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A utilização de remédios constitucionais: mandado de segurança para proteção de direito líquido e certo

A utilização de remédios constitucionais: mandado de segurança para proteção de direito líquido e certo

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A importância dos remédios constitucionais - Mandado de Segurança, na proteção dos direitos líquidos e certos, bem como a sua necessária utilização em caso de apreensão indevida de mercadorias e bens.

Importante observar a função dos direitos e garantias, assim, temos que os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos por meio dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados.

Dessa forma, necessário entender a função dos remédios constitucionais[1], mais precisamente do Mandando de Segurança[2], que nada mais é do que um remédio constitucional, regulamentado pela lei nº 12.016/2009, previsto para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, sendo que o direito pleiteado deve ser demonstrado por meio de prova pré-constituída, não sendo cabível a dilação probatória.

Nesse azo, ao ter um bem ou mercadoria autuado ou mesmo apreendido, o possuidor destes deverá atentar para algumas peculiaridades, principalmente, se tal infração for cometida na esfera dos crimes ambientais.

Dessa feita, importante frisar que o possuidor, ou mesmo responsável pelo bem ou produto transportados, sejam eles por via terrestre – transporte rodoviário; via marítima - transporte hidroviário – cabotagem (navegação entre portos de um mesmo país ou a distâncias pequenas, dentro das águas costeiras), ou qualquer outro tipo de modal, devem atentar para seus direitos, caso sejam autuados ou tenham suas mercadorias apreendidas por fiscalizações.

É que, durante o transporte de cargas e/ou produtos, alguns órgãos fiscalizadores podem realizar apreensões - lembrando que tais condutas devem ser pautadas na razoabilidade e na proporcionalidade - sendo alguns destes órgãos: Secretaria da Receita Federal do Brasil, Polícia Rodoviária Federal – PRF, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, dentre outros.

Todavia, caso haja apreensão ou autuação da empresa por meio dos órgãos responsáveis e seja constatado que tal apreensão foi realizada de forma ilegal, o representante da sociedade empresária pode e deve impetrar o mandado de segurança para proteger seu direito líquido e certo.

Noutro giro, é necessária uma análise da legislação pertinente, com efeito, relacionada à apreensão de veículos utilizados no possível cometimento das infrações ambientais, que encontra amparo na Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), nos seguintes artigos:

Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos.
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I - advertência;
II - multa simples;
III - multa diária;
IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

Assim, impõe-se a apreensão dos produtos e instrumentos utilizados para a prática de ilícitos ambientais desde o momento em que verificada, em tese, a infração. Ocorre, todavia, que os artigos acima transcritos (arts. 25 e 72, IV da Lei) se referem a momentos distintos da análise da infração ambiental.

Sendo que o primeiro diz respeito à apreensão preventiva do bem, logo no instante da autuação; já o segundo corresponde à apreensão sancionatória, após o regular andamento do processo administrativo, ainda que tal sanção tenha sido indicada desde o auto de infração.

De fato, dizem respeito a apreensões distintas, tanto que o §6º do aludido art. 72 dispõe que a apreensão referida no inciso IV (apreensão sancionatória) obedecerá ao disposto no art. 25. Assim prescreve o dispositivo legal:

Art. 72. (...)
§ 6º A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do caput obedecerão ao disposto no art. 25 desta Lei.

Ora, caso os dois artigos da Lei dos Crimes Ambientais (arts. 25 e 72, IV) se referissem à mesma medida, a norma do §6º do art. 72 seria inútil. Além disso, nota-se que o art. 25 impõe que o agente autuante lavre os autos respectivos.

Dessa forma, a lavratura do auto de apreensão ocorre no momento em que é verificada a infração, bem como o auto de infração, que é justamente o ato formal que inicia o devido procedimento administrativo, também é lavrado neste instante.

Ademais, como requisito para a apreensão preventiva dos produtos e instrumentos da infração (prevista no art. 25), a Lei exige apenas a verificação da conduta transgressora. Assim, verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos.

Já a apreensão sanção (prevista no art. 72, IV) reclama a observância de algumas circunstâncias previstas no art. 6º da Lei (por exemplo, gravidade dos fatos, motivação e antecedentes do infrator), e para sua melhor análise se faz necessário o regular trâmite administrativo.

Portanto, havendo algum tipo de constatação de ilícito, é necessário que os agentes especializados observem se o autuado é reincidente em cometimento de crimes ambientais, ou se agiu de má-fé.

Outrossim, sobre a temática, a atual jurisprudência entende não ser possível a apreensão de veículo quando não for constatada de forma cabal que sua utilização possuía o desiderato exclusivo de cometimento de ilícitos ambientais, conforme a ementa a seguir do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. IBAMA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. TRANSPORTE IRREGULAR. APREENSÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. LIBERAÇÃO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. A jurisprudência deste Tribunal firmou entendimento de que a apreensão de veículo só é devida quando sua utilização é destinada para uso específico e exclusivo de delito ambiental, na forma do artigo 25, § 4º, da Lei 9.605/98. Precedentes. 2. Na espécie, correta a sentença monocrática que julgou procedente o pedido para anular a decisão administrativa e quaisquer outros atos referentes ao bloqueio e perdimento do veículo apreendido em razão de infração ambiental, uma vez que não ficou comprovada a sua utilização o exclusivamente para cometimento de ilícito ambiental. 3. Apelação do IBAMA e remessa oficial a que se nega provimento.1

Portanto, evidente que os órgãos especializados em fiscalizar transporte de cargas e mercadorias devem atentar para os princípios da razoabilidade e proporcionalidade no momento de suas fiscalizações, para que não cometam irregularidades.

Por fim, importante que se reconheça a legitimidade para impetrar um mandado de segurança, qual seja:

1.Legitimidade ativa para impetrar MS:

a) as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, domiciliadas ou não no Brasil;

b) as universalidades reconhecidas por lei, que, embora sem personalidade jurídica, possuem capacidade processual para a defesa de seus direitos (ex: o espólio, a massa falida, o condomínio de apartamentos, a herança, a sociedade de fato, a massa do devedor insolvente etc.);

c) os órgãos públicos de grau superior, na defesa de suas prerrogativas e atribuições;

d) os agentes políticos (governador de estado, prefeito, magistrados, deputados, senadores, vereadores, membros do MP, membros dos Tribunais de Contas, Ministros de Estado, Secretários de Estado etc.), na defesa de suas atribuições e prerrogativas;

e) o Ministério Público, competindo a impetração, perante os Tribunais locais, ao promotor de Justiça, quando o ato atacado emanar de juiz de primeiro grau.

2. Legitimidade passiva (autoridade coatora[3]):

a) autoridade pública de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, bem como de suas autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista;

b) agente de pessoa jurídica privada, desde que no exercício de atribuições do Poder Público (só responderão se estiverem, por delegação, no exercício de atribuições do Poder Público). Atenção: a autoridade coatora será o agente delegado (que recebeu a atribuição) e não a autoridade delegante (que efetivou a delegação) – Esse é o teor da Súmula 510 – STF.


REFERÊNCIAS:

BRASIL. CONSTITUIÇÃO (1988). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. BRASIL, DF, SENADO, 1988.

_________LEI Nº 12.016, DE 07 DE AGOSTO DE 2009. DISCIPLINA O MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL E COLETIVO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. DOU DE 10.08.2009. DISPONÍVEL EM: <HTTP://WWW.PLANALTO.GOV.BR/CCIVIL_03/_ATO2007-2010/2009/LEI/L12016.HTM>. ACESSO EM: 13 DEZ.2016.

LFG. QUEM É A AUTORIDADE COATORA NO MANDADO DE SEGURANÇA? DISPONÍVEL EM: <HTTP://LFG.JUSBRASIL.COM.BR/NOTICIAS/2540037/QUEM-E-A-AUTORIDADE-COATORA-NO-MANDADO-DE-SEGURANCA>. ACESSO EM 13 DEZ.2016.

MUNDO EDUCAÇÃO. TRANSPORTES NO BRASIL. DISPONÍVEL EM: <HTTP://MUNDOEDUCACAO.BOL.UOL.COM.BR/GEOGRAFIA/TRANSPORTES-NO-BRASIL.HTM>. ACESSO EM 13 DEZ.2016.

TÔRRES, LORENA GRANGEIRO DE LUCENA. DISPONÍVEL EM: <HTTP://LUCENATORRES.JUSBRASIL.COM.BR/ARTIGOS/414679311/A-UTILIZACAO-DE-REMEDIOS-CONSTITUCIONAIS-MANDADO-DE-SEGURANCA-PARA-PROTECAO-DE-DIREITO-LIQUIDO-E-CERTO>. ACESSO EM: 13 DEZ.2016.


Notas

[1] Constituem espécies do gênero garantia. Isso porque, uma vez consagrado o direito, a sua garantia nem sempre estará nas regras definidas constitucionalmente como remédios constitucionais (ex: habeas corpus, habeas data etc.).

[2] Na CF/88, o mandado de segurança foi previsto pelo art. 5º, inc. 69, que dispõe: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.”.

[3] Considera-se autoridade coatora a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado, e não o superior que o recomenda ou baixa normas para sua execução.


Autor

  • Lorena Grangeiro de Lucena Tôrres

    Administradora de Empresas, Advogada especialista na área do Direito Ambiental, atuante nas áreas de Direito Civil, Consumidor e Trabalhista. MBA em Perícia e Auditoria Ambiental. Membro da Comissão de Direito Marítimo, Portuário, Aeroportuário e Aduaneiro - CDMPAA e membro da Comissão de Direito Ambiental - CDA da OAB/CE. Publicação de Livro pela Editora Lumens Juris, 8ª Edição. Artigo publicado no Diálogo Ambiental e Internacional, em Lisboa - PT - 2015.

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