Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/55728
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A luta por um pacto social justo

A luta por um pacto social justo

Publicado em . Elaborado em .

Panorama teórico do início do pacto social (nascimento do Estado) e a luta por um Estado justo.

1. INTRODUÇÃO

Buscando-se abordar o tema através de uma análise teórica, o trabalho consiste em criar uma breve análise entre os idos do contrato social (Jean-Jacques Rousseau), com o atual Estado moderno.

Pretende-se, assim, analisar se os critérios estabelecidos para a consolidação de um Estado ainda encontram guarida na atualidade, bem como, se estão sendo respeitadas as condições emanadas para tal desiderato.

Antes da formação do contrato social, se destaca que prevalecia a lei do mais forte, em sendo assim, as invasões eram ocasionais e devastavam territórios, não fazendo mais sentido para o homem continuar vivendo em seu estado natural – àquele em que possui a totalidade da liberdade até onde consegue mantê-la -; portanto, como forma de evitar invasões estrangeiras, fez-se necessário a união de comunidades para satisfazer o interesse de todos (segurança e defesa do patrimônio individual); assim, abrindo-se mão da parcela de tal liberdade, nasceu-se a figura do Estado, consolidado com o consenso de todos para atribuir a um ente a defesa do coletivo, mediante a obediência de normas de conduta (direitos e deveres).

Contextualizando, com a evolução da sociedade, o governo também evoluiu. Nesta ocasião, muitos foram os poderes concedidos ao Estado, a fim de satisfazer o bem comum, interesse coletivo, como a intervenção na vida privada, mormente, na economia e o poder de tributação.

Por tal modo, será visualizado que compete o Estado estimular o acúmulo de patrimônio dos indivíduos que o compõem, sendo violador quando este pretende colidir os pressupostos de instituição do contrato social. Desta forma, o Estado não deve adentrar a liberdade individual e ao patrimônio, pois se o fizer, deteriorará o pacto que rege até hoje.

Neste sentido, diante da conjectura de novos direitos, a análise do trabalho consiste debater se o Estado atual teve o viés de alterar o conteúdo do contrato social ou se este passou a colidir com os aspectos da sua formação, quando do prisma da liberdade e proteção ao patrimônio.


2. O HOMEM NO SEU ESTADO NATURAL

A liberdade é a essência do estado natural do homem – este tratado em sentido genérico -, que nasce livre para traçar as suas escolhas, sendo o juiz de suas próprias decisões, pois é ele quem dirime o que é certo ou errado e para onde ir ou não ir.

Por tal razão, ao se unir com outro da sua espécie, passa a gerar filhos, assim, surgindo o início da vida em sociedade; já que, numa relação de dependência, os filhos passam a obedecerem aos pais, que lhe ensinam os conceitos básicos da vida e a sobreviver, após, ao adquirirem independência, passam a ser detentores de seu livre-arbítrio, podendo ou não permanecer unidos.

Nesse contexto de sociedade – a família -, extraiu-se da obra de Jean-Jacques Rousseau:

A mais antiga de todas as sociedades, e a única que é natural, é a família. Ainda assim, os filhos só permanecem ligados ao pai enquanto dele necessitam para sua manutenção. Uma vez cessada essa necessidade, o vínculo natural se dissolve. Os filhos, isentos da obediência devida ao pai, o pai isento dos cuidados devido aos filhos, retornam igualmente à independência. Se permanecem unidos não é mais naturalmente, mas voluntariamente e a própria família só se mantém por convenção.[3]

Igualmente, quando o homem natural adquire independência – momento em que atinge certa maturidade, conseguindo se defender e se alimentar -, não se torna mais natural a manutenção junto à família; sobretudo, se isso vier a ocorrer, como frisado por Jean-Jacques Rousseau, estar-se-á submetendo a uma convenção, mediante a observância de regras de conduta e obediência para permanecer integro ao grupo familiar.

Frisado isso, observa-se por essa convenção, o pai é considerado o chefe da família, comparado com um governante chefe de seu governo; e, os filhos, representariam o povo, a que obedecem às ordens emanadas de seus representantes, conforme alinhado por Rousseau:

Na família, a imagem do pai é o chefe, os filhos a imagem do povo. Toda a diferença consiste em que dentro da família o amor do pai pelos seus filhos o recompensa pelos cuidados que lhes dedica e, no Estado, o prazer de comandar substitui esse amor que o chefe não dedica ao seu povo.[4]

Como visto, no momento em que o filho atinge a maturidade, entretanto, ficando entrelaçado ao grupo familiar, o mesmo acaba por ceder a parcela da sua liberdade para prestar obediência ao pai, diante das regras de conduta antes estabelecida.

Indiferente, isso ocorre enquanto homens livres, iguais e independentes entre si, que se unem formando uma coletividade com o fito de preservar a segurança de seu patrimônio, constituindo, assim, um pacto social - consoante asseverado por John Locke:

Os homens são por sua natureza livres, iguais e independentes, e por isso nenhum pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder político de outrem sem dar seu consentimento. O único modo legítimo pelo qual alguém abre mão de sua liberdade natural e assume os laços da sociedade civil consiste no acordo com outras pessoas para se juntar e unir-se em comunidade, para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras, com a garantia de gozar de suas posses, e de maior proteção contra quem não faça parte dela. Qualquer número de homens pode fazê-lo, porque não prejudica a liberdade dos demais, que ficam como estavam, livres no estado de natureza. Quando certo número de homens acordou assim em constituir uma comunidade com governo, ficam, de fato, fazendo parte dela e formando um corpo político, no qual a maioria tem a prerrogativa de agir e resolver por todos. [5]

Neste viés, assevera o pensador que o homem no estado de natureza é tão livre, dono e senhor da sua própria pessoa e de suas posses e a ninguém sujeito. De igual natureza, sendo os homens livres e iguais para gozar dos mesmos direitos, sua fruição é muito incerta e passível de invasões, uma vez que inexiste a equidade e a justiça entre os homens, prevalecendo a lei do mais forte. Logo, fazendo o homem abandonar tal condição que é muito perigosa, nasce a necessidade de unirem forças para a conservação recíproca da vida, da liberdade e dos bens, assim denominado de “propriedade”.

E, unidos em comunidade, as decisões a serem tomadas leva-se em conta o desejo da maioria, visto que, só podendo essa força agir autorizada por seus representantes, dentro das regras de conduta individual antes estabelecida e obedecida por todo o coletivo, a destacar:

Quando certo número de homens constitui uma comunidade através do consentimento individual de todos, fez com isso, dessa comunidade, um corpo com poder de agir como um corpo, o que apenas ocorre pela vontade e resolução da maioria. Ora, apenas o consentimento dos indivíduos leva a comunidade a agir, é necessário, para que um corpo se mova em certo sentido, que o faça movido pela força maior, ou seja, a do consentimento da maioria; se assim não fosse, seria impossível que uma comunidade agisse ou conservasse sua identidade de corpo, que a aquiescência dos indivíduos que a formaram concordou em que fosse; por isso, todos ficam obrigados pelo acordo estabelecido pela maioria.[6]

Ademais, ainda observa John Lo, nas assembléias que têm poderes para agir mediante leis positivas, a decisão da maioria considera-se como sendo de todos e, sem dúvida, decide, investida do poder de todos pela lei da natureza e da razão.[7]

Porquanto, chamando essa união dos homens que se encontravam em seu estado natural de corpo político, e concordando tais indivíduos em sair do seu estado libertário para se submeterem a um governo e às regras de conduta e obediência – onde serão regidos pela decisão da maioria do grupo a que estão inseridos -, assim, as novas gerações que advirem dentro do respectivo grupo irão aderir ao pacto, vindo também a se submeterem às mesmas regras; sobretudo, em razão da impossibilidade da criação de novos governos dentro de um já existente, destacamos:

Se todos os homens nasceram sob um governo, seja lá qual for, é impossível que qualquer indivíduo tenha a liberdade de unir-se a outros para dar início a outro governo, e em nenhum caso ter a capacidade de estabelecer governo legítimo.[8]

Sendo assim, o homem em seu estado natural, quando se une com outros homens, formando um corpo político e, por conseqüência, um governo, fica obstado de se desfazer do referido pacto para a criação de novos grupos dentro de um mesmo território, em razão de ter condicionada a parcela da sua liberdade individual para a submissão do pacto social, com o único objetivo, garantir a preservação da segurança coletiva de todo o seu patrimônio.

Desse modo, o Estado passou a ser detentor da parcela desta liberdade individual para a formação da sociedade; porque, através da criação de normas de condutas, instalou as regras da vida em sociedade (direitos e deveres), preservando a propriedade (vida, liberdade e bens) daqueles que não convivam nela e dentre a tal liberdade, ficou condicionada a submissão ao referido pacto, já que garante a manutenção ao mesmo.

Nesse sentir, o Estado foi criado para garantir a segurança e a liberdade de todos os indivíduos que o compõem, devendo tratá-los com a igualdade de direitos, mormente, regulando a sua conduta e a garantia individual.


3. DESVIRTUAÇÃO DO PACTO SOCIAL COM O AUMENTO DE PODERES DO ESTADO, FRENTE À POLÍTICA SOCIAL

Como já frisado, o Estado - compreendido do corpo político e governo -, foi instituído, exclusivamente, para garantir segurança à vida e ao patrimônio do homem, quando este ainda gozava da sua integral liberdade ao conviver no seu límpido estado natural.

Neste caso, com o crescimento da população e vigindo a lei do mais forte, as invasões e a incerteza de manutenção da propriedade passaram a ser incertas, justificando a realização de um pacto entre os homens para garantir a segurança dos indivíduos de determinado território, mediante a união da força dos povos, uma vez que não mais se justificava conviver no estado natural, com incertezas, fraquezas e fragilidade de ruptura natural.

Neste viés, o Estado foi criado para garantir, tão somente, a segurança de seus indivíduos, mediante a absorção de parcela da liberdade individual. E para tal desiderato, além de subtrair parcela da liberdade, os indivíduos deveriam também contribuir com esse serviço, surgindo o nascimento da figura da obrigação tributária, que manteria o funcionamento do sistema pactuado em prol de seus habitantes.

Mas com o passar dos séculos, temos visto uma maior concentração de poderes do Estado, onde os seus indivíduos são compelidos a abrir mão, cada vez mais, da sua liberdade individual para se sobreporem às regras estatais, além de terem seus patrimônios confiscados pelo referido ente, em razão da excessiva carga tributária que oneram as suas atividades e patrimônios, dado que, quanto maior for o poder conferido ao Estado, maior o custo para a sua efetivação.

Tal fato que sobreleva essa atuação do Estado em tributar desordenadamente o seu povo está ligado às formas de condução de governo, pois, escolhendo-se políticas populistas, o assistencialismo ganha força, fazendo com que uma redistribuição de riquezas se torne a ferramenta mais adequada para se perpetuar no poder.

Não raras vezes, as escolhas adotadas por governos nem sempre são consideradas as melhores para o seu povo, tendo ímpeto nitidamente pessoal, como antes dito, como mecanismo de se manter no comando e do sistema se aproveitando.

Como destacado por Bertrand Russel, o Estado e o seu socialismo, vêm sendo prejudicial à vida e ao pacto social entabulado, dado que diante do excesso de poder concentrado nas mãos dos governantes, o povo está restrito às suas decisões, na ocasião em que o seu direito de liberdade e propriedade vêm sendo limitado ante às arbitrariedades acoimadas por nossos governantes, destacamos:

Sob a influência do socialismo, grande parte do pensamento liberal dos últimos anos tem sido favorável ao aumento do poder do Estado e mais ou menos hostil ao poder da propriedade privada. Por outro lado, o sindicalismo vem sendo hostil tanto ao Estado quanto à propriedade privada. Creio que o sindicalismo está mais certo do que o socialismo nesse aspecto, pois tanto a propriedade privada quanto o Estado, que são as duas instituições mais poderosas do mundo moderno, tornaram-se prejudiciais à vida por causa do excesso de poder, e ambos estão acelerando a perda da vitalidade, mal de que o mundo civilizado sobre cada vez mais. As duas instituições estão estreitamente ligadas, mas, por enquanto, quero considerar apenas o Estado. [9]

E destaca-se que nem sempre as decisões tomadas pelos governantes são as mais acertadas e melhores para o povo que os representam.

Contrário censo, o contrato social – cujo pacto se sujeitaram aqueles indivíduos livres e que hoje se aplica à nossa geração, visava proteger e garantir a liberdade individual e patrimonial -; contudo, é visível que este pacto tem-se deturpado contra os seus indivíduos, na medida em que os poderes concedidos aos governantes passaram a restringir maior parcela da liberdade individual e do patrimônio dos seus indivíduos, por razão da alta carga tributária – ferramenta de manutenção do governo -, e da ausência pública.

Luciano Benetti Timm comenta os idos do contrato social, em seu artigo abaixo transcrito:  

Por “contrato social” entende-se o pacto realizado entre os indivíduos, pelo qual ao renunciar parte de sua liberdade individual constituem uma entidade central, dotada de autoridade sobre todos. Esta autoridade, normalmente o Estado, terá a função de proteger e garantir a liberdade dos mesmos indivíduos que abdicarem de parcela dela ao pactuarem o contrato social.

Por mais contraditório que possa parecer, é a renúncia parcial da liberdade que possibilita a manutenção dessa mesma liberdade, pelo monopólio estatal do uso da força. “Como exemplos, a segurança contra violência interna (polícia), a segurança contra violência externa (forças armadas) e arbítrio para dirimir conflitos de interesses entre os indivíduos (juízes).[10]

Como antes destacado, voltamos a dizer que cabe ao Estado a manutenção da paz e a segurança, com o fito de preservar o direito e garantia do patrimônio, mas não cabe a ele adentrar na esfera individual privada, utilizando-se de ferramenta fugaz de expropriação de patrimônio (tributo), para fins confiscatórios.

Se analisarmos duramente, vimos que o pacto social se voltou contra aqueles que pretendiam se salvaguardar da segurança Estatal, uma vez que nos vimos violentados atualmente pelo Estado, ocasião em que têm restringido a liberdade individual e patrimônio, destaca-se:

“A essência dos Estados é a de ser o repositório da força coletiva de seus cidadãos. Essa força assume duas formas, uma interna e outra externa. A forma interna é a lei e a polícia; a forma externa é o poder de fazer a guerra, tal como corporificado no Exército e na Marinha. O Estado é constituído pela associação de todos os habitantes de uma área, usando sua força unificada de acordo com as ordens de um governo. Em um Estado civilizado, a força só é empregada contra seus próprios cidadãos conforme regras previamente estabelecidas, as quais constituem o código penal. Mas o emprego da força contra estrangeiros não é regulado por nenhum código de regras e avança, com poucas exceções, de acordo com algum interesse nacional, real ou imaginado”. [11]

Porquanto, dito isso, quanto maior a extensão de poderes concedidos aos governantes, maior a parcela da liberdade e patrimônio individual que serão surrupiados do povo que coaduna com esse corpo político, distanciando do modelo de contrato social inicialmente instalado, que intuía, sobremodo, para assegurar à vida e o patrimônio dos homens em seu estado natural, quando então, o Estado, além de proteger o seu indivíduo, passou também a subtrair o seu patrimônio deste povo, em razão da decisão maioral, como também passou a competir com a produção de bens e riquezas, mormente, intervindo de forma brutal na economia e direcionando-se ao monopólio para o exercício de determinadas atividades.

Nesse sentido, destacamos Bertrand Russel:

Algumas das funções do Estado, como o serviço postal e educação elementar, podem ser desempenhadas por agentes privados e só estão a cargo do Estado por motivos de conveniência. Já outros assuntos, como a lei, a polícia, o Exército e a Marinha, pertencem mais essencialmente ao Estado: enquanto houver algum modo de Estado, será difícil imaginar tais assuntos em mãos privadas. A distinção entre socialismo e individualismo se dá nas funções não essenciais do Estado, as quais o socialista quer estender e o individualista, restringir. São as funções essenciais, admitidas tanto por individualistas quanto por socialistas, que quero criticar, uma vez que as outras não me parecem, em si mesmas, contestáveis.[12]

Como asseverado pelo citado autor, o socialismo tem corroído o pacto social, em razão do aumento inexpressivo da atividade estatal em prol dos indivíduos. Por assim dizer, o Estado não foi criado para ser um pai do indivíduo que nele vive, mas sim, resguardar que nenhum mal aflija a sua liberdade e o seu patrimônio.

Rousseau, em outra obra, compara o Estado com a cidade de Esparta, onde naquela cidade se fazia os mais fortes os bem sucedidos e os mais fracos, eram desprezado. Já no Estado, torna-se a todos onerosos, os matando antes mesmo de nascerem, trascrevemos:

“A natureza comporta-se para com eles precisamente como a lei de Esparta para com os filhos dos cidadãos; torna fortes e robustos os que são bem constituídos e faz perecer todos os demais; diferente nisto das nossas sociedades, onde o Estado, tornando os filhos onerosos aos pais, os mata indistintamente antes de nascerem”.[13]

Todavia, cada vez que o Estado cria um círculo vicioso de um assistencialismo desenfreado – como visto nas políticas populistas quase sempre adotadas pelos Estados, visando os fins políticos e a perpetuação do poder, sem observar os direitos da coletividade -, tal ente necessitará mais e mais adentrar ao patrimônio privado para fazer frente às novas despesas; pois, a redistribuição de riqueza desestimula a produção e tonifica a ociosidade, na medida em que os que menos têm, mais serão auxiliados pelo Estado; dessa maneira, convertendo-se àquele que produz a não mais produzir, em razão de ser subtraído através da taxação dos impostos, já que o Estado também pode lhe o auxiliar um dia quando não mais for produtivo.

E diz mais:

O poder do Estado só é limitado, internamente, pelo temor da rebelião e, externamente, pelo temor de derrota em guerra. Excetuando essas restrições, ele é absoluto. Na prática, pode confiscar propriedades dos homens por meio dos impostos, determinar a lei do casamento e da herança, punir a expressão de opiniões que o descontentem, condenar homens à morte por desejarem que a região onde habitam pertença a outro Estado, e ordenar que todos homens aptos arrisquem suas vidas em batalhas sempre que considerar desejável a guerra. Em muitas questões, o desacordo com os propósitos e as opiniões do Estado é ato criminoso. Antes da guerra, os Estados mais livres do mundo eram, provavelmente, Estados Unidos e Inglaterra. Ainda assim, nenhum imigrante podia desembarcar na América sem antes professar descrença no anarquismo e na poligamia, enquanto, na Inglaterra, homens foram mandados para a prisão nos últimos anos por expressarem discordância com a religião cristã ou concordância com os ensinamentos de Cristo. [14]

Por tal razão, há necessidade de repensar o pacto social desde os idos inaugurais, em razão do fracasso dos atuais sistemas de governos; devido ao intervencionismo do Estado na vida privada; pelo assistencialismo desenfreado, em virtude da turbação da liberdade individual à livre manifestação de pensamento e manifestação; por expropriação de patrimônio, como ferramenta de redistribuição de riqueza; assim, como visto, o Estado deturpa o contrato social quando não estimula o estudo, o trabalho e a produção, através de um governo desorganizado.


4. MUDANÇA POR DIGNIDADE DE UM PACTO SOCIAL JUSTO

Ao aderir ao pacto social, mediante a obediência das normas de conduta, cabe à sociedade, eminentemente, fiscalizar a atuação do Estado e de todos os poderes conferidos para a representação do povo. Neste condão, havendo mutação para aquilo que foi antes convencionado, somente o povo poderá repercutir-se no anseio das mudanças que necessitam ser implementadas, a fim de se praticar a justiça e a dignidade em desfrutar dos frutos do suor do trabalho.

Vale assim dizer, que um povo unido é temido pelos estrangeiros – o que motivou o contrato social para assegurar a proteção à vida e ao direito de propriedade -, o mesmo também o é por seus representantes internos, em razão do poder emanar do povo e dele se modificar, se a união se imperar, não haverá governo desgovernado, já que o povo temido tem a força voraz para modificar seus governantes.

John Locke aponta que todo o poder é limitado, podendo o povo, em união, transformar àquilo que não funciona, com a salvaguarda do poder supremo, a fim de não deturpar o conteúdo inicial, que é a manutenção da segurança e do patrimônio, veja-se:

Embora em uma comunidade constituída, erigida sobre a base popular e atuado conforme sua própria natureza, isto é, agindo sempre em busca de sua própria preservação, somente possa existir um poder supremo, que é o legislativo, ao qual tudo o mais deve ser subordinado, sendo todavia o legislativo somente um poder fiduciário que entra em ação apenas em certos casos, cabe ainda ao povo o poder supremo para afastar ou modificar o legislativo, se constatar que age contra a intenção do encargo que lhe cofiaram. Ora, todo poder concedido como encargo para se obter certo objetivo é limitado por esse mesmo objetivo, e sempre que este for desprezado ou claramente contrariado, perde-se necessariamente o direito a este poder, que retorna às mão que o concederam, que poderão depositá-lo em quem julguem melhor para garantia e segurança próprias. Por isso, a comunidade sempre conserva o poder supremo de se salvaguardar contra os maus propósitos e atentados de quem quer que seja, até dos legisladores, quando se mostrarem levianos ou maldosos para tramar contra a liberdade e propriedades dos cidadãos.[15]

Jean Jacques Rousseau salienta, ademais, que cabe ao povo – quando usurpados de sua liberdade -, lutar para recuperá-la da mesma forma como fora subtraída, destacamos:

Se um povo é constrangido a obedecer e obedece, faz bem; mas, se é capaz de abalar o jugo e o abala, faz ainda melhor, pois recuperando sua liberdade mediante o mesmo direito pelo qual ela lhe foi arrebatada, ou vê nele base para retomá-la ou não havia, de modo algum, direito para que dele a subtraíssem. Porém, a ordem social é um direito sagrado que serve de base a todos os demais. Entretanto, esse direito não tem, absolutamente, origem na natureza, estando, portando, fundado em convenções. Cumpre saber que convenções são essas.[16]

E argumenta:

Visto que nenhum homem tem qualquer autoridade natural sobre seu semelhante e visto que a força não produz direito algum, restam, então, as convenções como base para toda autoridade legítima entre os seres humanos.[17]

Neste contexto, reafirmamos que cabe a mesma população que elegeu os seus governantes, fiscalizar a forma como vem sendo administrado o governo. Pois, pressupondo desgovernança, e vigindo o contrato social, cabe ao povo a manutenção pela supremacia do poder e da ordem, fazendo restabelecê-la pela força.

Rousseau, ainda afirma que, se não houvesse consenso na comunidade, jamais um pacto social se firmaria, já que é basicamente nesse interesse – bem comum -, que uma sociedade deve ser governada, abstraindo-se todas as formas e anseios de interesses privados:

A primeira e a mais importante conseqüência dos princípios até agora estabelecidos é que somente a vontade geral pode dirigir as forças do Estado segundo o objetivo de sua instituição, que é o bem comum, pois se a oposição dos interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, foi o acordo desses mesmos interesses que o tornou possível. É o que há de comum nesses interesses diferentes que forma o vínculo social e se não houvesse qualquer ponto em que todos os interesse concordassem, não poderia existir nenhuma sociedade. Ora, é unicamente baseado nesse interesse comum que a sociedade deve ser governada.[18]

Ainda, apregoa que em sendo modificado o contrato e violado o pacto social, retomariam as partes o status quo ante, já que retomariam aos seus primeiros direitos, voltando-se para o estado natural:

As cláusulas desse contrato são de tal forma determinadas pela natureza do ato que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito, de sorte que, mesmo sendo enunciadas de maneira formal, são em todas as partes as mesmas, em todas as partes tacitamente admitidas e reconhecidas, de modo que sendo o pacto social violado, cada um retornaria aos seus primeiros direitos e retomaria sua liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual renunciara a favor daquela.[19]

Desta maneira, a reflexão aqui empregada, se destina analisar como um pacto social pode se sobrepor a tantas desigualdades e privilégios que são destinados a pequena gama de cidadãos, quando são observados os privilégios individuais e a perpetuação no poder.

Uma coisa é certa, o aumento de poder concedido ao Estado tem proporcionado a tamanha desigualdade de classes, onde poucos são beneficiados e muitos são sequer atendidos.

A concorrência do Estado com a iniciativa privada é um vilão, sujeito apenas ao intento da corrupção, na ocasião em que a realização de obras e serviços públicos oriunda comumente em corrupção, já que o governo se tornou um círculo vicioso de maus atitudes e moral, quando só entra aquele que contribui para os governantes.

Poder-se dizer que nunca se existiu um bem comum, mas o bem individual, daqueles que governam e lutam para se perpetuar no poder e controlar a máquina pública, criando riquezas pessoais.

A proteção ao patrimônio como ferramenta para a constituição de um pacto social, não mais faz sentido, quando o Estado passou a ser o próprio vilão e o expropriador da liberdade e patrimônio individual. Já que é nítido nos tempos atuais, que o povo não se vê mais se representado pelos governantes que são eleitos, razão pela qual, a confiança não mais se impera, na ocasião em que o dinheiro que é subtraído de parcela da sociedade, não lhes retorna em momento algum, pois, visível ante a precariedade do sistema de ensino, saúde, segurança pública, transporte público, dentre inúmeros outros.

Também cabe destacar, que os programas de governo populistas, onde a distribuição de riqueza fomenta os pobres e o voto, desacelera a produção e o incentivo de crescimento, uma vez que, quanto maior a produção, maior será a carga tributária, o que desestimula qualquer cidadão de gerar riqueza, em razão de que o Estado auferirá grande parcela da mesma sem em nada ter-lhe contribuído ou retribuir.

Nesse sentir, são inúmeros os fatos que podemos listar para não mais subsistir o interesse pela manutenção daquele pacto social: quebra de confiança dos cidadãos nos seus governantes; corrupção desenfreada do sistema, instalada dentro dos governos; falta de retribuição de serviços por ocasião da alta carga tributária, pois que, em nada retorna para o cidadão o dinheiro pago em impostos, ante a precariedade de todos os serviços que são prestados pelo Estado; desvio de finalidade, em razão de que o Estado não mais garante a segurança ao seu povo, quando também expropria o seu patrimônio; aumento de poderes e concorrência com a iniciativa privada; e, diante da intervenção na vida privada.

Portanto, devemos refletir como alterar àquele contrato social para fazer-se inserir a garantia á segurança e o patrimônio da população, quando não mais se impera o conteúdo inicial.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho tem o escopo de traçar um comparativo com os idos da criação do pacto social com o Estado atual moderno.

Assim, na oportunidade da constituição do contrato social, quando se visava garantir a segurança do patrimônio (vida, liberdade e bens), mediante a abstenção de parcela da liberdade individual, houve um consenso da comunidade que habitava determinado território por aderir a um contrato social, como forma de garantir a segurança – evitando a violação do estado natural -, como da limitação de poderes concedidos aos governantes, quando seriam representados por seu próprio povo.

Contudo, com o passar dos anos, o Estado foi se beneficiando de maiores poderes, ao ponto que se passou a instaurar uma maior competição do Estado com a iniciativa privada (saúde, ensino, prestação de serviços e produção), como uma maior intervenção na vida privada.

Além do mais, para se perpetuar no poder, governantes passaram a adotar medidas governistas populistas – aquelas em que há uma distribuição de riqueza sem nada dar em troca -, com o fito de auferirem-se votos para a manutenção no governo, para a satisfação de benefícios pessoais. Neste ínterim, ao invés de o governo estar tirando pessoas da miséria, passou a fomentar o desemprego, pois que, quem é desempregado e não possui renda, consegue garantir uma verba mensal, denominando-se de benefício social, assim, desnecessário trabalhar.

Diante disso, visível que passou a se estimular o ócio e não mais a produtividade, o crescimento e o estudo da sua população, já que uma população ignorante favorece a manutenção no poder daqueles que adotam tal política de governo.

Por tal razão, pessoas que são empreendedoras são desestimuladas a produzir, seja em razão da alta carga tributária ou em razão de não haver contraprestação estatal diante da forte tributação – que podemos elencar como subtração do patrimônio dos indivíduos.

Como visto, nos idos do contrato social, o Estado visava garantir a segurança ao direito de propriedade. Já no Estado moderno atual, houve uma inversão de papéis, em razão de que o Estado passou a ser o maior violador do direito de propriedade, na ocasião em que vem subtraindo a parcela da riqueza da sua população.

Assim sendo, tal artigo tem o condão de refletir a situação do Estado atual frente ao contrato social inicial; bem como, a necessidade de se buscar formas de estabilizar o governo frente às políticas públicas necessárias para satisfazer o bem comum.


REFERÊNCIAS

LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo. São Paulo : Martin Claret. 1ª Reimpressão – 2011.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as ciências e as artes : discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução Roberto Leal Ferreira. ed. Martin Claret – São Paulo. 2010.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social : princípios do direito político; tradução de Edson Bini. – 2. ed, .Bauru, SP : EDIPRO, 2015.

RUSSEL, Bertrand. Por que os homens vão à guerra, tradução Renato Prelorentzou. I. ed. – São Paulo : Editora Unesp, 2014

TIMM, Luciano Benetti. Análise econômica da Tributação. in. CARVALHO, Cristiano. Direito e Economia no Brasil. 2. ed. – São Paulo : Atlas, 2014MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 34ª ed. - São Paulo : Malheiros, 2013.


Notas

[3] ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social : princípios do direito político; tradução de Edson Bini. – 2. ed, .Bauru, SP : EDIPRO, 2015, p. 11.

[4] Id., 2015, p. 12.

[5] LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo. São Paulo : Martin Claret. 1ª Reimpressão – 2011, p. 68.

[6] Id., 2011, p. 68.

[7] Id., 2011, p. 69.

[8] Id., 2011, p. 78.

[9] RUSSEL, Bertrand. Por que os homens vão à guerra, tradução Renato Prelorentzou. I. ed. – São Paulo : Editora Unesp, 2014, p.33.

[10] TIMM, Luciano Benetti. Análise econômica da Tributação. in. CARVALHO, Cristiano. Direito e Economia no Brasil. 2. ed. – São Paulo : Atlas, 2014, p.249.

[11] RUSSEL, 2014, p.34.

[12] Id., 2014, p.34.                                             

[13] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as ciências e as artes : discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução Roberto Leal Ferreira. ed. Martin Claret – São Paulo. 2010, p. 94.

[14] Id.. 2014, p.34.

[15] LOCKE, 20011, p. 101.

[16] ROUSSEAU, 2015, p. 11.

[17] Id., 2015, p.14.

[18] ROUSSEAU, 2015, p. 27.

[19] Id., 2015, p. 20.


Autor

  • Leandro Consalter Kauche

    Leandro Consalter Kauche é Advogado, sócio do Leandro Consalter Kauche - Sociedade Unipessoal de Advocacia, sediado em Curitiba (PR); foi membro da Comissão de Defesa às Prerrogativas dos Advogados da OAB/PR (triênio 2013-2015);foi membro da Rede Nacional de Proteção dos Direitos Humanos da OAB/PR para atuação na Copa do Mundo FIFA2014; foi membro da Comissão de Defesa às Prerrogativas dos Advogados da OAB/MS (triênio 2010-2012); Mestre em Direito Empresarial e Cidadania, pelo Centro Universitário de Curitiba – UNICURITIBA; Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET; Especialista em Direito Civil, Empresarial e Processual Civil com capacitação para Ensino no Magistério Superior pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB (Campo Grande -MS). E-mail: [email protected] Contato: (41) 99886-4771

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor

    Site(s):

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.