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Débito de ISS não pode suspender a emissão de Nota Fiscal de Serviços Eletrônica

Débito de ISS não pode suspender a emissão de Nota Fiscal de Serviços Eletrônica

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O bloqueio da emissão de NFS-e, além de ser imoral em tempos de recessão econômica, é inconstitucional, por impedir o regular desempenho das atividades econômicas do contribuinte em razão da falta de pagamento do ISS.

Em 16.12.2011, foi publicada a Instrução Normativa nº 19/11, da Subsecretaria da Receita Municipal (“IN nº 19/11 – SUREM/SF”) da Prefeitura de São Paulo, que disciplina a suspensão da autorização para emissão da Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (“NFS-e”) para os contribuintes inadimplentes, com efeito a partir de 01.01.2012.

Desde então, essa prática tem causado grandes transtornos para os prestadores de serviços, principalmente os pequenos empreendedores.

Para fins de suspensão da autorização da emissão da NFS-e, considera-se inadimplente, em relação ao recolhimento do Imposto sobre Serviços (ISS), o contribuinte, pessoa jurídica domiciliada no Município de São Paulo que, alternativamente:

  1. deixar de recolher o ISS devido por 4 (quatro) meses de incidência consecutivos; e/ou2.
  2. deixar de recolher o ISS devido por 6 (seis) meses de incidência alternados dentro de um período de 12 (doze) meses.

Acontece que o bloqueio da emissão NFS-e, além de ser imoral em tempos de recessão econômica, é inconstitucional, por impedir o regular desempenho das atividades econômicas do contribuinte em razão da falta de pagamento do ISS, conforme assegura a Constituição Federal, veja:

“Art. 5°. (...)

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; (grifou-se)

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” (grifou-se).

O professor Hugo de Brito Machado explica que “qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5°, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País.”[1]

A propósito, o Supremo Tribunal Federal (“STF”) possui entendimento consolidado há tempos de que é vedado ao fisco compelir o contribuinte ao pagamento de tributos, por meio de cerceamento de atividade, como por exemplo, a suspensão da emissão de notas fiscais, entre outras medidas, note-se:

Súmula 70. "É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo". 

 Súmula 323. "É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos". 

 Súmula 547. "Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais".

Seguindo nessa linha de raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) possui jurisprudência firme, senão vejamos:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ICMS. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIZAÇÃO PARA EMISSÃO DE TALONÁRIO DE NOTAS FISCAIS. EXISTÊNCIA DE DÉBITOS COM A FAZENDA PÚBLICA. PRINCÍPIO DO LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. ARTIGO 170, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA Nº 547 DO STF.

1. O Poder Público atua com desvio de poder ao negar, ao comerciante em débito de tributos, a autorização para impressão de documentos fiscais, necessários ao livre exercício das suas atividades (artigo 170, parágrafo único, da Carta Magna).

2. A sanção, que por via oblíqua objetive o pagamento de tributo, gerando a restrição ao direito de livre comércio, é coibida pelos Tribunais Superiores através de inúmeros verbetes sumulares, a saber: a) é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo (Súmula nº 70/STF); b) é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula nº 323/STF); c) não é lícito a autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais (Súmula nº 547/STF); e d) é ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado (Súmula nº 127/STJ).

3. Destarte, é defeso à administração impedir ou cercear a atividade profissional do contribuinte, para compeli-lo ao pagamento de débito, uma vez que este procedimento redundaria no bloqueio de atividades lícitas, mercê de representar hipótese da autotela, medida excepcional ante o monopólio da jurisdição nas mãos do Estado-Juiz.

4. Recurso especial desprovido. (REsp 783766, Rel. Luiz Fux. DOU 03.05.07).” (grifou-se)

Especificamente quanto à suspensão da NFS-e pelo Município de São Paulo, em razão de inadimplência do ISS, o Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJ SP”) possui entendimento pacífico de que a IN SF/SUREM nº 19/11 é norma inconstitucional. Veja:

“APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. EMISSÃO DE NFS-e.

Pretensão de afastar a aplicação da Instrução Normativa SF/SUREM nº 19/2011, que prevê a suspensão da autorização para emissão de notas fiscais de serviço eletrônicas para contribuintes inadimplentes. Admissibilidade. Impossibilidade de a autoridade municipal condicionar a emissão ao pagamento de débitos fazendários. A Administração Pública deve se valer de instrumentos próprios para cobrança de seu crédito. Aplicação análoga das Súmulas 70, 323 e 547 do C. STF. Sentença que denegou a segurança reformada. Recurso de apelação da impetrante provido.

(Ap. nº 1019530-86.2015.8.26.0053. DJe 06.04.2016. Rel. Maria Laura Tavares)” (grifou-se)

"Mandado de Segurança. Medida liminar para afastar obrigação de não emitir notas fiscais de serviços. Indeferimento. Contribuinte em situação de inadimplência. Instrução Normativa n. 19/2011 SF/SUREM. Decisão reformada. Ato que inviabiliza o livre exercício da atividade econômica. Inexistência de disposição legal sobre a questão. Inconstitucionalidade do referido ato normativo já pronunciada pelo C. Órgão Especial. Precedentes do STF e deste Tribunal. Agravo de instrumento provido.

(AI nº 2217755-63.2016.8.26.0000. DJe 06.03.2017. Rel. Antonio C. A. Cortez)”

Portanto, diante das considerações efetuadas acima, não resta nenhuma dúvida de que as medidas adotadas com objetivo de forçar o pagamento de ISS pela Prefeitura de São Paulo, suspendendo o funcionamento da NFS-e, é inconstitucional, uma vez que fere o livre exercício de atividade profissional do contribuinte.


Nota

[1] Paulsen. Leandro apud Machado. Hugo de Brito. Direito Tributário. Ed. Livraria do Advogado. pág. 745.


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