, segundo afirmado no texto de livros bíblicos como I e II Reis, em sua maioria teriam desagradado a divindade, causando males diversos a toda a população judaica, considerada “o povo escolhido por Deus”.

O contexto do cativeiro e escravidão de parte do povo judeu na Babilônia é narrado de forma mais específica no livro bíblico de Daniel, integrante do grupo de livros da Bíblia Sagrada Cristã atribuídos a profetas. A referida fonte é relevante tanto em âmbito teológico quanto historiográfico, pois revela os precedentes históricos que resultaram no cativeiro judeu ao longo do recorte temporal considerado neste estudo (setenta anos).

Destaque-se o versículo inaugural do Livro de Daniel, na tradução portuguesa vertida da Bíblia de Jerusalém, que revela o contexto histórico imediato do cativeiro, inspirado por elementos da mitologia judaico-cristã: “No terceiro ano do reinado de Joaquim, rei de Judá, o rei da Babilônia, Nabucodonosor, marchou contra Jerusalém e pôs-lhe cerco. O senhor entregou-lhe nas mãos Joaquim, rei de Judá, assim como boa parte dos utensílios do Templo de Deus. Ele os transportou à terra de Senaar, depositando esses utensílios na sala do tesouro de seus deuses”5.

Há que se ponderar, entretanto, que os judeus deslocados para a Babilônia após o cerco empreendido por Nabucodonosor II, bem como o monarca Joaquim, habitavam o Reino de Judá, apenas um existente nos domínios do povo judeu, bem mais numeroso que os habitantes do reino mantidos em cativeiro, contando inclusive com elementos externos ao território de Canaã6.

Não obstante semelhante fato, o Reino de Judá foi significativamente relevante após o reinado de Salomão, podendo ser considerado à época o mais destacado no âmbito político dentre os reinos remanescentes das doze tribos de Israel. Em contrapartida, o Reino de Samaria ao longo do cativeiro floresceu na ausência do monarca Joaquim, o que aprofundou as dissensões existentes entre os judeus e os samaritanos, posteriormente abordadas nas aparições públicas de Jesus Cristo, séculos após o recorte temporal do presente estudo7.

Uma vez estabelecidos os prolegômenos da escravidão do povo judeu na Babilônia, tornam-se cabíveis algumas considerações acerca da natureza filosófica e econômica da escravidão, enquanto privação da liberdade humana e modo de produção econômica, tendo em conta entretanto o recorte histórico-temporal considerado, em que inexistia proscrição da exploração de mão de obra escrava no contexto intercivilizacional.


3. CONCEITO DE ESCRAVIDÃO NA PERSPECTIVA SOCIOCULTURAL

Antes de se compreender a natureza filosófica da exploração de mão de obra escrava na Antiguidade, torna-se relevante apresentar um conceito válido de teoria, a fim de que se possam expor as bases da experiência judaica na Babilônia em cotejo com o contemporâneo entendimento acerca do fenômeno da escravidão.

As teorias trazem sistematicidade ao repertório científico do conhecimento humano. O presente estudo pretende-se interdisciplinar, por dialogar com aportes teóricos oriundos da Historiografia, da Ciência das Religiões, da Filosofia e da Economia Política. Nesse sentido, um conceito adequado de teoria pode ser obtido em BARROS (2017, pp. 41-42), conforme segue in verbis:

Uma teoria é uma visão de mundo. É através de teorias que os cientistas e os estudiosos de qualquer área de saber conseguem enxergar a realidade, ou os seus objetos de estudo, de formas específicas, seja qual for o seu campo de conhecimento ou de atuação. É particularmente interessante constatar que a noção de “teoria” sempre esteve ligada, desde a Antiguidade, à ideia de “ver” - ou de “conceber” - o que prossegue sendo válido até os dias de hoje. (…) Particularmente nas Ciências Humanas, a palavra “teoria” tem sido empregada de maneira muito diversificada. Robert Merton já observava que muito frequentemente a palavra é empregada em sentidos diversos, que abarcam desde as menores hipóteses de trabalho até as mais amplas especulações ou aos sistemas axiomáticos de pensamento, daí decorrendo o cuidado que se deve ter no emprego da palavra (MERTON, 1970:51). (…) Theorein, a palavra grega para “teoria”, relaciona-se literalmente à “ação de contemplar”. No latim, “contemplar” refere-se ao ato de examinar profunda e atentamente algo. Remete também a esse entrecruzamento etimológico a possibilidade de dizermos, nos dias de hoje, que uma determinada teoria “contempla” este ou aquele assunto. Os antigos gregos costumavam ainda estabelecer uma distinção entre a theoria, que remetia à já referida “contemplação”, e à práxis, que remetia à “ação” propriamente dita – e já Aristóteles, na Ética à Nicômaco, opunha a teoria a qualquer atividade que não tenha a contemplação como seu objetivo último (ABBAGNANO, 1999:952). Acompanhando esta divisão entre a Teoria e a Práxis, “teorizar” chegou também a significar, entre os gregos, à dedicação exclusiva ao conhecimento e à sabedoria. Ainda com referência à mútua associação entre “teoria” e “ver”, podemos lembrar que o mesmo verbo que está na origem de theoria também originou Teos (Deus): “Aquele que vê”.

Verifica-se adequada semelhante exposição sobre os fundamentos etimológicos, históricos e filosóficos da expressão “teoria”, conforme propugnado pelo eminente Historiador brasileiro José D'Assunção Barros, ilustrando uma percepção transdisciplinar e sistêmica que dialoga tanto com a teoria da complexidade na filosofia de Edgar Morin (cf. MORIN, 1990), quanto com a teoria do pensamento sistêmico de Fritjof Capra (cf. CAPRA e LUISI, 2014).

Neste desiderato, compreender o fenômeno da escravidão sob o viés filosófico por vezes conflita com o pensamento econômico, mormente produzido a partir dos estudos de Karl Marx, que classificou o escravismo como mero modo de produção econômica (cf. MARX, 1867).

Sustenta-se neste estudo que semelhante controvérsia dispõe de uma proposta de solução à luz da Ciência da História, considerando que somente a partir dos reflexos desencadeados pela Revolução Francesa (1789), tendo por lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, traduzido na construção histórica da proteção internacional dos direitos humanos como direitos de primeira, segunda e terceira dimensões (cf. BOBBIO, 1992), restando gradativamente proscrita a exploração de mão de obra escrava na nascente sociedade internacional concebida pelo Tratado de Vestfália (1648) e consolidada pelo Congresso de Viena (1815).

Apresenta-se neste estudo, pois, uma teoria da escravidão sob a perspectiva sociocultural e sistêmica, afastando-se de abordagens unilaterais que considerem a condição de escravo como meramente interna do ponto de vista psicológico dos atingidos (ótica visualizada na filosofia clássica desde Platão), ou mesmo a exploração de mão de obra escrava como fruto exclusivo das vicissitudes econômicas de determinada civilização (conforme a ótica marxista radical), uma vez que a apreciação do contexto histórico em que se desenvolve a escravidão é de fundamental importância para a sua compreensão, conservando-se sempre o entendimento acerca de sua proscrição a partir da Idade Contemporânea.

Observa-se que a escravidão na Antiguidade possuía inegáveis reflexos políticos e econômicos nas civilizações onde era implementada, mas seu fundamento e fim não eram necessariamente relacionados com o desenvolvimento econômico destas, deitando raízes nos rituais de guerra e dominação típicos das civilizações localizadas nos Orientes Próximo e Médio, em uma progressiva migração ao oeste e atingindo as civilizações de matriz greco-romana até o término da Antiguidade em 476 EC8.

Não se olvida da existência de revoltas de escravos na Antiguidade9, o que afasta a concepção psicológica da escravidão, conforme a filosofia platônica, sendo mais nítidas as fontes históricas de tais fatos a partir da expansão da civilização romana, culminando com seu colapso em parte por vincular a exploração de mão de obra escrava diretamente à sua economia, fruto de uma concepção pessimista do livre exercício do trabalho – basta compreender que a origem etimológica da expressão “trabalho” se dá com a palavra latina tripalium (ou trepalium), determinado instrumento de tortura à época, o que associava o trabalho à ausência de nobreza.

Outrossim, verifica-se que o estigma da escravidão humana atravessou os milênios principalmente em decorrência de seus reflexos econômicos, ensejando fenômenos atuais como o social dumping em países de capitalismo periférico, caracterizados por desdobrarem o modo de produção econômica capitalista dissociado de políticas de equilíbrio e proteção sociais. Todavia, sua finalidade não era vinculada ao desenvolvimento econômico das civilizações da Antiguidade, que segundo as fontes apreciadas não dispunham de complexa política econômica, sendo contingencial este resultado supostamente lucrativo que a exploração de povos dominados na qualidade de escravos trazia ao orçamento das famílias que compunham a elite econômica das civilizações antigas e ao erário dos governos de tais sociedades. Logo, é necessário compreender-se a escravidão como fenômeno sociocultural e plural que não necessariamente é vinculado a aspectos políticos, econômicos ou psicológicos seja dos povos que adotam semelhante prática, seja das classes sociais dominadas, mas que influencia sobremaneira os desdobramentos da História Política, da Economia, do Direito e, nos termos dispostos no presente estudo, a própria História das Religiões, em especial o judaísmo enquanto objeto de pesquisa.


4. DESDOBRAMENTOS POLÍTICOS, JURÍDICOS E CULTURAIS DO CATIVEIRO NA BABILÔNIA E SEUS REFLEXOS NA HISTÓRIA DA RELIGIÃO JUDAICA

Sustenta-se, no presente estudo, que a exploração de mão de obra escrava enquanto fenômeno presente nas civilizações humanas desde a Antiguidade, sofreu profunda alteração paradigmática ao longo dos séculos, desdobramento, contudo, dotado de um mesmo liame, a saber, a cultura dos diversos povos onde a escravidão foi implementada. Desde a Antiguidade meso-oriental até a infeliz experiência brasileira, encerrada apenas em 1888 EC, a exploração de mão de obra escrava serviu aos interesses de sucessivas elites econômicas – no sentido comum e etimológico dado à “economia” - oikos nomos, orçamento doméstico, escravo como bem de consumo de famílias abastadas nas diversas civilizações onde a insidiosa prática fora implementada, até ser atualmente considerada proscrita por violadora das normas de proteção internacional dos direitos humanos.

A consideração dos desdobramentos da exploração de mão de obra escrava sob a ótica da cultura – e, por via de consequência, da História Política nas civilizações em que praticada – explica as razões pelas quais o monarca Nabucodonosor II manteve cativos em seu palácio apenas os judeus nobres e dotados de formação acadêmica compatível com as funções típicas de governo, sendo Daniel um elemento de semelhante grupo social. Havia profundo interesse do rei babilônico em aproximar diante de si aqueles conhecidos à época como “sábios”, para exercerem, a título gratuito, o mister de conselheiros reais (ou recebendo como contraprestação apenas o necessário para sua subsistência, bem como a segurança que o autocrata proporcionava às famílias de cortesãos residentes no palácio)10.

Não obstante a relevância da teoria dos modos de produção econômica e sua divisão metodológico-evolutiva proposta pelo filósofo alemão Karl Marx (primitivismo, escravismo, capitalismo, socialismo e comunismo), já referido no presente estudo, sustenta-se que a escravidão constitui-se mais em fenômeno sociocultural que modo de produção econômica, até mesmo porque praticada essa forma de exploração de mão de obra em sociedades que ainda adotavam pelo viés proposto pela teoria marxista o primitivismo como modo de produção.

Nesse sentido, apreciam-se os desdobramentos da escravidão até sua proscrição formal pela sociedade internacional em 1981 EC11 como um fenômeno de maior interesse dos Estudos Culturais12 que da Economia Política. Inicialmente ligada aos rituais de guerra dos povos que compunham a Antiguidade, de forma gradativa passou a ser formalmente vinculada à política econômica das sociedades onde fora aplicada, como por exemplo a romana (embora tenha sempre exercido influência nas vicissitudes econômicas de tais povos), causando desdobramentos significativos a partir do mercantilismo pós-Idade Média que resultaram na barbárie da escravidão negra africana, praticada até o século XX especialmente pelos países europeus. A mudança paradigmática na percepção sobre este fenômeno sociocultural a partir do século XVIII, com a ética filosófica de matriz iluminista e europeia – paradoxalmente, originada na mesma região que maciçamente explorava mão de obra escrava africana, em especial nas suas colônias americanas – trouxe nova luz à teoria do direito natural em franca expansão desde o período medievo, tendo por significativa influência a Teologia judaico-cristã, considerando que tanto o povo judeu quanto muitos cristãos primitivos foram vítimas da escravidão13.

Enfim, o período do cativeiro na Babilônia foi um episódio na trajetória histórica da civilização judaica que marcou profundamente a estrutura de sua religião. A destruição do Templo inaugurado pelo rei Salomão e a transferência forçada do rei Joaquim para a corte de Nabucodonosor II, aliadas à profunda crença monoteísta estabelecida no povo hebreu desde a doutrina do Patriarca Moisés após o Êxodo do Egito, proporcionou à classe sacerdotal judaica cativa no império babilônico fundamentar as bases do culto a Iahweh po meio do sacerdócio nos templos locais conhecidos hoje como Sinagogas.

Crê-se prudente, para maior ilustração sobre a influência do cativeiro babilônico nos aspectos teológicos do Judaísmo – que influenciaria o Cristianismo séculos depois por meio desta tradição tipicamente formada durante o período de escravidão –, apresentar trecho de breve e didático artigo de opinião (LUZA, 2014):

Os sacerdotes não tendo mais preocupações com o templo dedicam-se à escrita, ampliando o material que já existia e reinterpretam a história, segundo a visão sacerdotal. Recolhem material já existente e acrescentam outros escritos, assim surge nova tradição organizada, que é a literatura sacerdotal (representada pela letra P). Essa literatura foi preparada por exilados e para exilados. Os sacerdotes, portanto, exercem um papel importante, apesar de suas limitações, e, longe do templo, procuram unir o povo em torno da palavra de Deus. Com isso, surge a “importância do livro”, nova mentalidade que mudará os rumos de Israel.

Observa-se que o cativeiro judeu no império babilônico trouxe estigmas indeléveis à civilização judaica, influenciando profundamente sua religião, influência que foi transmitida ao futuro Cristianismo e, consequentemente, à sociedade ocidental, pelas vicissitudes que o fenômeno religioso traduz no imaginário sociocultural, com especial destaque para a construção dos mitos e da mitologia (cf. ELIADE, 1998) no seio do Cristianismo ao longo de sua milenar trajetória histórica14. Ademais, verifica-se que a escravidão não enseja abordagem puramente econômica, nem essencialmente filosófica, sob pena de se desnaturar sua natureza deletéria na proteção da dignidade humana.


5. REFLEXÕES FINAIS

Portanto, verifica-se que o cativeiro judeu na Babilônia, fato histórico narrado pelas tradições religiosas do Judaísmo e do Cristianismo, deve ser estudado por uma ótica múltipla, que abranja aportes teóricos da História Política (expansão do poder das Cidades-estado sumérias no Oriente Médio da Antiguidade), História do Direito (estratificação social decorrente da organização jurídica das Cidades-estado sumérias em torno do Código de Hamurabi), História das Religiões (desdobramento da religião judaica com a criação das primeiras sinagogas durante o cativeiro judeu na Babilônia), Economia Política (desdobramento da escravidão de reflexo dos rituais de guerra e débitos civis individuais nas civilizações antigas a partir da Babilônia a modo de produção econômica com a sistemática exploração de mão de obra escrava a partir do mercantilismo europeu do século XV até sua formal proscrição no fim do século XIX) e Filosofia (naturalização do fenômeno sociocultural da escravidão na Babilônia a violação do imperativo categórico na Filosofia Moral de Immanuel Kant nos desdobramentos históricos decorrentes da exploração de mão de obra escrava, especialmente em estudos pós-século XX), considerando que a história do cativeiro judeu envolve diretamente a exploração de mão de obra escrava como prática comum dos povos da Antiguidade que, embora exercesse influência sobre a conjuntura econômica de tais civilizações, era dissociada de fundamentos puramente econômicos ou filosóficos, mas sim ligados aos aspectos socioculturais inerentes ao trajeto histórico das civilizações antigas.

Nestes termos, sustenta-se que a escravidão ostenta muito mais a natureza de um fenômeno sociocultural do que uma matéria privilegiada de estudo da Filosofia ou da Economia Política. Nada obstante, a importância dada na época em que foi produzida e os desdobramentos resultantes no pensamento científico subsequente, crê-se na insuficiência da mera classificação do escravismo como modo de produção econômica para se definir a natureza do fenômeno à luz da contemporânea perspectiva dos Estudos Culturais. Em razão de sua pluralidade, a escravidão merece ser compreendida como fenômeno sociocultural, produtor de vicissitudes diversas nas civilizações onde incidiu, sendo proscrita apenas no século XX como reflexo do desenvolvimento das políticas de proteção internacional dos direitos humanos, influenciadas sobremaneira pelos desdobramentos do Direito Natural a partir do século XVI, enquanto reflexos, por sua vez, da Ética de matriz judaico-cristã objeto de estudos filosóficos no meio acadêmico europeu desde a Idade Média.

Os desdobramentos do nefasto período de cativeiro judeu no império babilônico, no âmbito da História das Religiões, transcenderam as eras e se tornaram de fundamental importância para a influência que a ética filosófica de matriz judaico-cristã trouxe ao Direito Natural a partir do século XVI, à proteção internacional dos direitos humanos a partir do século XX, e ao relevante desdobramento sociocultural ocorrido nas sociedades ocidentais que proporcionou a gradual proscrição da escravidão como forma de exploração de trabalhos forçados, em consonância ao processo de internacionalização da economia e da divisão do trabalho estabelecidas pela atuação de organismos intergovernamentais de relevo no tabuleiro da política internacional, como a Organização Internacional do Trabalho e Organização das Nações Unidas, com inegáveis repercussões nos espectros teóricos da História Política, da História do Direito, da História das Religiões, da Economia Política e da Filosofia, sob a perspectiva do movimento intelectual dos Cultural Studies, de larga tradição no estudo contemporâneo de Humanidades.

Logo, é possível a promoção da multidisciplinaridade e interdisciplinaridade com a proposta de transdisciplinaridade no estudo da escravidão e seus reflexos nos desdobramentos socioculturais da civilização judaica, mormente no tocante à teologia de suas crenças e a seus ritos religiosos. Neste sentido, a origem das sinagogas enquanto templos religiosos comuns em todas as comunidades judaicas do mundo revela o profundo significado da compreensão da exploração de mão de obra escrava na formação histórica de uma classe social, povo ou mesmo civilização.

Formalmente proscrita na atualidade, reflexo de violação sistemática dos direitos humanos, na Antiguidade a escravidão era naturalizada no interior das sociedades organizadas, ensejando uma abordagem compreensiva de suas vicissitudes no território e no recorte temporal considerado na pesquisa histórica. As histórias da civilização judaica e do judaísmo são significativamente marcadas pela escravidão dos hebreus na Antiguidade, seja no Egito, na Babilônia ou mesmo na exploração romana que, embora não tenha sido caracterizada pela escravidão, era desenvolvida sob o signo da dependência econômica no âmbito da História Política do povo judeu.

Sob a perspectiva sistêmica proporcionada pelo movimento intelectual dos Cultural Studies no panorama das Humanidades, focadas em sua produção acadêmica no Brasil, o relativo ineditismo deste estudo augura o estímulo ao debate da escravidão como fenômeno sociocultural plural desprovido de vínculos exclusivos ou com pretensão de exclusividade seja da Economia, seja da Filosofia.

Não se pode tomar a etiologia de dado fenômeno por suas consequências, o que se observa nos estudos hoje existentes sobre a escravidão à luz da Ciência da História e outras províncias organizadas das Humanidades, ou mesmo em ramos das Ciências Sociais Aplicadas como o Direito e a Economia Política. Proporcionou-se, desta forma, uma abordagem crítica à definição tradicional de escravidão e seus desdobramentos no episódio histórico do cativeiro judeu na Babilônia, com inevitáveis reflexos na história do judaísmo e suas crenças a esse segmento populacional mundial.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada: traduzida em português. 2. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

BARROS, José D'Assunção Barros. Teoria da História – Volume I: princípios e conceitos fundamentais. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

BOBBIO, Norberto. L'Età dei Diritti. Roma: Giulio Einaudi Editore, 1992.

CAPRA, Fritjof; LUISI, Pier Luigi. A Visão Sistêmica da Vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, 2014.

ELIADE, Mircea. Myth and Reality (1963). Tradução: Willard R. Trask. São Francisco: HarperCollins Publishers, 1998.

JÉRUSALEM, École Biblique de. La Bible de Jérusalem (1998). Tradução: Editora Paulus. Paris: Les Éditions du Cerf, 1998 / São Paulo: Paulus, 2002.

LUZA, Nilo. Etapas da História de Israel – o exílio na Babilônia. 4 nov. 2014. Disponível em: <http://www.paulus.com.br/portal/colunista/nilo-luza/etapas-da-historia-de-israel-o-exilio -na-babilonia.html#.XTtp4kclIy8>. Acesso em 26 jul. 2019.

MARX, Karl. Das Kapital: kritik der politischen oekonomie. v. I. Hamburgo: Verlog von Otto Meissner, 1867.

MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. 2. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 1990.


Notas

1 A criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919, fruto do Tratado de Versalhes (1918) que encerrou a I Grande Guerra (1914-1918), foi de fundamental importância para o estabelecimento de regras internacionais mínimas para o desenvolvimento de relações de trabalho dignas. Formalmente, a partir deste período, a escravidão resta proscrita no sistema global de Estados Soberanos que passa a ser protagonizado pelas Organizações Internacionais, como então o era pela Liga das Nações (1918-1945) e na atualidade o é pela Organização das Nações Unidas, constituída por meio da Carta de São Francisco de 1945, reflexo do término da II Grande Guerra (1939-1945). Infelizmente, o reconhecimento da escravidão como grave violação de direitos humanos somente se deu a partir do século XX, inexistindo consolidação de tal proscrição no imaginário social de diversas partes do mundo até a contemporaneidade.

2 Opta-se na elaboração do presente estudo pela sigla AEC (“Antes da Era Comum”) e EC (“Era Comum”) em vez de a.C. (“antes de Cristo”) e d.C. (“depois de Cristo”), por razões eminentemente ligadas à formação intelectual do autor-pesquisador, de matriz pós-positivista e não teocêntrica.

3 O Pentateuco é composto pelos cinco primeiros livros da Bíblia Sagrada Cristã em sua versão estabelecida pelo Rito Romano (adotado pela Igreja Católica Apostólica Romana e pelas igrejas protestantes históricas), sendo também reconhecidos pelo judaísmo como literatura “inspirada”: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Sua autoria é atribuída a Moisés, outro personagem da mitologia judaico-cristã reconhecido como patriarca.

4 Tradução em língua portuguesa vertida da Bíblia de Jerusalém, organizada pela École Biblique de Jérusalem e aceita pela Igreja Católica Apostólica Romana. Na versão revista e atualizada por João Ferreira de Almeida, aceita em parcela significativa das igrejas cristãs protestantes, segue a passagem de I Reis, 9:4-9: “Se andares perante mim como andou Davi, teu pai, com integridade de coração e com sinceridade, para fazeres segundo tudo o que te mandei e guardares os meus estatutos e os meus juízos, então, confirmarei o trono de teu reino sobre Israel para sempre, como falei acerca de Davi, teu pai, dizendo: Não te faltará sucessor sobre o trono de Israel. Porém, se vós e vossos filhos, de qualquer maneira, vos apartardes de mim e não guardardes os meus mandamentos e os meus estatutos, que vos prescrevi, mas fordes, e servirdes a outros deuses, e os adorardes, então, eliminarei Israel da terra que lhe dei, e a esta casa, que santifiquei a meu nome, lançarei longe da minha presença; e Israel virá a ser provérbio e motejo entre todos os povos. E desta casa, agora tão exaltada, todo aquele que por ela passar pasmará, e assobiará, e dirá: Por que procedeu o Senhor assim para com esta terra e esta casa? Responder-se-lhe-á: Por que deixaram o Senhor, seu Deus, que tirou da terra do Egito os seus pais, e se apegaram a outros deuses, e os adoraram, e os serviram. Por isso, trouxe o Senhor sobre eles todo este mal”.

5 Na versão revista e atualizada da tradução de João Ferreira de Almeida, segue o trecho do Livro de Daniel, 1:1-2: “No terceiro ano do reinado de Jeoaquim, rei de Judá, veio Nabucodonosor, rei da Babilônia, a Jerusalém e a sitiou. O Senhor lhe entregou nas mãos a Jeoaquim, rei de Judá, e alguns dos utensílios da Casa de Deus; a estes, levou-os para a terra de Sinar, para a casa do seu deus, e os pôs na casa do tesouro do seu deus”.

6 Sustenta-se inclusive que pequeno contingente do povo judeu permanecera em território egípcio, mesmo após o êxodo do Patriarca Moisés, formando importante comunidade que supostamente acolhera, séculos depois, Jesus Cristo durante sua infância. Considerando, entretanto, a fragilidade das fontes de tal fato, ligado especialmente quanto à infância de Jesus, tanto na historiografia quanto na literatura religiosa, infere-se que a Sagrada Família Cristã tenha sido acolhida pela remanescente comunidade judaica egípcia.

7 A “parábola do bom samaritano” foi a forma encontrada por Jesus Cristo para abordar a divergência entre judeus e samaritanos, transcendendo-a para expor sua doutrina religiosa de amor incondicional e universal, conforme disposto no Evangelho de São Lucas, 10:25-37. Por pertinente, cabe a transcrição de semelhante parábola, representantiva do período concomitante e imediatamente posterior ao cativeiro judeu na Babilônia, conforme tradução da Bíblia de Jerusalém, in verbis: “E eis que um legista se levantou e disse para experimentá-lo: 'Mestre, que farei para herdar a vida eterna?' Ele disse: 'Que está escrito na Lei? Como lês?' Ele, então, respondeu: 'Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, com toda a tua força e de todo o teu entendimento; e a teu próximo como a ti mesmo'. Jesus disse: 'Respondeste corretamente; faze isso e viverás'. Ele, porém, querendo se justificar, disse a Jesus: 'E quem é meu próximo?' Jesus retomou: 'Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu no meio de assaltantes que, após havê-lo despojado e espancado, foram-se, deixando-o semimorto. Casualmente, descia por esse caminho um sacerdote; viu-o e passou adiante. Igualmente um levita, atravessando esse lugar, viu-o e prosseguiu. Certo samaritano em viagem, porém, chegou junto dele, viu-o e moveu-se de compaixão. Aproximou-se, cuidou de suas chagas, derramando óleo e vinho, depois colocou-o em seu próprio animal, conduziu-o à hospedaria e dispensou-lhe cuidados. No dia seguinte, tirou dois denários e deu-os ao hospedeiro, dizendo: 'Cuida dele, e o que gastares a mais, em meu regresso te pagarei'. Qual dos três, em tua opinião, foi o próximo do homem qie caiu nas mãos dos assaltantes?' Ele respondeu: 'Aquele que usou de misericórdia para com ele'. Jesus então lhe disse: 'Vai, e também tu, faze o mesmo'”. A transmissão de semelhante parábola por Jesus Cristo, séculos após os eventos que resultaram no cativeiro judeu no reino babilônico, reflete a necessidade de composição das graves dissensões existentes entre judeus e samaritanos.

8 Opta-se pela expressão “civilizações de matriz greco-romana” considerando a profusão de Cidades-estado no período até o processo de unificação da civilização romana, culminando com o término da fase republicana com o assassínio de Caio Julio Cesar em 44 AEC.

9 A revolta de escravos que possui referências mais nítidas nas fontes históricas disponíveis foi a levantada por Espártaco (Spartacus) em 73 AEC, ensejando a chamada Terceira Guerra Servil (73-71 AEC) na civilização latina, culminando com o massacre dos escravos envolvidos pelo General romano Crasso e sua crucificação ao longo da Via Ápia, importante estrada romana, para que servissem de exemplo aos demais escravos que ousassem levantar rebeliões contra seus senhores e contra o império.

10 Não somente Daniel, o profeta, foi cooptado compulsoriamente por Nabucodonosor II para exercer o mister de conselheiro real na qualidade de cativo, mas outros judeus oriundos da nobreza ou dotados de formação educacional foram compulsoriamente cooptados para exercerem funções típicas da burocracia do império babilônico, inclusive administrando províncias. Tal foi o caso dos famosos personagens Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, cativos judeus e administradores de províncias do império babilônico que protagonizaram os eventos expostos no Livro de Daniel, 3:1-30, em episódio conhecido na religiosidade popular pentecostal brasileira como a narrativa do “Quarto Homem da Fornalha”, em referência ao anjo que participou do evento alegadamente miraculoso, revelando um interessante amálgama entre os aspectos históricos que envolveram o cativeiro judeu na Babilônia e sua relevância para a construção dos mitos no tronco religioso judaico-cristão. Sobre o rico aporte teórico da Mitologia e sua importância no espectro da História Cultural, por todos, cf. ELIADE, 1998.

11 A Mauritânia foi o último país a formalmente abolir a escravatura, em 1981, tornando-a delito apenas no ano de 2007. Ilustrando-se, o primeiro país a formalmente abolir a exploração de mão de obra escrava foi a Dinamarca, em lei publicada em 1792.

12 A teoria dos Estudos (ou Ciências) Culturais, desenvolvida no meio acadêmico anglo-saxônico sob a nomenclatura de Cultural Studies, propõe uma visão sistêmica das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, trazendo a lume em tempos recentes divisão metodológica elucubrada pelo Filósofo germânico Wilhelm Dilthey no século XIX entre as “Ciências da Natureza” e as “Ciências do Espírito”, identificando-se os Estudos (ou Ciências) Culturais com essa segunda categoria.

13 Os judeus escravizados inclusive pelo império babilônico, tema deste estudo; e muitos cristãos primitivos eram escravos, ex-escravos ou pobres livres na civilização latina, muitos dos quais desprovidos de cidadania romana, o que os tornavam ainda mais estigmatizados. A marginalização dos grupos sociais historicamente envolvidos tanto no Cristianismo quanto no Judaísmo influenciou sobremaneira os desdobramentos do estudo da Ética nas Universidades europeias, muitas das quais mantidas pela Igreja Cristã Católica Apostólica Romana, segmento da Filosofia que estimulou o desenvolvimento da teoria do direito natural no seio da renovada Ciência Jurídica, fruto do Renascimento seiscentista.

14 A Mitologia enquanto área privilegiada do conhecimento nos Estudos Culturais teve especial desdobramento ao longo do século XX, especialmente na sociedade ocidental, que buscou novas formas de compreender as manifestações religiosas e culturais de outros povos sob a perspectiva da alteridade, sem olvidar do confronto entre o universalismo neokantiano e o relativismo cultural que marcaram as relações de poder na Sociedade Internacional após a II Grande Guerra. Destaque-se o pensamento de Mircea Eliade (1907-1986), eminente intelectual romeno e Professor da Universidade de Chicago, no trecho de sua obra traduzida para a língua inglesa que segue, in verbis: “For the past fifty years at least, Western scholars have approached the study of myth from a viewpoint markedly different from, let us say, that of the nineteenth century. Unlike their predecessors, who treated myth in the usual meaning of the word, that is, as 'fable', 'invention', 'fiction', they have accepted it as it was understood in the archaic societies, where, on the contrary, 'myth' means a 'true story' and, beyond that, a story that is most precious possession because it is sacred, exemplary, significant. This new semantic value given the term 'myth' makes its use in contemporary parlance somewhat equivocal. Today, that is, the word is employed both in the sense of 'fiction' or 'illusion' and in that familiar especially to ethnologists, sociologists, and historians of religions, the sense of 'sacred tradition, primordial revelation, exemplary model'” (ELIADE, 1998).


Autores

  • Divo Augusto Cavadas

    Divo Augusto Pereira Alexandre Cavadas é Advogado e Professor de Direito. Procurador do Município de Goiânia (GO). Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO). Especialista em Direito Penal e Filosofia. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Realizou estudos junto à Universidad de Salamanca (Espanha), Universitá di Siena (Itália), dentre outras instituições. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Diplomado pela Câmara Municipal de Goiânia e Comendador pela Associação Brasileira de Liderança, por serviços prestados à sociedade.

    Textos publicados pelo autor

    Site(s):
  • Maria Cristina Nunes Ferreira Neto

    Maria Cristina Nunes Ferreira Neto

    Graduada em Historia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Mestre em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Doutora em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO).

    Textos publicados pela autora


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVADAS, Divo Augusto; FERREIRA NETO, Maria Cristina Nunes. Marcas indeléveis: considerações sobre o cativeiro judeu na Babilônia à luz das ciências da religião, história política e direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6106, 20 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79130. Acesso em: 10 maio 2024.