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União estável paralela: (im)possibilidade jurídica

União estável paralela: (im)possibilidade jurídica

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Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, por meio do princípio da dignidade da pessoa humana e da afetividade, o afeto no âmbito do Direito de Família passou a ser uma realidade digna de tutela, merecendo atenção e proteção do Estado.

“O afeto merece ser visto como uma realidade digna de tutela”  (Maria Berenice Dias)


1 INTRODUÇÃO

O casamento, historicamente influenciado pela Igreja, sempre foi considerado, nas legislações modernas, a base da família. Não à toa, a Carta Política de 1967 afirmava que o casamento é a causa fundante e única da família, ao estabelecer, textualmente, – repetindo disposição da Constituição anterior – em seu art. 175, caput, que “a família é constituída pelo casamento”. As Ordenações Filipinas de 1595 estabeleciam multa e pena de degredo para qualquer um que mantivesse uma mulher solteira – chamada de “barregã” – sem estar com ela casado.

Assim, percebe-se, de maneira clarividente, o preconceito que deveras sofriam àqueles que não se casavam, seja por quais motivos fossem, mas partilhavam do desejo de constituir família. A essas pessoas o direito não o socorria, porque não havia legislação específica para disciplinar a matéria. A esses, o silêncio, o qual se configura a pior e mais canhestra forma de preconceito.

O direito dos tempos de antanho considerava tal prática – a união entre um homem e uma mulher sem a chancela do Estado – como concubinato, ou também conhecida como “união livre”.[1] Concubinato, do latim concubinatus, significa companhia de cama, dividir o leito com alguém. As palavras e significações que conferimos a elas, dizem muito a respeito do modo de pensar de um povo, de suas idiossincrasias. O conceito de direito de família, até o final do século passado, era, basicamente, o complexo de normas que regiam o casamento e sua dissolução, até porque, como dito alhures, o casamento era considerado a base da família[2].

A aversão e sanha contra esse tipo de relação era tamanha, que o Código Beviláqua, quando se referia ao concubinato era de maneira hostil, proibindo doações ou quaisquer benefícios testamentários do homem casado à concubina etc. – art. 248, IV, e art. 1.719. A única ressalva a essa agressividade jazia no art. 363, I daquele diploma, quando dispunha que era permitida ao investigante da paternidade a vitória na demanda se provasse que ao tempo de sua concepção sua genitora era concubina do seu genitor. A presunção de paternidade no concubinato era, assim, relativa.

Impende salientar que concubinato era considerado toda união entre um homem e uma mulher com ânimo de constituir família, ou não, sendo ambos solteiros ou não. Assim, concubinato era gênero do qual a união estável, tal qual conhecemos hoje, seria espécie. No entanto, percebeu-se que a convivência sob o mesmo teto não era requisito indispensável à caracterização do concubinato, mas aspecto meramente acidental. Observou-se que o tratamento igualitário de todas as relações entre um homem e uma mulher não casados como concubinato poderia levar a casos de extrema injustiça.

Não raro, muitos homens e mulheres conviviam juntos sob mesmo teto, como se casados fossem. Entretanto, como na legislação anterior vigorava o regime legal de separação de bens, e muitos, ou até a totalidade destes, figuravam em nome do homem, a mulher era sempre preterida em favor dos parentes mais afastados daquele nos casos de morte, mesmo quando tenha concorrido para o acréscimo patrimonial de ambos.

Por óbvio, em melhor situação não se encontrava a mulher quando da dissolução do vínculo “societário”, porque, em não sendo reconhecida como esposa “legítima”, não era socorrida pelo Direito de Família. Não possuía direito aos alimentos, ou mesmo patrimoniais, como a partilha.

Aos poucos, de maneira lenta, mas gradual, a união estável começou a ser reconhecida pelo direito, primeiramente pela legislação previdenciária, mas em grande parte graças ao entendimento e senso de justiça dos Tribunais pátrios, como a garantia da partilha quando da dissolução da sociedade de fato, externada pela súmula 380 do STF. Era um grande avanço, evidentemente. Mas ainda insuficiente. O entendimento até então grassado nos Tribunais era da necessidade de comprovação do chamado “esforço comum” para que a mulher lograsse o direito à partilha.

A jurisprudência bifurcou-se em duas correntes: a que exigia a comprovação, por parte da mulher, de que realmente ajudou o homem, trabalhando fora de casa, para o acréscimo patrimonial; e a segunda, mais liberal, que aceitava a simples prova do labor doméstico. De pronto percebe-se a absurdez da primeira tese, ao exigir, praticamente uma prova diabólica, pela dificuldade, na época, de a mulher conseguir se inserir no mercado de trabalho, recaindo-lhe o ônus de provar ter concorrido com o homem para o aumento patrimonial familiar. A segunda, prevalecente, mais favorável à mulher, estipulava uma presunção relativa do esforço comum quando da constância da relação.

Entrementes, impende gizar que à época da edição do Código de 1916 não se concebia a hipótese de divórcio ou dissolução do casamento, havendo casos inúmeros de pessoas que, separadas de fato, mas ainda jungidas ao cônjuge por um vínculo meramente jurídico, mantinham uma vida conjunta com outra pessoa que por vezes alongavam-se no tempo anos a fio alijados de qualquer amparo legal.

Anos após a entrada em vigor do Código passado, o executivo aprovou o decreto-lei nº. 4.737, de 24 de agosto de 1942, revogada posteriormente pela lei nº. 883, de 21 de outubro de 1949, que tratava do reconhecimento dos filhos ilegítimos e mais tarde sancionou a lei nº. 6.515, de 26 de dezembro de 1977, ainda em vigor, que disciplina o divórcio.

Com essas leis, o legislador amenizou alguns conflitos advindos da falta de regulamentação legislativa das relações concubinárias, mas de maneira superficial e insuficiente, até porque a matéria propriamente dita ainda não estava positivada pelo ordenamento jurídico.

Há registros que os primeiros julgados reconhecendo a união estável datam da década de 60. A solução encontrada pelos Tribunais para reparar as injustiças patentes decorrentes do não reconhecimento da união estável foram buscadas na regra geral da boa-fé e seu subprincípio da proibição do enriquecimento ilícito, onde a mulher era indenizada pelos serviços domésticos prestados ao homem quando da constância da relação[3].

Essa indenização degradava a situação da mulher na relação familiar, haja vista que, não lhe sendo reconhecidos os direitos de esposa, nem mesmo quaisquer direitos de família, restava-lhe mendigar uma indenização pelos serviços domésticos prestados, como se ao invés de esposa, fosse uma mera empregada doméstica do companheiro.


 

2 DO PLURALISMO DAS ENTIDADES FAMILIARES

O homem é um ser afetivo, um ser abandonado pelos instintos, dominado pela moral criada por ele próprio. A moral e a lógica são ínsitas ao mundo do homem, mas não nos mesmos termos. Esta tem caráter universal enquanto aquela é mais restrita no tempo e espaço.

O ser humano para viver em sociedade despoja-se da sua natureza instintiva, da lógica pura e simples, para revestir-se da moral, construindo edificações morais para, ao estabelecer limites, coexistir de maneira pacífica entre seus semelhantes. Assim, o homem cria a política, a religião e o direito, haja vista, o Direito não ser revelado, como a religião, mas construído.

Ao afirmar que o homem é um zoon politikon, não há que se perder de vista a natureza animal deste. E esta natureza é biologicamente poligâmica, mas moralmente monogâmica. Essa monogamia, gize-se, não é própria do animal humano, mas criado por ele mesmo por questões mais pragmáticas que românticas. Freud em seus estudos sobre sexualidade toma como método de estudo o que ele denomina de aberrante, aquela verdade pulsante nas entranhas do subconsciente que, vez ou outra, sobrepuja-se ao considerado como “normal”, ou em outras palavras, o avesso do quadro, desnudando as formas da normalidade, esta tida como enganosa ou farsante[4].

O ser humano como ser pulsional, aceita viver em uma infelicidade comum, renunciando a plena satisfação de seus impulsos, para propiciar a existência da própria espécie humana como organização cultural, na qual Freud postula a ocorrência de um “mal-estar na civilização”. Assim, os seres humanos fundam entre si um pacto que exclui precisamente a possibilidade de um gozo pleno, onde este só é acessível como parcial[5].

Como é cediço, o vínculo entre o ato sexual e o casamento se estabelecia em função da necessidade de gerar descendentes. Ou seja, como bem observado por Foucault, com exceção do inconveniente dos nascimentos ilegítimos e da exigência ética do domínio de si, não havia razão para se exigir, sempre por parte do homem, a fidelidade conjugal[6].

Esta fidelidade sempre foi vista como uma obrigação para a mulher e não para o homem, o qual sempre usufruiu de benesses da lei. Apesar de o direito ainda insistir em não ver as uniões estáveis paralelas, elas existem e se fazem sentir como realidade latente na sociedade brasileira, ou como afirma Albuquerque Neto "a realidade social ao longo da história insiste em contrariar a determinação legal, de sorte que relações paralelas, duráveis, sempre ocorreram e continuam existindo”[7].

Hodierna e paulatinamente, a sociedade se mostra mais tolerante aos diversos arranjos familiares. Após as revoluções sexuais e culturais experimentados no decorrer do final do século passado, as pessoas começaram a questionar o modelo tradicional de família, buscando novos modelos e arranjos para a busca da felicidade.

Não importa mais qual posição se ocupa dentro da família ou qual modelo de família se está inserido, mas sim o sentimento de pertença, de fazer parte de uma rede de afeto, ou como afirma Fernandes Hironaka “o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores, e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade”[8].

Entretanto, o legislador, ainda conservador e afeto às tradições, finge inexistir esse tipo de arranjo familiar, alijando quaisquer direitos sucessórios ou de família. Tão somente quando a mulher alega em juízo desconhecer que o homem mantinha outra família, é que lhe é garantido direito a uma indenização. Como bem assevera Maria Berenice, isso acaba se tornando um fato contraditório e injusto.

Isso porque a falta de normatização da matéria visa salvaguardar a família e o princípio da monogamia, mas acaba por premiar o adúltero na medida em que o isenta de arcar com quaisquer responsabilidades que não seja obrigacional, como alimentos, partilha, previdência etc[9]

O Direito de Família tem que ser visto como ramo do Direito Privado que é, com seus princípios e regras peculiares, predominando-se sempre a autonomia da vontade das partes, onde o Estado asseguraria a liberdade destes em arranjarem-se em núcleos familiares segundo seu desejo. Conforme Carlos Cavalcanti de Albuquerque Neto, “não cabe ao Estado predeterminar qual a entidade familiar que se pode constituir, mas apenas, declarar a sua formação, outorgando-lhe a proteção social, por considerá-la base da sociedade[10].”

O art. 226, caput, da vigente Constituição Federal afirma que a família tem especial proteção do Estado. Tão somente. Diversamente disponham as Constituições de 1946 e 1967, as quais em seus artigos 163 e 175 consideravam apenas a família constituída pelo casamento[11]. O Direito como conjunto integrativo de normas segundo valores deve ser interpretado de maneira sistêmica e harmônica, de maneira global. Em conhecida lição, a Constituição Federal não se interpreta em tiras.

Um dos argumentos utilizados para inadmitir a existência de uniões estáveis plúrimas, seria a de que os textos normativos relativos ao casamento civil e à união estável utilizam a expressão “homem e a mulher”, donde se concluiria, em uma análise perfunctória, que teriam limitado a família conjugal somente à união entre duas pessoas de sexo distinto, não sendo possível, assim, reconhecer-se uma união estável entre mais de duas pessoas, pela “ausência de flexão plural dos substantivos”[12].

Apesar da inexistência de uma norma específica que discipline a matéria, tem-se que se observar a regra geral estabelecida no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual na hipótese de omissão legislativa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

A integração do direito mediante a analogia, possibilitada pelo próprio ordenamento jurídico, funda-se no raciocínio lógico tomando-se sempre um paradigma como comparação. Nas palavras de Bobbio

Tendo como premissa que duas entidades são similares quando têm em comum algumas de suas características (não todas, porque neste caso seriam idênticas), dizemos que uma entidade tem uma semelhança relevante com uma outra quando têm em comum aqueles elementos que são a condição ou razão suficiente para que atribuamos a esta um certo predicado.[13]

O pluralismo das entidades familiares é considerado por alguns como um princípio constitucional extraído do artigo 226 da Constituição da República porque passou a receber a proteção Estatal não somente a família constituída pelo casamento, mas qualquer outro arranjo familiar, como a união estável e a família monoparental, inferindo-se que o rol previsto no citado artigo não é taxativo, mas exemplificativo.

Nesse mesmo diapasão constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece proteção a vários modelos familiares, tais como a família natural, ampliada e a substituta. O próprio artigo 1.589 do Código Civil reconhece o direito de visita dos avós, ampliando assim o conceito de família, antes restrito apenas aos pais e filhos. Pode-se citar, ainda, o artigo 5º da lei 11.340/2006 – conhecida como Lei Maria da Penha – que reconhece as uniões homoafetivas como uma realidade social.

 Na análise da ADI 4277 e ADPF 32, o ministro Fux[14] assim entendeu como sendo os requisitos para a caracterização de uma família:

O que faz uma família é, sobretudo, o amor – não a mera afeição entre os indivíduos, mas o verdadeiro amor familiar, que estabelece relações de afeto, assistência e suporte recíprocos entre os integrantes do grupo. O que faz uma família é a comunhão, a existência de um projeto coletivo, permanente e duradouro de vida em comum. O que faz uma família é a identidade, a certeza de seus integrantes quanto à existência de um vínculo inquebrantável que os une e que os identifica uns perante os outros e cada um deles perante a sociedade. Presentes esses três requisitos, tem-se uma família, incidindo, com isso, a respectiva proteção constitucional.

Os antigos romanos sentenciavam que os homens condenam aquilo que eles desconhecem.[15] A sociedade brasileira apesar de evoluídas em certos aspectos, ainda possui ranços autoritários e preconceituosos profundos. O diferente é, e sempre foi, visto com ressalvas e exclusão. O paradigma imposto como correto em todas as sociedades monoteístas baseia-se no conceito de heteronormatividade e, em geral, na monogamia formal, onde todo e qualquer distanciamento dessas regras é tachado como desvio moral, perversão dos costumes ou crime, inclusive.

O artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos ao citar a expressão “espírito de fraternidade”[16] refere-se claramente à solidariedade, um dos lemas da Revolução Francesa, configurando-se como terceira dimensão dos direitos humanos e alçada pelo Poder Constituinte Originário como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, I, in fine).

Essa solidariedade – encontrada no âmago do cristianismo, na ética Kantiana, na boa-fé objetiva – tem como fundamento o respeito às escolhas do outro, a incolumidade da liberdade do indivíduo. Uma sociedade só será efetivamente justa e solidária, respeitando-se a dignidade do ser humano, quando essa mesma sociedade respeitar as escolhas individuais de seus integrantes.

O legislador traçou o perfil da família do início do século XX, que se caracterizava como heterossexual, matrimonializada, patriarcal, hierarquizada e patrimonializada. Entre os mútuos direitos e deveres elencados no art. 231 do Código Civil de 1916, o primeiro deles era o de fidelidade recíproca, que representa a natural expressão da monogamia, não constituindo tão somente um dever moral, mas é exigido pelo direito em nome dos superiores interesses da sociedade[17].

Tão significativa é a imposição desse dever, que a própria lei penal consagrava o adultério como delito no seu artigo 240 do Código Penal, revogado apenas em 2005 pela Lei 11.106. Apesar dessa revogação, o atual Código Civil segue a mesma linha traçada pelo seu predecessor, ao estatuir em seu art. 1.566, I, que a fidelidade recíproca é dever de ambos os cônjuges.

A imputação da culpa pelo descumprimento do dever de mútua fidelidade não permite buscar seu adimplemento durante a constância do vínculo matrimonial, concedendo tão-só um direito à separação. Ou seja, não se pode querer ajuizar uma obrigação de fazer para se exigir a fidelidade do cônjuge.

Se a fidelidade não é um direito exigível e a infidelidade não mais serve como fundamento para a separação, haja vista que o vínculo matrimonial pode ser desfeito apenas pela vontade de uma das partes, não havendo que se perquirir a culpa de qualquer um dos cônjuges, nada justifica a permanência da previsão legislativa como um dever legal, até porque ninguém é fiel porque assim determina a lei, ou deixará de sê-lo por falta de uma ordem legal.

Como bem assentado pela Suprema Corte dos EUA nos casos Romer v. Evans[18] e Lawrence v. Texas[19], o mero moralismo majoritário não constitui justificação válida ante a isonomia para diferenciações jurídicas, pois, segundo o primeiro, a mera animosidade e/ou o mero desejo de prejudicar um grupo politicamente impopular não constitui um legítimo interesse governamental[20].

A mesma Corte afirmou em Planned Parenthood of Southeast Pennsylvania v. Casey, “nossa obrigação é definir a liberdade de todos, não impor o nosso código moral”, pois “no coração da liberdade está o direito de a pessoa definir seu próprio conceito de existência, de significado, de universo e do mistério da vida humana”[21].

Rodrigo da Cunha Pereira explica, com base nos ensinamentos de Lacan, que a família “não se constitui apenas de pai, mãe e filho, mas é antes uma estruturação psíquica em que cada um de seus membros ocupa um lugar, uma função, sem estarem necessariamente ligados biologicamente[22]”.

Não há como deixar de ver que se esboçam novos modelos de família, mais igualitárias nas relações de sexo e idades, mais flexíveis em suas temporalidades e em seus componentes, menos sujeitas à regra e mais ao desejo[23]. Somente a liberdade dá azo à forma mais pura e verdadeira para a existência de um relacionamento afetivo: sem deveres de fidelidade, obediência, obrigações.

Tudo isso, entregue por amor, não deve durar senão enquanto puder durar esse mesmo amor, assim como só deve existir enquanto existir amor e respeito vistos como um dever moral e não como um dever meramente legal, imposto pela norma.


3 O RECONHECIMENTO DAS FAMÍLIAS PARALELAS

Em que pese a falta de estudos mais aprofundados, pode-se afirmar que há claramente três posicionamentos bem delineados e distintos dos doutos sobre a possibilidade ou não da existência de uma ou mais uniões estáveis simultânea no tempo e até mesmo no espaço.

A primeira, encabeçada por Maria Helena Diniz, afirma que um dos requisitos para a configuração da união estável seria a fidelidade ou lealdade, cuja exigência impediria a cogitação de mais de uma família paralela. Onde, inexistindo monogamia e exclusividade de parceira, haverá no máximo uma “amizade colorida”[24].

Essa corrente, mais tradicional, apega-se a literalidade da lei, ao afirmar que um dos motivos do impedimento da existência de uniões estáveis paralelas seria a utilização da expressão “união estável”[25], quando usada pela Constituição Federal e Código Civil, no singular, donde se extrairia um impedimento implícito ao reconhecimento dessas relações.

Nas palavras de Euclides de Oliveira, “a relação de convivência amorosa formada à margem de um casamento ou de uma união estável caracteriza-se como proibida, porque adulterina, no primeiro caso, e desleal no segundo”.[26] Alguns doutrinadores chegam a afirmar que as uniões paralelas feririam o dever moral de estabilidade e fidelidade a tal ponto que nunca poderiam gerar efeitos, nem mesmo merecendo qualquer tutela estatal:

o contingente moral que a união estável exige, pois o que se tem é uma aparência de casamento, os deveres que dela promanam, a sua relevância como forma de constituir uma família, todos esses fatores autorizam dizer que o concubinato múltiplo jamais poderá gerar efeitos, não merecendo a tutela da legislação especial.[27]

A segunda, majoritária, entende que se uma das uniões desconhecer a existência da outra, pelo princípio da lealdade e boa-fé, deve ser resguardado o direito daquele inocente, sem prejuízo dos danos morais, ou seja, devem-se incidir as mesmas regras do casamento putativo[28]. Zeno Veloso, por exemplo, defende o reconhecimento ao companheiro de boa-fé “uma união estável putativa, com os respectivos efeitos para este parceiro inocente[29]”.

Euclides de Oliveira, analisando essa possibilidade, afirma que

Pode haver união estável putativa quando o partícipe de segunda união não saiba da existência de impedimento decorrente da anterior e simultânea união do seu companheiro; para o companheiro de boa-fé subsistirão os direitos da união que lhe parecia estável, desde que duradoura, contínua, pública e com propósito de constituição de família, enquanto não reconhecida ou declarada a sua invalidade em face de uma união mais antiga e que ainda permaneça.[30]

A terceira corrente, sustentada por Maria Berenice Dias, entende que toda união entre pessoas ligadas pelo afeto, sejam elas monogâmicas ou poligâmicas, constituem-se entidade familiar reconhecendo-se todos os direitos decorrentes do direito de família[31].

Para a autora, negar a existência das famílias paralelas é simplesmente tentar negar a realidade, cometendo com isso enormes injustiças, haja vista que não raro essas famílias são constituídas por longos períodos, com várias proles, reconhecimento social, ou seja, com publicidade. Para ela, a impossibilidade de o Estado dar proteção a mais de uma família ao mesmo tempo, privilegia apenas o infiel além de conter um viés punitivo porque “aquele que opta por se relacionar com alguém impedido de casar, em razão de já ser casado, deverá se responsabilizar por sua escolha e consequências[32]”.

E admoesta a autora

Ao contrário do que dizem muitos, e do que tenta dizer a lei (CC 1.727), o concubinato adulterino importa, sim, para o direito. São relações que repercutem no mundo jurídico, pois os companheiros convivem, muitas vezes têm filhos, e há construção patrimonial em comum. Não ver essa relação, não lhe outorgar qualquer efeito, atenta contra a dignidade dos partícipes e filhos porventura existentes.[33]

Gize-se que a jurisprudência majoritária tem trilhado o entendimento de inadmitir a existência de mais de uma união paralela, podendo-se citar como paradigmas os julgados REsp 931.155/RS, da 3ª Turma, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, julgado em 07 de agosto de 2007 e o RE 397.762/BA, da 1ª Turma, sob Relatoria do Ministro Marco Aurélio, julgado em 03 de junho de 2008.

Malgrado esse entendimento jurisprudencial majoritário, recentemente o site do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família divulgou em seu site a notícia de registro de Escritura Pública de União Poliafetiva na cidade de Tupã, interior de São Paulo[34], o que sinaliza mais uma mudança, alvissareira, inclusive, do conceito de família, aceitando-se a existência dos mais diversos arranjos familiares. Antes, a família girava em torno da figura paterna e do patrimônio, hoje no conceito de cooperação e no afeto.

O Direito de Família tem que ser visto como parte realmente integrante do Direito Privado, sem a intervenção despropositada, indevida e invasiva do Estado, estabelecendo regras de ordem pública em detrimento da vontade particular das partes, devassando a esfera íntima dos seus súditos. O amálgama que une os membros de uma família não é o patrimônio, este não é o eixo ao qual a família gravita. Inconcebível o pensamento segundo o qual as pessoas se uniriam em animus de constituir família apenas para construir patrimônio.

A força centrípeta que entrelaça os integrantes de um arranjo familiar é o afeto. E é nesse diapasão que o Direito de Família tem que ser concebido: como um meio do homem tornar-se livre para ser feliz segundo sua vontade. Nas palavras de Bauman[35]

Amar significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo num amálgama irreversível. Abrir-se ao destino significa, em última instância, admitir a liberdade no ser: aquela liberdade que se incorpora no Outro, o companheiro no amor.

Sensível aos novos paradigmas de seu tempo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de maneira alvissareira, tem reconhecido há certo tempo a existência de uniões estáveis paralelas e os consequentes direitos de famílias que deles decorre, sob a justificativa de que

o Judiciário não pode se esquivar de tutelar as relações baseadas no afeto, inobstante as formalidades muitas vezes impingidas pela sociedade para que uma união seja “digna” de reconhecimento judicial. Dessa forma, havendo duplicidade de uniões estáveis, cabível a partição do patrimônio amealhado na concomitância das duas relações[36].

O mesmo Tribunal teve a oportunidade de analisar outros casos parecidos, tendo trilhado o mesmo entendimento[37].

Das três teorias apresentadas, a que parece melhor se adequar ao modelo constitucionalizado de Direito das Famílias é a terceira corrente, encabeçada pela gaúcha Maria Berenice Dias. Isso porque, conforme exposto inicialmente, negar quaisquer efeitos jurídicos às uniões estáveis paralelas, como preleciona a primeira corrente, seria demasiada injustiça, fechando-se os olhos à existência de uniões que por vezes perduram no tempo, com prole, formação de patrimônio e animus de constituição de família.

Também não parece da maior justiça considerar a existência de união estável paralela apenas no caso de “inocência” ou boa-fé de um dos envolvidos. Seria ingerência indevida na vida privada alheia sem justificativa jurídica idônea. O Direito das Famílias rege-se pelo princípio da liberdade e do pluralismo, não cabendo ao Estado determinar como e com quem as pessoas devem compartilhar seus propósitos de vida, ou seu leito.

 Bevilaqua em comentário ao art. 231, I, do Código Civil de 1916 – o qual, como dito alhures, afirmava ser a fidelidade recíproca um dever de ambos os cônjuges – admoestava que “não constitui, simplesmente, um dever moral; o direito o exige, igualmente, em nome dos interesses superiores da sociedade[38]”. A pergunta a se fazer é: qual seria esse “interesse superior da sociedade” a ser salvaguardado?

Negar a possibilidade de alguém unir-se com quem quiser, seria nítida violação ao princípio da proibição do excesso, sendo uma clarividente limitação ilegal do direito individual de constituir família, direito esse ínsito ao ser humano, atávico a sua condição de ser social. O ser humano nasce para ligar-se em laços de afeto.

A vedação, discutível, gize-se, à bigamia não é causa suficiente para vedarem-se efeitos jurídicos às uniões estáveis paralelas. Isso porque a bigamia impede apenas que uma pessoa se case novamente já estando casada, não possuindo relação direta com uniões estáveis ou extramatrimoniais. Seria utópico acreditar que a simples vedação à bigamia constituiria empeço aos relacionamentos extraconjugais.

O ser humano é fiel por dever moral e não simplesmente por dever legal. Além disso, tratando-se de partes maiores e capazes, manifestando vontade livre e desembaraçada de entabularem um relacionamento a três, qual direito ou interesse coletivo/social estariam infringindo? Nenhum, por óbvio.

 A vida privada, reduto mais personalíssimo de qualquer indivíduo, não pode e nem deve ser devassado pelo Estado ou outrem sem que haja interesse jurídico relevante e idôneo, respeitando-se sempre a dignidade humana e demais direitos fundamentais expostos na Constituição e demais Tratados Internacionais sobre o tema. Em um voto vencido, assim se manifestou Maria Berenice Dias, então desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, afirmando que o conceito de direito de família:

sofreu uma profunda alteração, alteração esta a que foi sensível a jurisprudência que acabou se revelando como um fator decisivo para que as relações chamadas de espúrias passassem a merecer o tratamento de concubinárias, sendo inseridas na órbita jurídica, acabando por serem alçadas à órbita constitucional como entidade familiar. Ora, se agora ninguém mais identifica como família o relacionamento sacralizado pelo matrimônio, se o conceito de família alargou-se para albergar os vínculos gerados exclusivamente da presença de um elo afetivo, mister concluir-se que o amor tornou-se um fato jurídico, passando a merecer a proteção legal.[39]

O artigo 11, § 2º, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos afirma que ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada e em sua família. Mais a frente, em seu artigo 17, § 1º, afirma ser a família o núcleo natural e fundamental da sociedade, devendo ser protegida pela sociedade e pelo Estado. Como se sabe, a Constituição concede status de norma materialmente constitucional para todos os Tratados Internacionais subscritos pelo Brasil que versem sobre direitos humanos (art. 5º, § 2º), como é o caso da supracitada Convenção.

O art. 1.723 do Código Civil afirma que para se reconhecer a existência de uma união estável seria necessária a convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, incluindo-se o dever de lealdade no art. 1.724. Essa lealdade, ranço moralista ainda recalcitrante no Código Civil, não é requisito para a configuração da união estável, sendo apenas um dever recíproco dos companheiros.

A infração desse dever enseja, tão somente, a ruptura da união e indenização por danos morais por ventura caracterizado. No entanto, esse dever diz respeito apenas aos cônjuges, ou companheiros. Ninguém, senão eles, poderia requerer o fim do relacionamento oriundo da inadimplência desse dever. Além disso, com a introdução no ordenamento jurídico da Emenda Constitucional 66, a infidelidade não é mais perquirida para o fim da relação, bastando a vontade de qualquer um dos cônjuges.

Como dito alhures, impor empeços descabidos e desproporcionais para alguém constituir uma família, além de ferir um sem número de princípios, fere a vedação à intervenção do Estado na família, conforme ensina Sarmento[40]

Esse princípio tem como matriz a concepção do ser humano como agente moral, dotado de razão, capaz de decidir o que é bom ou ruim para si, e que deve ter a liberdade para guiar-se de acordo com estas escolhas, desde que elas não perturbem os direitos de terceiros nem violem outros valores relevantes para a comunidade.

A fidelidade como configuração da união estável não é requisito legal, mas apenas uma inferência doutrinária, que não tem o condão de, fazendo-se as vezes de legislador, impedir o reconhecimento das uniões estáveis paralelas. Na história do desenvolvimento dos direitos, a doutrina criou inúmeras classificações quanto à natureza dos variados tipos de direitos, como direitos do homem, fundamentais, políticos, civis, naturais, do cidadão, da personalidade etc. Em realidade os direitos são um só: do homem. Todas as tipologias mencionadas são construções doutrinárias que derivam da concepção do que seja o direito do homem.

Há uma gama de direitos que pertencem ao ser humano como tal, basta ser humano para ser titular deles. Esses direitos – os quais alguns soem denominá-los de naturais – são inerentes, intrínsecos à humanidade. Quando esses direitos são alçados à Constituição de um país, diz-se que são fundamentais. Assim, os direitos do homem são atemporais e supralegais.

A Constituição Federal em seu art. 5º, XLI, afirma que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. As liberdades não estão ligadas somente às liberdades de expressão, religiosa, de informação, consciência etc. O direito de constituir família também se configura em uma liberdade fundamental, já que traz em seu bojo uma possibilidade de escolha de um comportamento.

O direito à vida é um direito porque não se concede ao cidadão a liberdade de escolha entre viver ou morrer. Mas o direito de constituir família é uma liberdade exercida segundo os critérios pessoais de cada indivíduo. Os publicistas franceses consideram os direitos civis quando esvaziados dos direitos políticos como liberdades fundamentais[41]. O exercício das liberdades fundamentais demonstra o grau de evolução e desenvolvimento da democracia em determinada Nação. Quanto mais civilizado um país e quanto mais sólida sua democracia, mais se respeitam as liberdades fundamentais dos indivíduos.

Quando a Constituição Federal estabelece que todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido (art. 1º, parágrafo único), impôs na mesma Carta uma limitação a esse poder: os direitos fundamentais. A soberania elencada no art. 1º, I, da Constituição é a dos direitos e garantias fundamentais, haja vista que em um Estado Democrático de Direito não existem soberanos, nem mesmo a vontade popular.

Da mesma forma que se veda à maioria tomar decisões que suprimam direitos das minorias, também se impede que essa mesma maioria se abstenha de reconhecer direitos a essas minorias. Não se concebe, em um Estado Democrático de Direitos, o estabelecimento de vedações de direitos a um grupo baseado exclusivamente na moral da maioria, inexistindo ofensa aos direitos de terceiros.

Ao votar na ADI 4277, o Ministro Celso de Mello assim se posiciona em relação ao direito à felicidade:

Reconheço que o direito à busca da felicidade – que se mostra gravemente comprometido, quando o Congresso Nacional, influenciado por correntes majoritárias, omite-se na formulação de medidas destinadas a assegurar, a grupos minoritários, a fruição de direitos fundamentais – representa derivação do princípio da dignidade da pessoa humana, qualificando-se como um dos mais significativos postulados constitucionais implícitos cujas raízes mergulham, historicamente, na própria Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 04 de julho de 1776.

Stephanie Driver ao comentar sobre a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América qualifica o direito à busca da felicidade como prerrogativa fundamental ínsita a toda pessoa, admoestando que[42]

Em uma ordem social racional, de acordo com a teoria iluminista, o governo existe para proteger o direito do homem de ir em busca da sua mais alta aspiração,  que é, essencialmente,  a felicidade ou o bem-estar. O homem é motivado pelo interesse próprio (sua busca da felicidade), e a sociedade/governo é uma construção social destinada a proteger cada indivíduo, permitindo a todos viver juntos de forma mutuamente benéfica.

O direito à felicidade, o qual se extrai do núcleo do princípio da dignidade da pessoa humana, já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, mais de uma vez, como um importante vetor hermenêutico relativo à interpretação dos direitos fundamentais, onde esse direito foi considerado como um princípio fundamental[43].

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 já estatuía no artigo 4º que a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudiquem a outrem, liberdade esta apenas podendo ser limitada pela lei. Em seu artigo 5º, de maneira redundante, inclusive, reafirma-se que a lei não proíbe senão as ações prejudiciais à sociedade.

Nesse diapasão, torna-se indiscutível que o novo paradigma, no Direito das Famílias, após a Constituição Federal de 1988 consolidou-se na existência e no reconhecimento do afeto como bem jurídico tutelável, constituindo-se no fundamento mais significativo da família moderna e tornando-se um verdadeiro princípio constitucional diretamente extraído do princípio maior da dignidade da pessoa humana[44]:

Com efeito, a partir do momento em que a Constituição Federal reconheceu o amor como o principal elemento formador da entidade familiar não-matrimonializada, alçou a afetividade amorosa à condição de princípio constitucional implícito, que pode ser extraído em função do art. 5.º, § 2.º, da CF/1988, que permite o reconhecimento de princípios implícitos por decorrentes dos demais princípios e do sistema constitucional (além dos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil faça parte).

Convém ressaltar que o Princípio 24 dos Princípios de Yogyakarta, recomendações para a aplicação da legislação internacional de direitos humanos confirma que toda pessoa tem direito de constituir família, reconhecendo a existência de várias formas de se constitui-la, conclamando os Estados a tomarem todas as medidas legislativas, administrativas e as que se fizerem necessárias para assegurar esse direito.

Afirma também que as leis reconheçam a diversidade de formas de famílias, incluindo aquelas não definidas por descendência ou casamento. Por fim, o reconhecimento das uniões estáveis paralelas vai ao encontro do objetivo fundamental da República de promover o bem de todos, ou seja, fomentar a busca pela felicidade exteriorizada, também, pelo direito de constituir família (art. 3º, IV, da Constituição Federal).  


4. CONCLUSÃO

Como visto alhures, o Direito das Famílias sofreu uma mudança radical de paradigma após o advento da Constituição Federal de 1988. Esse ramo do direito deve ser interpretado tomando como norte os princípios da dignidade da pessoa, do pluralismo familiar e o da busca pela felicidade, dentre outros.

A Constituição Federal ao legislar sobre a família em seu art. 226 fez de modo exemplificativo e não exaustivo, deixando margem para as mais variadas formas de arranjo familiar. O ordenamento jurídico brasileiro reconhece explicitamente a família monoparental, matrimonial, homoafetiva e as uniões estáveis.

Dessume-se dos princípios fundamentais previstos na Carta Magna que o direito de constituir família é um direito fundamental protegido pela própria Constituição e por outros diplomas internacionais, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e os Princípios de Yogyakarta.

Como a existência das uniões estáveis paralelas não fere nenhum direito de terceiro ou interesse coletivo/social, não há motivos idôneos para impedir o reconhecimento de direitos de família a essa entidade familiar, haja vista tratar-se de fato atinente à vida privada de cada cidadão, não cabendo ao Estado interferir de maneira arbitrária e moralista impedindo o seu reconhecimento.

Constituir uma família seja com quem for ou com quantos for diz respeito única e exclusivamente às partes, bastando capacidade e vontade livre e desembaraçada de unir-se em laços de afeto. Por dever de Justiça, as uniões estáveis paralelas devem ser reconhecidas pelo Estado, não se podendo conceber que um direito não seja atribuído a alguém por questões relativas à moral do grupo majoritário.


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[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. v 6., São Paulo: Saraiva, 7ª ed., 2010, p. 479

[2] BEVILÁQUA, Clóvis., Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. v. 2. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1950, pp. 6-7

[3] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 3ª ed., São Paulo: RT, 2007, p. 144

[4] ELIA, Luciano., Corpo e Sexualidade em Freud e Lacan., Rio de Janeiro: UAPÊ., 1995, p. 43.

[5] Idem. Ibidem, p. 87.

[6] FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. O cuidado de si. Volume 3. Trad.: Maria Thereza da Costa Albuquerque., Rio de Janeiro: Edições Graal., 1985., 167.

[7] ALBUQUERQUE NETO, Carlos Cavalcanti de. Famílias simultâneas e concubinato adulterino. In Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: IBDFAM, 2002, p. 152.

[8] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e Casamento em Evolução in Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese. 1999. v. 1, p.8

[9] DIAS, Op. cit. p. 160

[10] ALBUQUERQUE NETO, Op. cit., p. 150

[11] A Constituição Federal de 1967 em seu art. 175, caput, afirmava que “a família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos”. Disposição parecida estava prevista no art. 163 da Constituição de 1946: “a família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado”.

[12] ROSALINO, Cesar Augusto. União poliafetiva: ousadia ou irresponsabilidade?. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3344, 27 ago 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22501>. Acesso em: 01 ago. 2014.

[13] BOBBIO, Noberto. O Positivismo Jurídico, São Paulo: Ícone. 1995. p. 217

[14] ADPF 132 e ADI 4.277, voto do Ministro Luiz Fux, p. 13-14. Disponível em http://s.conjur.com.br/dl/integra-voto-ministro-luiz-fux-uniao.pdf  Acesso em 02 de ago. 2014.

[15] Damnant quod non intelligunt.

[16] DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos, Assembleia Geral das Nações Unidas, 10 de dezembro de 1948. Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm Acesso em 02 de agosto de 2014.

[17] BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. v. 2. p. 110

[18] Disponível em http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?court=US&vol=000&invol=U10179 Acesso em 16 de nov. de 2013.

[19] Disponível em http://www.law.cornell.edu/supct/html/02-102.ZS.html Acesso em 16 de nov. de 2013.

[20] VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. União estável poliafetiva: breves considerações acerca de sua constitucionalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3395, 17 out. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22830>. Acesso em: 01 ago. 2014.

[21] PEREIRA, Rodrigo da Cunha APUD VECCHIATTI, Ibidem.

[22] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família, 1ª Edição, Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2005, p. 165-166.

[23] PERROT, Michelle. O nó e o ninho, in Reflexões para o futuro. São Paulo: abril. 1993, p. 81

[24] DINIZ, Op. Cit. p. 380.

[25] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. v. 6. 7ª ed., São Paulo: Saraiva. 2010, p. 598.

[26] OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento. 6ª ed. São Paulo: Método. 2003, p.127.

[27] VIANA, Marco Aurélio S. Da união estável, Saraiva: São Paulo, 1999, p.92.

[28] TARTUCE, Flávio; SIMÃO, Fernando José. Direito Civil. v. 5. 4ª ed. São Paulo: Gen. 2010, p. 285

[29] VELOSO, Zeno. Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2002. v. XVII, p. 126.

[30] OLIVEIRA, Op. Cit., p. 139-140.

[31] DIAS, Op. Cit. p. 161.

[32] DIAS, Op. Cit., p. 161.

[33] DIAS, Op. Cit., p. 161.

[34]Disponível em http://www.ibdfam.org.br/novosite/imprensa/noticias-do-ibdfam/detalhe/4862, acesso em 02 de ago. de 2014.

[35] BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido, São Paulo: Zahar, 2003, p. 21.

[36] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, Apelação Cível 70.010.787.398, 7ª Câmara Cível, Relator(a): Des. Maria Berenice Dias, j. 27.04.2005.

[37] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, Apelação Cível 70.012.696.068, 8ª Câmara Cível, Relator: Des. Siqueira Trindade, j. 6-10-2005; TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, Apelação Cível 70.006.936.900, 8ª Câmara Cível, Relator: Des. Rui Portanova, j. 13-11-2003.

[38] BEVILAQUA, Op. Cit. p. 108

[39] DIAS, Maria Berenice APUD MADALENO, Rolf. A União (ins)Estável (relações paralelas). Disponível em http://www.rolfmadaleno.com.br/rs/index.php?option=com_content&task=view&id=320&Itemid=39#_ftnref19 Acesso em 01 de ago. de 2014.

[40] TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil. Direito da Família. v. 5. 4ª ed. São Paulo: Método. 2010. p. 41.

[41] CANOTILHO, Op. Cit. p. 395.

[42] DRIVER, Stéphanie Schwartz. A Declaração de Independência dos Estados Unidos, tradução de Mariluce Pessoa, São Paulo: Jorge Zahar, 2006, p. 32/35.

[43] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Ação Direta de Inconstitucionalidade 3300 MC, Relator Ministro Celso de Mello, j. 03.02.2006, DJ 09/02/2006 PP-00006 RTJ VOL-00200-01 PP-00271 RDDP n. 37, 2006, p. 174-176 RCJ v. 20, n. 128, 2006, p. 53-60 RSJADV jul., 2007, p. 44-46; SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, STF, Suspensão de Tutela Antecipada 223 AgR/PE, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello, 14.4.2008, Informativo 502.

[44] VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Item 2.5.3. São Paulo: Método. 2008, p. 220/221.


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SOUSA, Diego Carmo de. União estável paralela: (im)possibilidade jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4222, 22 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30857. Acesso em: 16 maio 2024.