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A responsabilidade pré-contratual pela quebra dos deveres acessórios

admissibilidade no direito brasileiro

A responsabilidade pré-contratual pela quebra dos deveres acessórios: admissibilidade no direito brasileiro

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O mandamento da boa-fé objetiva não se limita aos momentos da conclusão e da execução do contrato, admitindo-se a existência de uma responsabilidade civil fora destes limites.

RESUMO

O presente trabalho foi impulsionado pela importância da situação havida a partir de fatos que ensejam a responsabilidade pré-contratual pela quebra dos deveres acessórios. A partir de uma concepção diferenciada do conceito de obrigação, em que esta passa a comportar diferentes tipos de prestações, surgem os deveres acessórios de conduta, diretamente ligados à satisfação integral dos interesses das partes envolvidas na relação. Com o advento do Código Civil de 2002, o mandamento da boa-fé objetiva vem expressamente referido no artigo 422. Entretanto, do modo como foi redigido, o dispositivo tratou apenas dos momentos da conclusão e da execução do contrato. Isto não significa, todavia, que não seja possível admitir, dentro do direito brasileiro, a existência de uma responsabilidade civil fora destes limites. Como o trabalho se ocupa em demonstrar, mesmo antes do advento do Código Civil de 2002, a jurisprudência nacional já fora capaz de operar construções que comprovam a possibilidade de responsabilização por fato ocorrido em momento anterior ao da contratação propriamente dita. Isto porque, ao ter se utilizado da técnica conhecida como "cláusula geral", o legislador possibilitou a que o intérprete possa fazer a adequação da norma ao caso concreto, ainda que este extrapole os limites daquela.


1 INTRODUÇÃO

Como as ciências humanas de um modo geral, ao Direito também incumbe o estudo e a análise dos sucessivos fenômenos sociais, surgidos a partir das transformações ocorridas no seio da sociedade contemporânea, notadamente capitalista.

Neste contexto e sempre tendo em vista a necessidade de que o Direito atue como um meio instrumentalizador da Justiça, é necessário a preservação de um equilíbrio que subsista em todas as fases das relações sociais, e em particular, das relações contratuais, e não apenas durante o momento da conclusão do negócio.

Assim, adquire grande relevância atualmente a tutela jurídica do período que antecede a conclusão do contrato propriamente dito, a que a doutrina tem se referido como pré-contratual.

Desta forma, o presente trabalho se ocupa em demonstrar o reconhecimento deste fenômeno notadamente dentro do contexto do Direito brasileiro, a partir de fatos que motivaram sua apreciação pelos tribunais pátrios.

Em um primeiro momento, faz-se necessário demonstrar de que modo o princípio da boa-fé, mais propriamente o da boa-fé objetiva, passou a figurar no rol das diretrizes que norteiam as relações contratuais de acordo com o ordenamento jurídico nacional. Sob esta ótica, no primeiro capítulo busca-se abordar as funções tradicionalmente acometidas pela doutrina ao instituto, bem como o tratamento legislativo que lhe é dedicado pelos principais diplomas normativos em nosso país.

Na seqüência, ocuparemo-nos em situar o princípio da boa-fé dentro do âmbito do Direito obrigacional, a partir do instante em que se visualiza um conceito mais flexibilizado dos deveres reciprocamente considerados pelas partes no momento da contratação. Assim, ao se contrapor as concepções estática e dinâmica da obrigação, torna-se viável compreender como é possível levar em conta outros fatores além daqueles expressamente acordados pelos entes contratantes.

Por fim, o terceiro e derradeiro capítulo deste estudo tratou de investigar a questão especificamente no que concerne à fase pré-contratual, ou como preferem alguns autores, pré-negocial, a qual tem início desde os primeiros contatos entre os entes interessados. Dentre os pontos analisados neste momento, estão os elementos a partir dos quais operou-se a construção doutrinária em torno desta espécie de responsabilidade, a grande discussão travada em torno de sua natureza jurídica, bem como os diversos deveres de conduta violados quando de sua ocorrência.

Para concluir, procuramos demonstrar, através de uma incursão pelos tribunais europeus, notadamente em países como Alemanha e Portugal, algumas das decisões que merecem destaque relativamente à responsabilidade pré-contratual. A partir daí, a constatação da existência de uma repercussão trazida por estes casos no cenário do Direito brasileiro, fez com que a parte final deste trabalho se ocupasse em promover uma análise cronológica das principais decisões proferidas nos tribunais brasileiros, demonstrando assim que a responsabilidade pré-contratual de fato conta com um lugar próprio dentro do estudo da responsabilidade civil como um todo.


2 A BOA-FÉ OBJETIVA COMO NOVO PRINCÍPIO DAS OBRIGAÇÕES

2.1 A AUTONOMIA DA VONTADE COMO PRINCÍPIO BÁSICO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

O Direito, assim como a generalidade das ciências humanas, não é possível de ser compreendido em sua real magnitude se não quando situado dentro de um contexto sócio-econômico, que o circunda. Assim sendo, cumpre ressaltar a importância que o contrato, enquanto instrumento hábil a promover a circulação de riquezas, assumiu dentro do contexto europeu do século XIX.

Nesta época, assistia-se ao surgimento e ascensão de uma nova classe hegemônica: a burguesia, ao mesmo tempo em que se presenciava o declínio do sistema feudal, no qual despontavam o clero e a nobreza. Como detentora dos meios de produção e do Capital, era interessante e necessário à classe burguesa a existência de um meio que pudesse viabilizar e facilitar as operações econômicas por ela empreendidas. E sob esta ótica, o contrato se colocava como figura de essencial importância. Daí ser possível afirmar que o contrato, àquele tempo, se apresentava como "veste formal das operações econômicas." [01]

Neste patamar, nota-se em toda a Europa, a partir do ano de 1800, uma tendência à elaboração de diplomas normativos basilares: os Códigos, daí porque tal movimento ter se notabilizado como o processo da Codificação. No estudo da figura em apreço, cabe em particular, ressaltar o tratamento destinado por dois dos principais códigos daquele período: o Code Napoleón francês de 1804 e o BGB alemão de 1896, cujos textos, vieram a "[informar] as grandes codificações daquele século (...) tornando-se como que modelos para grande parte dos outros sistemas nacionais." [02] Tanto em um sistema como no outro, era conveniente à época sustentar que a liberdade de contratar estava calcada na consideração de que todos eram iguais perante a lei (igualdade formal), o que maculava, logicamente, a existência de profundas disparidades no seio da sociedade capitalista.

Aos franceses coube a elaboração daquele que hoje é considerado como o "primeiro grande código da idade moderna, o primeiro dos códigos burgueses." [03] Editado em meio à efervescência dos ideais almejados pela burguesia, refletia diretamente, os interesses que impulsionaram a vitória obtida na Revolução de 1789.

Neste sistema, o contrato era visto, antes de mais nada, como modo de aquisição da propriedade, de modo a estar verdadeiramente a ela subordinado, e que atuava preponderantemente como meio de circulação de riqueza. Assim sendo, o direito à propriedade revestia-se em uma nova forma de utilização de terras, em detrimento do antigo regime de produção feudal.

Para melhor compreensão do papel desempenhado pelo instituto do contrato em França, célebres são as palavras de Enzo ROPPO. Segundo ele:

Em toda uma tradição do pensamento jurídico oitocentista, destinada a perpetuar a sua influência também no século seguinte, liberdade e propriedade estavam, de facto, associadas à maneira de um binômio indissolúvel: a propriedade (privada) é o fundamento real da liberdade, o seu símbolo e a sua garantia relativamente ao poder público, enquanto, por sua vez, a liberdade constitui a própria substância da propriedade, as condições para poder usá-la conformemente com a sua natureza e com as suas funções; sem propriedade, em suma, não há liberdade, mas inversamente, não pode haver propriedade dissociada da liberdade de goza-la, de dela dispor, de transferi-la e fazê-la circular sem nenhum limite (e portanto dissociada da liberdade de contratar). [04]

Diverso, por sua vez, foi o desenvolvimento alcançado pelo contrato no âmbito do Direito germânico, em que se encontrava inserido como espécie dentro de uma categoria muito mais ampla que o precede: a do negócio jurídico.

Trata-se, segundo aquela concepção, de uma categoria notadamente mais abstrata e genérica, tanto assim que se encontravam sobre o seu manto não apenas as múltiplas espécies de operações econômicas, mas também aquelas concernentes, como dissemos, ao Direito sucessório e de família.

Dentro deste contexto, adquire destaque preponderante o elemento volitivo, tanto assim que passou-se a se conceber a existência de um "dogma da vontade". De fato, esta se apresentava como elemento determinante na constituição de direitos e obrigações. Preocupados em protegê-la e de modo a poder ser manifestada de forma livre e espontânea, a doutrina germânica se ocupou em tipificar uma série de vícios, que uma vez presentes impediriam a vontade de ser validamente considerada.

Dentro deste panorama histórico, depreende-se que tudo tinha origem na vontade das partes, daí ser possível afirmar que constituía seu elemento determinante.

Hodiernamente, é muito comum se ouvir falar em autonomia da vontade e autonomia privada indistintamente, como se representassem a mesma coisa. Na verdade, embora a referência à expressão "autonomia privada" seja posterior àquela primeira, ambas possuem significados diversos.

A autonomia privada compreende uma noção mais bem fundamentada. [05] A partir de seu conceito, é possível distingui-la como algo mais voltado aos aspectos econômicos [06] que envolvem os negócios jurídicos. Na definição de Vera de FRADERA, "o princípio da autonomia privada [expressa] a autodeterminação de que é dotado todo o indivíduo capaz de agir no ordenamento jurídico e que pode estabelecer, pela vontade, efeitos jurídicos reconhecidos pela lei." [07]

Feitas essas considerações, já é possível partir para a conceituação de tão importante princípio. Na célebre definição de Henry DE PAGE [08], este deve ser entendido como:

o poder que tem as vontades particulares de regularem elas próprias todas as condições e modalidades de seus ajustes (...), de decidirem sozinhas e sem tutela legal, da matéria e da extensão de suas convenções, numa palavra, de darem aos seus contratos o conteúdo, o objeto que entenderem conveniente e que lhes é permitido escolherem com toda a liberdade, inspirando-se nos seus únicos interesses, e sob a única garantia de seus consentimentos recíprocos validamente trocados.

Falou-se até aqui de algo que, como visto, encontra suas raízes no campo jurídico-filosófico. Este trabalho, contudo, se desenvolverá sob a perspectiva do Direito obrigacional. Incumbe, portanto, empregar uma visão mais pragmática, dentro de seu âmbito de incidência. É o que se faz a partir de agora.

2.1.1 Liberdade Contratual

Fundada no princípio da autonomia da vontade, a liberdade contratual manifesta-se através da "amplitude deixada aos particulares para disciplinarem (...) seus [próprios] interesses." [09] Em outras palavras, é a faculdade que as partes têm de se "auto-vincularem" [10], conforme melhor lhes convier, "suscitando os efeitos tutelados pela ordem jurídica." [11]

Deste modo, a regra vigente em sede de contratos privados consiste em que os particulares são livres para "poderem agir por sua própria e autônoma vontade". [12]

Doutrinariamente, reconhecem-se algumas faculdades que a sua manifestação envolve, dentre elas liberdade de celebração [13] que quer significar a possibilidade de querer ingressar ou não em uma relação contratual qualquer, conforme os próprios interesses. E pouco importará se já houve uma manifestação receptícia de vontade ou não (negócios jurídicos unilaterais), ou se a operação visada pelo negócio conta ou não com previsão legal. Sob uma outra ótica é possível afirmar-se ainda que assim como a ninguém é dado o direito de impor coercitivamente ao outro a obrigação de contratar, também não se pode estipular qualquer medida sancionatória pela opção que fez em não contratar.

Em um segundo momento, uma vez se tendo optado pela sua celebração, cumpre considerar que também há liberdade quanto à seleção do tipo contratual, isto é, a determinação em torno da livre de fixação do conteúdo, através da escolha do instrumento jurídico mais apropriado à sua conformação. Vale dizer também que, em regra, não se exige a observância de formalidades específicas para sua constituição. [14]

Muito embora a massificação das relações sociais e os usos do comércio tenham feito com que a imensa maioria dos negócios se efetive através de modelos pré-existentes, isto não significa que haja impedimento para que novos tipos negociais sejam criados.

Atualmente, tais contratos, ditos atípicos, encontram-se amplamente difundidos. São assim denominados uma vez que, em relação a eles, não há a possibilidade de serem aplicadas as regras de uma única espécie de contrato, justamente por conterem traços pertencentes a diversos tipos.

Enquanto instrumento destinado à realização das necessidades sociais, é necessário que o contrato se adapte à finalidade econômica visada pelos participantes. De nada adianta contar com regras estanques para certas operações econômicas se tais regras não são capazes de atender à realidade social. [15]

Por fim, cogita-se ainda de uma terceira faculdade, relativa à liberdade de estipulação [16], que quer representar a deliberação em torno do efetivo conteúdo existente dentro da espécie negocial eleita, ressalvada a preservação da ordem pública e dos bons costumes de que trataremos com mais esmero a seguir.

2.1.1.1 Limitações ao princípio

Embora não se discuta que a referida diretriz se apresente como traço fundamental do Direito obrigacional, não se pode esquecer que os efeitos emanados desta manifestação repercutem dentro de um contexto social. Há que se considerar o interesse coletivo, que muitas vezes pode estar em oposição à finalidade visada pelo acordo de vontades.

Isto porque a supremacia da autonomia privada vigente no Estado liberal do século XIX, calcava-se no triunfo do Iluminismo e do liberalismo político e econômico. [17] Com o declínio do Absolutismo e o surgimento dos Estados independentes, o dogma da autonomia da vontade começava a se enfraquecer, ou dito de outro modo, a se relativizar.

Atualmente, tais restrições são de três ordens: as regras jurídicas de natureza cogente, as normas de ordem pública e finalmente as que decorrem dos ditames da moral e dos bons costumes.

Quanto as primeiras, correspondem a normas "que estabelecem princípios cuja manutenção é necessária à ordem social e, por isso, impõe-se obrigatoriamente a todos os indivíduos, inderrogáveis que são pela vontade privada". Distinguem-se das não cogentes uma vez que estas últimas se caracterizam pela "inafastabilidade de incidência da norma pela vontade humana." [18]

De outro modo, tem-se entendido que a norma de ordem pública é a que"se relaciona com os interesses essenciais do Estado ou da coletividade, ou que fixa, no Direito Privado, as bases jurídicas sobre as quais repousa a ordem econômica ou moral de determinada sociedade". [19]

Outrossim, a noção de moral confunde-se com um juízo subjetivo, o qual, dirigindo-se ao sentimento pessoal, influi profundamente na vida do homem. Obviamente que com o decorrer do tempo acaba sofrendo diversas transformações. Sua subjetividade é de tal ordem que uma conduta pode, ao mesmo tempo, ser conforme o Direito e contrária à moral, ou vice-versa. [20]

Finalmente, pode-se dizer que a dificuldade em se conceituar o que sejam "bons costumes" decorre daquilo que Kelsen já afirmava: na verdade tanto estes quanto a moral aproximam-se muito mais de uma norma social do que propriamente de uma norma jurídica. [21] Tanto é assim que a sanção para os casos em que há sua violação corresponde à "aprovação ou desaprovação da conduta." [22]

Dito isto, traz-se a partir de agora os outros meios pelos quais a autonomia da vontade se apresenta.

2.1.2 Pacta sunt servanda

O princípio da obrigatoriedade dos pactos, como é mais conhecido, constitui sem dúvida um dos mais sólidos pilares sobre o qual se assenta a disciplina jurídica contratual.

A idéia de que os contratos foram feitos para ser cumpridos tem como principal finalidade conferir segurança jurídica às partes, tornando possível às mesmas suscitar os efeitos pretendidos mas não alcançados em virtude da ruptura.

Embora a expressão consagrada seja de origem romana, tem como seu nascedouro a Grécia Antiga. Lá, o valor da palavra dada e as severas conseqüências em caso de descumprimento - os castigos corporais, quando não a própria vida -, tornavam raridade os casos de transgressão de que se tinha notícia. [23]

Sabe-se entretanto que a massificação das relações contemporâneas tornou freqüente os casos de violação do conteúdo estipulado. O Direito contratual, acompanhando estas mudanças, passou a regular muitas destas hipóteses, como é o caso da resolução por inadimplemento, rescisão por denúncia, anulação por vícios de consentimento, dentre outras. [24]

Não se pode esquecer ainda que a aparente incompatibilidade entre a cláusula rebus sic stantibus e o vetor em estudo deve ser desde logo afastada. Nestes casos a modificação superveniente das circunstâncias impossibilita qualquer previsão neste sentido.

De todo modo, a jurisprudência tem demonstrado mais uma vez que as exceções apenas confirmam a regra, reafirmando assim o caráter excepcional das hipóteses em que a teoria da imprevisão pode ser aplicada. [25]

2.1.3 Relatividade dos Efeitos

Essencialmente, sua idéia central pode ser resumida através da definição segundo a qual "o contrato assume força de lei, (...), todavia, sua eficácia é, ordinariamente, limitada às partes contratantes. Seus efeitos produzem-se exclusivamente entre os contratantes, vinculando tão-somente aqueles que dele participam, não aproveitando nem prejudicando a terceiros." [26]

É definido pela expressão latina "res inter alios acta, aliis neque prodest neque nocent", em vernáculo: "coisa havida entre as partes a terceiros não ajuda nem prejudica." Dito de outro modo, "os efeitos do contrato só se manifestam entre as partes, não aproveitando nem prejudicando terceiros." [27]

Embora a definição dê a entender que se refira apenas aos sujeitos envolvidos, não se pode olvidar que também se aplica quanto ao conteúdo estipulado, o qual se constitui sempre em uma prestação da qual emergem obrigações de dar, de fazer ou de não fazer. Não se poderia mesmo admitir que "a lei interna do contrato" vá além do "objeto que as partes vincularam ao negócio jurídico". [28]

Tanto é assim que Humberto THEODORO JÚNIOR [29] considera que "uma convenção não tem efeito senão a respeito das coisas que constituem seu objeto; e somente entre as partes contratantes".

Dito isto, não resta dúvida de que este vetor representa, em primeiro lugar, "elemento de segurança, a garantir que ninguém ficará preso a uma convenção, a menos que a lei o determine, ou a própria pessoa o delibere." [30]

Entretanto como toda regra, esta também possui exceções [31]. Basta considerar a posição do herdeiro necessário, que, não podendo juridicamente ser considerado terceiro, fica vinculado ao cumprimento da obrigação, tendo em vista que, "sua posição jurídica deriva da do contratante a que sucedeu" [32] e que por este motivo com ela se confunde. Logicamente que tal não poderá ocorrer além das forças do patrimônio que herdou. O mesmo se pode dizer dos contratos tidos como "estipulação em favor de terceiro", cujo exemplo típico é o seguro de vida. Em casos como este, é bom que se diga, conferem-se não apenas vantagens ao terceiro, mas também obrigações, ou seja, prestações exigíveis a seu rogo. Isto porque, como lembra Elsita C. ELESBÃO, "a existência de um contrato produz efeitos no meio social, repercutindo em face de terceiros, que deles não podem escapar por força de lei ou da vontade das partes". [33]

2.1.4 Consensualismo

Também se constitui em desdobramento fundamental do princípio da autonomia da vontade na medida em que, a par da vontade individual conjugada em que se assenta a relação negocial, as partes não se vinculam senão porque lhes interessa.

Assim, "quando o agente, no exercício de sua autonomia, constitui relações que à ordem jurídica interessam, a vontade é pelo Direito realizada, pois dele recebe a força de produzir efeitos jurídicos de conformidade com a norma atributiva". [34]

Isto porque, ao contrário do que ocorria no Direito romano, em que os negócios restringiam-se a alguns tipos contratuais fixos, hoje a complexidade das relações sociais impõe a necessidade de se estabelecer negócios específicos, adequados às particularidades de cada negócio.

Precisando ainda mais este vetor, Elsita C. ELESBÃO nos traz a antiga lição de um doutrinador italiano, para quem esta faceta da autonomia da vontade significa "a manifestação recíproca do acordo completo de duas ou mais pessoas, em relação ao objeto, de cada uma obrigar-se a uma prestação em relação à outra; ou ainda, no obrigar-se uma ou algumas, unicamente em face de outra ou outras, que aceitam, sem assumir qualquer obrigação respectiva." [35]

Daí porque, diante do acordo firmado pelas partes, o magistrado pouco pode fazer. A ele não é dado o direito de alterar a base sobre a qual se assentou o negócio, porque esta é a concretização da vontade soberana das partes. Permite-se apenas que se reconheça, caso algum interessado assim pretender, a existência de vícios de consentimento, ou então que declare a nulidade da avença por afronta às normas de ordem pública.

Formalmente a doutrina admite que a materialização deste princípio pressupõe três importantes condições [36]: a existência de ao menos duas manifestações distintas de vontade, a serem posteriormente conjugadas em um único negócio e que estas vontades se exteriorizem à parte com qual se pretende contratar. Finalmente é necessário que haja uma integração destes intuitos, de maneira que se ajustem mutuamente.

A respeito da primeira das condições elencadas é necessário que haja uma correspondência entre a convicção interna do agente e a declaração de vontade por ele emitida. Do contrário, ou seja, se a parte fizer uso de reserva mental, o negócio firmado pode vir a ser anulado. [37]

Vimos assim os diversos contornos que o princípio da autonomia da vontade admite em face do Direito obrigacional. Sob o manto de uma proteção excessiva do elemento volitivo, uma eventual confiança gerada entre as partes a partir do início das tratativas de negociação, não faz nascer qualquer espécie de vínculo entre elas, não sendo possível, desta forma, se cogitar de qualquer tipo de responsabilidade pré-contratual.

2.2 A BOA-FÉ COMO PRINCÍPIO GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Vistos ainda que de forma breve os princípios contratuais admitidos tradicionalmente, passa-se a demonstrar de que modo o vetor em estudo adentrou no rol das diretrizes que hoje norteiam os negócios jurídicos, de modo a flexibilizar sobremaneira o antigo e rígido caráter obrigacional de outros tempos.

Da conjugação dos quatro vetores anteriormente referidos, vale lembrar - o da liberdade contratual, o da obrigatoriedade das convenções, o da relatividade dos efeitos e o do consensualismo, infere-se essencialmente que a grande importância do elemento volitivo erigia como idéia nuclear.

Esta concepção de autonomia plena, que tomou forma principalmente a partir da Revolução Francesa, foi suficiente para se compreender, por muito tempo, os fenômenos abrangidos pelo vínculo negocial. Com o tempo, porém, esta passou a sofrer sensíveis modificações, tendo em vista as sucessivas transformações ocorridas principalmente a partir da Revolução Industrial.

Isto porque a supremacia da autonomia privada vigente no Estado liberal do século XIX, calcava-se no triunfo, de um lado, do Iluminismo e de outro do liberalismo político e econômico. [38] Através de um processo histórico que se inicia com o declínio do Absolutismo e o surgimento dos Estados independentes, a autonomia da vontade afirma-se como um dogma, para, mais tarde, ser relativizada, de modo que hoje não se mostra mais tão rígida quanto antes.

Desta forma, a exemplo do que passou a ocorrer também em outros ramos da ciência jurídica - sobretudo em sede de Direito de família e sucessório - à medida em que o houve uma mitigação do caráter patrimonial das obrigações, a manifestação da vontade deixou de ser tida como a única razão de ser das relações contratuais, sendo cada vez mais valorizada a observância do mandamento da boa-fé.

A esse respeito, mais precisamente acerca da "desqualificação do elemento volitivo", Mario Júlio de Almeida COSTA [39] nos lembra que "na contemporânea civilização de massas, segundo as concepções do tráfego jurídico, existem condutas geradoras de vínculos obrigacionais, fora da emissão de declarações de vontade que se dirijam à produção de tal efeito, antes derivadas de simples ofertas e aceitações de fato."

De modo que com o passar do tempo, "começava-se a reconhecer-se no princípio da boa-fé uma fonte autônoma de direitos e obrigações; transforma-se a relação obrigacional manifestando-se no vínculo dialético e polêmico, estabelecido entre o devedor e credor, elementos cooperativos necessários ao correto adimplemento." [40]

Assim, era necessário tutelar, por exemplo, a situação de hipossuficiência em que se encontrava o sujeito frente aos fornecedores de produtos e serviços, que detinham o poder de barganha. Foi então que a doutrina passou a incluir também a boa-fé como princípio geral do Direito das obrigações.

Em sua modalidade objetiva - a qual permeará todo este trabalho - traduz-se pelo dever de atuar em respeito à pessoa do outro contratante. No mesmo passo de entendimento estão as palavras de Judith MARTINS-COSTA, para quem observá-lo nada mais é do que agir em "consideração para com os interesses do alter, visto como um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado. Aí se insere a consideração para com as expectativas legitimamente geradas, pela própria conduta, nos demais membros da comunidade, especialmente no outro pólo da relação obrigacional." [41]

Uma vez tendo sido esboçada uma breve noção do instituto, passaremos a estudá-lo de forma mais detida. Conforme é possível notar, ele se constitui na base do presente trabalho, tendo sido responsável por promover uma profunda transformação no Direito contratual. Como restará demonstrado nas linhas seguintes o Direito dos contratos acabou por demarcar duas diferentes concepções para este princípio: uma subjetiva, de cunho psíquico, outra objetiva, dotada de um caráter nitidamente mais pragmático.

2.2.1 Boa-fé Subjetiva

Diz-se freqüentemente que determinado sujeito agiu "de boa-fé", ou que, a contrario sensu, estava de má-fé. Embora a referência seja singela, dela se pode extrair que referida concepção aloca-se no âmbito interno do sujeito, na crença que possui de estar agindo legitimamente. Trata-se de uma valoração pessoal, de cunho íntimo, psicológico, de quem imagina estar agindo conforme o Direito. Segundo anotam os lexicógrafos, denota o estado de consciência de quem crê, por erro ou equívoco, que age com correção e em conformidade com o Direito, podendo ser levado a ter seus interesses prejudicados. [42]

Nesta mesma esteira de entendimento, lapidar é a lição de Judith MARTINS-COSTA, para quem:

A expressão "boa-fé subjetiva" denota "estado de consciência", ou convencimento individual de obrar [a parte] em conformidade ao direito [sendo] aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se "subjetiva" justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito na relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a ma-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem. [43]

Sendo referida pelo ordenamento pátrio já há muito tempo, diversos eram os dispositivos em que aparecia no Código Civil anterior. Neste aspecto, também a nova lei a ela faz alusão, em diversos momentos. Todavia, conforme se disse, a exemplo do que já ocorria na lei anterior, é em matéria de Direitos reais, mais precisamente no âmbito do Direito possessório [44] que estão a maior parte de suas referências. Apesar disso, também esteve presente, como já dito, no Direito de família [45] e mesmo na própria esfera contratual. [46]

Por ora, estas considerações são suficientes a demonstrar que não será sob este ângulo que o presente trabalho irá abordar a questão.

2.2.2 Boa-fé Objetiva

Em oposição à idéia anterior está a de boa-fé objetiva. Sob este viés, o princípio passa a demandar daqueles que figuram na relação jurídica uma atitude de correção, de lealdade, de probidade, que visa conferir segurança ao tráfego jurídico.

De maneira que os parceiros contratuais devem atuar no sentido de assumirem uma postura transparente, de retidão, de integridade, que inspire confiança no outro.

Assim, acaba se constituindo em pressuposto para a manutenção da segurança nas relações, uma vez que é difícil imaginar uma sociedade em que, não sendo ela (segurança) tutelada juridicamente, imperasse a incerteza advinda da emissão de declarações que, em face das legitimas expectativas geradas no outro, não viessem a se efetivar. Em casos tais e em face da proteção da confiança dos sujeitos envolvidos, há que existir um meio através do qual, sobretudo quando houverem sido realizadas despesas necessárias com vistas à efetivação do negócio, pudessem ser ressarcidos os prejuízos experimentados pela parte prejudicada. Desta hipótese, porém, cuidaremos mais especificamente em momento posterior deste trabalho.

Dito isto, agora já é possível traduzir-se concretamente o mandamento da boa-fé objetiva em

modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual "cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade." Por este modelo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo. [47]

Fica claro, portanto, que em tais situações busca-se o equilíbrio entre as prestações, tendo em mente a finalidade contratual almejada. E embora esta possa sofrer alterações com o tempo, o mais importante é que esta situação de equivalência quanto aos benefícios auferidos permaneça inalterada.

Assim, já é possível perceber que a boa-fé já não é mais um mero arquétipo de valores morais, passando a se constituir em um elemento o qual deve ser continuamente buscado pelo contrato.

Feita esta distinção, passa-se a examinar de que modo atua a boa-fé objetiva. Basicamente, três são as funções que normalmente lhe são atribuídas pela doutrina.

2.2.3 Funções

a) Boa-fé como cânone hemenêutico-integrativo [48]

Através dela tanto é possível proceder-se ao preenchimento das lacunas existentes no contrato - o que é feito pelo juiz através da especificação do conteúdo contratual - como a este também incumbe propiciar uma interpretação flexibilizadora da vontade das partes [49]. Aqui, cabe ressaltar o relevante papel desempenhado pelo magistrado, o qual, através de um processo mental conhecido como "concreção" [50] e desde que a técnica legislativa empregada assim o permita, pode verdadeiramente assumir uma postura participativa, até mesmo criadora em sua aplicação, na medida em que lhe cabe a valoração do grau de informação, de transparência e de lealdade nas condutas e cláusulas contratuais. [51] Isto, porém, está longe de representar "um processo arbitrário ou irracional, pois a tarefa do julgador é a materialização das valorações, encontráveis, por exemplo, na Constituição da República, através dos princípios por ela consagrados." [52] Justamente por demandar toda esta atuação do intérprete, é que é considerada a mais complexa das funções do aludido princípio.

Tem ainda o condão de substituir diversas outras diretrizes correlatas - que tomam forma diante do caso concreto - a exemplo da vedação ao enriquecimento sem causa, do abuso de direito, do princípio da solidariedade social, da correção e honestidade, bem como da eqüidade. [53]

Há determinadas hipóteses, porém, em que referidas condutas, para além de serem tidas como meramente anexas, acessórias ou laterais, passam a se constituir em elemento da própria obrigação principal. Tome-se como exemplo as atividades desempenhadas por alguns profissionais liberais, tais como a de médicos e advogados, diante das quais se está diante de verdadeiras obrigações de meio.

Outrossim, verifica-se que sua incidência não se restringe apenas ao âmbito do Direito privado, uma vez que também está presente, por exemplo, nas atividades desenvolvidas pela Administração Pública, cujos fundamentos norteadores encontram-se presentes no art. 37 da Magna Carta. Sob este prisma, sua exigência é ainda maior, uma vez que os atos administrativos revestem-se de uma "presunção de legalidade". [54]

b) Boa-fé como criadora de deveres jurídicos

Em uma perspectiva de síntese, este primeiro capítulo tem por finalidade demonstrar de que modo se tem operado a flexibilização das obrigações, com a abertura do sistema para a inclusão de novos princípios no mesmo instante em que antigos preceitos como o da autonomia da vontade tem seu conteúdo relativizado em face do princípio da confiança.

Deste modo, passe-se a se admitir que o conteúdo obrigacional seja constituído não apenas pelo objeto deliberado de comum acordo entre as partes, mas também de uma série de outros deveres que dela emergem e que devem igualmente ser observados sob pena de se frustrar o interesse reciprocamente considerado.

É precisamente sob esse aspecto que está situada a função de criação de deveres jurídicos. Fala-se aqui não mais nos deveres principais, como os que têm origem por efeito direto e imediato do contrato, como, v.g., no contrato de compra e venda, o pagamento do preço pelo devedor e a entrega da coisa pelo credor – tampouco naqueles dotados de prestação autônoma, como os juros decorrentes da mora (tidos também como meramente acessórios da prestação principal).

A referência aqui pretendida diz respeito àqueles deveres exigíveis das partes, os quais dependem basicamente das circunstâncias que cercam o conteúdo de cada obrigação. Constituem, portanto, modelos de comportamento, por meio dos quais os contratantes devem se pautar durante todo o iter contratual, desde as tratativas, até mesmo finda sua execução.

São assim denominados deveres acessórios de conduta, conhecidos também como deveres instrumentais, laterais, de proteção ou de tutela [55]. Sobre eles nos deteremos mais especificamente no Capítulo 3 deste trabalho. Por ora, estas considerações mostram-se suficientes.

c) Boa-fé como limite ao exercício de direitos subjetivos

Ao lado da função de criação de deveres jurídicos, está outra grandiosa contribuição do princípio da boa-fé, se não a mais importante delas: a que limita o exercício abusivo dos direitos subjetivos.

Em relação à ela, há que se atentar para a estreita relação que a aplicação do § 242 do BGB [56] guarda com a noção de abuso do direito - figura diretamente relacionada com a função em análise - bem como em relação ao que se denomina de exercício inadmissível de posições jurídicas. [57] Em sua dissertação de mestrado, a professora Rosalice Fidalgo PINHEIRO, discorre largamente sobre a questão, dizendo, em dado momento que o abuso do direito [quando] fundamentado na boa-fé revelar-se-á quando exista "manifesta desproporção entre o interesse prosseguido pela parte e aquele da contraparte que é lesado." [58]

Resta, portanto, evidenciado o entrelaçamento existente entre a função ora em estudo, a figura do abuso do direito e o exercício inadmissível de posições jurídicas. Isto porque embora o indivíduo, a princípio, desfrute de uma ampla e irrestrita liberdade de contratar, a partir do instante em que inicia preparativos em torno de um determinado objeto, pode, em decorrência de uma atuação culposa sua, vir a causar prejuízos àquele com quem esteja negociando, ainda que não tenham chegado a um denominador comum. E neste ponto, a considerar que o exercício de um direito acarreta responsabilidade, e que tal exercício mostra-se abusivo quando praticado de forma culposa, não há como o agente causador dos danos permanecer imune à situação por ele criada. [59]

A partir desta constatação o desenvolvimento da jurisprudência alemã em torno do assunto acabou classificando o exercício abusivo do direito em alguns grupos de casos típicos, dentre os quais destacam-se a exceptio doli generalis, o venire contra factum proprium, verwirkung, inalegabilidade de nulidades formais, tu quoque e desequilíbrio no exercício jurídico. [60]

É necessário lembrar ainda, que no cenário jurídico internacional o desenvolvimento deste instituto encontrou, num momento inicial, grande oposição de nações cujo sistema jurídico se assenta na Common Law, ou seja, principalmente Inglaterra e Estados Unidos. Isto porque os juristas ingleses, "no período que antecede a relação contratual, não [admitiam] um esboço de contrato e, em conseqüência, [qualquer] responsabilidade civil em caso de ruptura abusiva da negociação." [61] Felizmente, com o passar do tempo assistiu-se à sua admissão naqueles sistemas, sobretudo a partir do "desenvolvimento da análise econômica do Direito." [62] De maneira que no atual estágio em que se encontra o Direito, não há mais como se furtar a tão importante fenômeno, sendo que hoje é largamente reconhecido pelos principais sistemas jurídicos contemporâneos.

2.2.4 A Recepção da Boa-fé pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro

Tendo sido esboçada uma noção básica do instituto, passa-se a abordar os dispositivos legais em que o aludido princípio aparece, se não de forma literal, ao menos de modo a tornar possível, mediante um raciocínio lógico-dedutivo, extrair-se o seu sentido. Vale ressaltar que daqui por diante os focos se voltarão unicamente para sua vertente objetiva.

2.2.4.1 Boa-fé e codificação

Até o advento do Código Civil hoje vigente, havia uma grande dissonância em torno da possibilidade ou não de se aplicar o princípio em estudo. Isto porque o Código anterior, de 1916, por não conter uma cláusula geral a seu respeito, não fazia qualquer menção à existência de um dever geral de atuar conforme a boa-fé. Discutia-se assim, a possibilidade ou não de aplicação de um princípio não-legislado. Tanto que nos poucos julgados nos quais foi possível a sua apreciação pelo Poder Judiciário, verifica-se a necessidade de uma fundamentação extensa e trabalhosa, destinada à necessidade de se demonstrar que seus ditames, ainda que não expressos em um texto de lei, defluiriam de uma interpretação sistemática e integrada do ordenamento como um todo.

O Código Civil de 2002 traz uma importante inovação para a aplicação do princípio da boa-fé objetiva: a previsão do art. 422. Não que antes de seu advento isto não pudesse ocorrer [63]. Alguns poucos tribunais, mais notadamente o TJRS já vinha admitindo a incidência da boa-fé objetiva em certas hipóteses. Todavia isto demandava, como já se afirmou, uma extensa, trabalhosa e exaustiva fundamentação, a qual muitas vezes contrariava forte parte da comunidade jurídica que dizia não ser possível a aplicação de um princípio não legislado. [64]

Prevista no artigo 422 como cláusula geral, exige-se que "os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."

Por cláusula geral devemos entender como uma determinada técnica legislativa, através da qual são propostos standards jurídicos, dotados de proposital vagueza e imprecisão, para que o intérprete, diante da apreciação do caso analisado, elabore a norma mais adequada àquela situação específica. [65]

Em vários momentos da nova lei se percebe esta preocupação social do legislador, a exemplo do art. 421 [66], que fala da função social do contrato, bem como o art. 157 [67], que ao tratar do instituto da lesão, relativiza, nos casos previstos, o princípio da obrigatoriedade das convenções (pacta sunt servanda). [68]

Em contrapartida à normatização através das cláusulas gerais, está a regra de se legislar por fattispeciei que corresponde a se tentar englobar dentro do conceito legal, o maior número possível de situações nas quais o processo de subsunção autoriza o intérprete a aplicar determinada norma. [69]

Pode-se dizer, ainda, que o art. 422, foi, em certa medida, influenciado pelo Código Civil alemão, o BGB, que desde o início de sua vigência, no ano de 1900, já trazia a boa-fé objetiva de forma expressa. Dispõe o § 242 da lei germânica, que "o devedor é obrigado a realizar a prestação de boa-fé, atendendo às exigências dos costumes". [70]

A partir da experiência germânica, e na mesma corrente desta, outros países europeus também passaram a incluí-la em suas leis. [71]

Na aplicação deste princípio ético-orientador [72] enquanto cláusula geral, vale ressaltar, mais uma vez, o papel fundamental a ser desempenhado pelo juiz, que deve ter sensibilidade para retirar do dispositivo de lei um sentido que possa levar à concretização da boa-fé objetiva. Não se trata de um mero artifício de retórica, mas sim de adequá-lo às múltiplas situações que se apresentam na prática.

Isto porque, atualmente, não tem mais sentido um Código que se estenda demasiadamente na tentativa de prever a totalidade das condutas humanas possíveis. [73]

É curioso notar que antes mesmo de sua entrada em vigor, o Código Civil já contava com projeto de emenda em 183 artigos de seu texto, inclusive conferindo uma nova redação ao referido artigo 422.

De acordo com esse projeto, o dispositivo [74] passaria a enunciar as fases principais da obrigação em que se deve atuar conforme a boa-fé objetiva.

Parece-nos que mais uma vez o legislador peca pelo excesso de palavras. Se se trata verdadeiramente de uma cláusula geral, que utilidade haveria então em se especificar as fases em que deva ser observado? Tal conclusão cabe tão somente ao intérprete, este sim o único ente capaz de, conforme os contornos que o caso apresentar, determinar quando e como ele deve ser observado.

Neste sentido, Antonio Junqueira de AZEVEDO critica o instituto na forma como ele foi recepcionado pela lei recentemente em vigor. [75]

Do modo como hoje está previsto, questiona-se se é possível ou não aplicar o art. 422 desde o momento em que se iniciam as negociações. Muitos autores, ao apontarem a falha na redação do dispositivo, afirmam que não seria possível, pois, ao mencionar expressamente os momentos da "conclusão do contrato como em sua execução", estaria se referindo apenas às fases contratual e pós-contratual, respectivamente.

Também é crescente o entendimento contrário, calcado no fato de que como o art. 113 do Código de 2002 dispõe que "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração", o princípio da boa-fé deve ser observado durante todas as fases da contratação. Posicionamo-nos neste sentido.

2.2.4.2. A Boa-fé e a Constituição da República

Por um longo período e até bem recentemente tinha-se no Código Civil – uma referência que, para além da esfera de atuação restrita ao Direito privado, era tida como norma que balizava todo o ordenamento jurídico.

A partir da promulgação da CR de 1988, porém, todo o ordenamento passou a ser visto sob uma outra forma, à luz do sentido pretendido pela Carta Magna. Assim, passou a Lei Maior a atuar como foco que irradia seus efeitos para os mais diversos ramos do Direito.

Daí porque ser equivocado considerar que Código Civil e CR se encontram necessariamente em posição de antagonismo. [76] Pelo contrário, admite-se modernamente que suas normas podem denotar posições coincidentes (como diante dos direitos da personalidade), ou complementares, o que, aliás, é mais usual, haja vista que, em se tratando de legislação ordinária, à lei civil incumbe, em diversas ocasiões, disciplinar o conteúdo constitucional materializado em princípios.

Disse-se que referido fenômeno não é particularidade deste campo do Direito. Para podermos compreender melhor esta afirmação, é útil imaginar a Carta Política no centro do sistema jurídico. Em torno dela, gravitam – por assim dizer – diversas leis, que, dado seu intuito em abranger a totalidade da disciplina jurídica de um determinado tema, tem sido consideradas verdadeiros microssistemas. São exemplos disso a Lei de Locações, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dentre outros diplomas [77].

Considerando-se que, ao invés de uma posição conflitante, presta-se a Lei Maior a atuar como parâmetro, através do qual as demais leis são interpretadas, pode-se dizer que se tentará proceder a uma leitura constitucional da boa-fé.

Tendo em vista o caráter notadamente sociabilizador, coletivizante e democrático da CR, seus preceitos atuam de modo a operar uma verdadeira relativização do modelo contratual fechado de que já tratamos.

Esta preocupação em disciplinar as relações individuais antes situadas apenas no âmbito do Direito privado foi aumentando à medida que o Estado passou a reconhecer a interação do indivíduo no meio social [78].

Concomitantemente, a apreensão deste fenômeno também foi alvo do texto constitucional. Segundo aqueles que se dedicam à moderna Teoria do Estado [79], estas gradativas conquistas sociais foram sendo descritas através dos direitos de primeira, segunda e terceira geração. Observe-se que se naqueles a preocupação era resguardar o indivíduo, para que pudesse exercer suas garantias naturais sem que houvesse a interferência prejudicial do aparelho estatal, nestes últimos – também conhecidos como direitos trans-individuais, difusos e coletivos - e o Direito do consumidor é exemplo típico - a ingerência do Estado vêm se mostrando fundamental para propiciar ao cidadão uma proteção eficaz em face da dinâmica atual de mercado, na qual o economicamente mais forte, o profissional, faz valer seus interesses, em detrimento do leigo, do hipossuficiente. [80]

Com a CR atuando primeiramente neste sentido, observou-se na legislação a ela subseqüente esta mesma tendência. Particularmente quanto ao objeto de nosso estudo, pode-se dizer que foi principalmente o princípio da dignidade da pessoa humana que consubstanciou a boa-fé objetiva. [81] Na verdade, o texto da Lei Maior, fundado também em outros vetores como o da igualdade (art. 5º, caput), erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais (art. 3º, III), construção de uma sociedade livre justa e solidária (art. 3º, I), valorização do trabalho humano e da livre iniciativa (art. 5º, XXXII) e da defesa do consumidor (art. 170, V) acabam por conduzir o intérprete mais atento a um caminho para o qual concorre também o sentido de boa-fé.

Foi desta forma que princípios tidos pela teoria contratual clássica como verdadeiros dogmas - intangíveis, portanto - foram aos poucos sendo flexibilizados. Assim se deu, por exemplo, com o mandamento da obrigatoriedade do cumprimento (pacta sunt servanda), que embora tenha sido demasiadamente enaltecido a partir da Revolução Francesa, foi muito tempo depois redesenhado pela chamada "doutrina social cristã", passando a admitir a modificação de cláusulas, priorizando-se assim uma "equivalência contratual." [82]

É claro que, há até bem pouco tempo - quando a lei civil não previa a boa-fé objetiva - muitos eram aqueles que se insurgiam em sentido contrário, não concebendo a sua utilização. Um entendimento mais aberto e funcionalizado do ordenamento, porém, já tornava possível a sua aplicação.

É que também a Carta Magna possui no interior de seu texto alguns dispositivos em relação aos quais, muito embora não se possa afirmar que se sobrepõem hierarquicamente uns aos outros, têm o condão de desempenhar diferentes papéis. Assim é que os artigos 1º a 4º, verdadeiras "tábuas de valores do ordenamento jurídico" [83], encerram mandamentos cuja eficácia, cuja concretização, tendo em vista a sua importância, dispensam a necessidade de regulação pela via ordinária, uma vez serem considerados como "princípios que contêm normas". [84]

Contudo, para que isto realmente ocorra, incumbe ao intérprete a adoção de uma postura participativa, na criação da norma adequada para o caso concreto. Neste sentido, de grande importância o papel que já vinha sendo desempenhado pelos desembargadores gaúchos, sobretudo pelo atual Min. do STJ, Ruy Rosado de Aguiar Júnior.

2.2.4.3 A Boa-fé e o Código de Defesa do Consumidor

A nova teoria contratual, impulsionada pela oxigenação promovida em todo o Direito privado a partir da promulgação da Carta Magna, foi também apreendida pelo Código de Defesa do Consumidor.

Sua grande contribuição está em que, através dela, "positivou-se a idéia de boa-fé objetiva" [85] em nosso ordenamento. Merece destaque o art. 4º, III, que atua como vetor interpretativo-teleológico [86] e o art. 51, IV, que consubstancia uma cláusula geral [87]. Somados, estes dois artigos tornam possível afirmar que "a idéia de boa-fé constitui a inspiração principal da legislação sobre defesa do consumidor no Brasil." [88]

Nesta lei, a boa-fé objetiva adquire relevância a partir do momento em que o legislador disciplinou não apenas as operações econômicas presentes nas relações de consumo. Ao prescrever a adoção de certas condutas, sobretudo do fornecedor para com o consumidor, fez com que este passasse a ser visto em sua condição de hipossuficiência [89], buscando minimizar os efeitos desta situação e tutelando seus interesses em face dos do mercado.

Sua importância no âmbito das relações de consumo fica bem definida nas palavras de Claudia Lima MARQUES, para quem:

boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação "refletida", uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes. [90]

Falou-se que o legislador ordinário, ao tratar da boa-fé objetiva, prescreve a adoção de determinadas condutas às partes contratantes. Resta indagar que condutas seriam estas.

Basicamente, é possível dividi-las em três: o dever de informar com correção, o de agir com lealdade para com o parceiro contratual e o de protegê-lo, tanto em relação à sua pessoa quanto no que se refere a seus bens, seu patrimônio.

Na lei, o dever de informar assume grande importância durante a fase pré-contratual, em face da publicidade veiculada para a aquisição de produtos e serviços. Andou bem o legislador neste sentido, ao prever, nos arts. 30 e 31, o efeito vinculativo da oferta, bem como a necessidade de se informar com correção. Todavia dito dever não se restringe à fase que antecede o contrato. Aliás, em relação à pós-contratualidade do dever de informar, os meios de comunicação vêm noticiando um número cada vez maior de recalls, aquelas convocações dirigidas geralmente aos proprietários de veículos de uma determinada montadora, para que compareçam às concessionárias da marca e efetuem gratuitamente a troca de um dado componente que esteja apresentando defeito em um número significativo de veículos. Mais do que o interesse em se manter os clientes satisfeitos, vê-se nestas ocasiões a oportunidade de se evitar futuras reclamações, as quais poderiam mesmo ensejar que a parte prejudicada viesse a ingressar em juízo.

No que diz respeito ao dever de lealdade vale dizer que se liga à idéia de transparência, de uma atuação na qual se adote uma postura de correção, de honestidade, de retidão entre as partes contratantes.

Desde o momento de aproximação entre elas, passando pela exigência de exclusividade de negociação quando estas já tenham atingido um determinado ponto nas conversações e se estendendo até mesmo para depois de concluído o contrato, v.g., informando-se ao cliente a mudança de endereço do estabelecimento comercial para o caso de uma eventual reclamação ou mesmo futuros questionamentos.

Por atitude leal, entenda-se também a adoção de uma postura de cooperação, de participação, compreendendo não só a abstenção de determinados comportamentos [91], mas que as partes empreendam posturas ativas no curso do desenvolvimento contratual, como no caso já referido em que mesmo depois de concluído o contrato, mantém-se o cliente informado. [92]

Por fim, quanto ao último dos deveres, o Código de Defesa do Consumidor contém em seu texto uma série de previsões donde é possível se extrair um sentido voltado à proteção do cidadão. Não só na seara consumerista, mas em todo o Direito contratual, referida conduta visa a tutelar tanto a pessoa quanto os bens dos contratantes envolvidos.

Dentre os momentos de maior importância em que a lei o prevê estão o §2º do art. 37, ao definir como abusiva toda publicidade discriminatória, assim como a aquela que "incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança". Do mesmo modo, no art. 39, quando enumera como abusivas uma série de práticas prejudiciais à pessoa do consumidor.

Enfim, em todo o texto da lei 8.078/90 fica clara a intenção do legislador neste sentido, sobretudo ao regulamentar algumas práticas comerciais específicas. Dentre elas, merecem destaque as do art. 33, que trata da oferta ou vendas realizadas com apoio nos meios de comunicação à distância, bem como a tutela do direito de arrependimento para as vendas realizadas fora do estabelecimento comercial [93], conforme prevê o art. 49.


3 A CONCEPÇÃO DE RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL: DE ESTÁTICA À DINÂMICA

3.1 DA CONCEPÇÃO ESTÁTICA DE OBRIGAÇÃO

Originária do Direito romano, de seu conceito clássico já se encarregavam as Institutas, para as quais representava "(...) o vínculo de direito que nos constrange à necessidade de pagar alguma coisa." [94]

Dentre as definições trazidas pelos autores clássicos de Direito civil em nosso país, impõe-nos trazer a de Washington de Barros MONTEIRO, para quem "a obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio." [95]

Isto porque "por ser essencialmente relacional, a obrigação requer duplicidade de sujeitos, a ponto de extinguir-se pela confusão, quando as posições ativa e passiva se acumulam numa única pessoa". [96]

A noção de relação jurídica obrigacional, tal como era classicamente concebida, circunscrevia-se a certos elementos, certos e determinados, os quais, por muito tempo, demonstraram-se suficientes à compreensão da noção de obrigação.

Referidos elementos compreendiam os sujeitos, a saber, credor e devedor; o objeto em torno do qual gravitava a obrigação, e o vínculo, que consistia justamente no liame jurídico que une o primeiro a este último. Passemos então a uma breve abordagem de cada um deles.

Em relação aos sujeitos, infere-se essencialmente que, como traço característico da relação que se estabelece entre ambos, aponta a relação de sujeição, de subordinação do devedor, titular do dever de efetuar a prestação em face do credor.

Assim, pode-se dizer que o credor, também chamado de sujeito ativo, é aquele a quem a prestação, positiva ou negativa, é devida, ou seja, é o titular do direito subjetivo de crédito.

Por outro lado, ao devedor, dito também sujeito passivo, cabe o cumprimento da prestação, não possuindo ilimitada liberdade, visto que deve atender aos interesses do credor, uma vez que este, caso seja prejudicado pelo inadimplemento daquele, poderá buscar a satisfação de seu crédito por via judicial, recaindo a sanção sobre o patrimônio do que deve. Daí porque já se afirmou que credor e devedor ocupam posições "claramente antagônicas". [97]

Dando continuidade à abordagem dos elementos constitutivos da obrigação, cabe falar do objeto, o qual representa a própria prestação a cargo do devedor. Referida prestação, por sua vez, pode revestir-se sob a forma de uma ação ou omissão, que pode compreender o dar, o fazer ou o não fazer algo.

É consenso entre a doutrina pátria que seu conceito compreende duas sub-espécies: o objeto imediato e o mediato.

O primeiro abrange mais propriamente a atividade ou conduta por parte do devedor. É por meio dela que a prestação torna-se disponível ao titular do direito de crédito. Já o mediato corresponde àquela noção que está mais arraigada na idéia que a maior parte das pessoas possui, ou seja, significa a coisa em si, o bem a ser entregue, embora se saiba que, em certos casos, o objeto pode consistir tão somente em um comportamento, em uma atitude do sujeito passivo, hipótese em que inexistiria objeto mediato.

Não se pode olvidar que para que a prestação se mostre viável, ou seja, para que possa ser cumprida, deve possuir as seguintes características: licitude, possibilidade, determinabilidade e patrimonialidade.

Licitude significa estar de acordo ou não ser vedada pelo ordenamento vigente. Possibilidade engloba dois aspectos: o material e o jurídico. O primeiro é evidente, visto que a contrario senso, o objeto que pereceu não é passível de ser cumprido. O último dos aspectos confunde-se com o que já dissemos sobre a licitude. Quanto à patrimonialidade, já se disse com razão que o "objeto da obrigação [consiste] em um ato ou prestação do devedor que deveria ter um valor apreciável em dinheiro e ser natural e juridicamente possível." [98]

Por fim, é imperioso mencionar que o vínculo, mais do que um mero elemento de cunho psicológico, representa a idéia de subordinação que se estabelece entre credor e devedor, garantindo ao primeiro o direito de exigir judicialmente [99] o cumprimento da obrigação.

À vista do que se expôs, fica fácil estabelecer a relação que os elementos estudados possuem com o título empregado neste item. Isto porque fica bem delineado que, segundo a visão tradicional, cada parte possuía papéis bem definidos, os quais não admitiam ser alterados.

3.2. DA CONCEPÇÃO DINÂMICA DE OBRIGAÇÃO

A natural evolução da ciência jurídica fez com que se percebesse que as relações sociais, à medida que foram se incrementando, passassem a ter um grau de complexidade tal, que hoje não é mais possível resumi-las apenas em um mero direito ao cumprimento da prestação do credor, de um lado e de que o preço seja pago pelo devedor, de outro.

Justamente por isso, alguns autores passaram a denominá-las de relações obrigacionais complexas.

As considerações tecidas por João de Matos Antunes VARELA nos dão uma precisa noção a esse respeito. Para o autor português:

As relações obrigacionais complexas ou múltiplas [são] compostas de dois ou mais deveres principais de prestação e dos correlativos direitos de crédito e toda a corte de deveres secundários de prestação e de deveres acessórios de conduta, que amiudadas vezes seguem aqueles. É nomeadamente, o caso das relações jurídicas nascidas dos contratos bilaterais, em que à obrigação simples a cargo de um dos contraentes (v. gr., a obrigação de pagamento do preço que recai sobre o comprador) se contrapõe, pelo menos, a obrigação sinalagmática que onera o outro (obrigação de entrega da coisa). [100]

No âmbito do direito pátrio, pioneiros foram os estudos de Clóvis do COUTO e SILVA, que com obra própria a respeito do tema, cunhou a consagrada expressão "obrigação como processo", hoje tão utilizada pelos autores que abordam a questão. [101]

Segundo ele, ao se utilizar a expressão citada pretende-se "sublinhar o ser dinâmico da obrigação, as várias fases que surgem no desenvolvimento da relação obrigacional e que entre si se ligam com interdependência" [102]. Isto porque os atos que compõe uma obrigação apresentam-se e desenvolvem-se de modo gradativo e seqüencial, de modo que todos eles buscam um fim. E é esta finalidade que encerra a idéia de obrigação como processo.

Na verdade esta noção quer significar a adoção de uma postura diferenciada na análise da questão, de modo a considerar as relações contratuais não mais como uma somatória de atos subseqüentes distintos, mas sim percebendo que entre eles existe uma relação de integração, uma vez que justamente por estarem seqüencialmente dispostos, tendem a um mesmo fim.

Portanto, hodiernamente, não basta apenas que a obrigação assumida pelo contraente seja cumprida, mas que principalmente, conforme veremos, em atenção ao mandamento da boa-fé objetiva, este cumprimento se faça de modo a satisfazer concretamente os interesses da contraparte, denotando um legítimo caráter de cooperação entre elas. Referido mandamento, conforme se observa, tem o condão de criar deveres que devem ser observados por ambas as partes.

No Brasil, infelizmente, a maior parte dos autores que tratam do tema ainda adota a referida "concepção estática de obrigação", furtando-se ao seu caráter atual que, como dito, vem se revelando notadamente dinâmico e complexo [103].

Na prática, esta visão diferenciada adquire relevância sobretudo nas hipóteses em que, por ocasião do inadimplemento contratual, necessita-se mensurar com justiça o quantum hábil a reparar os prejuízos experimentados pela parte lesada.

É partir desta ótica que o trabalho passa a tratar as questões que iremos abordar.

3.2.1. A Idéia de Obrigação como Processo à Luz da Boa-fé

Mencionou-se en passant [104] o papel que o mandamento da boa-fé objetiva desempenha nesta nova concepção da obrigação como processo dinâmico, cujos olhares estão voltados para a sua finalidade. Procurar-se-á, a partir de agora, demonstrar de que modo isto efetivamente se processa.

Primeiramente é imperioso notar que sendo um princípio fundado basicamente em um modelo ético-jurídico de conduta, ilógico seria exigi-lo apenas de uma das partes. O que ocorre, aliás, é justamente o inverso: tamanho é seu campo de incidência que é possível impor sua observância a todos os participantes do negócio, não apenas na fase de sua conclusão ou em sua execução, mas inclusive após o completo adimplemento da prestação contratual. Aliás, vem-se admitindo sua exigência desde as tratativas negociais, como se procurará demonstrar no Capítulo III deste estudo.

Conforme se esboçou inicialmente, referimo-nos aqui à boa-fé objetiva, ou seja, àquela conduta revestida de lisura, de transparência, de retidão, de respeito à pessoa daquele com quem se negoceia, e não àquela noção que se traduz pela crença errônea que o lesado possui de estar na posse legítima de um direito, bem como nos casos em que ignora estar sendo ludibriado por algum proponente astucioso.

Pragmaticamente, visualisamo-na quando, v.g., o proponente esclarece quais as vantagens e desvantagens da escolha de um determinado produto em meio a outros similares, assim como quando, ao ter conhecimento de determinada circunstância que possa dificultar, inviabilizar ou mesmo nulificar o negócio, comunica-a imediatamente ao parceiro contratual. [105]

Ainda mais ampla é a sua incidência no âmbito das relações de consumo. Veja-se, a contrario sensu, quantas vezes nos deparamos com campanhas publicitárias fantasiosas, em que as reais condições do produto (modelo, peso, quantidade e principalmente a proximidade da data de validade) são maculadas. [106] Alguns dos casos mais ilustrativos em nosso Direito serão abordados nas últimas linhas deste trabalho.

Falou-se que a adoção de referida postura, traduzida no cumprimento de determinados deveres jurídicos, deve ser observada durante todo o iter do processo obrigacional. Mas que deveres são estes? É disso que trata a seqüência desta monografia.

3.2.2. Deveres Obrigacionais

No mesmo sentido empregado por COUTO E SILVA [107], em seu pioneiro tratamento [108] da relação obrigacional como processo - vale dizer, como uma seqüência encadeada de atos seqüencialmente dispostos tendentes a um mesmo fim - posteriormente outros autores [109] também incursionaram nesta questão.

Assim, admite-se hoje que as obrigações compreendem deveres principais, deveres secundários, e os deveres acessórios.

3.2.2.1 Deveres principais de prestação

Haja vista o tratamento da mencionada "relação obrigacional complexa" ser recente na doutrina [110], o seu cumprimento se confundia - e aliás ainda é confundido por alguns, diga-se de passagem - com o da própria obrigação. Em uma palavra, os deveres principais de prestação integram o núcleo da relação obrigacional, definindo o tipo contratual.

Pode-se dizer que constituem o próprio cerne do negócio que se está firmando, uma vez que identificam a relação obrigacional. Alguns exemplos dão a exata noção do que se está a dizer. Quais os traços característicos de um contrato de compra e venda? Ora, de um lado, o pagamento do preço e de outro, a entrega da coisa, sendo que o devedor então lhe adquire a propriedade. De outro modo, em um contrato de locação tem-se que ao credor cabe disponibilizar a coisa locada ao devedor, e este, por seu turno, tem o respectivo dever de pagar o aluguel pela coisa locada.

Portanto, se está a falar dos deveres aos quais se pode, por assim dizer, resumir a obrigação.

3.2.2.2 Deveres secundários

Decorrendo diretamente da espécie anterior, acertada é a expressão empregada por Carlos Alberto da Mota PINTO [111], quando a eles se refere como sucedâneos [112] daquele primeiro tipo.

Ditos deveres subdividem-se, por sua vez, naqueles dotados de prestação autônoma - caso dos juros decorrentes pela mora no pagamento - assim como nos acessórios da prestação principal, a exemplo da exigência que determinada montadora de automóveis mantenha peças de reposição em número suficiente à frota dos veículos que produziu.

Os primeiros podem ser considerados autonomamente, de modo distinto do fato que lhes deu origem, mister quando se trata de quantificá-los através de um valor pecuniário. Visualizamo-nos na imposição do pagamento de perdas e danos ou, como dito, nos juros devidos pelo inadimplemento relativo.

Já os deveres acessórios, guardam íntima relação com o cumprimento satisfatório do dever principal, sendo que realmente não há como cogitar a sua existência, quando não se tem em mente o dever principal. Basta citar os exemplos do transporte da coisa vendida, bem como o seu devido acondicionamento em embalagem apropriada.

Antes de ingressar no ponto seguinte vale dizer que a adoção de uma classificação dos deveres obrigacionais em principais e secundários não representa qualquer novidade. O que ainda é visto com cautela por parte da doutrina é a inclusão de uma subcategoria, a dos deveres secundários ditos acessórios de conduta, os quais decorrem da observância ao mandamento da boa-fé objetiva.

3.2.2.3. Deveres acessórios de conduta

Embora a maior parte dos autores só passou a tratar da questão há bem pouco tempo, os deveres acessórios não constituem um assunto novo. Clóvis do Couto e SILVA foi capaz de entrevê-los há quase três décadas [113], quando já afirmava que "a prestação principal do negócio é determinada pela vontade. Para que a finalidade do negócio seja atingida, é necessário que o devedor realize certos atos preparatórios, destinados a satisfazer a pretensão do credor. Alguns destes atos constituem adimplemento de deveres que nascem da manifestação ou declaração de vontade jurisdicizada." [114]

Sem descurar do conteúdo dos festejados trabalhos de Antonio Menezes CORDEIRO [115] e de Judith MARTINS-COSTA [116], traz-se a conceituação de Jorge Cesa Ferreira da SILVA, que delimitou com exatidão o alcance destes deveres:

Toda relação expõe a pessoa ou os bens de uma parte à atividade da outra, que pode, com esta atividade, provocar danos a tais bens ou colocá-los em perigo. Incide então a boa-fé, a regular o comportamento dos sujeitos por meio da criação de uma série de deveres dedicados a evitar situações danosas. Esses deveres, assim, ao contrário dos anteriores, veiculam um interesse negativo: há que se fazer algo (ou que se tomar determinadas medidas) para que um determinado resultado não seja atingido. [117]

A principal característica comum a tais deveres é que, em função de sua acessoriedade, podem estar presentes antes mesmo do próprio negócio, bem como perdurar mesmo após o cumprimento da prestação principal, vez que ainda que modifiquem a natureza contratual, possuem regras próprias de extinção. [118] Um outro aspecto fala do sujeito que deva cumpri-lo: tanto pode ser o devedor quanto o credor. Daí porque se diz que os deveres acessórios têm íntima relação com o caráter dinâmico da relação obrigacional. Não se conectando a nenhum tipo de contrato específico, ligam-se ao conjunto de circunstâncias que integram o cumprimento satisfatório da obrigação vista como um todo.

Embora estejam ligados diretamente ao conteúdo do contrato envolvido, muitos deles não deixam de possuir uma eficácia protetora a terceiros, pessoas a princípio alheias ao objeto contratual em si, mas que de algum modo atuam dentro da contratação, sobretudo sob o viés da "formação de uma relação de confiança." Não se trata, contudo, de conclusão pacificamente aceita pela doutrina. [119]

Não obstante os autores terem formulado várias classificações a respeito, entende-se ser possível reduzir estes deveres [120] - mesmo porque é inviável tentar abranger, com uma classificação, a totalidade dos comportamentos humanos possíveis - a três classes principais, a saber: os deveres de informação, de lealdade e de proteção.

a)Informação

Referido por alguns como um dever de esclarecimento [121], encontram-se amplamente difundidos no âmbito das relações de consumo, [122] assim como nos contratos de prestação de serviços médicos, [123] possibilitando que as partes tenham a exata noção das circunstâncias que envolvem o contrato.

Dito desta forma se tem a impressão que tais deveres se assentam apenas em torno do dever principal. O que ocorre, contudo, é exatamente o inverso: na maior parte dos casos em que é violado, o contrato ainda está por ser firmado. É o que ocorre, v.g., em relação às informações sobre produtos e serviços veiculadas nos meios publicitários. Vale ressaltar que em tais hipóteses, pouco importa que o fornecedor não tenha sido avisado quanto ao conteúdo das informações que deva divulgar.

Na lição de Antonio Menezes CORDEIRO, tais deveres, a que prefere se referir como "de esclarecimento" são os que "obrigam as partes a, na vigência do contrato que as une, informarem-se mutuamente de todos os aspectos atinentes ao vínculo, de ocorrências que, com ele, tenham certa relação e, ainda, de todos os efeitos que, da execução contratual, possam advir." [124]

Não obstante seja mais comum presenciá-los durante a fase das negociações, isto não significa que não possam estar presentes após a conclusão do contrato. Nestes casos, mesmo após o cumprimento da prestação principal, tais deveres também ainda ser observados.

Dependendo da posição que a parte ocupa dentro da relação obrigacional, este tipo de dever assume uma importância diversa. Assim, certamente que a quantidade e a profundidade de informações exigíveis de um profissional é bem maior da que se espera de um leigo, que na maior parte das vezes não tem e tampouco tem a obrigação de possuir tais conhecimentos. Embora não o tenha feito especificamente quanto ao dever de informar, disso já cuidava Mário Júlio de Almeida COSTA, o qual, em estudo publicado há quase duas décadas, asseverava que:

Se as negociações dizem respeito a um contrato integrado no âmbito profissional de um dos participantes, a confiança criada no outro (...) é, sem dúvida, (...), mais forte do que a comum. (...) Daí que tenha justificação uma atitude de maior rigor a seu respeito, admitindo-se mais facilmente o caráter ilegítimo da ruptura de negociações que produza. (...) Quando, pelo contrário, as negociações se estabelecem entre dois profissionais, (...) a segurança comercial [existente entre ambos, confere uma feição diversa à relação que se estabelece entre ambos, dispensando, assim, o mesmo rigor do exemplo anterior]. [125]

Finalizando suas considerações a respeito, conclui que "contudo, integrando-se os profissionais em ramos diversos, justifica-se um critério da maior severidade a respeito do que actua no seu próprio campo especializado." [126]

Finalmente, vale referir que tamanha é a variedade de casos em que está presente, que alguns autores [127] admitem uma classificação específica do dever de informar. Tal divisão tem por critério sua profundidade, variando conforme a necessidade dos envolvidos. Assim, fala-se em um dever de conselho, de recomendação e do dever de informação propriamente dito. Veja-se que aconselhar envolve uma relação de confiança entre o que orienta e o que é orientado, e representa aquilo que ele próprio faria se estivesse no lugar do outro. Tem, portanto, uma maior intensidade. Recomendar pressupõe a "comunicação de boas qualidades" [128] de alguém ou de algo com o fito de que o envolvido possa contratar de modo mais sensato. Não tem, desta forma, a mesma veemência daquele primeiro. Já a informação propriamente dita compreende "a exposição de uma dada situação de facto." [129]

b)Proteção

Inicialmente, deve-se dizer que a significação pretendida com o emprego do termo neste momento do trabalho não é a mesma a que se referiu STOLL [130] ao se debruçar sobre o tema. À época, a intenção do autor era designar genericamente os deveres de conduta em geral. Isto porque é possível dizer que de algum modo, todos eles envolvem um sentido "protetivo". Veja-se, por exemplo, a confiança violada pela divulgação de informações sigilosas, a que hoje se denomina lealdade. A referência que aqui se faz diz respeito a certas condutas que denotam um sentido específico de proteção.

Como os deveres acessórios de um modo geral, podem estar presente tanto em momento que antecede o dever principal quanto após o seu cumprimento. Ocorre, porém, que é mais comumente verificado na fase das tratativas, uma vez que através dele se busca resguardar a parte e seu patrimônio com vistas a que ela venha de fato celebrar um dado contrato.

Ao tratar do tema, Antonio Menezes CORDEIRO esclarece que "os deveres acessórios de proteção constituem a versão actuante na vigência de um contrato das adstrições pré-contratuais (...) Por ele, considera-se que as partes, enquanto perdure um fenômeno contratual, estão ligadas a evitar que, no âmbito desse fenômeno, sejam infligidos danos mútuos, nas suas pessoas ou nos seus patrimônios." [131]

Como visto, não obstante possa envolver tanto a pessoa do contratante em si, isto é, sua integridade física e psíquica como também seus bens, seu patrimônio, pode operar ainda em relação a outros sujeitos, que alguma forma atuam na relação contratual.

Já se afirmou que o fato de haver certa resistência doutrinária quanto ao reconhecimento da gênese obrigacional do dever de proteção se deve à circunstância de que às vezes não é possível conectá-lo apenas à disciplina do contrato principal, mas também à de outros negócios. Hodiernamente, porém, acredita-se que este ceticismo esteja ligado à extensão de seus efeitos sobre terceiros, como no caso do mandato, do seguro e de outras espécies contratuais revestidas desta característica.

c)Lealdade

Dissemos que qualquer tentativa de classificação dos deveres acessórios não pode ter a pretensão de esgotar seu âmbito de incidência. Em relação ao dever de lealdade, isto é ainda mais perceptível. Tanto que há autores que quando a ele se referem, fazem-no conjuntamente com o dever de cooperação. [132]

Amplamente difundidos no âmbito das relações trabalhistas [133], quer significar o mandamento que se impõe às partes para que se abstenham da prática de determinadas condutas, prejudiciais à efetivação do contrato. Nesse sentido, Antonio Menezes CORDEIRO anota que estes "obrigam as partes a, na pendência contratual, absterem-se de comportamentos que possam falsear o objectivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações por ela consignado." [134]

É recorrente sua violação pela revelação de fatos, informações e quaisquer outras circunstâncias de que as partes tenham tomado conhecimento em razão dos contatos realizados durante a fase das tratativas. Basta referir o exemplo em que a divulgação de informações sigilosas conhecidas a partir das negociações vem a frustrar o interesse do outro contratante na concretização do negócio.

Quanto ao dever de cooperação, por sua vez, o que ocorre é justamente o inverso, ou seja, deve-se ter em mente a idéia de colaboração, de participação efetiva das partes para que qualquer circunstância prejudicial à concretização do negócio possa ser afastada. De acordo com as lições do professor Carlyle POPP:

pode distinguir-se [do dever de lealdade] pela obrigação do cliente de informar e auxiliar em tudo o que for necessário para que o advogado possa cumprir seu mister a contento; do paciente em seguir as recomendações médicas; no âmbito das relações de consumo, deve o fornecedor se abster de criar embaraços para que o consumidor exercite plenamente seus direitos, entre outros. [135]

Dentre as três espécies de deveres trazidas pelo trabalho, esta é a que se liga à prestação principal com maior intensidade. Segundo Jorge Cesa Ferreira da SILVA, isto se deve ao fato de que representam "situações estabelecidas para as prestações-fim do contrato". [136]

Em que pese a enumeração destas condutas não ser exaustiva, o mais importante é dizer que o reconhecimento da existência de todos estes deveres no desenrolar da relação jurídica obrigacional faz nascer novos caminhos para o estudo responsabilidade civil, uma vez que sua transgressão pode-se se dar não apenas durante a fase contratual (violação positiva de contrato), mas também após o cumprimento da obrigação principal (culpa post pactum finitum) e até mesmo antes de formalizado o acordo de vontades.

Neste particular, estes deveres podem estar presentes desde o mais tênue instante em que as partes interessadas passam a negociar em torno de um objetivo comum. E a considerar as hipóteses em que os mesmos são violados nestes limites, é possível falar-se então em verdadeiros casos de responsabilidade pré-contratual. É o que se passará a abordar na última parte deste trabalho.

Nela, procurar-se-á comprovar a importância que estes deveres assumem durante a fase pré-contratual, para, mais ao final, trazer-se algumas das decisões que comprovam o acolhimento do instituto pelas Cortes de alguns países, especialmente em Alemanha e Portugal, países em que se deu uma maior importância ao problema, para que só então se possa demonstrar a evolução da jurisprudência brasileira no tratamento destas questões.


4 A QUEBRA DOS DEVERES ACESSÓRIOS NA FASE DAS TRATATIVAS: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL

4.1 A CONSTRUÇÃO DA RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL

Na tentativa de se consolidar qualquer instituto jurídico, é imprescindível que este esteja calcado em sólidos fundamentos, que lhe darão o subsídio necessário para que subsista de forma autônoma, enquanto objeto de análise da ciência jurídica. Tais pressupostos, além de lhe dar o sustentáculo necessário, tornam possível delimitar com exatidão seu âmbito de incidência, possibilitando assim distingui-lo dos demais institutos. Com relação à responsabilidade pré-contratual não foi diferente.

Vários foram os autores que ao se ocuparem do tema, trataram desta questão em especial. Assim o fizeram Antonio CHAVES [137], Carlyle POPP [138] e mais recentemente Regis Fichtner PEREIRA [139], dentre os mais importantes. Todavia, tendo em vista ter sido um dos primeiros a tratar do tema, bem como devido ao fato de adotar uma classificação diferenciada, com a subdivisão em pressupostos genéricos e específicos, este trabalho opta por adotar o raciocínio esboçado pelo professor Récio Eduardo CAPPELARI, em sua dissertação de mestrado. [140]

Para este autor, duas são as espécies de requisitos necessários para que ela esteja presente: os de caráter genérico, aplicáveis à responsabilidade civil em geral, e os específicos, próprios a cada uma de suas espécies - contratual, pré-contratual e pós-contratual -, segundo as particularidades de cada uma delas. Neste estudo, por óbvio, abordar-se-á os requisitos referentes ao período que antecede o momento da conclusão do negócio.

4.1.1 Dos Requisitos Genéricos:

a) Consentimento às negociações

É certo que, se ambas as partes não estiverem de acordo quanto ao início das tratativas negociais, não há como se cogitar do instituto em debate.

Embora o consentimento possa ocorrer de modo expresso ou tácito, certo é que o que realmente importa é a sua inequívoca existência, a qual precisa ser provada. Como se vê, isto nem sempre é uma tarefa simples.

Portanto, quando por exemplo, um comerciante aborda um transeunte que circula em via pública para que compre seus produtos, mas este o ignora, não há como se atribuir um eventual prejuízo àquele. Caso isso viesse a ocorrer, estaríamos diante de verdadeira hipótese em que a parte estaria agindo venire contra factum proprium. [141]

b) Dano patrimonial

Sendo outro pressuposto essencial da responsabilidade pré-contratual, é importante lembrar que não é todo o dano que admite ressarcimento. Ele deve ser, antes de mais nada, certo e atual. Certo, porque deve se pautar em um fato preciso, e não hipotético e atual porque no momento da propositura da ação já deve ter ocorrido.

Como é de se imaginar, a demonstração da ocorrência de prejuízo e a prova de início de negociações por vezes podem representar um trabalho de grande complexidade. No que tange a esta última, o TJSP já admitiu a possibilidade de que se faça pela via testemunhal, uma vez serem escassos os elementos em que se possa ampará-la. [142]

Vale dizer também que o dano [143] pode ter sido experimentado tanto pelo proponente, quanto pelo oblato, sendo mais usual esta última hipótese.

c) Relação de causalidade

Em relação a este pressuposto, ainda que em torno dele hajam sido feitas inúmeras construções doutrinárias, a própria norma legal se encarregou de discipliná-la. Assim já fazia o antigo art. 159 do CC/1916, cujas disposições a ele equivalentes na nova lei correspondem aos arts. 186 [144] e 927 [145], parágrafo único.

Assim, é necessário que entre o evento danoso, ainda que omissivo e seu resultado haja um nexo causal, quer dizer, aquele deve ser o responsável pela ocorrência deste. Em uma palavra: entre o fato e o resultado a ele atribuído deve haver um liame que torne possível o reconhecimento da relação de causa e efeito.

d) Inobservância do princípio da boa-fé

A importância de tal exigência para a configuração da responsabilidade pré-contratual se depreende até mesmo do conteúdo dos capítulos iniciais deste trabalho. Nos capítulos I e II fez-se uma abordagem do princípio, primeiramente de um modo mais genérico, para, à medida que fomos avançando em seu conteúdo, direcioná-lo para sua aplicação em meio ao contexto de casos em que se possa falar em responsabilidade pré-contratual.

De qualquer forma, vale dizer que a exigência de uma conduta em atenção aos ditames do referido princípio se manifesta com a observância dos deveres laterais, também conhecidos como "deveres acessórios de conduta." Estes, embora não constituam o cerne do contrato, garantem a sua execução de modo que a prestação possa ser cumprida de modo útil e satisfatório ao credor, o que não afasta seja observado por todos os contraentes. Isto porque, como bem lembrou Récio Eduardo CAPPELARI, "o importante, durante as tratativas, é justamente averiguar se a conduta das partes se houve com honestidade e lealdade, a fim de se apurar a existência ou não de motivo justo para abandonar as mesmas, tarefa que incumbe ao princípio da boa-fé na sua feição objetiva e não à culpa." [146]

Isto, contudo, não deve ser confundido com a adoção de um modelo objetivo de responsabilidade. Neste, não haveria a necessidade de comprovação de ter a parte agido com dolo ou culpa. Verdadeiramente não se pode admitir um modelo desta natureza nesta fase do negócio, uma vez que se fosse levada adiante, chegar-se-ía a um grau de segurança superior àquele existente no interior do próprio contrato, o que segundo este mesmo autor, poderia até mesmo "conduzir a uma diminuição acentuada das contratações." [147]

Vistos os requisitos genéricos, seguem-se os específicos.

4.1.2 Dos Requisitos Específicos:

a) Confiança na seriedade das tratativas

Opondo-se historicamente ao voluntarismo jurídico, a teoria da confiança, preconizada por Hugo Grotius, fornece-nos a base para a exigência deste requisito. Reflete, como dito, a mudança de paradigma da supremacia da autonomia da vontade para uma visão social do negócio jurídico, em especial do contrato.

De fato, à medida que as negociações vão avançando, é certo que também a confiança recíproca das partes aumenta. Na prática, caberá ao intérprete avaliar o grau de confiança lesado, isto é, em que momento da negociação as partes já se encontravam quando a ruptura injustificada ocorreu. Por óbvio, tanto maior será a indenização cabível quanto maior tiver sido o grau de confiança lesado, sobretudo nas fases mais adiantadas deste processo.

Sendo exigível dos indivíduos em todo o tráfego jurídico, também deve ser observada na fase preliminar à da conclusão do negócio.

Falou-se nos parágrafos anteriores em "ruptura injustificada." Isto porque, se a parte que se retira abruptamente das conversações preliminares o fizer em razão de motivo justo, não há que se falar em ruptura ilegítima. A delimitação do que seja propriamente uma causa injustificada só será possível analisando-se as circunstâncias do caso concreto.

b) Enganosidade da conduta

Antes de mais nada, cabe dizer que optou-se pela utilização da terminologia acima referida, porque, embora o estudo que serve de base para este ponto do trabalho tenha se referido à "enganosidade da informação", é possível se falar em muitos outros meios através dos quais a confiança é lesada. Assim, pode ocorrer que mediante uma conduta qualquer, não apenas mediante a veiculação de informação enganosa, se esteja ferindo a confiança de que se tratou no item anterior.

Para a melhor compreensão do que se pretende dizer, basta referirmos o exemplo em que o ofertante tenha marcado encontro com a contraparte em determinada data e local, para dispor acerca do negócio que este pretenda firmar. Suponha, porém, que na data estipulada, aquele não compareça. Neste mesmo exemplo, imagine que o oblato resida em localidade distante daquela em que se encontrará com o proponente. Na hipótese, por certo, o prejudicado dedicou tempo e recursos para se deslocar ao local do encontro, isto sem falar de outros gastos que podem estar presentes, tais como: alimentação, hospedagem e assim por diante.

Assim, é certo que embora a parte tenha feito com que a outra confiasse da realização do encontro, este na realidade não se concretizou, sendo enganosa a conduta do ofertante.

4.1.3.Do Conceito de Responsabilidade Pré-contratual

Dito isto, agora já é possível passar-se a uma tentativa na elaboração de um conceito para esta modalidade de responsabilidade.

Uma definição que poderia ser mencionada novamente é aquela cunhada por IHERING na criação da teoria da culpa in contrahendo. Todavia entende-se hodiernamente que, uma vez o estudo inicial do autor alemão ter apenas previsto a ocorrência do instituto nos casos da não comunicação de circunstância invalidante do negócio pela parte que tinha ciência dela à outra inocente, optou-se por não reproduzi-la novamente.

Embora seja inviável formular uma definição totalmente abrangente de responsabilidade pré-contratual – isto porque inúmeros os casos e os deveres que surgem por ocasião da violação aos deveres que decorrem da boa-fé nesta fase negocial – traz-se duas importantes conceituações, que se entende sejam mais eficazes justamente por propugnarem conceitos mais abertos, permitindo abranger mais e mais condutas inadequadas.

A esse respeito, WESTERMANN assinala dizendo-nos que se trata de "uma sanção de obrigações que resultam do simples fato de se estabelecerem negociações contratuais. Deste próprio fato, origina-se conforme a opinião dominante, uma vinculação jurídica especial que mostra muitos traços da relação obrigacional e justifica uma responsabilização segundo as regras contratuais." [148]

Já para Carlos da Alberto da Mota PINTO, a espécie de responsabilidade em estudo nada mais é, em verdade do que "a verificação dos danos que por ocasião da formação do contrato tem lugar, dada a confiança depositada pelas partes na validade do negócio jurídico celebrado ou na sua celebração futura." [149]

Tendo sido declinados os pressupostos jurídicos para que possa ocorrer, bem como uma tentativa de se esboçar um conceito, será importante retornarmos às origens do instituto. Passa-se então, à uma breve demonstração de como e de que modo surgiu a discussão em torno da necessidade de se tutelar a responsabilidade pré-contratual.

4.2 IHERING E A TEORIA DA CULPA IN CONTRAHENDO

Foi na segunda metade do século XIX, mais precisamente no ano de 1861, a partir de uma situação ocorrida com ele próprio, que Rudolph von IHERING, insatisfeito com as possíveis soluções jurídicas que até então se apresentavam, passou a se debruçar sobre o problema. Após uma longa e trabalhosa investigação a que se dedicou, acabou por formular a teoria da culpa in contrahendo. Referido instituto foi, sem dúvida alguma, o embrião para o reconhecimento da responsabilidade pré-contratual.

É Judith MARTINS-COSTA quem nos fornece conceituação que embora breve, delimita com precisão os contornos do instituto. Diz ela que "incorre em responsabilidade pré-negocial a parte que, tendo criado na outra a convicção, razoável, de que o contrato seria formado, rompe intempestivamente as negociações, ferindo os legítimos interesses da contraparte. [150]

PONTES DE MIRANDA, com sua invulgar inteligência, também se debruçou sobre a questão, ao dizer que:

Culpa in contrahendo é toda infração do dever de atenção que se há de esperar de quem vai concluir o contrato, ou de quem levou alguém a concluí-lo. O uso do tráfico cria tal dever, que pode ser o dever de verdade, o dever de diligência no exame do objeto ou dos elementos para o suporte fático (v.g., não deixar que o documento caia da janela e se perca), exatidão no modo de exprimir-se, quer em punctuações, anúncios, minutas, ou informes. [151]

Basicamente a situação que o jurista alemão vivenciara foi a seguinte: sabendo da viagem iminente de um amigo seu à cidade de Bremen (Alemanha), encomendara junto a este um quarto de uma caixa de charutos. Ao receber seu pedido, IHERING verifica se tratar não de um quarto, mas de quatro daquelas caixas. Diante do equívoco ocorrido, indagou a si mesmo: a quem é possível atribuir o prejuízo havido? Mais do que isso: seria possível exigir o custeio pela devolução e reenvio da quantia correta do comerciante vendedor da mercadoria? Ou seria juridicamente mais razoável exigi-lo do amigo? Afinal, como fundamentar juridicamente a solução a ser buscada? [152]

Investigando a fundo as formulações existentes à época, IHERING concluiu que "da nulidade de um contrato, poderiam emergir, ainda, alguns efeitos. O escopo fundamental de um contrato é o cumprimento; mas existem, também, escopos acessórios, como a restituição da coisa, de sinal ou indemnização. Quando, pela nulidade, se frustre o escopo principal do contrato, não ficam, por necessidade, afectados os escopos secundários." [153]

De maneira que foi a partir da experiência romana em torno do contrato de compra e venda, que ele pôde extrair a seguinte solução:

A conclusão exterior de um contrato, a nulidade do mesmo, uma falha do vendedor, i. é, a ausência de uma qualidade que ele deveria contratualmente garantir, o desconhecimento, por parte do comprador, dessa falha e uma acção contratual de indemnização. Este poderia encarar ou o interesse do (autor) na conclusão do contrato e no seu cumprimento ou o seu interesse não na realização das despesas e outros custos ocasionados pela preparação e celebração; no primeiro caso, o interesse positivo do contrato e, no segundo, o negativo. [154]

Tendo despertado enorme interesse da comunidade jurídica da época, muitos foram os doutrinadores que, a partir da semente inicialmente lançada por IHERING, passaram a estudar a questão.

Retomando o ensaio deste autor, um ponto que não deve passar despercebido é o que diz respeito "ao ressarcimento dos danos causados pela parte que deu causa à invalidade do contrato." [155]

Antes de adentrar propriamente à questão, é imprescindível tecer algumas considerações em torno do que a doutrina convencionou chamar de interesses negativo e positivo. Pelo primeiro devemos entender ser conveniente fazer com que o prejudicado retorne ao status quo ante. Por outro lado, este último impõe a necessidade do cumprimento do que fora pactuado, ou dito de outro modo, "o direito à execução do contrato". [156] Embora se saiba que no interesse negativo não se acham inclusos os lucros cessantes, IHERING aventou a possibilidade de que em alguns casos, seria possível abrangê-lo. Isto fica ainda mais evidente naqueles casos em que, em função da não concretização do negócio, outros contratos deixem de ser realizados.

Quanto à necessidade de se encontrar um fundamento jurídico para o instituto criado, embora tivesse inicialmente cogitado em embasá-lo na boa-fé subjetiva - a mesma que detém, v.g., o possuidor que crê ser legítima a sua permanência no imóvel - IHERING acaba se convencendo de que tal hipótese deveria ser descartada, uma vez que a solução jurídica mais apropriada ao contraente lesado é a ação de indenização. A partir daí então, fica evidente a necessidade da prova da culpa para "a fundamentação do dever de indenizar." [157]

Uma última indagação ainda se apresenta: em que se deve amparar a solução por ele buscada: na vontade das partes ou na lei?

A princípio, o ensaio de IHERING, comportava ambas as saídas. Forçar o enquadramento da generalidade dos casos em uma ou em outra, no entanto, denota apenas que se quer "evitar que, graças aos esquemas da culpa in contrahendo, novas construções dogmáticas, com bitolas próprias de decisão, ganhem terreno no espaço jurídico." [158] Isto porque sempre é mais fácil, diante de qualquer novo acontecimento, quer pertença ele ao universo jurídico ou não, rotulá-lo dentro das classificações pré-existentes.

Constatou-se, contudo, que "a sua alternatividade é aparente", uma vez que inúmeros são os casos que escapam a essa dicotomia.

Assim, tendo sido demonstrada a impossibilidade de se proceder desta maneira, para Antonio Menezes CORDEIRO [159] a culpa in contrahendo adquire realmente status de instituto autônomo.

4.3 O ALARGAMENTO DA RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL À LUZ DA BOA-FÉ

Originalmente, tal como foi concebida por IHERING, a responsabilidade pré-contratual somente tinha lugar naqueles casos em que a parte que tinha ciência de uma causa de invalidade do contrato deixasse de comunicá-la à seu parceiro negocial, causando-lhe evidente prejuízo.

Sem tirar o mérito do ensaio do referido autor, que sem dúvida foi de grande importância para que o instituto atingisse seu atual estágio, outros civilistas, notadamente FAGELLA [160] na Itália, SALEILLES [161] na França e LEONHARD [162] na Alemanha, a partir do ensaio pioneiro daquele autor, passaram a se debruçar sobre outras hipóteses em que fosse possível se cogitar da responsabilização por fato ocorrido em fase anterior à do contrato propriamente dito.

Assim, embora IHERING estivesse correto quanto ao cabimento da responsabilização na hipótese acima levantada, as idéias de Gabrielle FAGELLA, posteriormente aperfeiçoadas por SAILELLES, construídas a partir daquele estudo inicial, constituíram uma das mais valiosas contribuições no campo do Direito contratual contemporâneo: "a inclusão do elemento da boa-fé como fonte da responsabilidade pré-contratual". [163] Do mesmo modo, na Alemanha, LEONHARD afirmava que não era justo que incidisse "apenas quando tivesse agido com dolo, ou quando houvesse assegurado a qualidade em causa." [164] Era preciso que respondesse, "também, por negligência." [165] Assim imaginara que sua incidência merecesse ser ampliada, isto porque "o dever de cuidado exigido na efetivação da prestação concretizar-se-ia logo nas negociações." [166]

De modo que, se por um lado IHERING havia fundado sua teoria apenas na vontade, tendo lugar unicamente quando da nulidade do contrato (natureza contratual), FAGELLA e SAILLELES passaram a considerar que "uma ruptura intempestiva das tratativas negociais [também] poderia gerar responsabilidade quando verificado um dano específico." [167] LEONHARD, por sua vez, circunscreve a responsabilização aos casos em que esta tem origem na quebra de deveres pré-existentes. Fala-se aqui daqueles casos em que a conduta empreendida pela parte faça surgir uma série de deveres acessórios, em razão das legítimas expectativas criadas no outro em relação à conclusão do negócio.

Dessas hipóteses, porém, pelo peculiar interesse que despertam, se irá tratar especificamente mais adiante.

Com isso, o caráter do instituto, que em IHERING tinha origem direta no contrato em questão, passou a admitir também mais uma fonte: a que se impõe a toda uma coletividade de não invadir ilicitamente a esfera jurídica de outrem e que está presente em grande parte dos ordenamentos, a exemplo do art. 186 [168] do Código Civil brasileiro. Tal difusão mereceu por parte da ciência jurídica a caracterização de um instituto próprio, denominado neminem laedere ou a ninguém lesar.

4.3.1 Natureza Jurídica

Não é recente a problemática existente na tentativa de se apurar a natureza jurídica da responsabilidade pré-contratual. Tal impasse se justifica em razão de que sendo muitas as hipóteses em que ela pode incidir, a partir de cada uma delas é possível extrair elementos que se prestam a reforçar ora o entendimento daqueles que a têm por contratual, ora o posicionamento dos que a têm por aquiliana.

Há ainda aqueles que crêem se tratar verdadeiramente de uma espécie à parte, uma nova classificação, um tertium genus.

Na verdade esta dicotomia não está presente em todos os ordenamentos. Isto porque a maior parte destas diferenças, em verdade, "não encontra justificação prática ou lógica" [169], uma vez que "(...) essa vinculação (...) desejável em sentido genérico, sucumbe freqüentemente na prática do foro, onde os interesses protegidos são visualizados particularizadamente e nos limites do caso." [170] De qualquer modo, cabe abordar este ponto que tanto tem despertado a atenção dos que se ocuparam do tema.

Mario Júlio de Almeida COSTA [171] após ter discorrido vastamente sobre o assunto, tendo demonstrado o posicionamento de diversos autores, acaba concluindo se tratar de instituto de natureza aquiliana. E o faz com base na doutrina italiana em torno do art. 1337 daquele Código [172], bem como nos princípios que se inserem nos art. 186 e 927 [173] da lei brasileira [174] (neminem laedere). Posicionam-se no mesmo sentido Alexandre Tavares GUERREIRO [175] e com maior peso, Clóvis do Couto e SILVA. [176]

Contrariamente, o professor Carlyle POPP defende a tese contrária, entendendo realmente que se trata de questão de natureza contratual. Isto porque, segundo ele "o contato social propicia o surgimento de deveres de conduta, fundamentados no princípio da boa-fé objetiva, mas cuja situação jurídica tem índole relativa. A relação jurídica não nasce do ilícito, mas é a ele preexistente". [177] De maneira que, em seu entendimento, a relação jurídica tem origem no "conteúdo das tratativas e da conduta das partes." [178]

Já para Antonio CHAVES, mais apropriado é admitir que o instituto possui natureza própria. A ele se filiou, mais recentemente, Regis Fichtner PEREIRA. Segundo este último autor "o fato de entrar em negociações não deixa mais indene a situação respectiva das partes, e que é suscetível de acarretar, em certos casos e sob determinadas condições, sua própria responsabilidade." [179] (grifos nossos)

E conclui o seu posicionamento, com apoio em SAILELLES, asseverando que "existe (...) como que uma espécie de responsabilidade virtual, implícita em toda contratação começada de comum acordo. Haveria algo de artificial e de insuficiente em não atribuir valor jurídico senão ao ato jurídico propriamente dito." [180]

Esta discussão em torno da natureza presente no instituto em análise adquire extrema relevância [181] na medida em que dependendo da feição que a ele se reconheça, diversas serão as conseqüências quanto à abrangência da reparação a ser efetuada. Isto porque, caso se a considere contratual, a culpa (lato sensu) será presumida. Do contrário, estes elementos carecem de prova específica.

Assim também ocorrerá em relação aos danos emergentes e os lucros cessantes. Se tomarmos por base o contrato que estava em jogo, estes devem se subsumir ao lucro não percebido "por efeito dela direto e imediato". [182] Diferentemente do que ocorrerá se tiver lugar o reconhecimento de seu caráter aquiliano, hipótese em que se admite o ressarcimento em relação a qualquer espécie de lucro. Idêntico raciocínio se aplica para a capacidade daquele que ingressa com o pedido indenizatório: contratual ou delitual. [183] Por fim, vale dizer que diversos também são os prazos para o exercício do direito. Como se vê, muitas são as implicações que a distinção acarreta, não cabendo por ora se estender demasiadamente.

Não podemos esquecer, contudo, que originariamente, tal como foi concebida, IHERING concluíra possuir sem dúvida uma feição contratual. Isto porque, segundo ele "este vínculo entre a culpa e a relação contratual podemos concebê-la como puramente exterior." [184] E ainda que a culpa, de per si, possua um caráter "puramente exterior", "este vínculo é, na realidade, um vínculo interno; a culpa que aqui se apresenta é exatamente da mesma espécie daquela que nós encontramos somente nas relações contratuais." [185]

Pensa-se que dentre as espécies de natureza do instituto aqui referidas, a mais adequada é a que por último se referiu, ou seja, a natureza contratual. Isto porque, conforme a fundamentação expendida, é aquela que possui, em nosso entendimento, os melhores argumentos.

Não obstante isso, não há realmente como equiparar a responsabilidade da coletividade em relação a um dado indivíduo, com aquela que decorre especificamente da situação em que se encontram sujeitos que após iniciarem tratativas, já estão determinados.

Hodiernamente, a questão parece estar, senão pacificada, ao menos minimizada. Antes de se filiar à esta ou àquela natureza, deve-se salientar que na verdade, a responsabilidade pré-contratual tem suas raízes no princípio da boa-fé objetiva [186], embora, como fora dito, não há como negar que as razões propugnadas pelos defensores da natureza contratual sejam de fato as mais coerentes. Fica evidente a importância da atividade jurisdicional especificamente quanto a este aspecto: novamente, caberá apenas ao intérprete a determinação, diante de cada caso, de quantum indenizatório compatível com os elementos que de cada lide seja possível extrair.

4.4 A RUPTURA DAS TRATATIVAS: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL

Viu-se logo na primeira parte deste estudo que a ampla e irrestrita liberdade contratual então vigente no séc. XIX, calcava-se no dogma da autonomia da vontade. Na mesma oportunidade demonstrou-se também que com o advento dos meios de produção de massa e o reconhecimento da supremacia das normas de ordem pública no bojo das principais Constituições democráticas acabaram por impor significativas restrições àquele princípio. Isto porque, como bem anotou Judith MARTINS-COSTA, "a tutela da confiança [avançou] no sentido da superação da mitologia da vontade." [187]

A retomada de tais aspectos anteriormente considerados mostra-se relevante na medida em que também traz importantes reflexos no campo da responsabilidade pré-contratual.

Como também já foi dito, plúrimas são as categorias de negócios jurídicos nas quais é possível falar-se em responsabilização por fato ocorrido durante a fase das tratativas. Assim, há certos tipos de negociação - como as que se dão no âmbito do comércio internacional, assim como aquelas que envolvem grande monta de recursos financeiros - nas quais, justamente por reclamarem um período de negociações mais extenso e detalhado, torna-se mais freqüente a visualização da responsabilidade pré-contratual, em oposição àqueles casos em que o contrato é concluído de forma instantânea, como, v.g., na hipótese de venda de periódicos em banca de revistas, assim como naquelas relativas a bens não-duráveis em geral. [188]

A análise doutrinária em torno do tema acabou por concluir que é possível decompor o período que antecede a conclusão do negócio - ou seja, aquele que vai do momento em que há a aproximação entre as partes até o imediatamente anterior à aceitação [189] - em pelo menos duas fases internas: a de meras conversações preliminares, em que não é possível admitir qualquer responsabilização e aquele que vai do momento em que se iniciam os atos preparatórios - nos quais muitas vezes, já há o emprego de esforços e recursos no sentido de se alcançar o negócio juridicamente considerado - até o instante imediatamente anterior ao de sua conclusão. É precisamente no curso deste segundo momento, em que já é possível se atribuir "conseqüências jurídicas [pela] interrupção ou cessação das negociações preliminares", [190] que a responsabilidade pré-contratual tem seu lugar assegurado. [191] Isto porque, já nesta fase, embora ainda não seja possível se falar em contrato, não há como não negar a existência de uma "vinculação jurídica." [192]

Retomando-se a sistemática adotada por este estudo, traçou-se em um primeiro momento o caminho percorrido pelo princípio da boa-fé objetiva que pouco a pouco foi adentrando no rol dos princípios contratuais civis. Em seguida, demonstrou-se a operatividade deste vetor no âmbito da relação obrigacional. Neste último capítulo, busca-se justificar a ocorrência de responsabilidade pré-contratual através da quebra dos deveres acessórios que decorrem da boa-fé objetiva.

Sabe-se também que ocorrido um dado fato em que tenha lugar a responsabilidade pré-contratual, nasce imediatamente um dever de reparação, um dever de indenizar. A conjugação de boa-fé e responsabilidade pré-contratual se expressa com singular precisão através das palavras de Maria Cláudia CACHAPUZ: "a origem de tal dever parte do princípio de que da obrigação pré-contratual de boa-fé decorre o dever de não interromper as negociações preliminares sem justa causa." [193]

E é justamente o descumprimento deste dever de não interrupção que torna possível reconhecer a violação aos deveres acessórios, os quais, diga-se de passagem, já foram objeto de análise em momento anterior. Tais deveres, a partir de agora, passam a ser novamente o foco principal das atenções, com a ressalva de que agora a analisaremos sob o viés da responsabilidade pré-contratual. Isto porque, "com efeito, a consideração da boa fé nas negociações preliminares encerra vasta gama de preocupações, determinando efeitos concretos no tocante ao comportamento das partes, em seu relacionamento pré-contratual." [194]

Vários são os autores que mais recentemente têm se preocupado com a questão, destacando-se os trabalhos de Judith MARTINS-COSTA, [195] Regis Fichtner PEREIRA [196] e o do professor Carlyle POPP. [197] Como já dissemos ao tratarmos dos deveres acessórios de um modo geral (Cap. III), qualquer tentativa em delimitá-los acaba revelando deficiências.

Por questões metodológicas, contudo, utilizar-se-á a tripartição em deveres de informação, proteção e lealdade, até porque é possível reduzir as classificações anteriores nestes três deveres principais. Deste modo, o dever de informação compreende também o dever de clareza, pois admitir que se faça uso de informações obscuras, seria o mesmo que violar o dever de informar. Ora, a informação só é satisfatória se for clara o bastante para não deixar dúvidas na pessoa de quem dela necessita.

Já o dever de sigilo e o de segredo não se afastam de idéia de lealdade e de correção. Finalmente o de guarda e restituição, assim como o de cuidado podem se somar aos de proteção e conservação, uma vez que, em última análise integram uma mesma conduta.

Vejamos então, um a um, os três principais comportamentos que ensejam a aplicação do instituto.

4.4.1 Informação

A exemplo do que foi falado quando de sua manifestação dentro do fenômeno da complexidade intra-obrigacional, tal dever pode variar conforme a posição da parte dentro da relação contratual, sendo maior quando não desfrutem da mesma condição jurídica. Assim, em relação aos fabricantes, fornecedores, distribuidores, prestadores de serviço e vendedores é natural a exigência que forneçam informações não apenas em maior número, como também mais detalhadas, sobretudo quando o contrato estiver sendo travado entre estes e um leigo que não detenha tais conhecimentos.

Disse-se que as informações aqui referidas são aquelas que envolvem as condições específicas de cada negócio [198]. Na prática, estas podem se apresentar sob as mais diversas formas, tais como: prazos de entrega e para pagamento, instruções de uso, informações básicas do produto na embalagem, dentre outros.

A partir da edição da lei 8.078/90, foi possível notar um grande avanço na tutela jurídica deste dever. Isto porque o Código de Defesa do Consumidor contém disposição situada no âmbito da responsabilidade pré-contratual. A partir do art. 46 [199] é possível afirmar que a ausência das informações necessárias implica na própria inexistência de vínculo contratual. [200]

Outra disposição de grande importância é a do art. 6º, III [201], que ao enumerar como direito básico do consumidor o acesso às informações claras e adequadas traz consigo o dever genérico de informar do fabricante. Vale referir ainda o art. 30, que dispõe sobre o efeito vinculativo da oferta [202].

Doutrinariamente, tem-se admitido que a partir da previsão normativa do dever de informar não se admite mais que a parte aja com dolus bonus. Sua importância refere-se àqueles casos que não há propriamente a violação de tal dever, mas a ocultação de certas informações desfavoráveis acerca do objeto.

Concluindo, cabe salientar que ressalvadas as hipóteses de oferta pública, tem-se entendido que o dever de informar implica em exclusividade de negociação. Assim, uma vez iniciadas as conversações com vistas à conclusão de um contrato presume-se que as partes não devem prosseguir com outros contatos simultâneos, de modo a não frustrar o interesse da contraparte na celebração. [203]

4.4.2 Proteção

Reiterando o que já dissemos no tópico relativo aos deveres decorrentes da complexidade intra-obrigacional, interessa o comentário exarado por Ana PRATA. [204] Aventando a possibilidade na qual determinado bem ou documento que fora entregue a certa pessoa ser confiado a terceiro sujeito - um perito, por exemplo -, dita autora lusitana propugna pela necessidade de que o dever a ser observado por parte daquele que efetua tal repasse é ainda maior, dele podendo surgir o dever de indenizar ainda que não tenha procedido com culpa.

Tem-se levantado discussões quanto à dificuldade em se determinar-se com precisão o exato momento em que, na violação de tal dever, tem origem a responsabilidade pré-contratual. Novamente a mesma autora, ao se debruçar em torno do problema, cita que, num primeiro momento - a exemplo do que ocorrera no célebre caso do linóleo, do qual falaremos logo a seguir - não é possível cogitar-se desta espécie de responsabilidade pela simples entrada do cliente no estabelecimento, mas somente a partir do instante em que solicita auxílio ao vendedor para que possa proceder ao "exame de certas mercadorias." [205]

A evolução jurisprudencial que se seguiu, contudo, acabou por ampliar significativamente o âmbito de incidência do instituto, tendo se reconhecido que - fazendo um paralelo com a referida decisão -, bastaria a entrada do cliente no interior da loja, somada à ocorrência do respectivo prejuízo decorrente desta condição, para a configuração do dever de indenizar.

Os tribunais alemães, em uma terceira etapa, chagaram a admitir até mesmo a possibilidade de que tais deveres se projetem sobre terceiros, "alheios à relação pré-negocial." [206]

4.4.3 Lealdade

Já referimos mais de uma vez que a adoção por uma classificação tripartida deve-se mais a uma questão metodológica do que a qualquer outro motivo. Isto porque inúmeras são as condutas empreendidas que podem dar ensejo à configuração da responsabilidade pré-contratual.

É o que ocorre especificamente quanto a este comportamento. Doutrinariamente tem-se admitido que referida categoria compreende tanto uma conduta omissiva quanto uma atuação positiva.

No primeiro caso fala-se em um dever de sigilo ou conforme a denominação que tem sido mais utilizada, um dever de segredo. [207] De qualquer modo importa dizer que esta imposição se estabelece tanto em relação a dados e informações, quanto ao conhecimento de certos objetos e documentos com os quais os sujeitos tenham tido contato por efeito direto e imediato das conversações. [208]

Quanto às hipóteses em que mais comumente é verificado, adquirem uma importância fundamental aquelas em que o negócio, por qualquer motivo, não vem a se realizar. A partir daí, embora seja normal que as pessoas entabulem novos contatos, subsiste o dever de segredo quanto aos dados obtidos em conversações anteriores, sobretudo com vistas a se evitar que alguém venha a auferir lucros em seu próprio proveito em decorrência de tais circunstâncias [209] o que se coloca como algo manifestamente inadmissível.

Sintetizando objetivamente a questão o professor Carlyle POPP elenca três requisitos básicos para a configuração de sua violação: a) o recebimento de informações ou conhecimentos de fatos da outra parte; b) que tal circunstância tenha sido motivada pela existência de tratativas entre as partes e, finalmente; c) que a transferência destas informações a si próprio ou a terceiros tenha como escopo a obtenção de algum tipo de benefício. [210]

De modo diametralmente oposto, encontram-se os deveres de lealdade propriamente ditos. Originalmente, é possível afirmar que toda e qualquer retirada arbitrária da fase negociatória representa, de algum modo, a quebra de um dever de lealdade. [211]

Uma dificuldade que se afigura para o julgador em relação a este dever é a de se quantificar os danos a serem indenizados. Isto porque a linha divisória entre o quantum a ser suportado pelo próprio prejudicado, do prejuízo que a ele deva ser ressarcido é sem dúvida algo muito tênue. [212] Na prática, é muito comum que alguém, provavelmente interessado nas informações que possa vir a adquirir, inicie negociações com o único propósito de as romper posteriormente [213] e neste caso não haverá qualquer duvida quanto à sua responsabilidade.

Há um traço característico que muito o distingue dos demais deveres: o de que, à medida que as conversações vão avançando, há também um aumento gradual de sua intensidade, devendo ser mais fortemente observado no momento em que o grau de confiança atingido vá se aperfeiçoando. [214] Em uma última etapa, pode ensejar até mesmo a obrigatoriedade de contratação. [215]

O professor Carlyle POPP enumera dois pressupostos, os quais, segundo ele, põem-se como indispensáveis na sua averiguação: a) a existência de efetivas negociações, bem como que elas tenham gerado razoável confiança na outra parte e; b) que a ruptura tenha ocorrido de forma ilegítima.

Uma última observação a seu respeito é a de que, embora não seja possível afirmar tratar-se de algo inusitado - mas sem dúvida bem menos usual -, pode ocorrer que a parte a ser ressarcida seja a mesma que tenha se retirado abruptamente das negociações. Basta imaginar a hipótese em que, já tendo sido atingido um grau avançado nas negociações, alguma das partes descubra que a outra tenha ocultado, durante todo o tempo, a existência de circunstância essencial à conclusão satisfatória do projeto a ser firmado. Nesta hipótese, visualiza-se, de modo claro, a possibilidade de que a parte que desconhecia tais circunstâncias possa experimentar prejuízos.

Tendo sido estudado os deveres acessórios de conduta especificamente na fase que antecede à do contrato propriamente dito, atingimos a última etapa deste trabalho. Nela, procurar-se-á analisar as principais decisões judiciais que deram origem às discussões em torno do tema, para ao final, conectá-las à possibilidade de incidência da responsabilidade pré-contratual no âmbito do Direito brasileiro.

4.5. A RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL PELA QUEBRA DOS DEVERES ACESSÓRIOS: ANÁLISE À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

4.5.1 A Experiência Européia

Ao contrário do que até bem pouco ocorria no âmbito do Direito brasileiro, em que ausência de uma cláusula geral como a prevista pelo art. 422 do atual Código Civil trazia inegáveis prejuízos, alguns países convivem, já há algum tempo, com disposições que acolheram expressamente a possibilidade de responsabilização pela quebra dos deveres acessórios que decorrem da boa-fé. É o que acontece, mais nitidamente, em algumas nações européias.

Dentre aquelas que merecem destaque, podemos citar, além de Alemanha e Portugal, a Itália [216], a Espanha [217], a Grécia, entre outros.

Por uma questão metodológica, contudo, este estudo irá se ocupar mais detidamente da experiência obtida por Alemanha e Portugal, países em que a legislação e a jurisprudência foram capazes de dar à responsabilidade pré-contratual pela quebra dos deveres que decorrem da boa-fé o tratamento devido.

Antes de seguir-se à análise dos casos mais célebres, deve-se esboçar os respectivos fundamentos legais sobre os quais se amparou a jurisprudência destes países.

4.5.1.1 A grande contribuição alemã

É indubitável a contribuição do BGB de 1896 dentro das grandes codificações contemporâneas. Calcado em alguns pilares fundamentais [218], um deles é sem dúvida o princípio da autonomia da vontade. Dentro da temática em estudo, porém, adquire grande importância a denominada "Teoria da Confiança", a qual, tendo sido construída a partir de inúmeros dispositivos de lei, está fortemente ligada à idéia de boa-fé objetiva.

Referida teoria traduz-se essencialmente através da necessidade de se conferir segurança ao tráfego jurídico, uma vez que à época em que o BGB foi elaborado era interessante à nação alemã, em vista da relação que travava com outros países, "dotar (...) seu sistema de elementos atrativos ao comércio." [219]

Diversamente do que ocorre em Portugal, onde, conforme se verá a seguir, a responsabilidade pré-contratual obteve expresso tratamento legal, o amplo desenvolvimento que o instituto alcançou na Alemanha, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, está baseado na cláusula geral da boa-fé, conforme previsão do § 242 de seu Código. [220] Na realidade, a lei apenas recepcionou o que a prática comercial daquele país já consagrava [221]. Neste sentido, de grande clareza as palavras de Maria Cristina Cereser PEZZELLA [222]

A evolução da jurisprudência civilística alemã (...) a partir de 1900 torna-se cada vez mais vivaz e elástica, pois mesmo com o caráter acentuadamente positivista do BGB "procurou manter-se a par das transformações econômicas e sociais que começaram a inundar a Alemanha" logo após a entrada em vigor do BGB. A jurisprudência encontrou novas soluções para situações também novas, de modo que o direito privado "de fato vigente", em particular a teoria geral e o direito das obrigações, já não podia ser deduzido somente do texto de lei.

Outro aspecto relevante que contribuiu ainda mais para que seu âmbito de incidência fosse ampliado, deve-se ao fato de que sua aplicação independe de ser argüida por qualquer dos litigantes, permitindo ao magistrado aplicá-la de ofício. [223]

Dentre os muitos momentos em que a lei alemã se refere à boa-fé objetiva, cumpre também destacar o imperioso papel que desempenha o § 157 no ordenamento germânico. De fato, este dispositivo, combinado com o anterior, mostraram-se hábeis a proporcionar o avançado desenvolvimento que a responsabilidade pré-contratual atingiu na Alemanha. Dispõe o referido dispositivo que "os contratos serão interpretados como exigem a fidelidade e a boa-fé em atenção aos usos do tráfico". Esta atuação conjugada destes dois referenciais é de grande importância, uma vez que "o § 157, BGB, estabelece o conteúdo da dívida e o § 242 (...) regula a maneira da prestação." [224]

No que atine aos limites da indenização admitidos permitidos pelo respectivo ordenamento, na visão do professor Carlyle POPP, este se restringe ao interesse negativo. Embora admitindo que a questão seja bem controvertida, sua conclusão deflue-se da "interpretação do § 307 [225] do BGB." [226]

Feitas estas considerações em torno da previsão legal reservada ao tema dentro do ordenamento alemão, passa-se agora a trazer alguns exemplos que evidenciam o amplo alcance que os tribunais daquela nação proporcionaram à questão.

O primeiro deles e certamente o mais famoso dentre todos os casos de responsabilidade pré-contratual corresponde à decisão proferida já no ano de 1911. Trata-se do célebre "caso do linóleo", cuja descrição se vê logo a seguir

A autora realizara determinadas compras num estabelecimento e pretendeu, depois, adquirir um tapete de linóleo; dirigiu-se, para tanto, com um empregado, ao sector de linóleos, onde, por negligência dele, foi colhida, conjuntamente com a criança, por dois rolos que caíram. O RG julgou que, tendo ocorrido os factos numa seqüência em que se visava um efeito contratual, havia, entre as partes, uma relação preparatória, de natureza semelhante a uma relação negocial. A esta relação dever-se-ía aplicar a idéia, comum aos vínculos contratuais e negociais,segundo a qual destes podem resultar deveres de cuidado com a vida e a propriedade do parceiro. Estes deveres haviam sido violados. [227]

Assim, entendeu o tribunal germânico que o fato do cliente já se encontrar no interior do estabelecimento com o propósito deliberado de adquirir tais mercadorias faz nascer para o lojista o dever de diligência para com o possível cliente. Isto porque, como bem assinala a professora Rosalice Fidalgo PINHEIRO "há certos contratos que se subordinam a uma série de atos preparatórios", [228] dentro dos quais já há de se impor às partes alguns deveres de conduta em geral, como por exemplo, os de lealdade e probidade, ou, neste caso específico, o de proteção do cliente, no que diz respeito à sua integridade física e segurança.

Contudo, ao contrário do que possa parecer, nem sempre a observância de tais deveres é de se exigir apenas da parte mais forte na relação. Embora seja mais comum que ele seja violado pela parte se coloca de modo mais robusto em face da relação, tudo dependerá da apreciação do caso concreto. É o que ocorre, aliás, na decisão a seguir transcrita.

Em BAG 7-Fev.-1964 entende-se que uma trabalhadora, escolhida em concurso para ocupar determinado posto, é responsável quando, estando doente e carecendo de um período longo de convalescência, cala esse aspecto na entrevista de selecção e, de seguida, falta sucessivamente a várias convocatórias para iniciar funções, acabando por comunicar a sua impossibilidade para celebrar o contrato de trabalho encarado: inutilizou, com isso, todo um processo de selecção para preenchimento de um lugar. [229]

Viu-se aqui, especificamente, a transgressão de um dever de informar, ou como prefere a professora Ana PRATA, de um dever de esclarecimento. Reiterando o comentário exarado anteriormente à transcrição dos fatos, nota-se que, a trabalhadora, embora aparentemente hipossuficiente frente à organização responsável pelo processo seletivo, foi capaz de causar-lhe inegável transtorno, daí porque ser evidente o seu dever de ressarcir os prejuízos experimentados, comprovando o que se acima se afirmou.

Finalmente, Antonio Menezes CORDEIRO nos traz ainda um exemplo relativo à quebra do dever de lealdade no iter das negociações preliminares.

Um caso de deslealdade simples é o figurado em BGH 19-Out.-1960. No decurso das negociações preliminares para a locação produtiva de um prédio danificado pela guerra, a entidade pública titular criou, no futuro locatário, a idéia justificada de que o clausulado contratual seguiria um determinado modo. Mudou, depois, de linha. O BGH entendeu que, segundo a boa-fé, haveria que ter em consideração os interesses da outra parte, modelados pela confiança provada. [230]

Vê-se, com isso, que a confiança havida entre as partes, a partir de uma convenção fixada, ainda que meramente verbal, foi violada, ensejando, segundo a sábia decisão proferida pela corte germânica, o dever de reparar.

Por fim, vale referir ainda, uma decisão proferida neste mesmo país no ano de 1976, em que o proprietário de um iate leva sua embarcação a uma oficina para que esta engendre alguns consertos. Embora o conserto não tivesse sido combinado, uma vez que o dono hesitava quanto à possibilidade de vendê-lo, o barco permaneceu no estabelecimento. Ao remover a embarcação de modo inapropriado, produziu-se danos substanciais, de maneira que os deveres de cuidado e conservação foram infringidos. [231]

Como dito, estes são apenas alguns dos exemplos mais representativos que o instituto tornou possível naquele país. A partir da experiência alemã, inúmeros outros países, mutatis mutandis, passaram a proceder de modo similar. Foi o que ocorreu também em Portugal, conforme a seguir passamos a demonstrar.

4.5.1.2 Da lei à doutrina: a trajetória do instituto em Portugal

Fortemente influenciado pelo acolhimento do instituto em outros países europeus [232], sobretudo em Grécia [233] e Itália, o Código Civil português de 1966, atualmente em vigor, distinguiu-se dos demais por ter recepcionado a responsabili-dade pré-contratual de forma expressa.

Reza o referido Código em seu art. 227:

"Art. 227º (Culpa na formação dos contratos):

1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato, deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

2. A responsabilidade prescreve nos termos do art. 498º." [234]

Ponderando sobre o tratamento que o dispositivo conferiu ao instituto, Judith MARTINS-COSTA anota que "embora a doutrina anunciasse que o fundamento da norma aí posta reside nos cânones da lealdade e probidade, (...) a aludida cláusula geral esteve, até os anos oitenta, como que sem voz". [235] Foi então que em 1981, o Superior Tribunal de Justiça daquele país pronunciou-se neste sentido, em paradigmática decisão:

CULPA IN CONTRAHENDO. INDEMNIZAÇÃO. FACTO IMPEDITIVO. ÔNUS DA PROVA. BOA-FÉ. MÁ-FÉ. I - Quem, ao negociar um contrato, (formal ou não), deixar de proceder com honestidade, incorre no dever de indemnizar os prejuízos que daí advinham, para a contraparte. II - É ao contraente que interrompeu as negociações que compete provar ser isto devido a impedimento relevante. III - A boa fé ou má fé não se provam directamente; inferem-se do comportamento das pessoas. [236]

Em suma, os fatos que embasaram o caso foram os seguintes: as partes, com vistas à viabilizar a transferência de um estabelecimento comercial destinado à venda de tecidos, acordaram verbalmente a cessão das quotas da referida sociedade, na qual laboravam treze costureiras.

Com isso, a adquirente resolveu inclusive cancelar uma série de encomendas que já haviam sido feitas, embora ainda não houvessem sido entregues. Desta forma, os cessionários adquirentes, aos olhos de quem os via, atuavam como verdadeiros donos: davam ordens às empregadas, contactavam fornecedores, etc.

O problema, porém, residiu em circunstância diversa, porém fundamental: não obstante o estágio em que as negociações já se encontravam, os ainda proprietários recusavam-se a conferir a outorga da escritura de compra e venda do estabelecimento. Referida atitude, por óbvio, acabou violando claramente os ditames de lealdade e boa-fé na fase das tratativas negociais, ensejando a que os adquirentes ingressassem em juízo para resolver a questão.

Retomando a análise do dispositivo legal responsável pelo reconhecimento da responsabilidade pré-contratual em Portugal, ou seja, o art. 227 do CC de 1966, deve-se fazer alusão à extensão do quantum indenizatório admitido naquele país. No texto de lei, não há qualquer referência quanto à limitação da indenização ao interesse negativo.

Embora textualmente o dispositivo se refira a "contrato", há quem defenda que não há nada que obste que o julgador, quando for aplicá-lo, mediante interpretação extensiva, considere-o válido também diante de negócios jurídicos unilaterais. Isto porque, no entender de Ana PRATA, "basta (...) que tais atos possuam um destinatário". [237]

Dentro da amplitude conferida ao instituto através deste dispositivo legal, deve-se fazer alusão à extensão do quantum indenizatório admitido naquele país. No texto de lei, não há qualquer referência quanto à limitação da indenização ao interesse negativo.

Desta forma, diversamente da postura adotada pelo BGB germânico, não há a necessidade de que tais prejuízos fiquem adstritos àqueles "decorrentes da confiança que a outra parte depositou na constituição, na validade ou na plena eficácia do contrato." [238]

Outro é o entendimento do professor Carlyle POPP. Segundo ele, de acordo com a previsão deste artigo, o prejuízo indenizável está adstrito tão somente ao interesse negativo, ou seja, "à perda patrimonial que não teria tido se não fosse a expectativa na conclusão do contrato frustrado ou a vantagem que não alcançou por causa da mesma expectativa gorada (teria vendido a terceiro por melhor preço ou teria comprado por melhor preço a terceiro)." [239]

Dito autor sustenta seu posicionamento pautado no entendimento doutrinário e jurisprudencial daquele país, assim como em uma compreensão sistemática do assunto, propiciada por uma leitura atenta dos artigos 898 [240] e 908 [241] do Código Civil português.

Data vênia, a determinação dos limites da indenização, acertadamente a nosso ver, deve ficar a cargo do julgador, o único capaz de determiná-lo a partir das peculiaridades do caso concreto.

Tanto é assim, que o Supremo Tribunal de Justiça português já se posicionou no seguinte sentido:

RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL. DANO EMERGENTE. LUCRO CESSANTE. I – As partes, no decurso das negociações de um contrato, devem actuar de boa fé, isto é, devem agir segundo um comportamento de lealdade e correcção que visa contribuir para a realização dos interesses legítimos que as partes pretendem obter com a celebração do contrato – princípio que tem a sua confirmação no estatuído no n. 2 do artigo 762 do Código Civil – e, se as partes assim não procederem, terá que faltar a essa conduta de arcar com a responsabilidade pelos danos ocasionados à contra-parte, nisto consistindo a chamada responsabilidade da culpa "in contrahendo" que se acha estabelecida na norma do artigo 227, n. 1 do Código Civil. II – Tanto nos preliminares (danos emergente e lucros cessantes), como os danos patrimoniais, desde que, é claro, estejam, relacionados por um nexo de causalidade do facto causador da responsabilidade, são indemnizáveis. III – Os lucros cessantes compreendem os benefício que o lesado, com fundada probabilidade, teria obtido se não houvesse iniciado as negociações frustradas e, sem culpa sua, confiado na boa fé da contraparte, máxime quanto à válida conclusão do negócio. IV – Provado que existiram efectivas negociações entre o Autor e o pai dos Réus, propostas por este, tendentes à realização de um contrato de compra e venda de um imóvel, identificado no processo, e que tais negociações ultrapassaram a fase negociatória e se situaram no período decisório, já que ambas as partes acordaram na compra e venda do prédio pelo preço de 900 contos; o Autor se prontificou a entregar o sinal, que não foi aceite, e procedeu seguidamente a determinadas demarches com vista a constituição do prédio em propriedade horizontal, pagando as respectivas despesas, tendo o procurador do pai dos Réus assinado os documentos necessários para tal fim; a ruptura, por parte dos Réus, configura-se como ilegítima, desrespeitando a confiança que nele depositava o Autor, pelo que lhe cumpre reparar os danos que, porventura, hajam causado ao Autor com a sua conduta ilegítima. V – Pretendendo o autor ser indemnizado pelos lucros cessantes, consubstanciados no facto de, por via da ruptura, terem deixado de poder vender um dos andares pela quantia de 1000000 escudos, tal dano não passa do mundo das conjecturas e daí não possa ser esperado com alto grau de verossimilhança, exigível para poder vir a ser ressarcido. [242]

Não obstante a corte lusitana ter decidido pela improcedência do pedido, da simples leitura da ementa se pode inferir que não apenas os danos compreendidos no interesse negativo podem ser ressarcidos. Tanto é assim que avultou, in casu, a necessidade de que o réu pague também os lucros cessantes, uma vez que estes, na hipótese, estavam diretamente ligados ao ato ilícito por ele cometido.

4.5.2 A Admissibilidade da Responsabilidade Pré-contratual no Direito Brasileiro

Conforme veremos, embora muitos sejam os casos em que a responsabilidade pré-contratual tenha lugar - vez que hodiernamente múltiplos são os meios de contato social através dos quais o instituto pode estar presente – ainda é possível dizer que os precedentes jurisprudenciais de nosso país constituem situações esparsas.

A propósito, este aparente desinteresse pelo estudo do problema não possui uma única justificativa. [243] Isto porque, na prática, verifica-se que tanto os prejudicados e mesmo seus próprios procuradores muitas vezes desconhecem a possibilidade de obtenção da tutela jurídica adequada. Some-se a isso fato, não pouco comum de que na maioria das vezes é mais vantajoso que este permaneça inerte do que vá buscar a resposta em nosso moroso Poder Judiciário.

Cientificamente, o sistema jurídico em que se funda o Direito brasileiro – civil law – também tem certa influência nesta constatação. Mais do que propriamente em função dele, mas sobretudo devido ao fato de a literalidade das leis ainda preponderar em nosso país, a tendência consolidada através dos tempos demonstrou a preferência por um sistema fechado [244], no qual se verifica uma enorme dificuldade em se recepcionar conceitos e institutos jurídicos novos sem que seja necessário alterar as disposições legais.

De qualquer modo, não obstante todas as dificuldades encontradas para que a responsabilidade pré-contratual fosse reconhecida no Brasil, a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, no início da última década, contribuiu substancialmente para que este quadro começasse a mudar. Isto porque o referido diploma, ao tutelar separadamente o dever de informar do fornecedor, previu expressamente a necessidade de o fazê-lo desde o momento em que a oferta é veiculada. [245]

Como bem anotou Maria Cristina Cereser PEZZELLA anteriormente à entrada em vigor do atual Código Civil, "pelo fato da boa-fé objetiva estar contida expressamente em lei [apenas] para as relações de consumo, isto não significa que o princípio [devesse] ser aplicado apenas no âmbito restrito destas relações, pois ele estende-se para todos os setores do ordenamento jurídico." [246]

Disto é possível concluir, conforme já foi dito, a posição de destaque que o intérprete passa a ocupar na concretização do princípio da boa-fé, sobretudo na fase pré-negocial.

Não se pode negar, contudo, que o amplo desenvolvimento jurisprudencial alcançado pela matéria em alguns países, sobretudo em Alemanha e Portugal, não tenha repercutido em nossos tribuanais, ainda que os casos que envolvam a responsabilidade pré-contratual representem uma fraca tendência em nossas Cortes.

Assim, como bem anota a professora Rosalice Fidalgo PINHEIRO: "Nosso Direito não se manteve alheio a essa mudança metodológica, ao contrário, tratou de recepcioná-la, não obstante as resistências verificadas, por vezes, em nossos tribunais. Muitas das decisões proferidas por estes últimos, testemunham o sentido dessas transformações, que delineiam os princípios contratuais." [247]

Entretanto é possível que com a inclusão da claúsula geral da boa-fé no art. 422 do atual Código Civil este quadro, felizmente, possa ser alterado. Não nos esqueçamos porém que, do modo como foi redigido - mal redigido, diga-se de passagem - muitos poderão se levantar contra uma aplicação do instituto que esteja fora dos momentos de conclusão e execução do contrato. Todavia, é possível também que, pelo fato de a boa-fé - através de sua previsão em uma cláusula geral - permitir ao julgador a criação da norma mais adequada ao caso concreto, ainda haja alguma esperança de que seja aplicada desde o início das primeiras conversações entre as partes. Resta-nos, por ora, aguardar as primeiras decisões neste sentido.

Vejamos então, a partir de agora, o desenvolvimento jurisprudencial que o instituto alcançou em nosso país.

O primeiro dos casos que vale destacar refere-se a fato levado aos nossos tribunais já no ano de 1959, cuja ementa segue abaixo transcrita:

RESPONSABILIDADE CIVIL. Ato ilícito. Inexistência. Artista convidada a participar do elenco de certo filme. Contrato que não chegou a ser concluído. Pretendida indenização pelos gastos que teria tido com preparativo de vestuário. Lucros cessantes. Inadmissibilidade. Ação improcedente. [248]

Da leitura da íntegra desta decisão - que por razões práticas preferiu-se não transcrever - infere-se que já havia sido estabelecido, inclusive, o papel a ser desempenhado pela artista, bem como a respectiva remuneração. Deste modo, a autora passou a iniciar, por sua própria conta, despesas com vistas a aquisição de seu figurino. Às vésperas de iniciar os trabalhos, contudo, alegou-se que ela não possuía o tipo físico adequado para representar o personagem.

A decisão não reconheceu a possibilidade de indenização por inadimplemento contratual, tampouco a existência de culpa stricto sensu, uma vez que segundo o raciocínio expendido pelo relator do caso, não ocorrera qualquer ato ilícito. Vê-se assim, que sua tese foi mal fundamentada, uma vez que em verdade não se tratava de mero ressarcimento por gastos realizados, mas sim de negociação preliminar com natureza contratual, não havendo portanto nenhum motivo a justificar a ruptura posterior do acordo.

Comentando este caso, Regis Fichtner PEREIRA ressalta que:

A decisão (...) efetivamente não julgou bem a causa. Os réus criaram no espírito da autora a confiança de que o contrato iria se realizar, a ponto de ela recusar outros trabalhos e realizar despesas de compra de vestuário apropriado. A não-conclusão do contrato, tendo em vista o grau de expectativa criado na autora da ação, somente poderia ocorrer caso surgisse um motivo justo para a ruptura das negociações. [249]

Assim, sendo conhecido de antemão o tipo físico da autora, nenhuma razão havia para que os produtores procedessem desta forma. Vê-se, portanto, que "a improcedência da ação foi decidida ao arrepio dos princípios que regem a responsabilidade in contrahendo". [250]

Provavelmente influenciado pela experiência havida a partir do julgado anterior, no mesmo ano de 1959, questão envolvendo a responsabilidade pré-contratual chegou à apreciação do STF em acórdão da lavra do Min. Villas Boas, cuja ementa se vê a seguir:

CULPA IN CONTRAHENDO. CONCEITO. A verificação de responsabilidade dela derivada se faz pela soma dos prejuízos efetivos, diretamente emanados da sua ocorrência, excluídos os lucros cessantes e outras parcelas não compreendidas no denominado "interesse negativo." Recurso não conhecido, sem embargo do provimento do agravo para a subida dos autos. [251]

Nesta decisão vê-se, pela primeira vez, que a delimitação do quantum indenizatório refere-se apenas ao interesse negativo, de que já tratamos em momento anterior [252]. Apenas relembrando o que já dissemos, por meio dele deve-se entender não como o direito ao cumprimento do contrato, mas tão somente o de não ter o seu patrimônio diminuído por gastos inúteis quanto à um negócio que não irá se realizar.

Daí em diante houve diversos outros julgados envolvendo este assunto. Por razões de ordem prática, todavia, ficaremos adstritos apenas quanto àqueles de maior importância, como é o caso do que passamos a descrever na seqüência.

Mais de trinta anos após a apreciação inaugural pelo Supremo Tribunal Federal acerca da extensão do quantum indenizatório, os tribunais paranaenses também pronunciaram-se no mesmo sentido. O TJ deste Estado, no ano de 1993, decidiu nos seguintes termos:

CONTRATOS. NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES. ABANDONO INJUSTIFICADO DOS NEGÓCIOS. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RECURSO DESPROVIDO. Indenizável em decorrência da culpa aquiliana as despesas de trabalho e material, ainda nas negociações preliminares, quando um dos contraentes criar no outro a expectativa de que o contrato seria celebrado. [253]

Como nos casos anteriores, admitiu-se também a responsabilização pela retirada arbitrária na fase das negociações, bem como o ressarcimento das despesas realizadas com vistas à conclusão do negócio. Aqui, todavia, vislumbra-se com maior evidência a questão referente à sua natureza jurídica, e a conclusão do Tribunal paranaense de que possui uma feição aquiliana, ou seja, extracontratual. Apenas rememorando, é a que se encontra consagrada pelo art. 186 [254] da lei civil, segundo o qual todos devem respeitar a esfera jurídica de outrem, cuidando para que esta não seja violada de forma culposa, ainda que se trate de prejuízo referente tão apenas quanto aos aspectos moral e psíquico do indivíduo. A exemplo do que já foi dito, [255] tal assertiva fica bem resumida pela expressão latina neminem laedere, ou, em vernáculo, o dever de "a ninguém lesar".

Três anos mais tarde, levou-se à apreciação pelo STJ uma outra controvérsia, muito freqüente nos dias de hoje, [256] da qual sobrevêm a seguinte indagação: o estabelecimento comercial é ou não responsável pelo veículo do cliente estacionado em local destinado para este fim no interior de suas dependências? Como lhe é próprio nestas ocasiões, o Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, oriundo do TJRS, decidiu, com evidente lucidez, no seguinte sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ESTACIONAMENTO. FURTO DE VEÍCULO. DEPÓSITO INEXISTENTE. DEVER DE PROTEÇÃO. BOA-FÉ. O cliente do estabelecimento comercial, que estaciona o seu veículo em lugar para isso destinado pela empresa, não celebra um contrato de depósito, mas a empresa que se beneficia do estacionamento tem o dever de proteção, derivado do princípio da boa-fé objetiva, respondendo por eventual dano. Súmula 130. [257] Ação de ressarcimento da seguradora julgada procedente. Recurso não conhecido. [258]

No aresto sobressai com maior evidência que nos demais até aqui colacionados, alguns deveres que exsurgem de uma conduta social típica, a qual, segundo construção operada pela doutrina alemã de 1940 [259], denomina-se "relação contratual de fato" [260]. Em hipóteses como esta, a vinculação que se estabelece tem por escopo "o cumprimento efectivo de uma operação econômica" [261]. Assim, embora não seja possível falar em uma declaração de vontade contratual válida, não há como negar que o contato social havido entre os sujeitos venha a ser reconhecido e tutelado pelo Direito.

Encaminhando-nos para a conclusão deste trabalho, merecem destaque duas decisões prolatadas pelo TJRS, a primeira delas com a seguinte ementa:

CONTRATO. TRATATIVAS. CULPA IN CONTRAHENDO. RESPONSABILIDADE CIVIL. Responsabilidade da empresa alimentícia, industrializadora de tomates, que distribui sementes, no tempo do plantio, e então manifesta a intenção de adquirir o produto, mas depois resolve, por sua conveniência, não mais industrializá-lo naquele ano, assim causando prejuízo do agricultor, que sofre a frustração da expectativa da venda da safra, uma vez que o produto ficou sem possibilidade de colocação. Provimento, em parte, do apelo, para reduzir a indenização à metade da produção, pois uma parte da colheita foi absorvida por empresa congênere, às instância da ré. Voto vencido, julgando improcedente a ação. [262]

Sinteticamente, os fatos podem ser assim esboçados: a CICA, conhecida empresa do setor alimentício tinha como prática habitual distribuir sementes, na época do plantio, aos agricultores da região de Canguçu, localizada na parte sul do Estado do Rio Grande do Sul. A empresa, assim, na época oportuna, adquiria a produção obtida a partir daquelas sementes. Na safra de 87/88, porém, após a distribuição das mesmas e o respectivo plantio, a CICA se negara a comprar-lhes a produção, alegando excesso de mercadoria naquele ano. Tendo transcorrido um certo lapso de tempo durante a discussão, os produtores não tiveram mais como repassar a colheita para outros compradores, o que lhes acarretou evidente prejuízo. Felizmente, tal atitude foi veementemente repelida pelo órgão judicante.

Embora não houvesse nenhum instrumento formal capaz de demonstrar a promessa de que a compra da produção se concretizaria mais uma vez naquele ano, o TJRS entendeu tratar-se de atitude verdadeiramente arbitrária, uma vez que esta prática já se prolongava por vários anos. Sendo assim, foi possível afirmar que a empresa incorreu em responsabilidade pré-contratual. Some-se a isto o fato de que os agricultores, em sua evidente situação de hipossuficiência, encarnavam homens de pouco estudo, rudes por sua própria condição de pessoas do campo.

Outro não foi o entendimento em um segundo aresto da lavra do mesmo tribunal. Neste caso porém, a decisão considerou ser legítimo o rompimento das negociações, ao contrário do que se possa pensar. Eis a ementa do último julgado a que nos propomos a analisar:

RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL. CULPA IN CONTRAHENDO. Alienação de quotas sociais. É possível o reconhecimento da responsabilidade pré-contratual, fundada na boa-fé, para a indenização das despesas feitas na preparação do negócio que não chegou a se perfectibilizar por desistência de uma das partes. No caso, porém, o desistente agiu justificadamente. Cessão da totalidade das ações por quem apenas detinha parte do capital. [263]

Em síntese os fatos que circundam o decisum passaram-se nos seguintes termos: após iniciar negociações com vistas à aquisição de um posto de gasolina e já tendo entabulado diversos aspectos referentes à essa operação, o pretenso adquirente desiste de prosseguir no negócio. A hipótese, porém, se presta perfeitamente a demonstrar que nem sempre uma ruptura no período das negociações enseja o dever de indenizar. Há sempre que atentar aos cânones da razoabilidade e das circunstâncias que norteiam o caso.

Isto porque, na hipótese, o suposto comprador veio a saber que o outro interessado não era, na verdade, o detentor de todo o capital social, embora se apresentasse como tal. Afastada, assim, qualquer possibilidade de responsabili-zação pela retirada imediata da fase de negociações, vez que estava presente circunstância que evidentemente justificava uma atitude neste sentido.

Embora em um dado momento da demanda o réu tenha alegado estar convicto de que demais proprietários não haveriam de se opor na realização do negócio, a interrupção das negociações pela outra parte mostrou-se legítima, uma vez que não havia, de fato, nenhuma prova concreta de que isto realmente iria acontecer.

Feitas estas considerações, alcançamos assim o ponto final de nosso estudo. Certo de que a questão está longe de envolver uma solução pacífica, nem por isso devemos descurar de analisá-la. Passa-se, a seguir, às principais conclusões alcançadas pelo presente trabalho.


5 CONCLUSÃO

Uma vez atingido o ponto culminante desta pesquisa, podemos compreender alguns de seus aspectos mais relevantes.

Face à realidade contratual contemporânea, é inegável o papel que o princípio da boa-fé objetiva desempenha ao flexibilizar o dogma da autonomia da vontade. Se em outros tempos a manifestação volitiva representava algo intangível e absoluto, suficiente para justificar todos os fins buscados com a celebração dos negócios jurídicos, o desenvolvimento econômico alcançado pela sociedade impôs ao Direito a necessidade de concretizar os anseios em torno da realização de uma justiça contratual efetiva.

Assim, a partir de uma realidade social que o País pouco a pouco também passou a experimentar, e a exemplo do que já era reconhecido pelo ordenamento de diversos outros países, o legislador pátrio viu-se na incumbência de disciplinar normativamente o instituto. Embora esta realidade já esboçasse seus primeiros contornos a partir da promulgação da Constituição da República, este intuito só veio a se materializar mais nitidamente com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, no início da década de 90. À época, houve quem entendesse que os princípios contratuais reconhecidos pelo CDC restringiam-se tão somente às relações de consumo, de modo que a ausência um dispositivo expresso a esse respeito no âmbito do Direito civil, tornava sua aplicabilidade um tanto quanto prejudicada.

Neste sentido, a edição do Código Civil de 2002, que a incluiu na previsão da cláusula geral do art. 422, sem dúvida, veio a contribuir sobremaneira para a sua aplicação em situações que reclamam soluções justas.

A percepção, a partir de meados da década de 70, de que a relação jurídica obrigacional em verdade se comporta como algo flexível e dinâmico, tornou possível o reconhecimento da existência de diversos deveres de conduta. Ditos deveres, que têm origem na observância ao mandamento da boa-fé objetiva, têm como algumas de suas características mais marcantes o fato de que devem ser observados por todos aqueles que de algum modo contribuem para o atingimento das finalidades buscadas pelo contrato, além da possibilidade de estarem presentes durante todo o desenrolar da relação jurídica, desde os mais tênues contatos iniciais entre as partes, até mesmo após adimplidas as prestações que constituem o objeto principal do negócio.

O desenvolvimento da teoria da culpa in contrahendo em 1861, por IHERING, abriu espaço para o estudo de uma nova espécie de responsabilidade civil, a responsabilidade civil pré-contratual.

Porém com o passar do tempo percebeu-se que dita teoria se mostrava um tanto quanto limitada, uma vez que restringia a incidência do instituto apenas às hipóteses de nulidade do contrato, quando esta tinha origem na não-comunicação de circunstâncias invalidantes à outra parte.

Felizmente, este problema foi percebido por alguns estudiosos, que vislumbraram a necessidade de inclusão de uma nova hipótese: a do elemento da boa-fé como fonte de responsabilidade pré-contratual.

Admitida esta nova forma de responsabilidade, a doutrina passou então a se debruçar sobre uma nova e importante questão: como qualificar juridicamente o instituto. Surgiram adeptos de ambas as correntes: tanto os que defendiam o seu caráter contratual, quanto aqueles que a equiparavam às hipóteses de responsabilidade aquiliana, havendo também até mesmo aqueles que entendessem se tratar uma nova e distinta espécie. Não obstante a importância das opiniões a respeito, entendemos não ser necessária a criação de uma nova espécie em face das já existentes. Detendo-nos sobre estas questões, constata-se que em realidade não há como equiparar os casos em que um dever de diligência genérico se impõe a toda uma coletividade àqueles em função dos quais há a violação da confiança despertada unicamente no âmbito da relação travada entre as partes. Entendemos, portanto, que o instituto possui natureza contratual, uma vez que eventuais prejuízos experimentados não possuem outra origem senão aquela decorrente do início das negociações em torno de um mesmo objeto.

Finalmente, ao se atentar para a técnica legislativa empregada por diversos países e também pelo Brasil, verifica-se que as claúsulas gerais constituem de fato a forma mais adequada. E sob este aspecto, a figura do intérprete assume vultuosa importância, pois somente a partir da consideração das peculiaridades de cada caso e com vistas à realização do justo-concreto, é que julgador poderá conferir a solução mais adequada para cada hipótese.


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Notas

01 ROPPO, E. O contrato. Coimbra: Almeidina, 1988, p. 11.

02 Ibidem, p. 41.

03 Ibidem, p. 41.

4 Op. cit., p. 42-43.

05 NORONHA, F. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 112.

06 Tanto é assim que o referido autor defende a existência de um fundamento constitucional da autonomia privada, alocando-o no parágrafo único do art. 170 da CR/88, que reza: "É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei." Neste sentido, v. p. 116.

07 FRADERA, V. M. J. Dano pré-contratual: uma análise comparativa a partir de três sistemas jurídicos, o continental europeu, o latino-americano e o americano do norte. Revista de Informação Legislativa do Senado Federal. Brasília: Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, ano 34, n. 136, out./dez. 1997, § 2.2, p. 175.

08 Apud NORONHA, F, op. cit., p. 114.

09 COSTA, M. J. A. Direito das obrigações. 9. ed. rev. e aum. Coimbra: Livraria Almeidina, 2001, p. 206.

10 PEREIRA, C. M. S. Instituições de direito civil. 10. ed., v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 09.

11 DINIZ, M. H. Tratado teórico e prático dos contratos, v. 1. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 60.

12 COSTA, M. J. A., op. cit., p. 207.

13 Ibidem, p. 207.

14 Ibidem, p. 207.

15 Sobre o tema, v. ELESBÃO, E. C. Princípios informativos das obrigações contratuais civis. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 147.

16 DINIZ, M. H., op. cit., p. 32.

17 RIBEIRO, J. S. O problema do contrato: as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Colecção Teses – Coimbra, Portugal: Ed. Almeidina, 1999, p. 22.

18 MELLO apud ELESBÃO, E. C, op. cit., p. 114.

19 Ibidem, p. 115.

20 Ibidem, p. 118.

21 Ibidem, p. 117.

22 Ibidem, p. 117.

23 Ibidem, p. 150-151.

24 Ibidem, p. 152-153. Neste sentido, v. também THEODORO JÚNIOR, H. O contrato e seus princípios. Rio de Janeiro: Aide, 1993, p. 25.

25 THEODORO JÚNIOR, H., op. cit., p. 30-31.

26 Ibidem, p. 144.

27 RODRIGUES, S. Direito civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 27. ed. rev., v.3. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 17.

28 ELESBÃO, E. C., op. cit, p. 146.

29 Apud GOMES, O. Contratos. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

30 RODRIGUES, S., op. cit., p. 17.

31 Extraídas de DINIZ, M. H., op. cit., p. 38-39 e ELESBÃO, E. C., op. cit., p. 36.

32 THEODORO JÚNIOR, H., op. cit., p. 36.

33 Op. cit., p. 148.

34 Ibidem, p. 148.

35 GIORGI apud ELESBÃO, E. C., op. cit, p. 138.

36 ELESBÃO, E. C., op. cit., p. 138-139.

37 A esse respeito dispõe a nova lei civil em seu art. 110, ao preceituar que "A manifestação de vontade subsiste ainda que o autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento".

A reserva mental, assim como a lesão e o estado de perigo, foram institutos representativos dos defeitos dos negócios jurídicos introduzidos pelo novo Código Civil brasileiro, ao lado dos vícios já existentes: o erro, o dolo, a coação e a fraude contra credores. Excluiu-se da nova lei, assim, a simulação.

38 RIBEIRO, J. S., op. cit., p. 22.

39 COSTA, M. J. A., Aspectos modernos do direito das obrigações - Estudos de direito civil brasileiro e português. São Paulo: RT, 1986, p. 82.

40 SILVA, C. C. O princípio da boa-fé no direito brasileiro e português. In: FRADERA, V. M. J. O direito privado na visão de Clóvis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 47.

41 MARTINS-COSTA, J. A Boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, 2000, p. 412.

42 HOUAISS, A.; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 470.

43 Ibidem, p. 411.

44 "Art. 1201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa."

45 "Art. 1561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória."

46 "Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador."

47 MARTINS-COSTA, J., A Boa-fé..., p. 411.

48 Em outra oportunidade, Judith MARTINS-COSTA se utiliza da denominação "função de otimização do comportamento contratual" para se referir tanto à esta função, quanto àquela que "impõe deveres de cooperação e proteção dos interesses recíprocos." A esse respeito, v. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 199-200.

49 MARTINS-COSTA, J., A Boa-fé..., p. 427-472.

50 O qual, segundo as lições de Maria Cristina Cerezer PEZZELLA, significa "método que utiliza padrões, parâmetros identificáveis para a solução de casos concretos, admitindo um tipo de construção jurisprudencial". Isto porque "os princípios gerais de direito e os conceitos jurídicos indeterminados são pautas de valoração que carecem de preenchimento valorativo.". O princípio da boa-fé objetiva no direito privado alemão e brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n. 23-24, § 2º, p. 207, jul./dez. 1997.

51 MARQUES, C. L. Boa-fé nos serviços bancários, financeiros, de crédito e securitários e o CDC: informação, cooperação e renegociação? Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n. 43, p. 225, jul./set. 2002.

52 PEZZELLA, M. C. C. Op. cit., § 2º, p. 208.

53 MARTINS-COSTA, J. A Boa-fé..., p. 436.

54 MARTINS-COSTA, J. Diretrizes..., p. 206.

55 MARTINS-COSTA, J. A Boa-fé..., p. 427-472.

56 Prestação de boa-fé: "O devedor é obrigado a realizar a prestação de boa-fé, atendendo às exigências dos costumes" (Cf. PEREIRA, R. F. A responsabilidade civil pré-contratual; teoria geral e responsabilidade pela ruptura das negociações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 158).

57 Que este trabalho já abordou quando tratou de uma das funções da boa-fé objetiva, qual seja, a de limite ao exercício de direitos subjetivos.

58 Apud NORONHA, op. cit., p. 174.

59 FRADERA, V. M. J. Dano pré-contratual..., § 2.1, p. 174.

60 PINHEIRO, R. F. O abuso do direito e as relações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 259-280.

61 FRADERA, V. M. J. Dano pré-contratual..., § 1º, p. 171-172.

62 Ibidem, § 1º, p. 172. Neste artigo, a autora traça um paralelo entre alguns sistemas jurídicos, dentre eles o americano do norte, em cujas raízes o contrato se encontra estritamente arraigado em aspectos econômicos, e dentre estes o da consideration, a qual leva em conta a existência de uma contrapartida do negócio. Um outro pilar sobre o qual se assenta o estudo do contrato naquele país é o estudo do liberalismo econômico. Donde se conclui que à ótica do direito norte-americano, o estudo do contrato e o das ciências econômicas caminham lado a lado.

63 Parte da doutrina já a incluía entre os princípios contratuais básicos. Neste sentido, v. GOMES, O, op. cit., p.42; RIZZARDO, A. Contratos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 23, e; VENOSA, S. S. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo, Atlas, 2001, p. 340-341. A sua aplicação, porém, se tornava muito difícil, pois, conforme assinala Judith MARTINS-COSTA, a "ausência de uma cláusula geral, dificultando e assistematizando as decisões judiciais, conduz a que, não raramente, não se perceba, com clareza, qual é a fonte dos deveres impostos às partes. Estes, contudo, manifestam-se e são efetivamente declarados em sede judicial, ainda que mascaradamente." A boa-fé..., p. 427.

64 Assim também se posicionava o STJ. Como se sabe, compete à esta Côrte o exame de questões de direito que envolvam principalmente divergência na interpretação de lei federal. Nesta esteira, já falava Antonio Junqueira de AZEVEDO, em artigo elaborado há mais de uma década:

"Segue-se do exposto que, como a boa-fé é, normalmente, questão de fato, dificilmente é ela examinada nos dois tribunais superiores. Todavia, esse exame pode ocorrer desde que, com muita argúcia, se demonstre que, previamente, há um problema de qualificação jurídica na matéria decidida na instância inferior". A boa-fé na formação dos contratos. Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, São Paulo: Faculdade de Direito da USP, n. 87, 1992, p. 87.

65 Conforme a lição da professora Judith MARTINS-COSTA, em A boa-fé..., p. 329-341.

66 "Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato."

67 "Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta."

68 MELLO, A. M. T. A função social do contrato e o princípio da boa-fé no novo código civil brasileiro. Revista Síntese de Direito Civil, Porto Alegre: Síntese, n. 16, mar./abr. 2002, p. 145-146,

69 V. a esse respeito, GOMES, L. R. F. Os contratos no novo Código Civil. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro: EMERJ, n. 17, 2002, p. 11-23.

70 PEREIRA, R. F. Op. cit., p. 158.

71 Assim o art. 1337 do Código Civil italiano: "As partes, no desenvolvimento das tratativas e na formação do contrato, devem comportar-se segundo a boa-fé" (Cf. MARTINS-COSTA, J. A boa-fé...,p. 494). No mesmo passo estão os arts. 227 (v. item 4.5.1.2) e 762, 2 da lei civil portuguesa: "no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé" (cf. CORDEIRO, A. M. Da boa-fé no direito civil. reimpr., v. 1. Coimbra: Livraria Almeidina, 1997, § 1º, p. 20).

72 Expressão utilizada por GOMES, L. R. F. Op. cit., p. 11-23.

73 A propósito, v. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre: UFRGS/ Síntese, n. 15, 1998, p. 129-154.

74 "Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim como nas negociações preliminares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé e tudo mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos, e das exigências da razão e da eqüidade." (Cf. FERREIRA, A. H. O novo Código Civil - discutido por juristas brasileiros. São Paulo: Bookseller, 2003, p. 358)

75 Insuficiências, deficiências e desatualização do projeto do Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos. Revista dos Tribunais, v. 775, mai./2000, p. 11-17.

76 MARTINS-COSTA, J. Mercado e solidariedade social entre cosmos e táxis: a boa-fé nas relações de consumo. In:_____. A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: RT, 2002, p.627.

77 NOVAIS, A. A. L. Os novos paradigmas da teoria contratual: o princípio da tutela do hipossuficiente. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.) Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 17-54.

78 V. MARTINS-COSTA, J. Mercado..., p. 611-620, em que a autora traça um amplo panorama histórico no qual demonstra a passagem da postura abstencionista do Estado para a intervencionista no campo econômico.

79 BOBBIO, N. A era dos direitos. 17. tir. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5-6.

80 WALD, A. Obrigações e contratos. 12. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT, 1995, p. 524.

81 V. MARTINS-COSTA, J. Mercado..., p. 621-622. Segundo a autora o princípio é a própria normativa constitucional da boa-fé. Ela entende, contudo, que esta atribuição ficaria a cargo do princípio da solidariedade social. Em seu entendimento, a concretização do princípio da boa-fé não depende apenas de uma interferência estatal, mas acima de tudo, de uma participação social efetiva.

82 Ibidem, p. 82-83, na transcrição de voto do eminente Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, na Ap. Cív. 588059113, j. em 06.12.88.

83 SLAWINSKI, C. B. A. Breves reflexões sobre a eficácia atual da boa-fé objetiva no ordenamento jurídico brasileiro. In: TEPEDINO, G. (Coord.) Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 77-110.

84 Ibidem, p.77.

85 AZEVEDO, A. J. Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. Revista de Direito da Faculdade de Direito USP, n. 90, 1995, p. 126.

86 MARQUES, C. L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 185. Referido vetor tem por objetivo auxiliar o intérprete na construção do "justo-concreto", sempre levando-se em conta a finalidade visada pelo contrato.

87 CAPPELARI, R. E. Responsabilidade pré-contratual: aplicabilidade ao Direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 121.

88 Ibidem, p.124.

89 Situação de fragilidade em que se encontra o consumidor que, segundo o professor R. E. CAPPELARI, decorre "da superioridade técnica ou profissional do mesmo, e também da inexperiência do consumidor, o que, normalmente, o impede de obter as informações necessárias sobre os bens que pretende adquirir", à p. 121 de sua obra.

90 Contratos..., p. 181-182.

91 Como no exemplo em que se busca impedir a ocorrência de um desvio da finalidade do contrato, assim como quanto à proibição da exigência de um número excessivo de documentos para a realização de uma determinada compra.

92 Quanto a este exemplo, pode-se pensar que o contato tem por finalidade precípua a manutenção dos laços com o cliente, para que possa, v.g., continuar a lhe enviar seus informes, seus catálogos promocionais. Não se pode negar, contudo, que esta também é uma forma de manter o cliente a par da situação da empresa, o que, como visto, pode lhe trazer inegáveis benefícios.

93 Cf. C. L. MARQUES que em sua obra Contratos..., p. 703-738, faz uma ampla abordagem de suas diferentes modalidades (vendas de porta em porta, vendas emocionais ou de multipropriedade e a contratação à distância em geral e no comércio eletrônico). Sobre o exercício do direito de arrependimento nas vendas realizadas fora do estabelecimento comercial, v. art. 33.

94 GOMES, O. Transformações gerais do Direito das Obrigações. São Paulo: RT, 1967, p. 148.

95 MONTEIRO, W. B. Curso de direito civil. 25. ed., v. 4. São Paulo, Saraiva, 2001, p. 129.

96 COSTA JÚNIOR, O. A Relação Jurídica Obrigacional: Situação, Relação e Obrigações. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 36, em consonância com a redação do art. 149 do antigo Código Civil brasileiro, segundo o qual: "O ato de ratificação deve conter a substância da obrigação e a vontade expressa de ratificá-la."

97 PEZZELLA, M. C. C. Op. cit., § 2º, p. 207.

98 MOTA, M. J. P. A pós-eficácia das obrigações. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.) Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 187-241.

99 Art. 580 do CPC: "verificado o inadimplemento do devedor, cabe ao credor promover a execução.

Parágrafo único. Considera-se inadimplente o devedor, que não satisfaz espontaneamente o direito reconhecido pela sentença, ou a obrigação, a que a lei atribuir a eficácia de título executivo."

100 VARELA, J. M. A. Das obrigações em geral. 7. ed., v. 2. Coimbra: Livraria Almeidina, p. 273.

101 A propósito, v. o posicionamento adotado por J. MARTINS-COSTA e C. L. MARQUES, dentre outros autores nas obras já referidas.

102 SILVA, C. C. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976, p. 25.

103 Assim se referiu o prof. Carlyle POPP em defesa de monografia apresentada no dia 08.05.2003.

104 Segundo o festejado Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: "ligeira e circunstancialmente. De passagem." Op. cit., p. 1155.

105 Exemplos formulados a partir de outros trazidos pelo professor Carlyle POPP, em sua obra Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2001.

106 Exemplos formulados a partir de outros trazidos pela professora Cláudia Lima MARQUES em Contratos..., p. 432.

107 Ibidem, p. 432.

108 Diz-se relativamente ao direito brasileiro.

109 Assim como Carlos Alberto da Mota PINTO, Olímpio COSTA JÚNIOR, Judith MARTINS-COSTA, Cláudia Lima MARQUES, dentre outros.

110 Na verdade, a maior parte dos autores ainda não a reconhecem.

111 Cessão de contrato. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 279.

112 Embora dela se utilize para a referência aos deveres secundários com prestação autônoma, entendemos ser o seu emprego perfeitamente adequado para a menção de todo o gênero.

113 A obrigação..., p. 36.

114 Ibidem, p. 36.

115 Da boa-fé..., p. 603-631.

116 A boa-fé..., p. 437-454.

117 A boa-fé e a violação positiva de contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 69-119.

118 CORDEIRO, A. M. Op. cit., § 23º, p. 630-631.

119 Ibidem, § 23º, p. 622-625.

120 Seguindo-se os passos daquele que pode ser considerado o "pai" de roda esta discussão: o alemão Heinrich STOLL, que em 1936, pode captar a importância que uma reflexão desta ordem encerra. A esse respeito, v. SILVA, J. C. F. Op. cit., p. 69-119.

121 CORDEIRO, A. M. Op. cit., § 23.º, p. 605.

122 Veja-se, v.g., os artigos 12, 14 e 30 da lei de proteção ao consumidor (CDC).

O primeiro destes dispositivos menciona expressamente o dever de informar, quando diz que "o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro e o importador respondem, independentemente da existência da culpa, pela reparação dos danos causados (...) bem como por informações insuficiente ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

O art. 14 estende ao prestador de serviços a mesma exigência quanto ao dever de informar, ao dispor de igual modo que: "O fornecedor de serviços responde (...) pela reparação dos danos (...) bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos."

Por fim, no último destes dispositivos, o art. 30, encontra-se um dever geral de informar no âmbito das relações de consumo. Diz ele que "toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."

123 CORDEIRO, A. M. Op. cit., § 23.º, p. 605.

124 Ibidem, § 23.º, p. 605.

125 COSTA, M. J. A. Responsabilidade civil pela ruptura das negociações preparatórias de um contrato. Coimbra: Coimbra Ed. Limitada, 1984, p. 67-68.

126 Ibidem, p. 68.

127 Como o prof. Carlyle POPP, na obra já referida.

128 MONTEIRO apud POPP, C. Op. cit., p. 198.

129 Ibidem, p. 198.

130 Ibidem, p. 109.

131 CORDEIRO, A. M. Op. cit., § 23.º, p. 605.

132 A exemplo de Jorge Cesa Ferreira da SILVA, op. cit., p. 112.

133 CORDEIRO, A. M. Op. cit., § 23.º, p. 607.

134 Ibidem, § 23.º, p. 606.

135 Op. cit., p. 211.

136 Ibidem, p. 112.

137 CHAVES, A. Responsabilidade pré-contratual. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Lejus, 1997, p. 145-198.

138 Op. cit., p. 191-294.

139 A responsabilidade civil pré-contratual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

140 Op. cit., p. 34-50.

141 A propósito, o professor Carlyle POPP, refere-se ao instituto dizendo que: "o princípio da boa-fé objetiva veda comportamentos contraditórios, enfim incompatíveis com posturas anteriormente tomadas." Op. cit., p. 125.

142 A esse respeito v. RT 104/608 e 609 apud CAPPELARI, R. E. Op. cit., p. 38.

143 Este dano, conforme já se aludiu, pode se configurar sob as mais diversas formas, desde o tempo e trabalho perdidos, quanto os lucros que se deixou de auferir na contratação com pessoas idôneas. Quanto a estes, pode tomar por base o valor médio pago pela hora de trabalho de cada profissional, cf. a sugestão do prof. Carlyle POPP em sua obra.

144 "Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

145 "Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."

146 Op. cit., p. 43.

147 Ibidem, p. 42.

148 WESTERMANN apud CAPPELARI, R. E. Op. cit., p. 28.

149 PINTO apud CAPPELARI, R. E. Op. cit., p. 32-33.

150 MARTINS-COSTA, J. A boa-fé..., p. 486.

151 PONTES DE MIRANDA apud PEREIRA, R. F. Op. cit., p. 52.

152 Relato formulado com base na descrição trazida por Judith MARTINS-COSTA em A boa-fé..., p. 488.

153 CORDEIRO, A. M. Op. cit., § 20º, p. 529.

154 Ibidem, § 20º, p. 530.

155 PEREIRA, R. F. Op. cit., p. 117.

156 Ibidem, p. 118.

157 Ibidem, p. 119.

158 CORDEIRO, A. M. Op. cit., § 20.º, p. 545.

159 Cujo entendimento se extrai da leitura de todo o § 20º da referida obra.

160 CACHAPUZ, M. C. Algumas notas sobre a responsabilidade pré-contratual. Revista da AJURIS - Doutrina e jurisprudência, n. 76, ano XXVI. Porto Alegre: AJURIS - Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, dez/99, p. 69.

161 Ibidem, p. 69.

162 CORDEIRO, A. M. Op. cit., § 20º, p. 534.

163 CACHAPUZ, M. C. Op. cit., p. 69.

164 CORDEIRO. A. M. Op. cit., § 20º, p. 534.

165 Ibidem, § 20º, p. 534.

166 Ibidem, § 20º, p. 534.

167 CACHAPUZ, M. C. Op. cit., p. 69.

168 A transcrição literal encontra-se à nota 143.

169 COSTA, M. J. A. Responsabilidade..., p. 91.

170 Ibidem, p. 91. No mesmo passo de entendimento está o mestre Antonio CHAVES, ao afirmar que a insubsistência de tais classificações deve-se "à simples razão de que a responsabilidade pré-contratual é decorrentes de uma situação de fato para a qual concorrem fatores que diversificam caso por caso, não permitindo a subordinação a um único princípio teórico, renitentes como são a qualquer classificação", op. cit., p. 149 apud GUERREIRO, J. A. T. A boa fé nas negociações preliminares. Revista de direito civil, imobiliário, agrário e empresarial, v. 16, ano 5, abr./jun. 1981, § 9º, p. 51.

171 Responsabilidade..., p. 86-98.

172 V. a respectiva transcrição na à nota 71.

173 A transcrição dos dispositivos encontra-se às notas 144 e 145, respectivamente.

174 Dentre aqueles que defendem a natureza aquiliana do instituto destacam-se SILVA, C. C. (v. FRADERA, V. M. J. em seu artigo Dano pré-contratual..., § 2.2.1, p. 176) assim também se posicionando José Alexandre Tavares GUERREIRO, op. cit., § 9º, p. 50.

175 Op. cit., § 9º, p. 50.

176 Apud FRADERA, V. M. J. Dano pré-contratual..., § 2.2.1, p. 176.

177 Op. cit., p. 149.

178 Ibidem, p. 149.

179 Op.cit., p. 144.

180 Ibidem, p. 144.

181 Saliente-se que a oposição referida no § 3º do presente item diz respeito à insistência em se adotar uma posição definida antes de se ter em mãos as especificidades de cada situação e jamais à sua importância propriamente dita, que, como se percebe, é de grande utilidade.

182 Cf. o art. 403 do Código Civil brasileiro de 2002.

183 V. AZEVEDO, A. J. Responsabilidade..., p. 123.

184 MARTINS-COSTA, J. A boa-fé..., p. 491.

185 Ibidem, p. 491.

186 Cf. a posição defendida pela prof. Judith MARTINS-COSTA no artigo A incidência do princípio da boa fé no período pré-negocial: reflexões em torno de um notícia jornalística. Revista de Direito do Consumidor, n. 4, Edição especial. São Paulo: RT, 1992, p. 158.

187 Ibidem, p. 155.

188 O que fica bem evidenciado em CACHAPUZ, M. C. Op. cit., p. 65.

189 MARTINS-COSTA, J. A incidência..., p. 152.

190 GUERREIRO, J. A. T. Op. cit., § 4º, p. 49.

191 A propósito, v. MARTINS-COSTA, J. A incidência..., p. 152.

192 Ibidem, p. 152.

193 CACHAPUZ, M. C. Op. cit., p. 79.

194 GUERREIRO, J. A. T. Op. cit., § 1º, p. 48.

195 Embora a autora lance mão de extensa gama de deveres - como os de cuidado, previdência e segurança, aviso e esclarecimento, informação dentre tantos outros - faz questão de salientar que o faz apenas em caráter exemplificativo. V. A boa-fé..., p. 439.

196 Este autor, em sua obra, utiliza uma classificação quadripartida a qual considera os seguintes deveres: a) de informação; b) de lealdade e correção; c) proteção e cuidado e; d) segredo e sigilo. V. p. 437.

197 Op. cit., p. 197. Ali o advogado paranaense especifica-os em a) deveres de conselho, informação e recomendação; guarda e restituição; segredo; clareza; lealdade e proteção e conservação.

198 POPP, C. Op. cit., p. 199. O autor assinala a importância jurídica de tais informações, tendo em vista que em geral dizem respeito ao conteúdo, às cláusulas contratuais, à vícios aparentes e redibitórios, e muitas vezes as condições pessoais do contratante.

199 "Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance."

200 POPP, C. Op. cit., p. 200.

201 "Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(...)

III – a informação clara e adequada sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem."

202 "Art. 30. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance."

203 POPP, C. Op. cit., p. 206.

204 Ibidem, p. 62.

205 Ibidem, p. 79.

206 Ibidem, p. 81.

207 O que se verifica tanto em PRATA, A. Notas sobre responsabilidade pré-contratual. 2. ed., reimpr. Coimbra: Livraria Almeidina, 2002, p. 63-65, como em POPP, C. Op. cit., p. 207-208.

208 PRATA, A. Op. cit., p. 65.

209 Ibidem, p. 65.

210 POPP, C. Op. cit., p. 207.

211 PRATA, A. Op. cit., p. 66-67.

212 Ibidem, p. 67.

213 Ibidem, p. 68.

214 Ibidem, p. 71.

215 Ibidem, p. 74.

216 Sua transcrição encontra-se à n. 71.

217 Cujo Código Civil estatui: "Art. 7º, 1. Los derechos deberán ejercitarse conforme a lãs exigências de la buena fé.", para depois dizer, no art. 1258, que: "Los contratos se perfeccionam por el mero consentimiento, y desde entonces obligan, no sólo al cumplimiento de lo expresamente pactado, sino también a todas das consecuencias que, según su naturaleza, sean conformes a la buena fe, al uso y a la ley." (Cf. PEREIRA, R. F. Op. cit., p. 61).

218 FRADERA, V. M. J. Dano pré-contratual..., § 2.2, p. 175.

219 Ibidem, § 2.2, p. 175.

220 V. nota 56.

221 V. a esse respeito FRADERA, V. M. J. Dano..., § 2.2, p. 175.

222 WIEACKER apud FRADERA, V. M. J, Dano..., p. 209.

223 Ibidem, p. 205.

224 Ibidem, p. 204.

225 Na tradução em língua hispânica, cf. traz o mesmo autor à p. 164 de sua obra: "Quien en momento de la conclusión de un contrato está dirigido a una prestación imposible conoce o debe conocer la impossibilidad de la prestación, está obligado a la indmnización del daño que la outra parte sufra por la circunstancia de que confia en la validez del contrato, no sobrepasando, sin embargo, la suma interés que la otra parte tiene en la validez del contrato. No se produze la obligación de indemnización si la otra parte conoce o debe conocer la imposibilidad. Estas disposiciones se aplican oportunamente se la prestación sólo es imposible en parte y el contrato es válido en relación a la parte posible, o si es imposible una de entre varias prestaciones prometidas para elegir."

226 Op. cit., p. 167.

227 RG 7-dez-1911, RGZ 78 (1912), 239-241 (240), cf. CORDEIRO, A. M. Op. cit., § 23.º, p. 604-607.

228 Op. cit., p. 219-220.

229 BAG 7-Fev.-1964, NJW 1964, 1197-1199, cf. CORDEIRO, A. M. Op. cit., § 21º, p. 550.

230 BGH 19-Out.-1960, LM n.º 11§276 (Fa) BGB.NJW 1964, 1197-1199, cf. CORDEIRO, A. M. Op. cit., § 21º, p. 552.

231 BGH 02-dez-1976, LM n.º 46 § 276 (Fa) BGB, cf. CORDEIRO, A. M. Op. cit., § 21º, p. 552.

232 COSTA, M. J. A. Responsabilidade..., p. 38.

233 Cujos arts. 197 e 198 do Código Civil respectivo assim prevêem:

"Art. 197. No curso das negociações para a conclusão de um contrato, as partes se devem mutuamente a conduta ditada pela boa-fé e pelos usos nas relações d’affaires.

Art. 198. Aquele que causar, por sua culpa, um prejuízo à outra parte, no curso das negociações para a conclusão de um contrato, é obrigado à reparação, mesmo se o contrato não for concluído. A disposição relativa à prescrição das ações relativas aos atos ilícitos se aplica por analogia à prescrição desta ação". (Cf. PEREIRA, R. F, op. cit., p. 173)

234 Cf. PEREIRA, R. F, op. cit., p. 184.

235 A boa-fé..., p. 502.

236 Processo 069021, Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, rel. Sá Gomes, j. em 05.02.81. Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2003.

237 Op. cit., p. 25.

238 PEREIRA, R. F. Op. cit., p. 185.

239 VARELA apud POPP, C., op. cit., p. 176.

240 "Art. 898. Se um dos contraentes houver procedido de boa fé e o outro dolosamente, o primeiro tem direito a ser indemnizado, nos termos gerais, de todos os prejuízos que não teria sofrido se o contrato fosse válido desde o começo, ou não houvesse sido celebrado, conforme venha ou não ser sanada a nulidade."

241 "Art. 908. Em caso de dolo, o vendedor, anulado o contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não houvesse sido celebrada."

242 Processo 075316, Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, rel. Ferreira Dias, j. em 03.10.89. Disponível em: . Acesso em: 05 mai. 2003.

243 A esse respeito, bem como para todo este item, consultamos CAPPELARI, R. E., op. cit., p. 95-108.

244 Neste particular, ousamos discordar da posição adotada pelo professor CAPPELARI em sua obra. Para uma visão completa acerca dos sistemas jurídicos adotados no Brasil e no direito comparado, veja-se, por todos, a excelente obra de J. MARTINS-COSTA. A boa-fé..., p. 94-380.

245 Neste sentido o teor dos artigos 4º, III; 7º e 30 do mencionado diploma.

"Art 4.º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

(...)

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição da República), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

(...)

Art. 7.º. Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais de direito, analogia, costumes e eqüidade.

(...)

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."

246 Op. cit., § 6º, p. 217.

247 Op. cit., p. 365.

248 Ap. Civ. 29.193, Tribunal de Apelação de São Paulo, rel. Juiz Tácito M. de Góes Nobre, j. em 20.05.59. São Paulo: RT, v. 289, ano 48, nov/1959, p. 630-633.

249 RT 289 apud PEREIRA, op. cit., p. 409.

250 Ibidem, p. 410.

251 RE 43.951/SP, Supremo Tribunal Federal, rel. Min. Villas Boas, j. em 22.12.59. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2003.

252 V. item 4.2, relativo à formação da teoria da culpa in contrahendo formulada por IHERING.

253 Ap. Cív. 43.321-8, Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, 21ª Vara Cível de Curitiba, rel. Juiz Ivan Bortoleto, j. em 23.03.93.

254 V. nota 144.

255 V. item 4.3.1, que trata da distinção entre as naturezas contratual e extracontratual.

256 A propósito há uma série de situações como estas com as quais não raras vezes nos deparamos sem, contudo, reconhecer a prevalência - para não dizer mesmo a existência - de nossos direitos. Neste sentido, recentemente assisti reportagem a qual abordava o problema. Embora não guarde relação direta com o tema, há casos similares - dizia - como o da completa ineficácia da cláusula geralmente inserta nos tickets de estacionamento que tem redação já conhecida: "não nos responsabilizamos por objetos deixados no interior do veículo". Ora, é evidente a incoerência da assertiva: como se dizer responsável por eventuais arranhões na lataria do veículo e não pelos objetos deixados no seu interior. A esse respeito, mencionava o professor C. POPP em suas aulas que, na Europa, diferentemente, ao deixar o veículo em estacionamentos, um funcionário, tão logo adentra-se o interior do estabelecimento, efetua uma revista, anotando devidamente os pertences existentes no interior do mesmo. Em alguns poucos estabelecimentos de nossas grandes cidades, já possível perceber o início de uma conscientização neste sentido.

257 "A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento."

258 RESP 107211/SP, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 03.12.96, unânime. Disponível em: . Acesso em: 03 mar. 2003.

259 AMARAL, F. Direito Civil. Introdução. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 179-181.

260 ROPPO, E., op. cit., p. 303.

261 Ibidem, p. 303.

262 Ap. Cív. 591028295, Quinta Câmara Cível, TJRS, rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, j. em 06.06.91. Disponível em: . Acesso em: 03 mar. 2003.

263 Ap. Cív. 591017058, Quinta Câmara Cível, TJRS, rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, j. em 25.04.91. Disponível em: . Acesso em: 03 mar. 2003.


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CR

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Tribunal de Justiça de São Paulo

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v.g.

Por exemplo. Do latim, verbi gratia.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORI, Igor. A responsabilidade pré-contratual pela quebra dos deveres acessórios: admissibilidade no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 868, 18 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7598. Acesso em: 9 maio 2024.