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O conceito de segurança pública sob as lentes da teoria brasileira de direito ambiental e dos direitos humanos

O conceito de segurança pública sob as lentes da teoria brasileira de direito ambiental e dos direitos humanos

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O entendimento da segurança pública tradicional dá ênfase à preservação da ordem pública, bem como da garantia do patrimônio, deixando de lado a pessoa humana como destinatária primeira das ações.

Resumo: O presente artigo tem por escopo fazer um breve estudo sobre a perspectiva conceitual da segurança pública no Brasil contemporâneo, buscando uma abordagem sob as lentes da teoria brasileira de direito ambiental e dos direitos humanos, ou seja, visa a uma proposta de análise conceitual da segurança pública no Brasil sob a ótica do direito ambiental como instrumento de tutela dos direitos humano. Isso porque o entendimento da segurança pública tradicionalmente concebida pelas instituições e, por vezes, por parcela da sociedade dá ênfase à preservação da “ordem pública”, bem como da “garantia do patrimônio”, deixando de lado, quase sempre, a pessoa humana como destinatária primeira das ações de segurança pública. Assim, a temática “segurança pública” carece de nova perspectiva, de modo a que se liberte dos matizes tradicionais e amplie seu campo conceitual, sinalizando e integrando a noção de garantia das liberdades e de direitos humanos, a fim de se fomentar uma cultura de segurança pública sentida como direito de todos, indistintamente. Neste contexto, toma-se como marco de ponderação o fenômeno da violência, que é demasiadamente prejudicial para sociedade, na medida em que cria reações sociais e diminui a qualidade de vida no espaço social, vez que enfraquece a possibilidade de efetivação das liberdades e tem efeitos negativos nos planos econômicos, social, psicológico e de saúde pública. A violência cada vez presente amedronta, afugenta e diminui o ser humano, fazendo-o padecer diante da mitigação de suas liberdades em um espaço social que tem cada vez menos os atributos de um ambiente saudável, o que compromete genuinamente a sadia qualidade de vida e a dignidade da pessoa humana. Contudo, falar em espaço social, ambiente saudável, sadia qualidade de vida, dignidade da pessoa humana e direitos humanos não é outra coisa senão dialogar com um campo específico do direito, ou seja, o Direito Ambiental. Daí emergir a proposta do presente opúsculo, através da exposição de argumentos dedutivos, alternando com indutivos, e com auxílio de algumas obras e da legislação brasileira.

Palavras-chave: Segurança Pública. Direito Ambiental. Direitos Humanos. Dignidade da pessoa humana. Sadia qualidade de vida.


1. INTRODUÇÃO

A preocupação em se pretender uma análise teórica sobre o tema “segurança pública” nos remete a um a priori conceitual, sem o qual não será viável a construção de bases para um estudo sistematizado e para a construção de um argumento. Nessa senda, ao se lançar um olhar para a problemática terminológica da segurança pública no Brasil, percebe-se que, até pouco tempo, as discussões eram demasiado restritas, pois não tangenciavam mais do que as instituições policiais ou, quando muito, as áreas jurídicas naquilo que havia de interesse policial. Na linha de outrora, e quiçá com reflexos ainda hoje, as discussões tinham como foco, via de regra, a segurança sob a perspectiva da garantia da ordem pública, da segurança do Estado e da defesa do patrimônio. Dessa maneira, o sujeito de direito da segurança oferecida pelo Poder Público geralmente era um grupo restrito caracterizado pelo poder econômico e/ou político. Mas com a presença e discussão cada vez crescente dos direitos humanos, essa percepção da segurança pública carece de uma revisão sob nova perspectiva, de modo que tal conceito (de segurança pública) se liberte dos matizes tradicionais e amplie seu campo conceitual, sinalizando e integrando a noção de direitos humanos, pois só assim será viável uma cultura de segurança pública enquanto direito de todos indistintamente.

Para tanto, visualiza-se uma alternativa ao lançar um olhar para o espaço social, enquanto campo de exercício das liberdades e da interação com o outro, portanto, enquanto campo da construção do “ser”, sob uma ótica existencial. Tal “ser” é a própria essência humana, que se constrói e reconstrói continuamente, por meio da liberdade em exercício, e é o objeto capital de tutela e interesse científico e político dos direitos humanos. Percebe-se, contudo, que a escalada da violência cria reações sociais e diminui a qualidade de vida nesse espaço social, vez que diminui a possibilidade de efetivação das liberdades, porque para o exercício dessas liberdades, o espaço social, que é o ambiente onde se desenvolve a prática de tais direitos, deve guardar um mínimo de segurança; e a violência cada vez presente amedronta, afugenta e diminui o ser humano, fazendo-o padecer diante da mitigação de suas liberdades em um espaço social que tem cada vez menos os atributos de um ambiente saudável, o que compromete genuinamente a sadia qualidade de vida.

Falar em espaço social, em ambiente saudável, sadia qualidade de vida e direitos humanos, é dialogar com um campo específico do direito, a saber: o Direito Ambiental.

Dessa maneira, é viável uma proposta de análise conceitual da segurança pública no Brasil sob a ótica do meio ambiente como instrumento de tutela dos direitos humanos. “O conceito de segurança pública no Brasil” é, então, o tema em torno do qual se desenvolverão discussões conceituais, históricas, doutrinárias e legais. Doravante, far-se-á uma discussão enfatizando “o conceito de segurança pública sob as lentes da teoria brasileira de direito ambiental e dos direitos humanos”, em outras palavras, será uma proposta de análise conceitual da segurança pública no Brasil sob a ótica do direito ambiental, com as devidas observações conceituais que se farão presentes ao longo do trabalho, como aporte dialógico entre a segurança pública e a tutela dos direitos humanos. Isso porque o espaço social é o meio em que o homem exerce suas liberdades, e um ambiente (in)seguro compromete não só a exercício de tais liberdades, mas, sobretudo, a sadia qualidade de vida. Sentir-se seguro é uma necessidade fundamental. Mais que isto, é algo demasiadamente humano.

As implicações do presente estudo residem na ponderação de como, hodiernamente, entendemos ou apreendemos a noção de “segurança pública”, enquanto uma das formas de manifestação do Estado. Pois, com efeito, para que uma ideia, noção ou conceito seja o que é, ou diga o que se propõe a dizer, carece seja dado ao conhecimento ao mesmo tempo em que aquilo a que ele remete, visto ser o “conceito” a representação mental de um objeto abstrato ou concreto que se mostra como um instrumento do pensamento em sua tarefa de identificar, descrever e classificar os diferentes elementos e aspectos da realidade. Ademais, o “conceito” é fruto da linguagem e da análise, sendo, desse modo, produto cultural, e, como tal, relaciona-se com as práticas humanas e com a conduta social. Portanto, investigar novas perspectivas da análise da “segurança pública” no Brasil poderá ter desdobramentos sociais benéficos, por exemplo, ampliando seu campo conceitual, sinalizando e integrando a noção de direitos humanos com o consequente fomento de uma cultura de segurança pública enquanto direito de todos indistintamente e garantia de exercício das liberdades.

É com esse norte que o opúsculo que se inicia terá natureza dogmática instrumental, por buscar a contribuição teórica para a resolução de problemas práticos, visando à racionalização das técnicas jurídicas e o aperfeiçoamento dos textos normativos, por meio da interpretação sistêmica e teleológica.

Nesta senda, buscar-se-á, no primeiro capítulo, fazer um breve apanhado conceitual da segurança pública no Brasil, contudo sem promover um aprofundamento histórico, mas tão somente evidenciando sob quais perspectivas se apreendem o sentido e o alcance do termo “segurança pública” no Brasil contemporâneo, bem como salientar de que maneira tal noção não dialoga uníssono com a ideia de direitos humanos. No capítulo segundo, tentar-se-á mostrar as razões que fundamentam a premente necessidade de ressignificação, ou abordagem sob novas perspectivas, da temática “segurança pública” no Brasil. Por fim, no terceiro capítulo será lançada, em termos preludiais, uma proposta de abordagem da segurança pública sob as lentes do direito ambiental brasileiro, tendo-se como ponto de partida, e, portanto, como aporte dialógico, o “espaço social”, palco em que o indivíduo não só exerce suas liberdades, mas devendo exercê-la como segurança e garantia de sadia qualidade de vida.


2. UMA BREVE VISÃO CONCEITUAL DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

2.1 A SEGURANÇA PÚBLICA COMO PRODUTO DO CONTRATO SOCIAL

Como prelúdio da discussão de doravante se inicia, convém fazer um resgate histórico e evidenciar alguns conceitos basilares, segundo alguns autores consagrados, a fim de se entender as origens da segurança pública bem como do papel do Estado nessa seara. Neste opúsculo, defende-se que as origens da segurança pública, enquanto manifestação do Estado, explicam-se na teoria do contrato social.

Contratualismo ou contrato social é um conjunto de ideias que mostram os caminhos que levam as pessoas a formar Estados e a manter a ordem social, esta entendida neste momento como uma ordem prática resultante das atividades regulares realizadas pelos membros de um grupo de pessoas.

Sob a ótica da teoria do contrato social, as pessoas abrem mão de certos direitos em prol da coletividade, ou seja, para um governo ou outra autoridade, com vistas a se obter as vantagens da ordem social. Seria uma espécie de acordo entre os membros da sociedade pelo qual se reconhece, sobre todos, um conjunto de regras, de um regime político ou de um governante apto a garantir a convivência protegida por meio de uma ordem estruturada. O ponto inicial da maior parte dessas teorias é o exame da condição humana na ausência de qualquer ordem social, normalmente chamada de "estado de natureza”. Nesse estado, as ações dos indivíduos estariam limitadas apenas por seu poder e sua consciência. Desse ponto em comum, os proponentes das teorias do contrato social tentam explicar, cada um a seu modo, como foi do interesse racional do indivíduo abdicar da liberdade que possuiria no estado de natureza para obter os benefícios da ordem política.

Para Hobbes, os homens, desde suas formas mais primitivas de agrupamento, possuem o instinto pela busca da própria conservação; contudo, no estado de natureza, tal conservação seria inverossímil, vez que nesse contexto prevalecem as paixões naturais que nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e toda sorte de disposição e condutas semelhantes causadoras de desordem e caos na coletividade. A luta de todos contra todos.

[...] a condição do homem é uma condição de guerra de todos contra todos, sendo, neste caso, cada um governado por sua própria razão, e não havendo nada de que possa lançar mão, que não possa lhe servir de ajuda para a preservação de sua vida contra seus inimigos, segue-se daqui que numa tal condição todo homem tem direito a todas as coisas, incluindo os corpos dos outros. Portanto, enquanto perdurar esse direito de cada homem a todas as coisas, não poderá haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver. Consequentemente é um preceito ou regra geral da razão que todo homem deve esforçar-se pela paz...1

Para o autor, a incerteza e ameaça constantes da vida e da liberdade são ontológicas ao estado de natureza, bem como é imperativo da razão que a coletividade se empenhe no estabelecimento de um contrato, um pacto social ao qual todos devam obediência, com o fito de garantia da vida, das liberdades e da segurança coletiva.

[...] Um estado natural em que os homens instituem um direito de autodefesa acreditando que têm direitos a todas as coisas. Isso reforça a idéia de um Estado caótico, sem instituições legais. A igualdade dos homens em um estado de natureza, segundo Hobbes, é a igualdade no medo, pois a vida está, a todo o momento, ameaçada. Nem o mais forte está seguro, pois o mais fraco é livre para usar de todos os artifícios para garantir seus desejos e sua vida. Nesse estado, os homens se encontram em uma total insegurança, pois teriam que estar sempre preparados para a guerra, sob pena de comprometer seu bem mais precioso: a vida. (grifo do autor)2

Com essas premissas, o autor contratualista mostra que é preciso legitimar um poder que promova paz e segurança às pessoas por meio da imposição de regras.

Dessa maneira, segundo Hobbes, por sua própria natureza o homem descobriu a necessidade de constituição de um poder comum a que todos devam submissão e obediência, qual seja: o Estado, ao qual chamou de “Leviatã”, um “monstro poderoso” criado para acabar com a anarquia e o caos generalizado na sociedade primitiva.

Portanto, foi com Hobbes que se extraiu a primeira concepção do papel do Estado na segurança pública: garantir a paz social, impedindo a guerra de todos contra todos.

Assentando mesma posição que a de Hobbes nesse ponto, Rousseau considerou que os homens em seu estado de natureza não teriam condições de subsistir. De modo que deveria existir um “contrato social”, por meio do qual os homens passariam do estado de natureza para o estado civil. Tal contrato seria um instrumento mediante o qual os indivíduos aceitariam doar parcelas de suas liberdades em prol de uma entidade que proporcionasse segurança e bem-estar social. Assim, “cada um põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo”.3

Locke, embora adotando uma visão contratualista com caracteres distintos, também corrobora com os autores citados em um ponto sensível para o presente trabalho, quando entende que a formação da sociedade política, saindo do estado de natureza, aconteceria no intuito de as pessoas conservarem mutuamente suas vidas, liberdades e bens, pois, segundo o autor, falta ao homem, em estado natural, uma ordem comum a todos como padrão do justo e medida para solução das controvérsias oriundas da vida em coletividade.

Um ponto em comum abordado pelos pensadores referenciados reside na ideia que adotam da origem e fins da sociedade civil, por meio de um contrato ou pacto social. Assim, “para Hobbes, Rousseau e Locke, a noção de sociedade está ligada ao Estado civil (produto do contrato social) que se opõe ao estado de natureza [...]. Dessa forma, a função primeira do Estado civil seria garantir a segurança e a paz em troca da subserviência das leis instituídas.”4

Enfim, na senda dos teóricos do contrato social mencionados, é possível conceber que a segurança pública se origina desse pacto estabelecido para a preservação da vida e da paz em sociedade, evitando-se o caos e a luta de todos contra todos. Ademais, emerge como responsabilidade do Estado, enquanto um dos produtos desse contrato social, sendo que o homem passa a ser regido por normas que visam ao benefício da coletividade, através da possibilidade do exercício das liberdades, do bem-estar e da segurança.

2.2 QUESTÕES TERMINOLÓGICAS DA SEGURANÇA PÚBLICA

Já foi dito alhures que a preocupação em se pretender uma análise teórica sobre o tema “segurança pública” nos remete a um a priori conceitual, sem o qual não será viável a construção de bases para um estudo sistematizado e para a construção de um argumento. Essa inquietação é de considerada relevância, pois os conteúdos são importantes para a definição das políticas adotadas pelo Estado, à medida que tais conteúdos determinam o sujeito de direito da “segurança pública”, enquanto direito constitucional.

Comecemos, pois, com a noção de “segurança”. Para Lúcia Lemos Dias, “essa expressão tem representações diferentes de acordo com as sociedades, contextos históricos, políticos sociais e culturais, bem como sofre alterações a depender da área de conhecimento com que se trabalha.”5

No vocábulo Jurídico de Plácido da Silva, “segurança” guarda a ideia de segurar, literalmente:

[...] a ação e efeito de tornar seguro, ou de assegurar e garantir alguma coisa. Assim, segurança tem o sentido equivalente à estabilidade, pois o que estável é seguro: a garantia, a firmeza, a fiança. Garantia, firmeza, fiança, sem dúvida, são sempre ideia do que está no seguro, ou é seguro, para que se evitem prejuízos em caso de danos ou riscos.6

Já para José Afonso da Silva, “segurança” traz em si o sentido de um conjunto de direitos apto a aparelhar situações, proibições, limitações e procedimentos destinados a assegurar o exercício e o gozo de algum direito individual fundamental (intimidade, liberdade pessoal ou a incolumidade física ou moral).7

De igual modo, a noção de “segurança pública” é interpretada sob várias perspectivas, notadamente sob orientação de fatores históricos, políticos, sociais e culturais. Pode ser vista, por exemplo, como a situação de preservação ou restabelecimento da convivência social que permite que todos gozem de seus direitos e exerçam suas atividades sem perturbação de outrem, conforme entende José Afonso da Silva8. Mas o professor também alerta que a Constituição Federal brasileira de 1988 estabelece que “a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos” (art. 144), de tal monta que é preciso que a questão da segurança seja discutida e assumida como tarefa e responsabilidade permanente de todos, Estado e população.9

Também visando a definir a segurança pública, Mesquita Neto diz ser essa uma condição ou situação de fato, de convivência ordenada, pacífica e tranquila, em determinada comunidade ou sociedade10. Assim, tal autor entende que a segurança pública é a finalidade ou o objetivo de um conjunto de ações realizadas por indivíduos, grupos ou organizações, que podem ser agentes públicos, privados ou comunitários.

A abordagem do tema é assaz diversificada e parece delinear-se sempre perpassada por fatores históricos, sociais, políticos, culturais, filosófico, etc. Por exemplo, para Mesquita Neto, no Brasil e em outros países da América do Sul, o conceito de segurança pública foi interpretado sob uma perspectiva negativa, isso devido a fatores políticos ocasionados pelos regimes autoritários nos idos de 1960 e 1970, o que fez emergir a ideia de segurança pública sob duas vertentes complementares, a saber: segurança interna e segurança nacional. Menciona o autor que, em ambas as vertentes, a segurança pública se relacionava mais com a segurança do Estado, ou do governo, em detrimento da segurança das pessoas e da garantia das liberdades. De fato, sob a égide de tais regimes autoritários, a segurança pública foi com frequência usada com instrumento de repressão dos considerados “inimigos da pátria”.

Por essa razão, durante as fases de transição para a democracia, já na década de 1980, houve uma reformulação conceitual da segurança pública no Brasil, introduzida pela Constituição de 1988, conhecida como constituição cidadã:

A Constituição de 1988, conhecida como constituição cidadã, é um marco importante de transição do regime autoritário para o regime democrático no Brasil. Ao elaborar a Constituição de 1988, a Constituinte introduziu várias mudanças na Constituição de 1967. Uma delas foi a eliminação da seção, na Constituição de 1967, dedicada à “segurança nacional” (artigos 89 a 91) e a introdução, no seu lugar, de uma seção dedicada ao “Conselho da República e Conselho de Defesa Nacional” (também artigos 89 a 91). Inovou ainda a Constituição de 1988 ao introduzir um título dedicado à “Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”, que inclui três capítulos referentes ao “Estado de Defesa e Estado de Sítio” (artigos 136 a 141), ás “Forças Armadas” (artigos 142 a 143) e a “Segurança Pública” (artigo 144).11

As mudanças na materialidade jurídica surgiram como fruto da mudança do regime autoritário para o regime democrático, e, nesse diapasão, o conceito de segurança pública pareceu ganhar novos contornos, delineado pelo espírito libertário e humanístico. O conceito de “segurança pública” substituiu os conceitos de “segurança nacional” e “segurança interna”, deixando o simbolismo de que estes últimos estavam associados ao autoritarismo, e o primeiro, à democracia.

Contudo, as mudanças sociais e culturais não emergem de súbita, acompanhando as mudanças jurídicas e de regime político, de modo que resta a relevante discussão em torno dos reais objetos e fins das políticas de segurança pública no Brasil, a qual vem mesclada pelo avanço vertiginoso da criminalidade e da preocupação em rever práticas e redefinir planos de ação para uma segurança pública sob novas perspectivas, buscando-se criar um diálogo mais aproximado com a noção de direitos humanos e a proteção das liberdades.

2.3 OUTRAS PERSPECTIVAS CONCEITUAIS

Ainda sobre a problemática de se conceituar a segurança pública no Brasil, houve outras tentativas que procuravam trazer novas opções para se fazer uma segurança pública mais liberta dos matizes conceituais de outrora. Esses novos esforços tentaram implementar uma concepção de segurança pública mais focada na filosofia dos direitos humanos, ou nas hodiernas necessidades sociais, sobretudo marcadas pelo avanço vertiginoso da criminalidade no Brasil.

Mesquita Neto, por exemplo, fala do conceito de “segurança cidadã”, originário, na América Latina, de processos de transição de regimes autoritários para democráticos, no final do século passado12. O conceito de segurança cidadã diz respeito à segurança dos cidadãos, e se contrapõe ao conceito de segurança nacional e segurança interna, que se referem, por sua vez, à segurança do Estado. Para o autor, há duas maneiras de se entender tal conceito: em um sentido estrito, a segurança cidadã diz respeito à proteção dos cidadãos contra a ameaça e o uso abusivo da força e contra a violência física ou psicológica; já em um sentido amplo, está relaciona à proteção dos cidadãos contra qualquer tipo de violência: violência econômica, social, cultural, ou qualquer outra que possa causar morte ou danos à integridade física ou psicológica dos cidadãos.13

Tal conceito parecer ter sido bem recebido. O Brasil, por exemplo, ao anunciar o terceiro plano nacional de segurança pública, em 2007, não por acaso decidiu nomeá-lo “Programa Nacional de Segurança Pública e Cidadania” (Pronasci) – notória a alusão ao conceito de segurança cidadã. Mas é inegável que no Brasil ainda prevalece, no cotidiano das instituições policiais, o velho conceito de segurança pública.

O autor aponta ainda as vantagens de se falar em segurança cidadã, pois esse conceito diz que a segurança é direito de todos, indistintamente, rompendo com a ideia de defesa de Estado, governos, grupos políticos ou elite econômica. Contudo, o ensaísta revela alguns problemas de ordem prática de tal conceito, entre os quais o da consideração da própria noção de “cidadão” de que compõe o conceito ora tratado. Assim, segurança cidadã parece limitar-se aos cidadãos, porém a segurança não é um problema só dos cidadãos, mas também dos não cidadãos (imigrantes, refugiados, residentes, visitantes) que convivem na mesma sociedade.14

Na mesma obra, o pesquisador também revela que outros conceitos também foram propostas e bastante discutidos no debate acadêmico, mormente os conceitos de “segurança urbana” e “cidades seguras”, os quais não serão tratados neste momento.

Essas tentativas foram marcadas pelo período de transição, na América Latina, de regimes autoritários para regimes democráticos, o que explica sua carga humanística, notadamente frente ao poder do Estado. Mas, aponta Mesquita Neto, vários outros problemas parecem ganhar força hodiernamente no cenário de discussão da segurança, revelando novas necessidades conceituais para além das já citadas. Hoje, resta a preocupação de uma reforma não só estrutural da segurança pública, mas, sobretudo, ideológica e conceitual. A sociedade contemporânea é marcada pela escalada da violência, e não só violência do Estado contra o cidadão, nem só violência contra grupos minoritários, mas também violência associada ao terrorismo e ao crime organizado e violência de processo de desenvolvimento econômico que deslocam e destroem comunidades indígenas e rurais, bem como o meio ambiente.15 Assim, o autor lança o questionamento: “será que as tentativas conceituais de que se falou já estão perdendo sua força, porque procura resgatar uma realidade do século XX que já foi superada pelo início do século XXI?”16

Ainda na tentativa de redefinir a segurança ou de dar-lhe novos contornos, a Organização das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabeleceu o direito à “segurança da pessoa” ou “segurança pessoal”,17 e mais recentemente passou a adotar o conceito de “segurança humana”.18 Este último conceito faz referência à segurança dos indivíduos e da sociedade, e, portanto, parece ser um pouco mais amplo que o conceito de segurança pessoal. Daí, em um sentido amplo adotado pela ONU, segurança humana significa proteger liberdades fundamentais, isto é, proteger as pessoas de ameaças e situações críticas através de processos apoiados em sistemas políticos, sociais, ambientais, econômicos, militares e culturais que, em conjunto, proporcionem às pessoas as bases para a sobrevivência, meio de subsistência e dignidade.19

Pelo pouco visto até aqui, percebe-se a tentativa paulatina de se construir um conceito de segurança para além dos matizes tradicionais, ou seja, mais voltado para a filosofia dos direitos humanos e da garantia das liberdades; mas até que ponto tais redefinições lograram os resultados almejados? E, em nosso caso, em que medida se mudou a cultura da segurança pública no Brasil? Tais questionamentos são, de fato, necessários, ainda mais no Brasil contemporâneo, marcado por novos desafios que põem em cheque, a cada dia, nossas práticas e nossos conceitos, no que se refere à segurança pública, e reclamam incontinente releitura conceitual e de perspectiva, ladeada, sem dúvida, de práticas políticas efetivas.

2.4 A ÓTICA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: GARANTIA DAS LIBERDADES VERSUS PRESERVAÇÃO DA ORDEM

Já se evidenciou alhures a relevância da reflexão conceitual em torno do tema “segurança pública”, isso por que, estabelecendo o limite e o alcance de tal expressão, através de uma análise no campo científico, contribui-se para a definição das políticas públicas adotadas, bem como para o estabelecimento do sujeito e o alvo dessas ações públicas. Em outras palavras, trazer a problemática conceitual da segurança pública para a esfera acadêmica é democratizar um tema de interesse que vai muito além de limites institucionais.

Nessa senda, já foi visto que a história da segurança pública no Brasil passou _ em um pretérito não tão distante _ por fatores sociais, políticos e ideológicos que marcaram uma óptica difundida pela doutrina da Escola Superior de Guerra, a qual deu base aos governos militares nas décadas de 1960 e 1970, e estampou na segurança pública a noção pujante de “segurança interna”, esta entendida como segurança do Estado contra a subversão, ou quaisquer comportamentos que pudesse pôr em instabilidade a “ordem” interna e a tranquilidade política, como se vê na passagem extraída da obra “Doutrina Básica da Escola Superior de Guerra”:

[...] defesa global das instituições, incorporando, por isso, os aspectos psicossociais, a preservação do desenvolvimento e da estabilidade política interna; [...] o conceito de segurança, [...] toma em linha de conta a agressão interna, corporificada na infiltração e subversão ideológica...20

Após a Constituição brasileira de 1988, a segurança pública foi redefinida, marcada, sobretudo, pelo espírito libertário e humanístico do período de redemocratização brasileira, passando a figurar na Constituição cidadã, em seu artigo 144, da seguinte forma:

Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – policiais civis; V – policiais militares e corpos de bombeiros militares.21

Mas se nota que, mesmo após a Constituição de 1988 _ dita cidadã _, a noção de segurança pública parece não se desvencilhar da ideia de garantia ou “preservação da ordem pública”, apenas redireciona o sujeito da segurança pública, que outrora era o Estado, e agora passa a ser o indivíduo22, através de sua incolumidade física e patrimonial.

Aqui emerge outro desafio a enfrentar, pois se antes havia a problemática da conceituação da “segurança pública”, agora parece que a Constituição procurou anunciá-la a partir de uma expressão que carrega em si, também, a necessidade de definição, a saber: ordem pública. Tal expressão não foi definida pelo ordenamento jurídico brasileiro, deixando-se a cargo, então, dos doutrinadores e da jurisprudência.

Com esse intento, vários autores já se manifestaram, como José Afonso da Silva, para quem:

A segurança pública consiste na manutenção da ‘ordem pública interna’ [...] Ordem pública será uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir, a curto prazo, a prática de crimes23

É de bom alvitre mencionar que o referido autor também alerta a necessidade de definir e estabelecer o sentido da expressão “ordem pública”:

[...] porquanto se trata de algo destinado a limitar situações subjetivas de vantagem, outorgadas pela Constituição. Em nome dela se têm praticado as maiores arbitrariedades. Com a justificativa de garantir a ordem pública, a verdade, muitas vezes o que se faz é desrespeitar direitos fundamentais da pessoa humana, quando ela apenas autoriza o exercício regular do poder de polícia.24

De fato, é razoável supor que existe sempre um risco iminente à própria garantia das liberdades e dos direitos fundamentais, devido à larga margem interpretativa que a referida expressão deixa ao arbítrio do Estado.

Maria Helena Diniz também propõe uma conceituação, à luz do direito administrativo. Para ela, ordem pública consiste em um “conjunto de condições essenciais a uma vida social conveniente, fundamentado na segurança das pessoas e bens, na saúde e na tranquilidade pública”.25

Também, na mesma tentativa, já houve indicação jurisprudencial em caso concreto:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA E CLAMOR PÚBLICO. TENTATIVAS CONCRETAS DE INFLUENCIAR NA COLETA DA PROVA TESTEMUNHAL. ORDEM DENEGADA.

O conceito jurídico de ordem pública não se confunde com incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF/88). Sem embargo, ordem pública se constitui em bem jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo personalizado com que se dá a concreta violação da integridade das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes e drogas afins). Daí sua categorização jurídico-positiva, não como descrição do delito nem cominação de pena, porém como pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como imperiosa necessidade de acautelar o meio social contra fatores de perturbação ou de insegurança que já se localizam na gravidade incomum da execução de certos crimes. Não da incomum gravidade abstrata desse ou daquele crime, mas da incomum gravidade na perpetração em si do crime, levando à consistente ilação de que, solto, o agente reincidirá no delito ou, de qualquer forma, representará agravo incomum a uma objetiva noção de segurança pública. Donde o vínculo operacional entre necessidade de preservação da ordem pública e acautelamento do meio social. Logo, conceito de ordem pública que se desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e do patrimônio alheio (assim como da violação à saúde pública), mas que se enlaça umbilicalmente à noção de acautelamento do meio social (grifo nosso).26

Aqui é notória a visão de ordem pública como garantia contra quaisquer fatores que possam pôr em risco a tranquilidade social, sintetizada pela noção de “acautelamento do meio social”.

Não buscando pormenores históricos ou filosóficos, pois os elementos jurídicos até agora trazidos já nos são demasiado suficientes para o fim almejado neste opúsculo, resta notório que a noção que se tem no Brasil sobre “segurança pública”, malgrado anunciada pela Constituição de 1988, que emergiu na efervescência de uma onda democrática e humanística, ainda guarda a velha caracterização e aporte conceitual da segurança pública marcada pela relação com a “ordem pública”, expressão em si carente de significado legal, o que deixa frouxa margem interpretativa ao alvedrio do Estado. Essa larga margem interpretativa, como já mencionada antes, é sempre um risco iminente à garantia de liberdades e de direitos fundamentais do indivíduo, vez que, com expressões ou conceitos indeterminados, podem-se cometer abusos e violações de direitos sempre com algum respaldo interpretativo, mesmo que forjado em ideologias diversas.

2.5 A CULTURA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL FRENTE OS DIREITOS HUMANOS

O entendimento da segurança pública tradicionalmente concebida pelas instituições e, por vezes, pela própria sociedade dá ênfase à preservação da ordem pública, bem como a garantia do patrimônio, deixando de lado, quase sempre, a pessoa humana como destinatário primeiro das ações de segurança pública.

Uma cultura de segurança pública marcada por uma visão inflexível e consubstanciada por conceitos legalmente indefinidos, como a ideia de “ordem pública”, é uma ameaça iminente aos direitos humanos e a garantia das liberdades, pois outorga ao Estado vasta margem interpretativa na promoção da segurança, o que se materializa nos vários casos de abuso do uso da força por parte de agentes da segurança pública cuja formação e cultura profissionais não negam a deficiência e anacronismo de nossas práticas na seara da segurança pública brasileira.

O nosso Estado Democrático de Direito e a sociedade contemporânea reclamam novas perspectivas no campo da segurança, ou seja, o estabelecimento de novos paradigmas ladeados pelo ideal de direitos humanos, garantia das liberdades e defesa da cidadania.

Nesse sentido, nossa Carta Política de 1988, em seu artigo 5.° caput, diz:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...] (grifo nosso).

Portanto, é cristalina a anunciação da segurança como direito fundamental, isto é, como positivação de direitos humanos. Mas em que termos e com que alcance as expressões “segurança pública” e “ordem pública” são frequentemente utilizados no Brasil hodierno, caracterizado como Estado democrático de direito, considerando que a segurança é evocada pela Constituição brasileira de 1988 como direito fundamental?

Diante de tal questionamento, é inegável que o ordenamento jurídico e as práticas políticas e institucionais brasileiras, bem como a cultura social, carecem de novos horizontes para a segurança pública, em outras palavras, é um imperativo que se estabeleçam novas perspectivas, através de ressignificação e redefinição da segurança pública brasileira.

Nesse sentido já se manifestaram vários autores consagrados, como Giuseppe Tosi, que sinaliza uma ampliação do conceito de segurança.27 Também Ana Lúcia Sabadell que, ao discutir segurança pública, diz que se faz necessário revolucionar seu conceito, a partir da ampliação de seu objeto e de seus titulares, e acrescenta:

A criminalidade começa a aparecer como produto de um processo específico de seleção e elaboração dos conflitos sociais. Graves problemas sociais, tais como o desemprego, a pobreza, a ausência de infraestruturas, o uso e a ocupação do solo e, em geral, as desigualdades no acesso aos recursos sociais não são considerados problema de ordem pública e não entram na acepção dominante do conceito de segurança pública28.

Assim, sinaliza a autora que segurança pública deve andar pari passu com as questões sociais, é dizer, o Estado não logrará êxito em políticas públicas na área da segurança, caso não consagre a atenção devida aos problemas sociais. Portanto, Sabadell concebe uma segurança pública sob um viés social, na tentativa patente de fugir do velho conceito marcado pela ideia de “ordem pública”.

Desse modo, resta clara a necessidade de se pensar teoricamente a segurança pública, porém com novas perspectivas e tendo como objetivos indubitáveis a defesa dos direitos humanos e a garantia das liberdades.

Nesse mesmo caminho alguns intelectuais brasileiros já dialogaram, defendendo uma ressignificação da segurança pública que priorize não a “ordem pública” _ esse conceito indefinido e temerário _, mas a defesa dos direitos humanos e a garantia das liberdades de todos, indistintamente.

Por conseguinte, deve ser construído um conceito de segurança pública que remeta à segurança dos direitos fundamentais, empenhando-se na construção de caminhos jurídicos e políticos que venham permitir a efetivação dos direitos reconhecidos e garantidos constitucionalmente.29

Dado está o problema a ser analisado; portanto emerge, doravante, a premente necessidade de se identificarem os elementos sociais indispensáveis que devam figurar como marco inicial, a partir do qual seja viável o desenvolvimento de novos conceitos e definições da segurança pública, ou seja, de sua ressignificação com vista a se construir uma cultura de segurança que dialogue uníssono com o ideal dos direitos humanos e da garantia das liberdades.


3. SISTEMATIZANDO O PROBLEMA: BREVE ANÁLISE DA VIOLÊNCIA COMO MARCO DE PONDERAÇÃO

3.1 REPENSAR A SEGURANÇA PÚBLICA: UM IMPERATIVO PARA UMA MUDANÇA DE CULTURA

A discussão de que se lançou mão até aqui tenciona mostrar a necessidade de ponderação conceitual, ou seja, repensar o conceito de segurança pública no Brasil contemporâneo, visto que a noção que se tem hodiernamente é mesclada por ideologias que marcaram o Brasil nos idos de 1960 e 1970 _ Governos Militares_, período em que ganhou ênfase exponencial a ideia de segurança pública atrelada à noção de “ordem pública”. Esta expressão, vaga de sentido legal, como já visto, contribui para uma compreensão imprecisa da segurança pública, o que compromete um diálogo aproximado com as ideias de proteção das liberdades e defesa dos direitos humanos, consoante explicado no capítulo precedente.

Desse modo, partir da análise conceitual é a meta do presente opúsculo, cujas implicações residem na ponderação de como, hodiernamente, entende-se ou apreende-se a noção de “segurança pública”, enquanto uma das formas de manifestação do Estado. Pois, com efeito, para que uma ideia, noção ou conceito seja o que é, ou diga o que se propõe a dizer, carece seja dado ao conhecimento ao mesmo tempo em que aquilo a que ele remete, visto ser o “conceito” a representação mental de um objeto abstrato ou concreto que se mostra como um instrumento do pensamento em sua tarefa de identificar, descrever e classificar os diferentes elementos e aspectos da realidade.

O “conceito” é, portanto, fruto da linguagem e da análise, sendo, desse modo, produto cultural, e, como tal, relaciona-se com as práticas humanas e com a conduta social. De fato, toda cultura _ compreendida esta como o conjunto de saberes e de práticas sociais _, manifesta-se através da linguagem, aqui entendida em seu sentido amplo. Em outras palavras, o uso da linguagem é indissociável da cultura humana, notadamente no processo de transmissão, construção e modificação do saber. Destarte, os conceitos se ligam às condutas sociais, daí emergindo a preocupação em se repensar a segurança pública no Brasil, com fins últimos de pretender modificações nas práticas sociais e institucionais, hoje estabelecidas em ideias e conceitos anacrônicos e vagos.

De fato, “reforma das instituições passa pela reforma das mentalidades e das consciências, bem como das práticas, que as norteiam em suas metas e juízos mais corriqueiros”.30

Assim, “qualquer tipo de mudança que venha a ser proposto terá que enfrentar desafios que vão além de uma reestruturação de órgãos públicos. Tais desafios perpassam por todos os âmbitos culturais e comportamentais”.31

Portanto, investigar novas perspectivas da análise da “segurança pública” no Brasil poderá ter desdobramentos sociais benéficos, por exemplo, ampliando seu campo conceitual, sinalizando e integrando a noção de direitos humanos com o consequente fomento de uma cultura de segurança pública enquanto direito de todos indistintamente e garantia de exercício das liberdades.

3.2 EM BUSCA DO OBJETO DE INTERESSE DA SEGURANÇA PÚBLICA

Consoante explicado em linhas iniciais, defende-se que as origens da segurança pública, enquanto manifestação do Estado, explicam-se na teoria do contrato social. Desse modo, na senda dos teóricos contratualistas alhures mencionados, é possível conceber que a segurança pública se origina de um “pacto” estabelecido para a preservação da vida e da paz em sociedade, evitando-se o caos e a luta de todos contra todos. Ademais, emerge como responsabilidade do Estado, enquanto um dos produtos desse contrato social, sendo que o homem passa a ser regido por normas que visam ao benefício da coletividade, através da possibilidade do exercício das liberdades, do bem-estar e da segurança.

Assim é que, sem pretender discorrer sobre questões epistemológicas ou aprofundar o tema que, embora merecido, não é o objeto do presente opúsculo, convém ao menos lançar um questionamento sobre o objeto de interesse da segurança pública. E ao se falar em objeto de interesse, há que se falar em realidade, portanto fenomenologia.

Em linhas gerais, pensamos que o objeto de interesse da segurança pública se relaciona com o controle social32. Parte de estudo da sociologia, o controle social pode ser admitido como objeto de interesse da Segurança Pública, porque não há outro desiderato a ser alcançado senão esse, na estrutura social moderna. O contrato social de Rousseau não propugnou senão isto: abstenham-se da liberdade imoderada e o Estado lhes dará segurança33.

Destarte, sob uma perspectiva funcionalista, o controle social tem por finalidade orientar condutas com vistas à preservação da coesão social, diminuindo conflitos e garantindo um convívio pacífico na sociedade. Para Sabadell:

[...] o controle social objetiva impor regras e padrões de comportamento para preservar a coesão social perante comportamentos desviantes. O controle social diminui os conflitos, exprimindo o interesse de todos por usufruir uma vida social ordenada. Neste caso, o controle é considerado legítimo e necessário para a vida em sociedade (“paz”, “civilização”) [...]34

Nesse diapasão, o objetivo do controle social se aproxima do objetivo do próprio contrato social, qual seja: garantir a coesão, a paz, o bem-estar e a segurança de todos.

Ocorre que uma das preocupações do controle social _ e dessa maneira do próprio contrato social _ é a existência da “violência” e do “crime”.35 De fato, a violência, assim como o crime, é sempre uma ameaça à paz, ao bem-estar e à tranquilidade social. De maneira que a violência e o crime, em índices considerados elevados, têm suas repercussões não só na estrutura social, mas também na própria qualidade de vida da sociedade, conforme se verá ao longo deste artigo.

É bem verdade que muitas vezes tais conceitos andam juntos, porém não é certo que eles devam ser confundidos. Isso porque, não obstante o senso comum hodierno por vezes os mencione indistintamente, é fato que existem crimes não violentos, bem como existe violência não tipificada como crime.

Para efeito de delimitação da abordagem ora proposta, não será analisado pormenorizadamente o conceito de “crime” enquanto fato, mas será dada atenção especial ao fenômeno da violência marcada pela tipicidade e antijuridicidade, em outras palavras, pela violência ligada ao crime.

3.3 QUESTÕES TERMINOLÓGICAS DA VIOLÊNCIA

O presente tópico tencionará apresentar alguns conceitos ou enfoques terminológicos sobre a “violência”. Para tanto, expor-se-ão algumas abordagens de autores consagrados e de estudiosos do assunto.

Cabe salientar que não se propõe um aprofundamento temático, tampouco investigar as causas da violência, nem suas expressões históricas ou filosóficas, mas unicamente uma delimitação conceitual, com vistas a unificar o debate ora proposto e consubstanciar o argumento aqui pretendido.

De antemão, é de bom alvitre evidenciar a dificuldade em se definir a violência, notadamente quando fatores culturais e históricos dão sentidos diversos a seus efeitos, conforme afirma Zaluar:

A dificuldade na definição do que é violência e de que violência se fala é o termo ser polifônico desde a sua própria etimologia. Violência vem do latim violentia, que remete a vis (força, vigor, emprego de força física ou os recursos do corpo em exercer a sua força vital). Esta força torna-se violência quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e regras que ordenam relações, adquirindo carga negativa ou maléfica. É, portanto, a percepção do limite e da perturbação (e do sofrimento que provoca) que vai caracterizar um ato como violento, percepção esta que varia cultural e historicamente. As sensibilidades mais ou menos aguçadas para o excesso no uso da força corporal ou de um instrumento de força, o conhecimento maior ou menor dos seus efeitos maléficos, seja em termos do sofrimento pessoal ou dos prejuízos à coletividade, dão o sentido e o foco para a ação violenta.36

A “violência” é um termo usado para designar uma grande variedade de situações, motivo pelo qual se geram muitas confusões e controvérsias. Por outro lado, a violência pode ser observada pela perspectiva de diferentes disciplinas e com interesses distintos. “Deveras, a violência é um conceito que possibilita um número infindável de abordagem: antropologia, psicologia, política, etnologia, etc. E cada novo contexto permite uma definição diferente”37. As ciências jurídicas, por exemplo, estudam a natureza do fato e a forma de punir o agressor, e as ciências sociais e do comportamento olham a violência, em geral, do ângulo do agressor e de suas motivações principais, visando a buscar os fatores que levaram ao ato violento.

De fato, para a concepção jurídica, a violência pode ser apresentada como:

Intervenção física voluntária de um indivíduo ou grupo contra outro, com o escopo de torturar, ofender ou destruir. Ato de constranger, física ou moralmente, uma pessoa para obrigá-la a efetuar algo contra a sua vontade. Alteração danosa do estado físico da pessoa ou grupo. É o emprego ilegal da força, a opressão ou a tirania. Pode também descrever a qualidade da pessoa, grupo violento ou o ato. É sinônimo de irascibilidade, de ação violenta, de coação física ou moral (grifo nosso).38

Também com o escopo de contribuir para o fomento desse debate, o ilustre professor Bobbio enfatiza a definição ao falar em modificação prejudicial, ou danosa, do estado físico do indivíduo:

A violência pode ser direta ou indireta. É direta quando atinge de maneira imediata o corpo de quem a sofre. É indireta quando opera através de uma alteração do ambiente físico no qual a vítima se encontra (por exemplo, o fechamento de todas as saídas de um determinado espaço) ou através da destruição, da danificação ou da subtração dos recursos materiais. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: uma modificação prejudicial do estado físico do indivíduo ou grupo que é o alvo da ação violenta (grifo nosso).39

Na mesma temática, a Organização Mundial da Saúde - OMS define “violência” como:

O uso intencional de força física ou poder, real ou como ameaça, contra si mesmo, outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que resulte ou tenha uma alta probabilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, mau desenvolvimento ou privação (grifo nosso).40

Já para o Ministério da Saúde, no documento “Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência”, violência consiste no:

Evento representado por ações realizadas por indivíduos, grupos, classes, nações, que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e/ou espirituais a si próprio ou a outros [...]. Nesse sentido, apresenta profundos enraizamentos nas estruturas sociais, econômicas e políticas, bem como nas consciências individuais, numa relação dinâmica entre os envolvidos (grifo nosso).41

Dos conceitos epigrafados emergem alguns elementos que lhes são comuns e que, portanto, permitem sintetizar uma ideia de violência para efeito de construção do argumento ora pretendido. Assim, vê-se que o sentido do termo “violência” remete a uma conduta capaz de modificar prejudicialmente o estado de uma pessoa ou grupo de pessoas, causando danos de ordem física e psicológica.

Ademais, alguns autores também falam em classificações ou tipologias de violência, para efeito de sistematização da abordagem. Chesnais, por exemplo, em sua obra “Histoire de la violence42, distingue no discurso contemporâneo três definições implícitas de violência que contemplam tanto o âmbito individual quanto o coletivo, quais sejam: (1) a violência física, que atinge diretamente a integridade corporal que pode ser traduzida nos homicídios, agressões, violações, estupro; (2) a violência econômica, que consiste no desrespeito e apropriação, contra a vontade dos donos ou de forma agressiva, de algo de sua propriedade e de seus bens; e (3) a violência moral ou simbólica, que trata da dominação cultural, ofendendo a dignidade e desrespeitando os direitos do outro.

Ainda no mesmo sentido, Dahlberg e Krug apresentam três amplas categorias para a violência, segundo as características daqueles que cometem o ato violento:

a) violência autodirigida; b) violência interpessoal; c) violência coletiva. A categorização inicial estabelece uma diferença entre a violência que uma pessoa inflige a si mesma, a violência infligida por outro indivíduo ou por um pequeno grupo de indivíduos e a violência infligida por grupos maiores, como estados, grupos políticos organizados, grupos de milícia e organizações terroristas. Estas três categorias amplas são ainda subdivididas, a fim de melhor refletir tipos mais específicos de violência. Violência auto infligida é subdividida em comportamento suicida e agressão auto infligida. O primeiro inclui pensamentos suicidas, tentativas de suicídio _ também chamadas em alguns países de "para-suicídios" ou "auto injúrias deliberadas" _ e suicídios propriamente ditos. A auto agressão inclui atos como a automutilação. Violência interpessoal divide-se em duas subcategorias: 1) violência de família e de parceiros íntimos – isto é, violência principalmente entre membros da família ou entre parceiros íntimos, que ocorre usualmente nos lares; 2) violência na comunidade _ violência entre indivíduos sem relação pessoal, que podem ou não se conhecer. Geralmente ocorre fora dos lares. O primeiro grupo inclui formas de violência tais como abuso infantil, violência entre parceiros íntimos e maus-tratos de idosos. O segundo grupo inclui violência da juventude, atos variados de violência, estupro ou ataque sexual por desconhecidos e violência em instituições como escolas, locais de trabalho, prisões e asilos. Violência coletiva acha-se subdividida em violência social, política e econômica. Diferentemente das outras duas grandes categorias, as subcategorias da violência coletiva sugerem possíveis motivos para a violência cometida por grandes grupos ou por países. A violência coletiva cometida com o fim de realizar um plano específico de ação social inclui, por exemplo, crimes carregados de ódio, praticados por grupos organizados, atos terroristas e violência de hordas. A violência política inclui a guerra e conflitos violentos a ela relacionados, violência do estado e atos semelhantes praticados por grandes grupos. A violência econômica inclui ataques de grandes grupos motivados pelo lucro econômico, tais como ataques realizados com o propósito de desintegrar a atividade econômica, impedindo o acesso aos serviços essenciais, ou criando divisão e fragmentação econômica. É certo que os atos praticados por grandes grupos podem ter motivação múltipla.43

Dessa breve exposição, pode-se observar que o sentido do termo “violência” remete a uma conduta capaz de modificar prejudicialmente o estado de uma pessoa ou grupo de pessoas, causando danos de ordem não somente física, mas também psicológica. E, além disso, nota-se que a vítima da violência pode ser uma pessoa ou uma coletividade. Em outras palavras, a vítima da violência pode ser o indivíduo ou mesmo a sociedade.

Feitas as breves considerações terminológicas da “violência”, convém agora aproximar o debate da realidade brasileira contemporânea e buscar fazer uma análise que, embora concisa e inicial, seja imprescindível para identificar as vítimas de algumas modalidades de violência, a manifestação de alguns danos resultantes e a abordagem interdisciplinar do assunto, consubstanciando o argumento pretendido em linhas iniciais do presente trabalho.

3.4 O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: BREVES CONSIDERAÇÕES

A presente abordagem não pretende investigar as causas da violência, nem propor soluções definitivas, mas tão somente evidenciar algumas constatações imprescindíveis ao fomento do diálogo.

Assim, este tópico tem por prelúdio o seguinte fato: “o Brasil passa por momentos complicados”. Isso porque um problema que atormenta todos os dias a vida dos brasileiros é o crescimento vertiginoso da violência. O estado de insegurança pelo qual o Brasil passa é alarmante. De fato, a violência tem-se tornado um dos principais fatores de ineficiência do Estado de Direito no contexto da realidade brasileira atual, e os dados estatísticos ratificam essa preocupação.

A imagem do país está sendo afetada por toda sorte de criminalidade manifestada através de atos de violência, notadamente a violência voltada contra a integridade física e o patrimônio, fazendo do cidadão vítima direta e indireta.

Como vêm indicando vários estudos e pesquisa de opinião pública, o medo diante do crime constitui um dos quesitos principais na agenda de inseguranças e incertezas do cidadão, em qualquer grande metrópole. Na sociedade brasileira, esse sentimento parece exacerbado diante da expectativa, cada vez mais provável, de qualquer um ser vítima da ofensa criminal. Em pesquisa realizada no rio de Janeiro, observou-se que cerca de 30% dos entrevistados já haviam sido assaltados; 77% já tiveram algum morador de sua residência assaltado; 60% não confiam na justiça, proporção um pouco mais elevada (63%) para a desconfiança na polícia. Nesse mesmo sentido, enquete realizada pela PNAD revelou que, no Brasil, do total de pessoas que se envolveram em conflito criminais, 72% não se utilizaram da justiça para solução de seus problemas (IBGE-DEISO, 1990, v.1). 44

Nesse diapasão, todos os anos o Fórum Brasileiro de Segurança Pública lança o “Anuário Brasileiro de Segurança Pública”, no qual traz dados alarmantes, que, comparados com os de outros países, tornam a situação brasileira trágica.

O problema da violência extrapola a máxima do contexto social. Hoje, muito da violência praticada decorre do ambiente favorável ao crime, considerando a fraqueza da legislação penal e ineficiência da justiça criminal, a falta de estrutura de segurança, os valores distorcidos da sociedade, a falta de educação e de valorização da cultura, a corrupção, além da falta de políticas de segurança pública sistêmica e de longo prazo.

Conforme os coordenadores gerais da sétima edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima e Samira Bueno:

Em meio à comemoração dos 25 anos da Constituição Federal de 1988, no momento em que os governos e as polícias estão administrando as demandas geradas pelas manifestações sociais que tomaram as ruas desde junho deste ano e, ainda, no contexto da definição dos contornos da disputa eleitoral de 2014, segurança pública continua sendo um tema tabu no Brasil.45

Analisando a temática da violência no contexto brasileiro, o professor Bittar diz que:

A violência que entrecorta o Brasil é a mesma que afasta investidores, leva à morte milhares de vítimas, provoca o encarecimento de produtos e serviços segurados, fomenta injustiças sociais, determina políticas de segurança truculentas, constrói o medo social, legitima frentes de ação popular conservadoras, degenerando os laços da vida social. 46

O autor, ainda discorrendo sobre a violência no Brasil, em sua obra “Violência ou realidade brasileira: civilização ou barbárie?”, diz que essa é uma questão que aflige não somente a reflexão em torno do assunto, mas também a própria vida de homens e mulheres, em qualquer condição social, econômica ou política.47

Para o autor, a violência se produz e reproduz de modo circular, perpetuando-se de modo pernicioso na dinâmica da organização da vida social. Nessa senda, alerta para um ciclo de traumatizações sociais, que tende a aumentar na medida em que a violência cria reações sociais, o que alimenta ainda mais o ciclo de que se falou. Em suas palavras:

Thánatos atrai Thánatos. Dessa forma, desenvolvem-se sentimentos e raciocínios sociais que, do ponto de vista da população atemorizada, acabam por ser as bases para a incrementação de reações truculentas e investidas autoritárias contra a própria sociedade [...]48

Nessa esteira, observa-se a população acossada, com suas liberdades mitigadas, atemorizada diante das cotidianas violações que restam impunes perante um Estado de Direito incapacitado para agir de maneira eficaz na prevenção e repressão da violência brasileira. Ademais, a vida em sociedade se torna um verdadeiro jogo de troca de culpas, cujo desfecho é a perda para ambas as partes: sociedade e Estado.49

Para Bittar, mediante tal circunstância, “a dilatação da busca social por segurança torna-se esquizofrênica, assim como a busca do culpado social”50. Tudo isso dá vida a uma forma de visão de mundo altamente sadista e autoritária, na medida em que passa a desejar o prazer (segurança, paz, justiça) a partir do desejo de aplicação da dor (tortura, pena de morte, linchamento) sobre o próprio corpo da sociedade.51

Isso faz com que a sociedade contemporânea se desenvolva como uma sociedade de caráter autoritário, dando claras manifestações de recuo no plano dos direitos humanos. Por isso, as legitimadas e ostensivas demonstrações de crueldade e de violência exasperada são aparições de uma patologia social instalada no seio dos modos de organização da sociedade hodierna, que lembram, nas descrições freudianas, processos sadomasoquistas. Isso, de novo, revela manifestações de Thanatos, mas agora de um Thanatos que toma posse de Éros (grifo nosso).52

Assim, a sociedade contemporânea passa a se conduzir com base em uma lógica deveras peculiar, a que o autor chamou de “lógica do atentado”. O regime do atentado é, dessa maneira, incorporado ao dia a dia e se manifesta nessa mecânica em que susto, medo, repulsa, defesa, choque, ataque, intolerância, contra-ataque, sobrevivência, luta, estratégia e golpe se tornam termos corriqueiros.53

“Uma sociedade fomentada no exercício dessa forma de entendimento humano é uma sociedade do medo, da insegurança, da desconfiança e, por isso, necessariamente instável e violenta” (grifo nosso).54

A violência, destarte, atinge não somente o indivíduo vítima direta do ato danoso a sua integridade física, psicológica ou material (patrimonial), mas também a vítima indireta, materializada por todos aqueles que compõem a sociedade, porque, com a presença sempre constante da violência e seu aumento vertiginoso, a população passa a viver acossada e atemorizada, com suas liberdades cada vez mitigadas diante das cotidianas violações do direito à segurança.

3.5 A VIOLÊNCIA E A CONSEQUENTE REDUÇÃO NA QUALIDADE DE VIDA E VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

Até agora foi possível perceber que a violência atinge danosamente não só o indivíduo, mas toda uma coletividade. O individuo, porque vítima direta da ação danosa capaz de modificar prejudicialmente seu estado, causando-lhe danos de ordem não somente física, mas também psicológica; já a coletividade, porque a violência tem como uma das consequências atemorizar a população, mitigando suas liberdades e fazendo-a viver alerta em face de uma ameaça sempre constante55.

Nesse último sentido, a violência subverte e desvirtua a função das cidades, ceifa vidas, dilacera famílias e modifica a vida da sociedade para pior, fazendo a população ser consumidora do medo.56

Nos últimos anos, a violência transformou radicalmente as relações sociais, a arquitetura das grandes cidades, o comportamento e os hábitos de seus moradores, assim como suas representações sociais. As pessoas planejam seus deslocamentos, como faziam na Europa da Idade Média. A residência da classe média ganhou novos atrativos, pois tende a ser ocupada por mais tempo pelos moradores, temerosos dos riscos encontrados “nas ruas”.57

Mas não é só, para além dos efeitos mencionados, a presença exacerbada da violência faz uma coletividade padecer consequências de interesse da temática “saúde pública”. De fato, “a violência, pelo número de vítimas e pela magnitude de sequelas orgânicas e emocionais que produz, adquiriu um caráter endêmico e se converteu em um problema de saúde pública em muitos países”58.

Nessa perspectiva, fala-se dos custos do fenômeno “violência”, que faz da sociedade sua vítima indireta.

Os danos, as lesões, os traumas e as mortes causados por acidentes e violências correspondem a altos custos emocionais e sociais e com aparatos de segurança pública. Causam prejuízos econômicos por causa dos dias de ausência do trabalho, pelos danos mentais e emocionais incalculáveis que provocam nas vítimas e em suas famílias e pelos anos de produtividade ou de vida perdidos. Ao sistema de saúde, as consequências da violência, dentre outros aspectos, se evidenciam no aumento dos gastos com emergência, assistência e reabilitação, muito mais custosos que a maioria dos procedimentos convencionais. Cálculos estimam que cerca de 3,3% do PIB brasileiro são gastos com os custos diretos da violência, cifra que sobe para 10,5% quando se incluem custos indiretos e transferências de recursos (Ministério da Saúde. Secretaria da Vigilância em Saúde. 2005. Impacto da Violência na Saúde dos Brasileiros).59

Também no mesmo sentido temos Minayo e Souza:

A violência afeta a saúde porque ela representa um risco maior para a realização do processo vital humano: ameaça a vida, altera a saúde, produz enfermidade e provoca a morte como realidade ou como possibilidade próxima. E a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), em seu documento sobre o tema (1995, 1993), declara que a violência, pelo número de vítimas e a magnitude de sequelas emocionais que produz, adquiriu um caráter endêmico e se converteu num problema de saúde pública em vários países. [...] O setor de saúde constitui a encruzilhada para onde confluem todos os corolários da violência, pela pressão que exercem suas vítimas sobre os serviços de urgência, de atenção especializada, de reabilitação física, psicológica e de assistência social. [...] Porém, o problema não se reduz às lesões físicas e alcança nível incomensurável quando se pensa nas relações e conexões criadas como efeito-causa e causa-efeito. O medo é apenas uma das manifestações da vivência da violência, sobretudo hoje, nas grandes regiões metropolitanas, onde se concentram 75% de todas as mortes por essa causa (grifo nosso).60

Mas também diz a mesma autora, em outra obra:

Em síntese, além dos efeitos diretos e indiretos, físicos e simbólicos, sobre a população, os problemas classificados na rubrica “causas externas” congestionam serviços de saúde, aumentam os custos globais da atenção e afetam a qualidade da cobertura. O atendimento imediato às vítimas e todo o esforço de reabilitação e readaptação representam, hoje, em países como o Brasil, uma sobrecarga dos serviços de emergência dos hospitais gerais, dos centros especializados e dos institutos médico- legais, indicando a necessidade de adequação de recursos humanos e de equipamentos ao crescimento da demanda. Não se pode omitir, também, um efeito por vezes difuso, por vezes direto, que a violência provoca sobre a estrutura e o funcionamento dos serviços de saúde, sobretudo quando os conflitos por eles atendidos afetam os profissionais, pelo amedrontamento, pelas ameaças, pelos danos físicos e/ou psicológicos. Tais situações são hoje frequentes nos hospitais de emergência, nos serviços de emergência dos hospitais gerais e, até, nos centros de saúde.61

Em suma, pode-se dizer, então, que a violência é demasiadamente prejudicial para uma sadia qualidade de vida da população, já que se fala em problemas diversos, entre os quais: efeitos negativos nos planos econômicos, social e psicológico, e também com impactos de médio e longo prazo. A violência, portanto, afeta de maneira negativa o desenvolvimento social e econômico da sociedade. Afeta também a cotidianidade, a liberdade de movimento e nosso direito de desfrutar o espaço social. Dessa maneira, furta da sociedade o direito de fruir de um ambiente saudável e seguro, ferindo de maneira patente direitos humanos de todos.

Mas falar em espaço social, em ambiente saudável, sadia qualidade de vida e direitos humanos, não é outra coisa senão dialogar com um campo específico do direito, a saber: o Direito Ambiental. Eis, por conseguinte, um diálogo verossímil.


4. UMA PROPOSTA NO DIREITO AMBIENTAL

4.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS SOBRE DIREITO AMBIENTAL E MEIO AMBIENTE

A expressão “meio ambiente” é demasiado rica em vários campos de estudo, notadamente no Direito, disciplina que dedica uma área específica para sua análise enquanto objeto de interesse e tutela. Nessa senda, o conceito legal de meio ambiente é fixado na Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, chamada de Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 3º, inciso I, que o prescreve como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

O termo ambiente, de acordo com o Dicionário Houaiss significa “que rodeia ou envolve por todos os lados e constitui o meio em que se vive; tudo que rodeia ou envolve os seres vivos e/ou as coisas; recinto, espaço, âmbito em que se está ou vive; conjunto de condições materiais, culturais, psicológicas e morais que envolvem uma ou mais pessoas”. Vê-se, então, o quão polimorfo é o termo.

O festejado José Afonso da Silva, ao considerar o conceito de ambiente, afirma a redundância da expressão meio ambiente, na medida em que os termos “meio” e “ambiente” possuem o mesmo significado: “lugar, recinto, espaço onde se desenvolvem as atividades humanas e a vida dos animais e vegetais”62.

Contudo, afirma o autor que essa redundância é necessária para reforçar o sentido de determinados termos em expressões compostas. Desta feita, quiçá o legislador pátrio tenha preferido usar a palavra “meio ambiente” para dar maior exatidão na ideia que o termo inserido na norma cogite.

Para José Lutzemberger:

A evolução orgânica é um processo sinfônico. As espécies, todas as espécies, e o homem não e uma exceção, evoluíram e estão evoluindo conjuntamente e de maneira orquestrada. Nenhuma espécie tem sentido por si só, isoladamente. Todas as espécies, dominantes ou humildes, espetaculares ou apenas visíveis, quer nos sejam simpáticas ou as consideremos desprezíveis, quer se nos figurem como úteis ou mesmo nocivas, todas são peças de uma grande unidade funcional. A natureza não é um aglomerado arbitrário de fatos isolados, arbitrariamente alteráveis ou dispensáveis. Tudo está relacionado com tudo. Assim como uma sinfonia, os instrumentos individuais só têm sentido como partes do todo, é função do perfeito e disciplinado comportamento de cada uma das partes integrantes da maravilhosa sinfonia da evolução orgânica, onde cada instrumento, por pequeno, fraco ou insignificante que possa parecer, é essencial e indispensável.63

Em suma, pode-se dizer que meio ambiente é o espaço em que os seres vivem, se reproduzem, desenvolvem suas atividades cotidianas e, no caso dos seres humanos, constroem seu projeto existencial, sua essência. É, pois, o lugar onde se encontram condições para viver. Nesse contexto, o meio ambiente é composto por fatores bióticos, abióticos, sociais e culturais. De fato, os fatores sociais e culturais que cercam o homem têm exponencial relevância nas relações com o meio ambiente.

Já quanto à expressão “direito ambiental”, pode-se dizer, grosso modo, que tem por escopo abordar toda a matéria que verse sobre a proteção ao meio ambiente. O Direito Ambiental é um direito sistematizador, que faz a articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o ambiente.

José Afonso da Silva define Direito Ambiental da seguinte forma:

Como todo ramo do Direito, também o Direito Ambiental deve ser considerado sob dois aspectos: a) Direito Ambiental objetivo, que consiste no conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da proteção da qualidade do meio ambiente; b) Direito Ambiental como ciência, que busca o conhecimento sistematizado das normas e princípios ordenadores da qualidade do meio ambiente.64

No mesmo diapasão, De Plácido e Silva lembra que: “o Direito Ambiental é um conjunto de normas e princípios tendentes à preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida”65.

Vale ressaltar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 225, além de orientar com princípios e preceitos o ordenamento jurídico brasileiro na matéria ambiental, ratifica a importância do meio ambiente equilibrado para uma sadia qualidade de vida. Ademais, atribui ao meio ambiente uma terceira espécie de bem, ou seja, não é bem público, tampouco particular, mas sim de “uso comum do povo”:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (grifo nosso).

Com efeito, quando a Constituição Federal diz que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, aponta a existência de um direito vinculado à hipótese de um bem comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.66

Em outras palavras, meio ambiente é bem difuso, o que faz do direito ambiental, por conseguinte, um direito difuso. Deveras, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se distancia do indivíduo singular como seu destinatário para englobar um número indeterminado de pessoas, destinando a proteção genérica dos grupos ou da humanidade. Infere-se, portanto, que tem natureza jurídica de direito difuso, pois os titulares deste direito subjetivo que se pretende proteger são indeterminados e indetermináveis.

Assim, pode-se dizer que o Direito Ambiental é um conjunto de normas e princípios que se manifesta como instrumento de tutela do meio ambiente como bem difuso, almejando ajustar o comportamento humano com o meio ambiente que o cerca em busca do equilíbrio entre ambos.

4.2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO DIREITO AMBIENTAL

Com vistas a consubstanciar o argumento pretendido no presente opúsculo, não se abordarão todos os princípios que o direito ambiental brasileiro postula, mas se protestará por um em especial que, decerto, é o epicentro de toda a preocupação do direito ambiental, princípio este que contribuirá sobremaneira para o desfecho deste trabalho, a saber: princípio da dignidade da pessoa humana.

A preocupação em torno de tal princípio emerge da própria Constituição Federal, em seu art. 1.° III, quando diz:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III - a dignidade da pessoa humana;

[...]

Nessa mesma esteira, o art. 225 da Constituição pátria é fundado no mesmo princípio e somente nele encontra a sua razão de ser. De fato, é a partir da ideia da dignidade da pessoa humana, como princípio basilar, que decorrem todos os demais preceitos constitucionais, mormente os que orientam o direito ambiental.

O reconhecimento internacional do princípio da dignidade da pessoa humana encontra guarida, por exemplo, no princípio 1 da Declaração de Estocolmo proclamada em 1972, que diz:

Princípio 1- O homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras [...]67(grifo nosso)

No mesmo sentido está a Declaração do Rio, proferida na Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, Rio 92: “Princípio 1 - Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”68 (grifo nosso).

Para Paulo de Bessa Antunes, o ser humano é o centro das preocupações do direito ambiental, que existe em função do ser humano e para que ele possa viver melhor na terra69. Essa discussão em torno do princípio da dignidade da pessoa humana marcou, no direito ambiental, o que se chamou de visão antropocêntrica. Tal visão, ou abordagem, tenciona explicar a quem o direito ambiental serve.

De acordo com essa visão, o direito ambiental é voltado para a satisfação das necessidades humanas. É bem verdade, porém, que a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938/81) visa a proteger a vida em todas as suas formas, de maneira que todos os seres vivos, e não só o homem, são tutelados e protegidos pelo direito ambiental, assim como também são protegidos os seres que não tem vida, na medida em que possa ser essencial à sadia qualidade de vida do ser humano, em face do que determina a Constituição Federal de 1988. Contudo, é cristalino que o centro das preocupações é o ser humano.

Dessa forma, a vida que não seja humana só poderá ser tutelada pelo direito ambiental na medida em que sua existência implique garantia da sadia qualidade de vida do homem, uma vez que em uma sociedade organizada este é destinatário de toda e qualquer norma.70

Grizzi, citando Miguel Reale, lembra que:

A pessoa é valor fonte de todos os valores, é o principal fundamento do ordenamento jurídico, sendo que cada direito da personalidade corresponde um valor fundamental (que se revela através do processo histórico) e, portanto, que os direitos da personalidade se espraiam por todo o ordenamento jurídico.71

Claro está, então, que uma interpretação teleológica do direito ambiental não levará a outra inferência, senão esta: que o ser humano é o epicentro de toda abordagem do direto ambiental, este enquanto conjunto de normas e princípios que se manifesta como instrumento de tutela do meio ambiente como bem difuso e essencial à sadia qualidade de vida do ser humano.

4.3 MEIO AMBIENTE E SADIA QUALIDADE DE VIDA

Muito do que se falou no tópico precedente está em estreita relação com o tema que será aqui abordado. Isso porque, quanto se falou do princípio da dignidade da pessoa humana, muitas vezes se fez referência à “sadia qualidade de vida”. Mas isso é parte da própria natureza e fundamento do direito ambiental, de modo que não é possível separar o conceito de “dignidade da pessoa humana” da ideia de “sadia qualidade de vida”. São expressões ontologicamente complementares.

Como já visto alhures, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, na Declaração de Estocolmo/72, salientou que o ser humano tem direito fundamental a adequadas condições de vida em um “meio ambiente de qualidade”; por sua vez, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, na Declaração Rio de Janeiro/92, afirmou que os seres humanos têm direito a uma “vida saudável”.

Resta compreensível, desse modo, “que não basta viver ou conservar a vida, é justo buscar e conseguir a qualidade de vida”72, o que só será possível em um meio ambiente _em seu sentido mais amplo _ equilibrado e também “seguro”. Saliente-se seguro, visto ser mais verossímil o gozo e exercício do direito ao meio ambiente equilibrado, com vistas à sadia qualidade de vida, se o ser humano puder fruir seu direito à vida e à liberdade, sem temor de ser molestado ou ter seus direitos mitigados sob a ameaça real ou simbólica de um estado de constante insegurança.

De fato, como será possível o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, se o ser humano não puder desfrutar da natureza, das praias, dos rios, parques, praças, logradouros, etc., se não se sentir seguro em tais lugares? É, portanto, falacioso pensar em fruição do meio ambiente natural, artificial ou cultural, sem a certeza de poder gozá-lo plenamente e com segurança.

Um meio ambiente equilibrado e, além disso, seguro é, portanto, um meio ambiente de qualidade, onde seja viável o gozo de uma vida saudável, na senda dos princípios e preceitos do direito ambiental.

4.4 DIREITO AMBIENTAL E SEGURANÇA PÚBLICA: UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM SISTÊMICA

Conforme a breve discussão em torno do conceito de segurança pública no Brasil contemporâneo, restou evidenciada a premente necessidade de se trabalhar, do ponto de vista ideológico, para o fomento de novos conceitos e definições da segurança pública, ou seja, de sua ressignificação com vista a se construir uma cultura de segurança que dialogue uníssono com o ideal dos direitos humanos e da garantia das liberdades, conforme as razões levantadas no início deste trabalho.

Por outro lado, em busca de um marco inicial de ponderação, foi apontado o fenômeno da violência como demasiadamente prejudicial para uma sadia qualidade de vida da população, já que é fato originador de problemas diversos, entre os quais: efeitos negativos nos planos econômicos, social, psicológico e de saúde pública; além de afetar de maneira negativa o desenvolvimento social e econômico da sociedade, a cotidianidade, a liberdade de movimento e o direito de desfrutar o “espaço social”. Dessa maneira, a sociedade tem mitigado o seu direito de fruir de um ambiente saudável e seguro, o que fere flagrantemente direitos humanos de todos.

Registre-se que o “espaço social” a que se fez referência faz parte do próprio conceito de meio ambiente aqui adotado. De fato, conforme visto, o meio ambiente pode ser concebido como o espaço em que os seres vivem, se reproduzem, desenvolvem suas atividades cotidianas e constroem seu projeto existencial e sua essência, através da cotidianidade e do exercício da liberdade. É, pois, o lugar onde se encontram condições para viver. Mas não é possível pensar em um projeto existencial sem a presença do outro, ou seja, da coexistência, pois existir é um constante “existir-com”. Daí porque falar em “espaço social” como integrante do meio ambiente, razão pela qual, quando se fizer referência ao meio ambiente, também estará incluída a perspectiva que aqui se denominou de “espaço social”.

O meio ambiente recebe proteção particular do ordenamento jurídico brasileiro e de documentos de natureza supranacional, os quais garantem, por meio de princípios e preceitos, o direito a um meio ambiente equilibrado e adequado para uma sadia qualidade de vida, tendo o ser humano como grande destinatário de tais tutelas.

Nesse diapasão, é inegável que a proteção do meio ambiente, mediante direito positivado, é reconhecido como uma evolução das ciências jurídicas na seara dos direito humanos. A relação umbilical entre direitos humanos e direito ambiental é de relevância patente na defesa da dignidade da pessoa humana, notadamente porque tem por epicentro, consoante linhas epigrafadas, o próprio ser humano na busca de seu direito a um meio ambiente equilibrado, com vistas a uma sadia qualidade de vida.

Logo, emerge uma proposta viável de trabalho de ressignificação ou releitura conceitual da temática “segurança pública”; releitura essa sob as lentes do direito ambiental brasileiro. Institui-se, assim, um aporte dialógico verossímil entre a segurança pública e os direitos humanos, através de uma abordagem sistêmica do direito ambiental. Isso é possível porque os elementos terminológicos, alguns princípios e entendimentos do campo do direito ambiental permitem um diálogo aproximado da segurança pública com os direitos humanos, o que, quiçá, poderá atender às hodiernas necessidades sociais, no tocante à forma de se compreender e se fazer segurança pública no Brasil contemporâneo.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve por escopo fazer um breve estudo sobre a perspectiva conceitual da segurança pública no Brasil contemporâneo, buscando uma abordagem sob as lentes da teoria brasileira de direito ambiental e dos direitos humanos. Em outras palavras, objetivou-se uma proposta de análise conceitual da segurança pública no Brasil sob a ótica do direito ambiental como instrumento de tutela dos direitos humanos.

Isso porque se percebeu que a as discussões em torno da segurança pública no Brasil, até pouco tempo, eram demasiado restritas, vez que não tangenciavam mais do que as instituições policiais. Além disso, tal abordagem é comumente marcada _ por questões históricas e culturais _ pela perspectiva da garantia da ordem pública, da segurança do Estado e da defesa do patrimônio. Dessa maneira, viu-se que o sujeito de direito da segurança oferecida pelo Poder Público geralmente era um grupo restrito caracterizado pelo poder econômico e/ou político.

Ocorre que essa visão da segurança pública no Brasil, orientada pela perspectiva da garantia da ordem pública, da segurança do Estado e da defesa do patrimônio, parece não andar pari passu com a sociedade hodierna, a qual é balizada pelo discurso cada vez presente dos direitos humanos.

Observou-se que o entendimento da segurança pública tradicionalmente concebida pelas instituições e, por vezes, por parcela da sociedade dá ênfase à preservação da ordem pública, bem como à garantia do patrimônio, deixando de lado, quase sempre, a pessoa humana como destinatária primeira das ações de segurança pública.

E uma cultura de segurança pública marcada por uma visão inflexível e consubstanciada por conceitos legalmente indefinidos _ como a própria ideia de “ordem pública” _ é uma ameaça iminente aos direitos humanos e à garantia das liberdades, pois outorga ao Estado larga margem interpretativa na promoção da segurança, o que se materializa nos vários casos de abuso do uso da força por parte de agentes da segurança pública cuja formação e cultura profissionais, por vezes, não negam a deficiência e anacronismo de nossas práticas na seara da segurança pública brasileira.

O Estado Democrático de Direito e a sociedade contemporânea, portanto, reclamam novas perspectivas no campo da segurança, ou seja, o estabelecimento de novos paradigmas ladeados pelo ideal de direitos humanos, garantia das liberdades e defesa da cidadania.

Assim, inferiu-se que a segurança pública carece de uma revisão semântica sob um novo ponto de vista, de modo que tal conceito (da segurança pública) se liberte dos matizes tradicionais e amplie seu campo conceitual, sinalizando e integrando a noção de garantia das liberdades e de direitos humanos, a fim de se fomentar uma cultura de segurança pública sentida como direito de todos, indistintamente.

De mão desses dados, emergiu o problema de como se poderia conceber uma segurança pública no Brasil sob uma perspectiva que sinalizasse e integrasse a noção de direitos humanos.

Para tanto, na busca de um marco inicial de abordagem, viu-se que um dos traços marcantes do modo de vida do homem na modernidade é a sua concentração em centros urbanos, e essa tendência, em alguns momentos, parece recrudescer algumas variáveis relevantes para o tema. Uma variável específica foi escolhida como pano de fundo para o prelúdio da discussão que se pretendeu, a saber: o “fenômeno da violência”.

Percebeu-se, desse modo, que a conjuntura atual do Estado brasileiro com a presença cada vez frequente da violência não só revela uma ineficiência do Estado de Direito, mas também desperta olhares para um problema que antes não costumava figurar com frequência, enquanto objeto de estudo, qual seja: a segurança pública.

Igualmente, inferiu-se que o fenômeno da violência é demasiadamente prejudicial para uma sadia qualidade de vida da população, já que é fato originador de problemas diversos, entre os quais: efeitos negativos nos planos econômicos, social, psicológico e de saúde pública; além de afetar de maneira negativa o desenvolvimento social e econômico da sociedade, a cotidianidade, a liberdade de movimento e o direito de desfrutar o “espaço social”, tudo isso violando a própria noção de dignidade da pessoa humana. Dessa maneira, viu-se que a sociedade tem mitigado o seu direito de fruir de um ambiente saudável e seguro, o que fere flagrantemente direitos humanos de todos.

Percebeu-se, contudo, que falar em espaço social, em ambiente saudável, sadia qualidade de vida, dignidade da pessoa humana e direitos humanos não era outra coisa senão dialogar com um campo específico do direito, ou seja, o Direito Ambiental. Daí porque se vislumbrou um diálogo verossímil entre a “segurança pública” e a noção de “direitos humanos”, sob as lentes do direito ambiental brasileiro.

De fato, conforme visto, o meio ambiente pode ser concebido como o espaço em que os seres vivem, se reproduzem, desenvolvem suas atividades cotidianas e constroem seu projeto existencial e sua essência, através da cotidianidade e do exercício da liberdade. É, pois, o lugar onde se encontram condições para viver. Mas não é possível pensar em um projeto existencial sem a presença do outro, ou seja, da coexistência, pois existir é um constante “existir-com”. Daí porque falar em “espaço social” como integrante do meio ambiente.

Viu-se que o meio ambiente recebe proteção particular do ordenamento jurídico brasileiro e de documentos de natureza supranacional, os quais garantem, por meio de princípios e preceitos, o direito a um meio ambiente equilibrado e adequado para uma sadia qualidade de vida, tendo o ser humano como grande destinatário de tais tutelas (visão antropocêntrica).

Nesse diapasão, restou cristalino que a proteção do meio ambiente, mediante direito positivado, é reconhecido como uma evolução das ciências jurídicas na seara dos direitos humanos. Também foi visto que a relação umbilical entre direitos humanos e direito ambiental é de relevância patente na defesa da dignidade da pessoa humana, notadamente porque tem por epicentro o próprio ser humano na busca de seu direito a um meio ambiente equilibrado, com vistas a uma sadia qualidade de vida.

Logo, conclui-se pela plausibilidade do trabalho de ressignificação ou releitura conceitual da temática “segurança pública” sob novas perspectivas; releitura essa sob as lentes do direito ambiental brasileiro. Vislumbra-se, assim, um aporte dialógico verossímil entre a segurança pública e os direitos humanos, através de uma abordagem sistêmica do direito ambiental. Isso foi possível porque elementos terminológicos, alguns princípios e entendimentos do campo do direito ambiental permitem um diálogo aproximado da segurança pública com os direitos humanos, o que, talvez, poderá atender às hodiernas necessidades sociais, no tocante à forma de se compreender e se fazer segurança pública no Brasil contemporâneo.


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Notas

  1. HOBBES apud RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT, Francisco (Org.). Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 2005, p. 60.

  2. OLIVEIRA, Vânia A. Z.; TONELLI, Dany F.; PEREIRA, José R. O problema da (in)segurança pública: refletindo acerca do papel do Estado e de possibilidades de soluções localizadas e participativas. Revista Brasileira de Segurança Pública. São Paulo. V. 7, n. 1, 8-22 fev/mar 2013, p. 12.

  3. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução: Pietro Nasseti. São Paulo: Editora Martin Claret, 2005, p. 32.

  4. OLIVEIRA, Vânia A. Z.; TONELLI, Dany F.; PEREIRA, José R. O problema da (in)segurança pública: refletindo acerca do papel do Estado e de possibilidades de soluções localizadas e participativas. Revista Brasileira de Segurança Pública. São Paulo. V. 7, n. 1, 8-22 fev/mar 2013, p. 11.

  5. SANTORO, Emílio; BATISTA, Gustavo B. M.; ZENAIDE, Maria de N. T.; TONEGUTTI, Raffaella G. (Org.). Direitos Humanos em uma época de insegurança. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2010, p. 220.

  6. SILVA, De Plácido e. Dicionário jurídico. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 739.

  7. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 437.

  8. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 778.

  9. Ibidem, p. 779.

  10. MESQUITA NETO, Paulo. Ensaios sobre segurança cidadã. São Paulo: Quartier Latin; Fapesp, 2011, p. 32.

  11. MESQUITA NETO, Paulo. Ensaios sobre segurança cidadã. São Paulo: Quartier Latin; Fapesp, 2011, p. 32.

  12. Ibidem, p. 23.

  13. MESQUITA NETO, Paulo. Ensaios sobre segurança cidadã. São Paulo: Quartier Latin; Fapesp, 2011, p. 24.

  14. Ibidem, p. 25

  15. MESQUITA NETO, Paulo. Ensaios sobre segurança cidadã. São Paulo: Quartier Latin; Fapesp, 2011, p. 26

  16. Ibidem

  17. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, ARTIGO III. Disponível em: <http://unicrio.org.br/img/ DeclU_ D_Humanos VersoInternet.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2014.

  18. MESQUITA NETO, Op. Cit., p. 26

  19. Ibidem, p. 27

  20. BRASIL, Doutrina Básica. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, 1979, p. 192

  21. BRASIL, Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013.

  22. MESQUITA NETO, Paulo. Ensaios sobre segurança cidadã. São Paulo: Quartier Latin; Fapesp, 2011, p. 27

  23. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 777-778

  24. Ibidem, p. 778

  25. DINIZ, M. H. Dicionário jurídico. 2. ed.. v. 3, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 461.

  26. BRASIL. Supremo Tribunal Federal - STF - HABEAS CORPUS: HC 102065 PE. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia /19736149/habeas-corpus-hc-102065-pe>. Acesso em: 04 dez. 2013.

  27. TOSI, Giuseppe; SILVA, Marlene Helena Oliveira. Porque punir? Qual a punição? Que segurança pública? In: NEVES, Paulo Sérgio da Costa; RIQUE, Célia D. G.; FREITAS, F. Polícia e democracia: desafios à educação em direitos humanos. Recife: Bagaço, 2002, p. 242.

  28. SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 5.

  29. SANTORO, Emílio; BATISTA, Gustavo B. M.; ZENAIDE, Maria de N. T.; TONEGUTTI, Raffaella G. (Org.). Direitos Humanos em uma época de insegurança. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2010, p. 232.

  30. BITTAR, Eduardo. O terrorismo urbano: violência e desordem social. Folha de São Paulo, 20 de maio de 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2005200613.htm>. Acesso em: 05 jan. 2014.

  31. OLIVEIRA, Vânia A. Z.; TONELLI, Dany F.; PEREIRA, José R. O problema da (in)segurança pública: refletindo acerca do papel do Estado e de possibilidades de soluções localizadas e participativas. Revista Brasileira de Segurança Pública. São Paulo. V. 7, n. 1, 8-22 fev/mar 2013, p. 18.

  32. “O termo ‘controle social’ possui na sociologia um significado muito amplo, eis que indica todo o processo de socialização que orienta o indivíduo, integrando-o aos valores e aos padrões de comportamento social [...] A ‘socialização’ é um conceito central da sociologia e indica a integração do indivíduo em um grupo social ou na sociedade em geral. Isso ocorre graças a uma mudança de comportamento do indivíduo, que aprende a atuar não conforme o seu desejo, mas segundo regras ensinadas e impostas pelos demais [...] Sem a socialização não teríamos sociedade organizada segundo regras, e sim simplesmente um conjunto de pessoas vivendo em contínuos conflitos”. (SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 4ª ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 150)

  33. LEITÃO, Kléber Luis da Costa; REIS, Hilton Teixeira dos. Teoria geral da segurança pública. Sitientibus, Feira de Santana, n. 38, p.25-33, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www2.uefs.br/sitientibus/pdf/38/2_teoria%20_geral_da_seguranca_publica.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2014.

  34. SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 4ª ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 154.

  35. O crime pode ter vários conceitos que se diferenciam a depender do ramo de estudo analisado. Em um conceito formal, é o fato típico e antijurídico que está descrito em lei, em outras palavras, é a conduta que a norma penal descreve. Uma teoria que conceitua o crime do ponto de vista material é a do bem jurídico. Segundo essa teoria, crime é a conduta que viola o bem jurídico tutelado pela norma penal. O bem jurídico tutelado pela norma penal, também chamado de bem jurídico penal, está definido como aqueles bens imprescindíveis para a convivência em sociedade. Exemplos desses bens são a vida, a liberdade, a honra, o patrimônio, etc. Já do ponto de vista analítico, há duas vertentes, quais sejam: a bipartida e tripartida. A corrente que traz o conceito analítico do crime sob o viés bipartido diz que o crime é fato típico e antijurídico. Por outro lado, a corrente tripartida conceitua analiticamente o crime como fato típico, antijurídico e culpável.

  36. ZALUAR, Alba. Um debate disperso: violência e crime no Brasil da redemocratização. São Paulo em perspectiva, 13 de mar. 1999, p. 8. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/spp/v13n3/v13n3a01.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2014.

  37. BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 603.

  38. A VIOLÊNCIA e a saúde. Disponível em: <http://www2.saude.ba.gov.br/divep/arquivos/COPLAM/DANT/A%20VIOLENCIA%20E%20A%20SA%C3%9ADE.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2014.

  39. BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Op. Cit., p. 603.

  40. OMS/WHO. World report on violence and health. 2002. Disponível em: <http://whqlibdoc.who.int/ publications/2002/9241545615_eng.pdf?ua=1>. Acesso em: 20 jan. 2014.

  41. BRASIL. Ministério da Saúde. Política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências: Portaria MS/GM n.º 737 de 16/05/01, publicada no DOU n.º 96 seção 1E de 18/05/01, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise de Situação de Saúde. 2ª ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2005, p. 7. Disponível em: <>. Acesso em: 20 jan. 2014.

  42. CHESNAIS, Jean-Claude. Histoire de la violence.. Hachette Littérature, Collection Pluriel.1982.

  43. DAHLBERG, L. L.; KRUG, E. G. Violência: um problema global de saúde pública. P. 1166. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v11s0/a07v11s0>. Acesso em: 21 jan. 2014.

  44. ADORNO Apud BITTAR, Eduardo C. B. Violência ou realidade brasileira: civilização ou barbárie? Rev. Katálysis, v. 11, n. 2, pág. 214-224, Florianópolis, jul/dez. 200, p. 221. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rk/v11n2/07.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2014.

  45. ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ano 7, 2013. São Paulo, p. 6. Disponível em: <http://www2.forumseguranca.org.br/novo/produtos/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/7a-edicao>. Acesso em: 25 jan. 2014.

  46. BITTAR, Eduardo C. B. Violência ou realidade brasileira: civilização ou barbárie? Rev. Katálysis, v. 11, n. 2, p. 214-224, Florianópolis, jul/dez. 2008, p. 215. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rk/v11n2/07.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2014.

  47. Ibidem, p. 216.

  48. BITTAR, Eduardo C. B. Violência ou realidade brasileira: civilização ou barbárie? Rev. Katálysis, v. 11, n. 2, p. 214-224, Florianópolis, jul/dez. 2008, p. 215. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rk/v11n2/07.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2014.

  49. Ibidem, p. 215

  50. Ibidem, p. 216

  51. Ibidem, p. 216

  52. Ibidem, p. 217

  53. BITTAR, Eduardo C. B. Violência ou realidade brasileira: civilização ou barbárie? Rev. Katálysis, v. 11, n. 2, p. 214-224, Florianópolis, jul/dez. 2008, p. 215. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rk/v11n2/07.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2014.

  54. Ibidem, p. 215

  55. Essa tal “ameaça constante”, sentida através do medo e do sentimento de (in)segurança no seio da sociedade, parece ter um “efeito simbólico” na coletividade. Oportuno, então, indagar: até que ponto essa influência simbólica não seria uma manifestação possível daquele fenômeno que Le Bon chamou de “multidão psicológica”, pois, para adquirir as características específicas de uma multidão, carece haver a influência de certos estímulos: “O desaparecimento da personalidade consciente e a orientação dos sentimentos e dos pensamentos em um mesmo sentido, primeiros traços da multidão em via de organização, nem sempre implicam a presença simultânea de vários indivíduos em um mesmo local. Milhares de indivíduos separados podem em um dado momento, sob a influência de certas emoções violentas, um grande acontecimento nacional, por exemplo, adquirir as características de uma multidão psicológica. [...] um povo inteiro, sem que haja aglomeração visível, às vezes torna-se multidão sob a ação desta ou daquela influência” (LE BOM, Gustave. Psicologia das multidões. Tradução: Mariana Sérvulo. São Paulo. Editora WMF Martins Fontes, 2008). Na mesma obra, o autor explica algumas características das multidões _ incluindo as psicológicas _, entre as quais estão: a sensação do anonimato e um sentimento de poder invencível, permitindo ao indivíduo ceder a instintos que, sozinho, teria refreado; o contágio mental, porque em uma multidão os sentimentos e os atos são contagiosos; e a sugestionabilidade. Esses e outros elementos compõem a forma de manifestar-se a alma das multidões, de que falou Le Bon. Quanto à sensação do anonimato capaz de levar o indivíduo a ceder a instintos, como explicado em linhas acima, é de bom alvitre salientar que ela é controlada pela chamada consciência moral, que consiste no medo social, segundo Freud (FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e análise do eu e outros textos. Tradução: Paulo César de Souza. São Paulo. Caminho das Letras, 2011).

  56. PINHEIRO, Paulo Sérgio; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Violência urbana. Publifolha. São Paulo, 2003.

  57. ZAVERUCHA, Jorge; BARROS, Maria do Rosário Negreiro (Org.). Políticas de segurança pública: dimensão da formação e impactos sociais. Série Gestão Pública e Cidadania. Recife: Massangana. 2002, p. 14.

  58. A VIOLÊNCIA e a saúde. Disponível em: <http://www2.saude.ba.gov.br/divep/arquivos/COPLAM/DANT/A%20VIOLENCIA%20E%20A%20SA%C3%9ADE.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2014.

  59. Ibidem

  60. MINAYO, Maria Cecília de Souza; SOUZA, Edinilsa Ramos de. Violência e saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva. História, Ciências, Saúde Manguinhos, IV(3), p. 513-531, nov. 1997-fev. 1998, p. 520. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/ hcsm/v4n3/v4n3a06>. Acesso em: 27 jan. 2014.

  61. MINAYO, M. C. S. A Violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cad. Saúde Públ. Rio de Janeiro, 10 (suplemento 1): 07-18, 1994, p. 13. Disponível e: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v10s 1/v10supl1a02.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2014.

  62. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 17.

  63. LUTZEMBERGER, José. Fim do futuro? Porto Alegre: Movimento, 1976, p. 9.

  64. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 41-42.

  65. SILVA, De Plácido e. Dicionário jurídico. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 260.

  66. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 65.

  67. DECLARAÇÃO DA CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE HUMANO – 1972. Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/estocolmo1972.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2014.

  68. DECLARAÇÃO DO RIO SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Disponível em: <>. Acesso em: 10 fev. 2014.

  69. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 11. ed. Ampl. e reform. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 24.

  70. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 70.

  71. GRIZZI, Ana Luci Limonta Esteves. Direito Ambiental aplicado aos contratos. São Paulo: Verbo Jurídico, 2008, p. 26.

  72. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 56.


Autor

  • Tiago da Silva Lima

    Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB e pós-graduado "lato sensu" em Prática Judicante pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, em parceria com a Escola Superior da Magistratura - ESMA da Paraíba. Também possui graduação em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar do Cabo Branco, em parceria com a Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, e especialização em Segurança Pública pela mesma instituição. Profissional de Segurança Pública no Estado da Paraíba (Oficial da PMPB), com experiência na área ambiental, corregedoria e assessoria jurídica em Direito Militar. Atualmente, Chefe do Cartório da Vara da Justiça Militar (Auditoria Militar) da Paraíba.

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LIMA, Tiago da Silva. O conceito de segurança pública sob as lentes da teoria brasileira de direito ambiental e dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7272, 30 maio 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104330. Acesso em: 16 maio 2024.