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Quanto vale o afeto?

Quanto vale o afeto?

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O amor e o afeto passaram a ser fundamento essencial para se pleitear a indenização por abandono afetivo.

Resumo: Será que o afeto pode ser avaliado? Pode ser postulada a indenização por danos morais judicialmente pela ausência de afeto dos genitores? Quais são os fundamentos para eventual procedência da ação judicial? Estes são os aspectos que serão discutidos no presente trabalho, considerando os novos entendimentos jurisprudenciais sobre o tema, em especial no intuito de identificar os requisitos que ensejam a postulação judicial do pedido e o deferimento deste, mais precisamente no tocante ao quantum.

Palavras-chave: Afeto, Indenização, Danos Morais.


1.  Introdução

Considerando a evolução social e a evidência dada a alguns direitos fundamentais na atualidade, certo é que os interesses afetos ao direito de família sofreriam modificações, a começar pela própria possibilidade da realização do casamento civil entre homossexuais, autorizado através de Resoluções e Recomendações ao Poder Judiciário dos Estados brasileiros[1].

É evidente que em tempos remotos difícil seria associar os temas “responsabilidade civil”, “indenização” e “direito das famílias”. No entanto, a utilização de inúmeros princípios, em especial o da busca da felicidade, implícito no ordenamento jurídico pátrio, bem como o da dignidade da pessoa humana viabilizam decisões inéditas, com verdadeira prestação jurisdicional aos demandantes de ação judicial.

A família, entidade e instituição na qual são formados os membros da sociedade, independentemente de sua formação[2], destaca-se pela afetividade e o amor existentes entre seus membros e, nesse ponto específico, ou melhor, quando da ausência de tais sentimentos e sensações é que nos dias de hoje são visualizados entendimentos jurisprudências a ensejarem a possibilidade de indenização por danos morais aos filhos, decorrente de abandono afetivo.

O problema surge, então, quanto ao reconhecimento dos requisitos a viabilizarem a procedência de uma ação judicial da natureza em comento, como também no tocante ao valor a ser fixado pela ausência do afeto, razão pela qual se faz pertinente a presente pesquisa, que terá como método de abordagem o dedutivo, onde, a partir da relação entre enunciados básicos, denominadas premissas, tira-se uma conclusão, ou seja, serão analisadas vários entendimentos e pensamentos doutrinários sobre o tema, apontando-se os mais adequados para aplicação ao caso concreto (MARCONI, et. al., 2010). 

Quanto a metodologia de procedimento a presente pesquisa tem como base a confecção de artigo científico, explorando-se a legislação, a doutrina e artigos existentes sobre o tema (MARCONI, et. al., 2010).

Como técnicas de pesquisa, os instrumentos utilizados no desenvolvimento deste trabalho caracterizam-se pelas pesquisas bibliográfica, documental e legislativa, e ainda, englobam os artigos de revista e internet, além de vários outros meios e técnicas de pesquisa direta e indireta (CERVO, et. al., 2010).


2. Conceito de afeto e a caracterização de abandono afetivo

Consoante consta no artigo 226 da Constituição Federal, a família é reconhecida como núcleo da sociedade, através de várias espécies de formações, independentemente de celebração, ou não[3], do casamento civil ou religioso.

A importância que se dá à instituição denominada família é de longa data, considerada, ainda, a primeira estrutura com agrupamento de pessoas, tanto que no sistema criado por Hegel, é essencial o entendimento por ele dado a citada instituição, como base, alicerce, etapa, estágio preparatório, para que o indivíduo possa passar pelos processos individuais e coletivos que o levarão à vida social.

Vittorio Hosler (2007), compreendendo Hegel, menciona que “seria mais ético reconhecer primeiramente a importância da instituição casamento e, então, apaixonar-se, do que, inversamente (...)”.

Segundo Hegel, a família é o espírito ético imediato ou natural (§ 157), sendo somente possível sua formação a partir da ideia de que a vontade particular deve querer, também, a vontade universal, no intuito de realizar-se totalmente (CLÁSSICOS DA FILOSOFIA, 2003).

Para que a vontade particular queira a vontade universal, necessário se faz a educação para o universal, para o bem comum e querer tal bem. Esta educação, logo, somente pode ser efetivada a partir da família, a qual, após sua dissolução e durante a efetiva duração passa pela sociedade civil, chegando após ao Estado (os três momentos da Eticidade[4]).

No mencionado sistema pelo ilustre filósofo criado, é elencado a família como substância ética, como espírito imediato natural, vez que através dela que serão repassados os ensinamentos e educação necessária para a formação do membro da sociedade civil (ENCICLOPÉDIA DASCIÊNCIAS FILOSÓFICAS EM COMPÊNDIO, 1995). A sociedade civil, por sua vez, decorre da totalidade das relações individuais que formarão uma universalidade formal, sendo, o Estado, a “substância consciente-de-si, enquanto espírito desenvolvido em uma efetividade orgânica”, desenvolvendo-se o em si da família, por si, no casamento, e atualizando-se no patrimônio, nos bens, nos filhos (CHATELET, 1995).

Observa-se pelas lições de Hegel que as vontades particulares marcadas pela moralidade, reconhecem em si mesma a universalidade e a realizam em instituições, sendo uma das formas de tal realização efetiva da liberdade a instituição chamada família, ilustrada como primeira instituição social equiparada à eticidade em sua forma ainda imediata.

É, portanto, através dos genitores que a criança começa a “experimentar o mundo: a consciência deles é ‘sua matéria, à custa da qual ela reforma; eles são para ela uma noção obscura e desconhecida dela mesma: eles suprassumem seu simples ser-em-si encolhido”(HOSLER, 2007).

A família assim, desde o direito romano, é reconhecido através de seu “paterfamilias”[5], o qual é ao mesmo tempo, senhor, sacerdote, pai e juiz, lhe competindo as decisões sobre todas as coisas e litígios que existam entre sua família e o corpo social, podendo tais conflitos serem motivos de guerras e conquistas de terras (CRETELLA JUNIOR, 2005).

Através das sensações, sentimentos, fases e etapas que o indivíduo nela passa, recebendo a educação, o ensinamento julgado como essencial, na citada formação, é que se torna aquele membro da sociedade civil.

A família, portanto, é o observatório preparatório para a vida social. As relações ali mantidas é que ensinam os comandos a serem adotados pelo indivíduo na sociedade civil, o qual merece vencer o seu próprio egoísmo natural, a fim de querer o bem universal.

Dada a importância da instituição em comento, que desde os primórdios a família é reconhecida como requisito para se pertencer a um determinado grupo, situação esta que pode ser exemplificada pelo direito romano, ocasião em que não bastava ser romano ou ser livre para ter capacidade civil, ou seja, praticar atos da vida civil romana. Era, ainda, essencial o requisito de pertencer a uma família (CRETELLA JUNIOR, 2005).

Analisa-se, por fim, que os fundamentos para instituição, criação e constituição da família continuam, desde, os primórdios, os mesmos. Através do preparo dessas relações é que, posteriormente, poderá o indivíduo, que sai da instituição coração, pertencer a instituição razão – a sociedade civil – o Estado.

Porém, é justamente na citada instituição que aparece e aprende-se o amor, a afetividade. E em razão da dissolução desta, em alguns casos, é que o afeto pode ser objeto de ação judicial, considerando a ausência deste por parte de um dos genitores, de acordo com os novos entendimentos que são dados, nos dias de hoje, às relações familiares.

2.1 Afeto e Afetividade

Lobo apud Machado (2012) diferencia o afeto e a afetividade, sendo oprimeiro o fato psicológico ou anímico e o segundo o princípio decorrente da previsão constitucional da dignidade da pessoa humana.

Para ele, a afetividade deve perdurar entre pais e filhos até o falecimento de um destes ou até que ocorra a perda do poder familiar, pois “a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles” (MACHADO, 2012).

Todo ser humano possui o direito ao afeto, ao amor, o qual deriva da convivência familiar.

Nas palavras de ALMEIDA (Revista Univem) a posse do estado de filho nada mais é que o reconhecimento jurídico do afeto.

PEREIRA (2004) entende que para a existência da entidade familiar é essencial e necessário um afeto familiar, um afeto especial, podendo ser conjugal ou parental, sendo, portanto, elemento essencial de todo e qualquer núcleo familiar.

Salienta, ainda, que o afeto passou a ser visto como um valor jurídico, tanto que uma das consequências principais decorrentes do princípio da afetividade é a jurisdicização da paternidade socioafetiva, vez que o que garante o “cumprimento das funções parentais não é a similitude genética ou a derivação sanguínea, mas sim, o cuidado e o desvelo dedicados aos filhos” (PEREIRA, 2004).

Portanto, todo o carinho, o cuidado, a dedicação, o zelo que se tem pelos entes familiares pode ser associado ao afeto.

2.2 Princípio da afetividade

No artigo 227[6], caput, da Constituição Federal vislumbra-se o dever imposto à família, à sociedade e ao Estado de assegurar aos menores os direitos fundamentais, incluindo-se no rol ali expresso o próprio direito à convivência familiar e comunitária.

De igual forma, da análise da legislação civil nacional evidencia-se que compete aos pais “dirigir-lhes a criação e educação (...) tê-los em sua companhia e guarda (...)” (artigo 1.634).

Nesse sentido entende-se que através de tais dispositivos observa-se a necessidade da criança em passar por tal convivência, permitindo, assim, o desenvolvimento físico, moral e psíquico a amparar os futuros passos, tendo, portanto, uma referência, fundamentos estes e raízes do princípio da afetividade, qual decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da paternidade responsável, da própria convivência familiar.

Pelo princípio da afetividade “a família passa a ser locus de realização existencial de seus membros, à medida que deve ter o objetivo de estimular os laços afetivos e a comunhão de vida entre eles” (MACHADO, 2012).

 Pois bem, na atualidade, certamente também há tempos, porém não com tanta evidência, o afeto é o principal fundamento das relações familiares.

As palavras e o voto do acórdão[7] prolatado pelo Tribunal de Alçada de Minas Gerais, responsabilizando o genitor a pagar pelo abandono afetivo, em prol do filho e apresentado por PEREIRA (2004), demonstram os fundamentos pelos quais a afetividade foi reconhecida como princípio jurídico no Brasil:

Não menos relevante foi o voto do acórdão, com expresso reconhecimento do afetocomo valor jurídico. “No seio da família da contemporaneidade desenvolveu-se uma relaçãoque se encontra deslocada para aafetividade. Nas concepções maisrecentes de família, os pais de família têm certos deveres que independemdo seu arbítrio, porque agora quem os determina é o Estado.Assim, a família não deve mais ser entendida como uma relação de poder,ou de dominação, mas como uma relação afetiva, o que significa dar adevida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos,justamente, de afeto e proteção.Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não somentedo sangue.(...)O princípio da efetividade especializa, no campo das relações familiares,o macroprincípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, daConstituição Federal), que preside todas as relações jurídicas e submeteo ordenamento jurídico nacional.No estágio atual, o equilíbrio do privado e do público pauta-se exatamentena garantia do pleno desenvolvimento da dignidade das pessoas humanasque integram a comunidade familiar.No que respeita à dignidade da pessoa da criança, o artigo 227 daConstituição expressa essa concepção, ao estabelecer que é dever dafamília assegurar-lhe “com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,àdignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”,além de colocá-la “à salvo de toda forma de negligência, discriminação,exploração, violência, crueldade e opressão”. Não é um direito oponívelapenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos, mas a cada membro daprópria família.Assim, depreende-se que a responsabilidade não se pauta tão-somenteno dever alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimentohumano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana. (...)Assim, ao meu entendimento, encontra-se configurado nos autos o danosofrido pelo autor, em relação à sua dignidade, a conduta ilícita praticadapelo réu, ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio e educação,a fim de, através da afetividade, formar laço paternal com seu filho, e onexo causal entre ambos”.


3. Possibilidade de indenização judicial

O tema passou a ser discutido a partir do ano de 2003, quando um magistrado da Comarca de Capão da Canoa – Estado do Rio Grande do Sul, concedeu a procedência de uma ação judicial, condenando um genitor a indenizar a filha no importe de 200(duzentos) salários mínimos por danos morais, face a ausência de afeto. Anos após, em 2006, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais reconheceu a responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo em prol de um filho, decisão esta reformada pelo STF e STJ, sob o fundamento de que “a nossa legislação já prevê punição específica de perda do poder familiar aos pais que abandonam os filhos”(JARDIM, 2010).

O amor e o afeto, portanto, passaram a ser fundamento essencial para se pleitear a indenização por abandono afetivo[8]. Na atualidade identifica-se que o pedido judicial é juridicamente possível, porém, mais que isso, a procedência da ação judicial passou a ser deferida, o que antes não era vislumbrado nos Tribunais de Justiça dos Estados brasileiros, ocorrendo, portanto, verdadeira interpretação extensiva das disposições legais atinentes a responsabilidade civil, auxiliada pela hermenêutica jurídica.

Como na família são desenvolvidos os sentimentos de amor e de afeto, bem como a própria preparação do indivíduo para as relações sociais subjetivas, supõe-se que a ausência do afeto pode acarretar até mesmo prejuízos à personalidade do ente familiar, da criança e do adolescente, qual será identificado quando da convivência e da aceitação social.

O indivíduo cria e desenvolve geralmente sua personalidade, tomando como exemplo aqueles que o cercam, que fazem parte do seu grupo familiar. A partir desse momento é que o abandono afetivo seja decorrente de uma separação judicial ou de fato, ou do divórcio dos genitores e até mesmo pela própria personalidade do pai ou mãe, influencia na futura convivência social, no modo de agir, de pensar, de se expressar e falar.

Outro importante entendimento jurisprudencial sobre o tema foi prolatado pelo Desembargador Dorival Renato Pavan, ocasião em que reconhece a possibilidade de indenizar o filho pela falta de amor por parte do genitor, inclusive salientando que não é o pagamento de alimentos que supre tal ausência. Na citada decisão identifica, inclusive, que o direito de visitas, consoante entendimento ao qual nos filiamos, é direito subjetivo também do filho[9].

Destarte, geralmente quando da ocorrência da separação do casal e consequente fixação do direito de visitas a ser efetivado por um dos genitores, a consequência é a expectativa criada pelo filho de que estará, em determinado dia e local, com o genitor que não exerce diariamente sua guarda, seja de fato, seja judicial. Tais esperas, às vezes, são deveras longas, findando, inúmeras vezes, com a frustação da espera sem êxito na visitação.

Por estas razões que se apoia o instituto da guarda compartilhada, vez que, mesmo inexistindo possibilidade de diálogo, de fato não é necessário, ou mesmo desacordo entre os genitores em decorrência da separação do casal, é que estarão resguardados os verdadeiros interesses da criança, qual possui o direito de conviver com ambos os pais, podendo, portanto, ter uma visão ampla do contexto familiar e social, inexistindo, pois, falha na criação de sua personalidade e educação, vez que estará apoiada nos exemplos materno e paterno[10].

Nesse contexto evidencia-se que os próprios genitores quais não exercem a guarda em prol do filho, quando distantes, confundem as ideias no tocante ao pagamento de alimentos e as próprias visitações, uma vez que podem pensar que os direitos em comentos prestados suprem os demais deveres que são atribuídos aos genitores pela própria legislação civil.

É cruel pensar quanto à efetiva necessidade de ajuizamento de demanda judicial, a fim de forçar o genitor a indenizar o filho pela falta de afeto. Pensa-se a que ponto chegou a humanidade nos dias de hoje, haja vista a tamanha ausência de amor e solidariedade entre seus pares. Porém, se inexiste outra forma para de certo modo reparar a lacuna existente no sentimento do filho, vítima do abandono afetivo, embora dinheiro não supra tal carência, trará a releitura de comportamento àquele condenado a indenizar.

Nota-se, também, que presentes os requisitos essenciais de reconhecimento da responsabilidade[11] subjetiva, o eventual pedido judicial é passível de procedência. Nesse contexto, lista-se importante entendimento sobre o tema:

(...) não pode o legislador ou o julgador obrigarem o genitor sem a guarda a prestar o mesmo afeto, em intensidade e frequência, que aquele que possui a guarda; u impor ao ascendente que mora em outro estado ou país que este ignore e seja omisso suas obrigações profissionais (ou mesmo familiares, no caso de constituição de nova família) adquiridas neste lugar para prestar o afeto, deve sim demonstrá-lo, mas não deve ser imposto a ele o mesmo rigor que se concederia em situação adversa. Por tudo isso, concluímos que é imprescindível a presença do elemento culpa na responsabilização civil dos pais, sendo esta aferida pela análise do julgador em cima das circunstâncias que cercam o comportamento efetuado por estes (DIAS, et. al., 2007).

O que se evidencia do entendimento acima é a cautela a ser dada a cada caso concreto, com observância especial ao princípio da razoabilidade.

Portanto, a negligência deliberada por parte de um dos genitores, independentemente do motivo, como pode gerar mudanças e distúrbios de personalidade em desfavor do filho pelo qual é responsável, por ferir o princípio da dignidade da pessoa do filho, propiciando, assim, o abandono afetivo, causa o dano e, consequentemente, o dever de indenizar.

Este é fundamento utilizado para o deferimento dos pedidos judiciais, tendo por objeto o abandono afetivo. Em razão da falta de cuidado, do descumprimento dos deveres em prol do filho é que o Poder Judiciário tem reconhecido a ausência do afeto e consequente indenização. O velho adágio popular de campanha publicitária usada na antiguidade e em voga nos dias atuais no sentido de que os genitores devem participar da vida dos filhos, além de dispensar em prol destes todo o cuidado moral, físico e psicológico necessário para o bom e regular desenvolvimento é superior ao mero estado de ser pai ou mãe.


4. O quantum a ser fixado

O abandono afetivo é visto como espécie de dano moral, qual é irreparável, considerando que não se pode voltar no tempo para suprir o dano causado aalguém.  Nesse contexto a compensação pecuniária pode dar certa satisfação ao indivíduo.

(...) reconhecida a existência de todos esses elementos citados na lide, o julgador deve conceder a indenização a título de dano moral. Esta, como apontado pela doutrina, deve buscar a recomposição do que foi perdido; ainda que não alcance esse fim facilmente, este deve estar no entendimento do julgador que irá aferir o quantum indenizatório. No caso específico do dano moral, não é só a dor sofrida pelo indivíduo que deve ser reparada, mas o dano efetivo em sua dignidade, incomodada na sua essência por atos que ultrapassam o normalmente suportável (DIAS, et. al., 2007).

Assim, tendo em vista o caráter compensatório do quantum a ser fixado como forma de ressarcir o dano causado à honra e à dignidade de alguém, verdadeira missão “quase” impossível é a estipulação do importe a ser prestado:

Na hipótese de abandono afetivo, o julgador deve fixar indenização ainda que esta seja uma tarefa de difícil execução, tendo em vista a ausência de orientação legislativa concernente ao assunto. Todavia, isso não escusa o juiz de levar a cabo essa fixação, que pode ser orientada por alguns critérios doutrinários, como o cuidado em não permitir que a reparação seja meramente simbólica; evitar o enriquecimento ilícito; observar casos semelhantes na jurisprudência para não promover decisões díspares; atender ao ‘prazer compensatório’ dado à vítima; analisar a gravidade do caso em tela, buscando sempre a efetivação da justiça, etc. (DIAS, et. al., 2007).

É importante, também, observar o entendimento do dano causado pelo abandono como dano à personalidade do indivíduo, a fim de fixar-se o montante da indenização que se pleiteia, considerando que a referida personalidade se manifesta no grupo familiar, justamente no local em que não poderia, em tese, ocorrer a ausência injustificada.

Elucida-se, também, que é impossível avaliar e monetarizar o afeto, o amor, mas como fixar, então, a indenização postulada judicialmente?!

Pois bem, nos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários[12]já exarados sobre o tema, identifica-se o quantum não no intuito de valorar os sentimentos e sensações acima citadas, mas sim de atribuir um importe monetário como função punitiva e educativa para que práticas de abandono afetivo não mais ocorram. Desta forma, talvez, auxiliando para que o dano não seja repetido em desfavor de outrem, mas de outro norte deixa de avaliar com clareza quanto realmente vale a dorpsíquica e psicológica pela qual passou determinado indivíduo, diante da ausência de um dos genitores.

Pelos exemplos dos últimos julgados, os valores[13] são fixados de acordo com a situação concreta vivenciada pelos participantes da demanda, o motivo que ensejou o abandono afetivo, atentando-se, sempre, a cláusula geral de proteção da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, se o aludido princípio restou violado com a conduta humana pratica pelo ensejador do dano, resta caracterizado o dever de indenizar, de acordo com o princípio da proporcionalidade.

São exemplos dos entendimentos acima listados os julgados que seguem:

Dano moral - relação paterno-filial - abandono - princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade - indenização devida. "Indenização. Danos morais. Relação paterno-filial. Princípio da dignidade da pessoa humana. Princípio da afetividade. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana." (TAMG – 7ª Câmara Cível. Apelação Cívil 408.550-5- Rel. Unias Silva - DJMG 29.04.2004).

Ainda,

Apelação Cível. Ação indenizatória. Dano moral causado pelo pai, por maus tratos e abandono afetivo à autora. Ação de improcedência. Improvimento do apelo. A Constituição Federal, de 05/10/88 (art. 227), e o Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei n. 8.069/90 (art. 4.), adotaram, no ordenamento pátrio, a Doutrina da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, que assegura,com absoluta prioridade, a proteção dos direitos infanto-juvenis, os quais não se limitam à guarda, sustento e educação, inerentes ao exercício do poder familiar (antigo pátrio poder), na forma prevista no Código Civil. Assim,o dever-poder dos pais, de forma concorrente com o Estado e a sociedade, inclui, além daqueles, a garantia de direitos outros,dentre eles, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar, além de colocá-los "a salvo de toda a forma de negligência, discriminação,exploração,violência, crueldade e opressão". Não bastaria a Constituição e a lei prevê a garantia de tais direitos, impondo a proteção integral também aos pais,sem que autorizasse, em consequência, a devida punição dos mesmos pela infringência de tais normas. A evolução social e cientifica, ao reconhecer que as necessidades do homem vão além das materiais e físicas, incluindo as emocionais e psíquicas, refletiu no ordenamento jurídico pátrio, que passou a contemplar normas que protegem os direitos expatrimoniais e, consequentemente, as que punem a infringência dos mesmos. Assim, não se pode limitar a aplicação do art. 159 do Código Civil/16, que tem no art. 186, correspondente no novo Código Civil/02, a inclusão do dano moral no rol dos atos ilícitos, passíveis de indenização. Com fulcro em tais fundamentos, este Colegiado se filia à corrente que entende possível a condenação dos genitores por danos morais causados a filho (os), quando devidamente comprovados em cada caso concreto, trazido ao exame do Judiciário (BRASIL. Tribunal de Justiça de Rio de Janeiro. Apelação Cívil 0012003- 04.2004.8.19.0208 RJ , Relator: Rel. Des. Claudio de Mello Tavares, data de Julgamento: 11/04/2007, Decima Primeira Câmara Cível, data de Publicação: Diário da Justiça do dia DJ: 25/04/2007).

Quanto ao fato do pedido ser juridicamente possível:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 015096006794APELANTE: CARLA DOS SANTOS FERNANDES APELADO: PAULO CEZAR FRANÇA CABRALRELATOR: DES. SUBST. FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY          A C Ó R D Ã OEMENTA: PROCESSO CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - GENITOR - ABANDONO MORAL E FALTA DE AFETO - PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL -SENTENÇA ANULADA - PROSSEGUIMENTO REGULAR DO FEITO - RECURSO PROVIDO.1. O pedido de reparação por danos morais sofridos é um pedido juridicamente possível e reconhecido pelo nosso ordenamento jurídico.2. No caso de pedido de indenização por danos moral em decorrência de abandono moral e falta de afeto por parte do genitor, é necessária a caracterização dos elementos ensejadores da responsabilidade civil, quais sejam, o dano experimento pela filho, o ato ilícito praticado pelo pai, e liame causal que conecta os referidos elementos.3. Impõe-se a remessa dos autos à instância de origem, a fim de propiciar a angularização do processo, citando-se o réu/apelado para exercer o contraditório e a ampla defesa, bem como proceder a dilação probatória necessária ao deslinde da quaestio.4. Recurso conhecido e provido.VISTOS, relatados e discutidos, estes autos em que estão as partes acima indicadas. ACORDA a Egrégia Segunda Câmara Cível, na conformidade da ata e notas taquigráficas que integram este julgado, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, anulando a sentença objurgada e determinando o retorno dos autos à instância de origem, para o seu regular processamento.Vitória(ES), de 2010. DES. PRESIDENTE DES. RELATORPROCURADOR DE JUSTIÇA(TJES, Classe: Apelação Cível, 15096006794, Relator: ÁLVARO MANOEL ROSINDO BOURGUIGNON - Relator Substituto : FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 21/09/2010, Data da Publicação no Diário: 11/11/2010).

Abaixo exemplo de jurisprudência do Estado do Paraná com o quantum fixado:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTE DE ABANDONO AFETIVO. SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL SOB O FUNDAMENTO DE AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO.II ­ CERTIDÃO NO DISTRIBUIDOR ONDE CONSTA DIVERSAS AÇÕES DE ALIMENTOS AJUIZADAS PELA AUTORA.III ­ ATO ILÍCITO CARACTERIZADO. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À CONVIVÊNCIA FAMILIAR. ART. 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.227, CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IV ­ DANO MORAL. DEVER DE INDENIZAR. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL.V ­ VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO EM R$5.000,00.VI - RECURSO PROVIDO (.BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível 7685249 PR 768524-9 (Acórdão), Relator: Jorge de Oliveira Vargas, Data de Julgamento: 26/01/2012, 8ª Câmara Cível). In <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21342154/7685249-pr-768524-9-acordao-tjpr>. acesso em 15/10/2012).


5. Conclusões

O afeto, o amor, o respeito, a consideração e a responsabilidade além de sentimentos e sensações, são deveres que devem uns terem pelos outros, consoante os ditames do princípio da solidariedade humana.

Indo além, quando o foco é a entidade familiar, passam a ser direitos e deveres, devendo ser dispensados entre os membros, não somente com observância a psicologia e a formação do caráter e da personalidade do indivíduo, mas pelo próprio princípio da legalidade, tendo em vista os deveres dos pais em prol dos filhos previstos na legislação civil nacional vigente.

A afetividade e o amor são sentimentos e condutas que não podem ser mensuradas ou avaliadas, embora sentidas. No entanto, é a falta de tais condutas que ensejam, na atualidade, o ajuizamento de ações em desfavor daquele membro da família que deixou de cumprir o seu papel em prol do outro.

Não são raras mais as decisões judicias de procedência dos pedidos de indenização por danos morais decorrente do abandono familiar, sendo, no entanto, ainda difícil a mensuração do quantum a ser fixado e o objetivo de tal reparação pecuniária, vez que pode ser vista como compensação pelo efetivo dano psicológico sofrido pelo ente familiar, mas também como espécie de punição e reparação da conduta moral e familiar de um dos membros da instituição acima mencionada.

O julgador deve estar atento aos requisitos e pressupostos da responsabilidade civil, a fim de amparar a sua decisão, além da observância das peculiaridades do caso concreto e a real situação das partes demandantes.

É evidente que o princípio da dignidade da pessoa humana é utilizado como maior fundamento a ensejar a procedência da ação judicial da natureza em comento, porém, o princípio da razoabilidade deve ser observado quando da análise dos fatos que ocorram em tempos remotos, como também o princípio da proporcionalidade no momento da fixação da quantum.

Consoante já enfatizado é possível, portanto, juridicamente o pedido, tanto que existem julgados da natureza em comento, inexistindo óbice para o ajuizamento de ação no intuito de se pleitear a indenização por abandono afetivo.

Apresenta-se, nesse contexto, a guarda compartilhada como importante instituto no intuito de eximirem-se os genitores de eventual futura indenização, mas além disso, a fim de fazerem parte do cotidiano, da vivência, do crescimento e educação do filho, cumprindo, assim, os deveres impostos pela legislação nacional vigente e aqueles advindos do mais íntimo sentimento humano: o amor.


6. Referências

ALMEIDA, Lara Oleques.  A função social da família e a ética do afeto. Revista Univem. Disponível em http://revista.univem.edu.br/index.php/REGRAD/article/viewFile/43/70. Acesso em 06 de jun. de 2.013.

CERVO, Amado L.; BERVIAN, Pedro A.; SILVA, Roberto. Metodologia científica. 6ª edição. Editora Pearson, São Paulo – 2010.

Clássicos da Filosofia: Cadernos de Tradução nº 06, G.W.F. Hegel. Terceira parte – A Eticidade, Segunda Seção – A sociedade Civil. Tradução, introdução e notas Marcos Lutz Muller, outubro de 2003.

DIAS, Bianca Gabriela Cardoso. COSTA, Maria da Fé Bezerra da. Abandono afetivo nas novas ordens constitucionais e civil: as consequências jurídicas no campo da responsabilização. Conpedi, 2007.

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François Chatelet. Hegel, Ed. 1995, Rio de Janeiro – RJ, p. 125, Biblioteca da Filosofia, Jorge Zahar Editora.

HEGEL, G.W.F. Princípios da Filosofia do Direito; § 158. Tradução Orlando Vitorino; 1ª Ed., São Paulo – SP, Martins Fontes, junho de 1997.

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Notas

[1] Tendo em vista a existência, geralmente, de um juiz corregedor, a fim de dirimir dúvidas e conflitos atinentes aos feitos afetos à matéria de registros públicos.

[2] Considerando que com a possibilidade de realização do casamento civil homossexual supõe-se que será dado abertura para a plena realização, inclusive com a adoção de menores pelo casal.

[3] Tendo em vista a possibilidade do reconhecimento e dissolução da união estável judicialmente.

[4] Família, Sociedade Civil, Estado.

[5] Pai de família.

[6] É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[7] TAMG, AC n° 408550-5, 7ª CC, Rel. Unias Silva. J. 1/4/04.

[8] “Amar é faculdade, cuidar é dever.” Com essa frase, da ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) asseverou ser possível exigir indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais. A decisão é inédita. Em 2005, a Quarta Turma do STJ, que também analisa o tema, havia rejeitado a possibilidade de ocorrência de dano moral por abandono afetivo. (...)Para a ministra, porém, não há por que excluir os danos decorrentes das relações familiares dos ilícitos civis em geral. “Muitos, calcados em axiomas que se focam na existência de singularidades na relação familiar – sentimentos e emoções –, negam a possibilidade de se indenizar ou compensar os danos decorrentes do descumprimento das obrigações parentais a que estão sujeitos os genitores”, afirmou. “Contudo, não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no direito de família”, completou a ministra Nancy. Segundo ela, a interpretação técnica e sistemática do Código Civil e da Constituição Federal apontam que o tema dos danos morais é tratado de forma ampla e irrestrita, regulando inclusive “os intrincados meandros das relações familiares”. (...)A ministra apontou que, nas relações familiares, o dano moral pode envolver questões extremamente subjetivas, como afetividade, mágoa, amor e outros. Isso tornaria bastante difícil a identificação dos elementos que tradicionalmente compõem o dano moral indenizável: dano, culpa do autor e nexo causal. Porém, ela entendeu que a par desses elementos intangíveis, existem relações que trazem vínculos objetivos, para os quais há previsões legais e constitucionais de obrigações mínimas. É o caso da paternidade. Segundo a ministra, o vínculo – biológico ou autoimposto, por adoção – decorre sempre de ato de vontade do agente, acarretando a quem contribuiu com o nascimento ou adoção a responsabilidade por suas ações e escolhas. À liberdade de exercício das ações humanas corresponde a responsabilidade do agente pelos ônus decorrentes, entendeu a relatora. “Sob esse aspecto, indiscutível o vínculo não apenas afetivo, mas também legal que une pais e filhos, sendo monótono o entendimento doutrinário de que, entre os deveres inerentes ao poder familiar, destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e educação dos filhos, vetores que, por óbvio, envolvem a necessária transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da criança”, explicou. “E é esse vínculo que deve ser buscado e mensurado, para garantir a proteção do filho quando o sentimento for tão tênue a ponto de não sustentar, por si só, a manutenção física e psíquica do filho, por seus pais – biológicos ou não”, acrescentou a ministra Nancy. Para a relatora, o cuidado é um valor jurídico apreciável e com repercussão no âmbito da responsabilidade civil, porque constitui fator essencial – e não acessório – no desenvolvimento da personalidade da criança. “Nessa linha de pensamento, é possível se afirmar que tanto pela concepção, quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole, que vão além daquelas chamadas necessarium vitae”, asseverou(http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105567. Acesso em 05/06/2013).

[9] O relator da Apelação Cível, Des. Dorival Renato Pavan, entendeu estarem presentes os requisitos para indenização por abandono afetivo e, consequentemente, os elementos para caracterização da indenização por dano moral. O Relator partiu da premissa de que o direito de visita aos filhos não é uma faculdade do pai, mas um direito subjetivo impostergável do filho, de ter consigo a presença do pai, essencial para a formação de sua personalidade e de seu caráter. A privação da visita, por ato voluntário, sustentou o Desembargador, não é suprida pelo pagamento da pensão alimentícia, que tem outra natureza jurídica e outra finalidade e não supre a ausência voluntária do pai na vida dos filhos. O Desembargador sustentou que o pai tem o direito de se separar da esposa, mas não tem o direito de se separar dos filhos, perante os quais, mais do que uma faculdade, tem um dever de visita constante, para incluí-lo no plexo dos direitos e deveres que se referem à convivência familiar e, com ela, proporcionar-lhes um desenvolvimento intelectual e psicológico normal, rumo à maioridade e à integridade de seu caráter e sua personalidade. Por isto que, entendeu o desembargador, é ato ilícito, passível de indenização por dano moral, o abandono efetivo imposto pelo pai aos seus filhos. "Por descumprir o pai, apelado, os deveres fundamentais relativos à autoridade parental, que é o de dar amor aos seus filhos, reconhecidos como sendo direito subjetivo destes", passa ele a ser responsável pelos danos causados ao menor, no campo moral, o que o obriga ao dever de indenizar, fundamentou o relator. Em seu voto, ele afirma que o dano está presente, pois conforme se verifica nos vários laudos de psicólogos, pediatras, psiquiatras, entre outros, a causa de todos os abalos psicológicos e psiquiátricos experimentados pelos menores é a ausência do pai na vida dos autores, ressaltando que nem seria necessário laudo psicológico ou psiquiátrico na espécie, porque o dano é presumido. "Por outras palavras, o que estou afirmando é que o abandono moral, tal como aqui ocorrido, é apto o suficiente para impor ao pai, que abandonou, a obrigação de pagamento de danos morais", expressou o Des. Dorival Renato Pavan, sustentando estar embasado "tanto do ponto de vista da legislação, que autoriza a condenação, quanto da doutrina e jurisprudência, que referendam esse entendimento, em que pese ser, ainda, uma questão embrionária que está nascendo e se formando no pensamento jurídico e na cultura brasileira". "O ato ilícito praticado pelo apelado, a meu modo de ver, é flagrante, e decorre, inclusive, de um ato desumano, de falta de sentimento, de dignidade, de respeito para com os filhos, aos quais abandonou e em relação aos quais a mera prestação de alimentos (que é outro dever, de natureza material) não tem o condão de substituir e de reparar os enormes estragos e danos que está cometendo contra o processo de formação psicológica e do caráter de seus filhos. O abandono afetivo é ignóbil, vil, repulsivo e assume a forma de um espectro quando praticado contra o infante, a criança ou o adolescente", expôs o desembargador. O magistrado frisou que a hipótese dos autos é excepcional. "A infinitude permanente da vida entre pai e filho, que personifica uma das diversas nuances da convivência familiar, torna-se capital na formação da personalidade e do caráter do infante, da criança ou do adolescente. A convivência familiar ininterrupta e saudável, aí considerada a presença do pai na vida do filho, com todos os elementos que essa presença carrega em si mesma, é direito fundamental da criança ou do adolescente, constituindo-se em abuso moral o descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental. O pai não detentor da guarda não tem apenas o direito de visitar o filho formalmente, mas principalmente o dever de assim agir. O direito de visitação é um direito inalienável e impostergável cuja titularidade pertence ao filho e deve ser assegurado em seu favor e em seu benefício. Negar o afeto é negar um direito fundamental, é ofender a integridade e a dignidade do filho, ser humano em processo de formação da personalidade, na medida em que a presença regular e efetiva do pai em sua vida é essencial e indispensável ao seu pleno desenvolvimento rumo à maturidade, formação pessoal, social e moral", ponderou o Des. Dorival Renato Pavan, relator, no que foi seguido pela unanimidade da 4ª. Câmara Cível deste Tribunal de Justiça (http://tj-ms.jusbrasil.com.br/noticias/100131148/pai-e-condenado-em-danos-morais-por-abandono-afetivo-de-2-filhos. Acesso em 05/06/2013).

[10] “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL EPROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBILIDADE. (...) 2. A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. 3. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial. 4. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso. 5. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole. 6. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta. 7. A custódia física conjunta é o ideal a ser buscado na fixação da guarda compartilhada, porque sua implementação quebra a monoparentalidade na criação dos filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída pela implementação de condições propícias à continuidade da existência de fontes bifrontais de exercício do Poder Familiar. 8. A fixação de um lapso temporal qualquer, em que a custódia física ficará com um dos pais, permite que a mesma rotina do filho seja vivenciada à luz do contato materno e paterno, além de habilitar a criança a ter uma visão tridimensional da realidade, apurada a partir da síntese dessas isoladas experiências interativas. 9. O estabelecimento da custódia física conjunta, sujeita-se, contudo, à possibilidade prática de sua implementação, devendo ser observada as peculiaridades fáticas que envolvem pais e filho, como a localização das residências, capacidade financeira das partes, disponibilidade de tempo e rotinas do menor, além de outras circunstâncias que devem ser observadas. 10. A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta - sempre que possível - como sua efetiva expressão (...) (REsp 1251000MG2011/0084897/5, Rel. Min. Nancy Andrighi, Jul. 23/08/2011.

[11]Culpa, dano e nexo causal.

[12]A exemplo de PEREIRA e SILVA (2006); SANTOS (2004).

[13] R$ 450.000,00; R$ 200.000,00.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATIELLO, Carla. Quanto vale o afeto?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3676, 25 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25019. Acesso em: 18 maio 2024.