Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/102188
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

As fake news e a guinada do STF sobre liberdade de expressão

As fake news e a guinada do STF sobre liberdade de expressão

Publicado em .

A Suprema Corte passará restringir a liberdade de expressão, mandando apagar conteúdo falso da internet para proteger a segurança, a honra de pessoas e instituições e a própria democracia?

Resumo: : O objetivo do presente trabalho é verificar como o Supremo Tribunal Federal tem decidido recentemente sobre a possibilidade de restrição judicial da liberdade de expressão, especialmente considerando que o contexto social existente no julgamento da ADPF nº 130 está superado, pois atualmente a opinião ou o conteúdo jornalístico são essencialmente disponibilizados de forma massiva em redes sociais e na internet e podem ser compartilhados de forma instantânea com milhares ou mesmo milhões de pessoas, em um ambiente tóxico permeado por fake news, deepweb, direcionamento do discurso pelos algoritmos das grandes redes sociais e aplicativos, “robotização” dos usuários de redes sociais, polarização ideológica e discurso de ódio contra minorias. Nesse contexto, analisaremos se a Suprema Corte caminha por manter-se na posição preferencial da liberdade de expressão, permitindo a manutenção da publicação do conteúdo/informação, com posterior responsabilização do ofensor, ou se a Corte passará a intensificar a restrição da liberdade de expressão, com a determinação judicial de retirada da publicação com conteúdo falso ou mentiroso das redes sociais e da internet, visando a evitar ou diminuir a propagação e a abrangência de conteúdos falsos e massivos que possam colocar em risco a segurança, a honra e a imagem de pessoas, de instituições e da própria democracia no Brasil.

Palavras-chave: Liberdade de expressão. Direitos fundamentais. Limites. Restrição. Democracia. Supremo Tribunal Federal.

Sumário: 1. Introdução. 2. A liberdade de expressão e sua importância constitucional. 3. O papel do Supremo Tribunal Federal na definição contemporânea da liberdade de expressão no Brasil. 4. Os direitos fundamentais não são absolutos e admitem restrições. 5. A interpretação inicial da liberdade de expressão pelo STF. 6. Os novos tempos exigem nova conformação da liberdade de expressão pela Suprema Corte. 6.1. Tempos de pós-verdade: a mentira como regra. 6.2. A polarização, que era algo até normal, foi absurdamente acirrada pelas redes sociais e tornou-se um efeito nocivo. 6.3. O encolhimento do espaço de deliberação pública pelas redes sociais. 7. A nova conformação da liberdade de expressão pelo STF. 8. Conclusão.


1. Introdução.

A liberdade de expressão é um direito fundamental, com caráter preferencial sobre os demais direitos fundamentais, mas sem natureza absoluta, conforme já reconhecia o próprio Supremo Tribunal Federal (STF).

Exatamente devido a este caráter preferencial, nossa Suprema Corte entendeu, durante muito tempo, que se deveria dar preferência à liberdade de expressar-se e de informar, não sendo adequada a limitação judicial da liberdade de expressão, salvo raríssimas ocasiões, pois eventual excesso ou abuso da liberdade de expressão deveria ser resolvido nas esferas cível e penal com a posterior responsabilização do ofensor.

Ocorre que os tempos em que o conteúdo da liberdade de expressão, ou a informação jornalística, era exposto em jornais e revistas impressas e na televisão ficaram para trás; hoje, a opinião ou o conteúdo jornalístico são essencialmente disponibilizados de forma massiva em redes sociais e na internet e podem ser compartilhados de forma instantânea com milhares ou mesmo milhões de pessoas, em um ambiente tóxico permeado por fake news, deepweb, direcionamento do discurso pelos algoritmos das grandes redes sociais e aplicativos, “robotização” dos usuários de redes sociais, polarização ideológica e discurso de ódio contra minorias (racismo, misognia, homofobia, dentre outros).

O objetivo do presente estudo, portanto, é verificar se, nesse contexto atual da digitalização da vida, a Suprema Corte manterá sua posição anterior pela preferência da liberdade de expressão, sendo inadequada a restrição judicial à publicação de opiniões e/ou conteúdos jornalísticos, com responsabilização posterior do ofensor, ou se, ao contrário disso, intensificará a possibilidade de restrição judicial da liberdade de expressão.


2. A liberdade de expressão e sua importância constitucional.

A liberdade de expressão foi consagrada como direito fundamental na Constituição Federal de 1988 (CF/88), nos seus artigos 5º e 220, e, de forma breve e resumida, pode ser conceituada como o direito fundamental de qualquer cidadão de expor suas opiniões, mesmo que incomodem ou desagradem a outros, não bastando que o fato da opinião expressa ter causado algum tipo de transtorno, embaraço, incômodo ou sofrimento a outras pessoas ou instituições possam caracterizá-la como ilícita.

Trata-se de um direito fundamental da mais alta importância no direito brasileiro, eis que, para além da natureza puramente individual, a liberdade de expressão possui nítida conotação coletiva que é benéfica à democracia, à medida que, “em sociedades democráticas, é fundamental a existência de uma esfera pública robusta e desinibida, em que se possa discutir com coragem e sem constrangimentos os temas de interesse social” 2.

A par da enorme importância da liberdade de expressão, e de sua preponderância como direito fundamental, fato é que as questões a respeito da possibilidade e das medidas de eventuais limites ao exercício de tal direito não podem mais ser interpretadas como o foram na década passada, eis que atualmente o exercício da liberdade de expressão se apresenta sob um contexto em que a utilização constante das redes sociais no Brasil e no mundo 3 gerou novos padrões de conduta e comportamento 4 e, consequentemente, vivemos sob uma enorme preocupação sobre os efeitos e as consequências prejudiciais advindas de postagens compartilhadas entre centenas, milhares e até milhões de indivíduos de modo quase que instantâneo.


3. O papel do Supremo Tribunal Federal na definição contemporânea da liberdade de expressão no Brasil.

O mais jovem Presidente do Tribunal Constitucional alemão (TCF) Andreas Voβkuhle considera como um enorme desafio das Cortes Constitucionais, no âmbito da tutela de direitos fundamentais, inclusive nas relações entre particulares, a atual economia digital e de dados, cujos principais atores em escala global, Google e Facebook, apenas para citar alguns, “não se deixam domesticar por intermédio da clássica função dos direitos fundamentais” 5

Mas para Voβkuhle, em sua experiência como juiz da Corte Constitucional alemã, “isso não quer dizer que os tribunais constitucionais fiquem de mãos amarradas”, pois “o fato de a Lei Fundamental alemã continuar estando em condições de oferecer soluções adequadas para os riscos do direito fundamental da liberdade também em constelações complexas, definidas pelo direito privado, é demonstrado também por algumas decisões do Tribunal Constitucional Federal dos tempos mais recentes” 6.

Tal perspectiva de dificuldades enfrentadas pela Suprema Corte alemã para a preservação de direitos fundamentais em relação ao ambiente de redes sociais ou em relação às empresas de tecnologia pode ser tranquilamente transportada para o Brasil contemporâneo, especialmente porque vivenciamos os mesmos dilemas de digitalização da vida como a Alemanha e porque, por aqui, há um fator agravante ao direito constitucional germânico: o legislador constituinte brasileiro optou por quedar-se silente - ao contrário do que ocorreu na Alemanha, Portugal e mesmo Espanha, para referir os exemplos mais conhecidos – quanto ao “estabelecimento de um regime constitucional expresso e específico em matéria de limites e limites aos limites dos direitos fundamentais, à exceção da previsão de reservas de lei e da proibição de abolição efetiva e tendencial de conteúdos protegidos contra a reforma constitucional (art. 60, § 4º da Constituição de 1988)” 7.

Na falta de tal regime constitucional expresso de “limites e limites aos limites dos direitos fundamentais”, não há dúvidas de que o legislador constituinte originário estabeleceu que cabe ao STF a solução das colisões de direitos fundamentais envolvendo a liberdade de expressão, deixando ao alvedrio da Corte estabelecer os limites de tal direito fundamental no Brasil, até também porque a CF/88 não estabeleceu soluções a priori para tais colisões dos direitos fundamentais.

Assim, se notícias falsas são utilizadas para promover discurso de ódio e intolerância e desestabilizar as instituições e o próprio regime democrático de direito estabelecidos pela CF/88 - tem sido senso comum que a internet e as redes sociais venham sendo exploradas para solapar os elementos básicos da democracia liberal - devem as instituições constitucionais, especialmente o STF como guardião do Estado democrático constitucional de direito por expressa determinação do seu texto (art. 102. da CF/88), promover as restrições judiciais cabíveis para proteger o Estado democrático de direito contra uma versão absoluta de liberdade de expressão fomentada por aqueles que estão “preparados para fazer de tudo que for necessário para serem eleitos – mentir, confundir e incitar o ódio contra os demais cidadãos” 8.

Parece-nos, portanto, muito oportuno analisar a possibilidade de restrição do direito fundamental de liberdade de expressão pelo STF, especialmente em uma realidade contemporânea em que a internet e as redes sociais reverberam vozes a favor de uma liberdade de expressão absoluta sob a qual se possa disseminar ódio e informações inverídicas ou mentiras e estimular violência contra pessoas ou instituições.


4. Os direitos fundamentais não são absolutos e admitem restrições.

Viver em sociedade naturalmente leva a que nenhuma liberdade possa ser absoluta, sob pena de colocar em risco a liberdade das demais pessoas e porque a liberdade absoluta de um indivíduo ou de um grupo social colocaria em risco o próprio estrato social no qual os mesmos vivem, pois, como disse Hannah Arendt, “Onde os homens aspiram ser soberanos, como indivíduos ou como grupos organizados, devem se submeter à opressão da vontade, seja esta a vontade individual com a qual obrigo a mim mesmo, seja a ‘vontade geral” de um grupo organizado. Se os homens desejam ser livres, é precisamente à soberania que devem renunciar” 9.

Nas democracias constitucionais contemporâneas não há qualquer possibilidade de liberdades individuais desmensuradas e sem restrições 10, pois as Constituições contemporâneas - sendo a brasileira um grande exemplo destas ao prever a dignidade da pessoa humana como princípio (art. 1º, III) e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de TODOS (art. 3º, I, III e IV) como objetivos da República federativa – por um lado asseguram as liberdades inalienáveis dos indivíduos, mas por outro consagram o estabelecimento de direitos sociais e econômicos mínimos que exigem a natural restrição das liberdades individuais.

A CF/88 não permite a existência de liberdades individuais que não convivam e permitam condições mínimas de desenvolvimento humano igualitário para todos os componentes da sociedade, pois “sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais de liberdade” 11, não havendo que se falar em direitos fundamentais que possam ser interpretados como liberdades absolutas, eis que, como ensina Gustavo Binenbojm, “a liberdade de cada um deve conviver com a liberdade de todos” 12.

Falando especificamente sobre um dos ramos da liberdade de expressão, Gustavo Binebojm diz que “a liberdade de criação e expressão artística não é um valor absoluto e inquestionável” e que “discuti-la é parte do conceito da própria liberdade de expressão intelectual e tem levado a algumas nações a proscrever as manifestações voltadas puramente para a propagação do ódio e da violência, por exemplo. Fora esses casos, a garantia constitucional da liberdade de expressão deve preservar o espaço para que o artista conceba o inconcebível, diga o indizível e transforme em arte qualquer sentimento humano” 13.


5. A interpretação inicial da liberdade de expressão pelo STF.

O ministro Celso de Mello, no famoso caso Ellwanger (HC nº 82.959/RS 14), reforçou seu entendimento de que a liberdade de expressão é um direito fundamental de enorme importância, com caráter preferencial no conflito com outros direitos fundamentais, mas que não possui caráter absoluto, por nele não estarem permitidos expressões ou comportamentos de caráter discriminatório ou racista 15.

No referido julgamento assentou-se que são vedados expressamente os discursos racistas, de ódio (hate speech), reconhecendo-se que a liberdade de expressão não é um direito fundamental absoluto, pois o direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal e que as liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria CF/88. Assentou-se ainda no referido julgamento que o preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra 16.

O STF também analisou a possibilidade de limitação da liberdade de expressão quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 130/DF, na qual a Corte decidiu quanto à não recepção da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) pela CF/88, não permitindo que o Poder Judiciário proferisse liminares com base na referida lei da época da ditadura militar no Brasil para impedir a publicação de informações pela imprensa, ao argumento de que a própria CF/88, no seu art. 220, já havia realizado a ponderação entre a liberdade de expressão por meio da liberdade de imprensa com outros direitos de personalidade 17, “dando-se prevalência à liberdade de informar”, sendo “inviável a concessão de liminares para impedir a divulgação de qualquer informação” e “eventual excesso seria resolvido nas esferas cível e penal” 18.

Para o Ministro relator da ADPF nº 130, somente a CF/88 poderia limitar as comunicações sociais, não a lei e não atos da Administração Pública, mas somente a Constituição, a qual, além disso, tem um nítido caráter de garantia, proteção e tutela do direito de informar e ser informado pelos meios de comunicação de massa; disse à época o relator em seu voto que “(...) a ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas19.

Ficaram então definidos no referido julgamento do STF os seguintes pressupostos quanto ao reconhecimento da liberdade de expressão como direito fundamental 20: (i) a primazia da liberdade de expressão e informação jornalística, (ii) a impossibilidade de regulamentação estatal da liberdade de informação jornalística e (iii) a autoaplicabilidade do direito de resposta proporcional ao agravo e de indenização posterior pelo dano causado.

Ocorre que, no âmbito da ADPF nº 130, o julgamento proferido pelo STF deu-se sob uma realidade em que os principais meios de comunicação de massa e disseminação de conhecimento e informação davam-se por meio de jornais e revistas impressas, rádio e TV aberta e a propagação de desinformação não tinha a massividade, a instantaneidade e o potencial lesivo que possuem atualmente.

O próprio Ministro Relator Carlos Ayres Britto reconheceu em seu voto que a questão objeto de julgamento da Suprema Corte no âmbito da ADPF nº 130/DF não analisou a propagação de informações por meio da – então incipiente à época - internet , eis que para ele a “Rede Mundial de Computadores – INTERNET” deveria ficar “fora do conceito de imprensa” por “absoluta falta de previsão constitucional” 21, já dando indícios de que a questão a respeito da possibilidade ou não da limitação da liberdade de expressão e de imprensa por meio da internet e por redes sociais deveria ser analisada em outra oportunidade pelo STF.


6. Os novos tempos exigem nova conformação da liberdade de expressão pela Suprema Corte.

A realidade com a qual lidamos hoje é a das fake news, da instantaneidade e da massividade da reprodução de conteúdo nas redes sociais e na internet, da “robotização” dos usuários de redes sociais, da minimização e enfraquecimento da linguagem, da agressividade e da polarização ideológica do discurso, do discurso de ódio contra minorias (racismo, misognia, homofobia, dentre outros) e contra as instituições, do direcionamento do discurso pelos algoritmos das grandes redes sociais e aplicativos e, por fim, da deepweb onde não é possível qualquer controle sobre o conteúdo ou informação compartilhada no submundo da internet.

O fenômeno da digitalização da vida contemporânea, especialmente pelo uso cotidiano de redes sociais, faz com que a velocidade da disseminação de conteúdo falso seja exponencial e que qualquer informação sem fundamento possa ter consequências desastrosas 22, especialmente quando o conteúdo disseminado ou reproduzido em redes sociais reúne chamadas sensacionalistas, caráter polarizador ou antagônico e informações falsas, pois os efeitos nocivos de tais conteúdos sobre pessoas e instituições podem ser devastadores, eis que “matérias falsas, de cunho sensacionalista, tendem a ter repercussão fácil, a viralizar, a tornar-se trend topics mais rapidamente do que aquelas produzidas por jornalistas zelosos que checam os fatos” 23.

6.1. Tempos de pós-verdade: a mentira como regra.

Matthew D’Ancona acredita que atualmente vivemos uma era da pós-verdade, marcada pelo colapso da confiança que servia como mecanismo fundador de sobrevivência humana e pela fragilização das instituições devido à propagação maciça de informações inverídicas, mentiras ou fake news – chame como queira - por grupos de pressão bem financiados e que se valem da rapidez e da abrangência das redes sociais e da internet para estimular o público a questionar a verdade conclusivamente confiável, chamando a atenção o autor para o fato de que “nunca houve um modo mais rápido e mais poderoso de espalhar uma mentira do que postá-la on line24

A pretensão de tais grupos de pressão em gerar a desconfiança necessária para colocar em xeque as instituições como árbitros sociais é baseada em verdadeiras estratégias de desinformação e é favorecida pelos algoritmos das redes sociais. Inicialmente, porque a ideia de funcionamento dos algoritmos é justamente conectar as pessoas apenas àquilo que gostam ou podem gostar, gerando o chamado “filtro bolha” pelo qual as opiniões baseadas em informações inverídicas, mentiras ou fake news são reforçadas e acabam tornando as mentiras incontestadas nos grupos sociais que as aceitam. Para o autor, a internet e as redes sociais são “o valor definitivo da pós-verdade”, exatamente porque são indiferentes “à mentira, à honestidade e à diferença entre os dois” 25.

Depois, porque informações inverídicas, mentiras ou fake news ficam ainda mais potentes com a utilização de perfis robôs, contas falsas e disparos em massa de mensagens, “criando a ilusão de que as ideias por trás dessas notícias são ratificadas por milhões de indivíduos, quando, na verdade, não o são”. 26 Para se ter ideia de como o uso de robôs é massivo nas redes sociais para dar-se a impressão de aceitação da notícia falsa por outras pessoas, Miguel Lago informa que “em 2016, somente no Twitter, de seus 336 milhões de usuários em todo o mundo, os pesquisadores estimavam que até 50 milhões eram bots” e que esses “bots são comunicadores prolíficos”, eis que um “levantamento do Pew Research Center sugere que até 66% dos links compartilhados nessa mesma plataforma vinham de bots suspeitos” 27.

6.2. A polarização, que era algo até normal, foi absurdamente acirrada pelas redes sociais e tornou-se um efeito nocivo.

A atenção e a curiosidade do ser humano é mais capturada por matérias de cunho sensacionalista e assuntos que polarizem pensamentos antagônicos, sendo até, de certa forma natural, que informações com forte viés ideológico e caráter de polarização e antagonização divulgadas por redes sociais tenham maior recepção das pessoas do que as reportagens realizadas pela chamada imprensa tradicional.

Mas, o fato é que a experiência virtual personalizada pelos algoritmos gera o que Eli Pariser chama de “bolha dos filtros”, pois o código básico das redes sociais e da internet é a geração de filtros on line que examinam tudo aqui de que as pessoas gostam e passam a oferecer a elas exatamente mais do que já gostam, aproximando também de forma virtual pessoas que tenham as mesmas opiniões e gostos, alterando-se assim, de forma profunda, o modo como as pessoas se deparam com ideias e informações; por isso, “numa época em que as informações partilhadas são a base para a experiência partilhada, a bolha dos filtros é uma força centrífuga que nos afasta um dos outros” 28.

Tal tipo de relacionamento virtual contribui por acirrar as polarizações ideológicas já existentes nas redes sociais e na internet, eis que “essa interação por nichos, de um lado, engessa a cosmovisão das pessoas, ao restringi-las àquele universo composto somente por quem pensa de maneira igual a elas e, de outro lado, gera efeitos verdadeiramente polarizantes, o que contribui para a balcanização das visões e do comportamento político de cada um” 29.

6.3. O encolhimento do espaço de deliberação pública pelas redes sociais.

Ao invés do que esperava, que a internet e as redes sociais permitissem o fluxo livre e contínuo de informações, aumentando o espaço de deliberação pública para além das instituições estatais, o que se tem visto é exatamente o contrário. É que as redes sociais transformaram-se em espaço público especialmente propício para a proliferação de informações inverídicas ou fake news que são usadas, deliberadamente, por grupos de pressão para provocar o “encolhimento da dimensão deliberativa da esfera pública”, eis que o propósito da comunicação política baseada nas fake news é que o discurso político deixe de ser baseado no bem comum e no debate por evidências científicas para convencer quem pensa diferente e passe, ao invés disso, a “reforçar identidades particulares, aquecer polêmicas e fomentar ódio à diferença” 30.

Então como se discutir e solucionar problemas cruciais da população, se essa vem sendo bombardeada até mesmo com as chamadas “deepfakes”, cuja tecnologia é baseada em criar vídeos falsos, porém bem realistas, com pessoas fazendo coisas que nunca fizeram de verdade ou em situações que nunca presenciaram, usando inteligência artificial para manipular imagens de rostos e criar movimentos, simulando expressões e falas 31.

Para se ter uma noção do potencial lesivo dessa tecnologia basta lembrar do recente vídeo da jornalista Renata Vasconcelos adulterado por deepfake que circulou massivamente pelas redes sociais, no qual se propagou a informação inverídica – ou mentirosa 32 ou fake news, chame como achar melhor – em que a âncora do Jornal Nacional falava da liderança de Jair Bolsonaro em pesquisas para o 1º turno da recente eleição presidencial, quando o fato verdadeiro noticiado na televisão foi que o candidato Lula estava na liderança das pesquisas para o referido pleito 33.

É sob esse contexto recente que o STF se vê no desafio de reanalisar a interpretação que se deve dar à liberdade de expressão como direito fundamental, sendo absolutamente natural, portanto, que a solução para os conflitos jurídico-constitucionais envolvendo a liberdade de expressão, principalmente nas redes sociais, receba outro tipo de resposta da Corte que não seja permitir a divulgação do conteúdo e a posterior responsabilização de quem o divulgou.

E mais! Atualmente, o desafio da Suprema Corte não se limita apenas aos efeitos que a propagação de conteúdo falso ou mentiroso tenha na esfera privada dos indivíduos, pois a Corte tem sido instada a decidir pela manutenção ou não de conteúdos em redes sociais, cuja propagação instantânea e massiva para milhares ou milhões de pessoas pelas redes sociais tem enorme potencial ofensivo ao Estado democrático de direito e às instituições responsáveis pela sua proteção, como, por exemplo, o próprio STF.


7. A nova conformação da liberdade de expressão pelo STF.

Diferentemente do contexto sob o qual produziu as balizas do julgamento da ADPF n º 130 34, atualmente a Suprema Corte precisa interpretar a liberdade de expressão sob a perspectiva de que a posterior responsabilização do propagador de conteúdo falso ou mentiroso pode ser insignificante diante do potencial ofensivo que a informação divulgada de forma massiva e instantânea por redes sociais como whatsapp, telegram, twitter, instagram, facebook e youtube pode trazer às pessoas, às instituições e à democracia brasileira.

Felizmente, o STF, em tais casos concretos, tem agido acertadamente ao repelir o abuso de direito e a violação aos princípios democrático e republicano, determinado a supressão das redes sociais de conteúdo falso ou mentiroso, a investigação e até mesmo a prisão daqueles que violam o princípio republicano e democrático, utilizando-se de fake news para ameaçar pessoas, incitar a violência contra instituições e contra a democracia brasileira; ou seja, para cometer crimes previstos na legislação penal 35.

O julgado mais categórico desta nova forma de interpretar a liberdade de expressão, sob a perspectiva de que não se pode admitir a consideração da liberdade de expressão como um direito absoluto, que não possa ser restringido pelo Poder Judiciário, deu-se no recente julgamento da ADPF nº 572 36, a qual foi ajuizada com a pretensão de anular a portaria da Presidência do STF que instaurou na Suprema Corte o Inquérito das Fake News (INQ 4781).

No referido julgamento, a Suprema Corte delimitou os contornos jurídicos da liberdade de expressão e afirmou categoricamente que a mesma não é um direito fundamental absoluto, podendo haver a sua limitação quando a divulgação do conteúdo ou informação falsa seja feita para ameaçar outras pessoas, as instituições e a democracia brasileira.

Nos seus votos na referida ADPF nº 572, o Ministro Celso de Mello afirmou que "a incitação ao ódio público e a propagação de ofensas e ameaças não estão abrangidas pela cláusula constitucional que protege a liberdade de expressão e do pensamento" e a Ministra Rosa Weber assentou que “vemo-nos às voltas com ataques sistemáticos que em absoluto se circunscrevem com críticas e divergências abarcadas no direito de livre expressão e manifestação assegurados constitucionalmente, traduzindo, antes, ameaças destrutivas às instituições e a seus membros com a intenção de desmoralizá-las” 37.

Já a Ministra Carmen Lúcia disse que "não é possível considerar como protegidos pela liberdade de expressão atos que atentem contra a Constituição, incitem o ódio ou o cometimento de crimes" 38, estando seu pensamento alinhado com o do Ministro Alexandre de Moraes, segundo o qual a “liberdade de expressão não é liberdade de agressão, de destruição da democracia, das instituições e da honra alheia, nem se confunde com ameaças, coações, atentados” e “a Constituição Federal não permite que criminosos se escondam, sob o manto da liberdade de expressão, para a prática de discurso de ódio, antidemocrático, de infrações penais e de atividades ilícitas” 39.

Já o Ministro Gilmar Mendes chamou a atenção para o fato de que "o uso sistemático de robôs para divulgar notícias falsas e ameaças não é liberdade de expressão, mas um movimento orquestrado para afetar a credibilidade do STF" 40 e das instituições de defesa do estado democrático brasileiro.

Também vale a pena expor as sempre bem lançadas palavras do Ministro Luís Roberto Barroso: "Numa democracia, há espaço para conservadores, liberais e progressistas, mas não há espaço para violência, ameaças e discursos de ódio" 41.

Um pouco antes, no julgamento da Tutela Provisória Antecedente (TPA) nº 39 , o Ministro Edson Fachin fez importantes considerações a respeito da possibilidade de limitação da liberdade de expressão quando esta baseia-se em afirmações notória e sabidamente falsas ou que só visam tumultuar o ambiente democrático, pois “não existe direito fundamental a atacar à democracia a pretexto de se exercer qualquer liberdade, especialmente a liberdade de expressão” e “não se deve confundir o livre debate público de ideias e a livre disputa eleitoral com a autorização para disseminar desinformação, preconceitos e ataques à democracia” 42.

E, ainda mais recentemente, o Plenário do STF firmou maioria na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 7261/DF para reconhecer a constitucionalidade da recente resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que ampliou seus poderes no combate às fake news e que permite à Corte Eleitoral a determinação de retirada imediata das postagens das redes sociais quando se já tenha constatado anteriormente ser o conteúdo ou informação por ela divulgada falsa, mentirosa ou fake news 43.

Reforçou o Ministro relator Edson Fachin a necessidade de que o Poder Judiciário adote providências quando a liberdade de expressão seja exercida de forma abusiva por meio de “fake news e teorias conspiratórias calculadas”, “bots sociais, contas-fake autônomas nas mídias sociais” que se passam por “pessoas de verdade” que “postam, tuítam, curtem e compartilham” e “propagam fake news, calúnias e comentários de ódio”, pois tal abusividade coloca em risco a própria liberdade de expressão das demais pessoas, especialmente dos eleitores, eis que, em tal ambiente tóxico, “a liberdade se converte em ausência de liberdade, porquanto desconectada da realidade, da verdade e dos fatos” e “esse exercício abusivo coloca em risco a própria sociedade livre e o Estado de Direito democrático”. 44

Sob esse contexto, entendeu o relator, devidamente seguido por seus pares, que “o direito à liberdade de expressão pode ceder, em concreto, no caso em que ela for usada para erodir a confiança e a legitimidade da lisura político-eleitoral. Trata-se de cedência específica, analisada à luz da violação concreta das regras eleitorais e não de censura prévia e anterior” 45.

Ainda é cedo para afirmar como se comportará a jurisprudência do STF sobre o tema, mas tudo leva a crer que, sob uma realidade distinta daquele julgamento da ADPF nº 130, o STF determinará novas respostas para o enfrentamento dos casos em que as pessoas abusem de sua liberdade de expressão: a tendência é que agora a Suprema Corte entenda não só pela responsabilização posterior do responsável pela divulgação, mas também pela possibilidade de restrição mais efetiva da liberdade de expressão, com a determinação judicial de retirada imediata do conteúdo falso ou mentiroso das redes sociais e da internet, visando a evitar ou diminuir a propagação e a abrangência de conteúdos falsos e massivos que possam colocar em risco a segurança, a honra e a imagem de pessoas, de instituições e da própria democracia no Brasil.

Assim, tudo leva a crer, especialmente diante dos atos de destruição e vandalismo levado a efeitos por golpistas no último dia 08/01/2023 - quando as sedes dos três Poderes da república em Brasília foram invadidas e barbarizadas, com especial atenção para a destruição plena e absoluta do prédio histórico do STF -, que a tendência de nossa Suprema Corte seja efetivamente restringir a publicação de conteúdo falso ou mentiroso das redes sociais, especialmente quando isto coloque em risco a independência do Poder Judiciário e da própria Corte e a integridade de seus ministros e do próprio Estado democrático de direito.

Até porque os ministros do STF não são autômatos ou uma autoridade estatal absolutamente afastado de sentimentos pessoais, mas são sim homens e mulheres da sociedade brasileira que, muitas vezes, se afetam pelos temas ou controvérsias sob seu julgamento, sendo, por evidente, afetados por condutas e comportamentos que coloquem em xeque a própria autoridade da Corte que compõem e o Estado democrático constitucional de direito que lhes cabe proteger 46.


8. Conclusão.

Como dito anteriormente, os tempos atuais são outros: os tempos em que o conteúdo da liberdade de expressão, ou a informação jornalística, era exposto em jornais e revistas impressas e na televisão ficaram para trás; atualmente, a opinião ou o conteúdo jornalístico são essencialmente disponibilizados de forma massiva em redes sociais e na internet e pode ser compartilhado de forma instantânea com milhares ou mesmo milhões de pessoas, em um ambiente tóxico permeado por fake news, deepweb, direcionamento do discurso pelos algoritmos das grandes redes sociais e aplicativos, “robotização” dos usuários de redes sociais, polarização ideológica e discurso de ódio contra minorias (racismo, misognia, homofobia, dentre outros).

Diante do risco que o exercício abusivo da liberdade de expressão traz não só para as pessoas, como também para as instituições e para o próprio Estado democrático de direito - como bem se viu como consequência a destruição das sedes dos três poderes por vândalos golpistas no recente e fatídico dia 08 de janeiro de 2023 -, o STF tem produzido julgados que evidenciam uma tendência de intensificação da possibilidade de restrição judicial da liberdade de expressão em tais casos.

Como a realidade fática e social atual é absolutamente distinta do contexto em que foi julgada a ADPF nº 130, parece-nos que a tendência seja o STF adotar novas respostas judiciais para o enfrentamento dos casos em que as pessoas abusem de sua liberdade de expressão; como bem mostram os julgamentos efetuados na ADPF nº 572/DF, na TPA 39 MC-REF/DF e na ADI nº 7261/DF, a tendência é que, ao invés de decidir apenas pela responsabilização posterior do ofensor, a Corte caminhe pela intensificação da restrição mais efetiva da liberdade de expressão, com a determinação judicial de retirada imediata do conteúdo falso ou mentiroso das redes sociais e da internet, visando a evitar ou diminuir a propagação e a abrangência de conteúdos falsos e massivos que possam colocar em risco a segurança, a honra e a imagem de pessoas, de instituições e da própria democracia no Brasil.


Referências bibliográficas

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Trad. Mauro W. Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2016.

BANHOS, Sérgio Silveira. Fake News, fair play eleitoral e democracia. In Democracia e sistema de justiça: obra em homenagem aos 10 anos do Ministro Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal. Coord. Alexandre de Moraes, André Luiz de Almeida Mendonça. Belo Horizonte: Fórum, 2020.

BINENBOJM, Gustavo. Liberdade igual: o que é e por que importa. Rio de Janeiro: História real, 2020.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI nº 4451, Min. Rel. Alexandre de Moraes, Pleno, J. 21/06/2018. Disponível em <www.stf.jus.br> . Acesso em: 01/11/2022.

________________. ADI nº 4815, Min. Rel. Cármen Lúcia, Pleno, j. 10/06/2015. Disponível em <www.stf.jus.br> . Acesso em: 01/11/2022.

_____________. ADI nº 7261/DF. Min. Rel. Edson Fachin. J. 25/10/2022. Disponível em <www.stf.jus.br> Acesso em: 25/01/2023.

________________. ADPF nº 130/DF. Rel. Min. Aires Britto. J. 06/11/2009. Disponível em <www.stf.jus.br> . Acesso em: 01/11/2022.

________________. ADPF nº 187/DF, Min. Rel. Celso de Mello, Pleno, J. 15/6/2011. Disponível em <www.stf.jus.br> . Acesso em: 01/11/2022.

________________. ADPF nº 548 MC REF, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 31/10/2018, Informativo nº 922. Disponível em <www.stf.jus.br> . Acesso em: 01/11/2022.

______________. ADPF nº 572/DF, Min. Rel. Edson Fachin, Pleno, J. 18/06/2020. Disponível em <www.stf.jus.br> Acesso em: 01/11/2022.

________________. HC 82.424-2/RS. Rel. Min. Maurício Correa. J. 7/09/2003. Disponível em <www.stf.jus.br> Acesso em 01/11/2022.

____________. TPA 39 MC-REF/DF. Min. Rel. Nunes Marques. Min. Rel. p/ acórdão Edson Fachin. J. 07/06/2022. Disponível em <www.stf.jus.br> Acesso em: 01/11/2022.

BRASIL. Lei nº 14.197/2021. Disponível em <www.planalto.gov.br> Acesso em 25/01/2023.

BRITTO, Carlos Ayres. Limitações constitucionais em temas de comunicação social. In Aspectos polêmicos da atividade do entretenimento. Mangaratiba: Academia Paulista de Magistrados, 2004

CASTANHO DE CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti. O Supremo Tribunal Federal brasileiro e o direito de imprensa: análise da decisão do STF na ADPF nº 130-DF. In Direitos fundamentais em construção: estudos em homenagem ao ministro Carlos Ayres Britto. Coord. Márcia Rodrigues Bertoldi; Kátia Cristine Santos de Oliveira. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

CORRÊA DA VEIGA, Aloysio. As redes sociais e a ética na magistratura. In Democracia e sistema de justiça: obra em homenagem aos 10 anos do Ministro Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal. Coord. Alexandre de Moraes, André Luiz de Almeida Mendonça. Belo Horizonte: Fórum, 2020.

D’ANCONA, Matthew. Pós-verdade. Trad. Carlos Szlakj. Barueri: Faro editorial, 2018.

MOUNK, Yascha. O povo contra a democracia: porque nossa liberdade corre perigo e como salvá-la. Trad. Cássio de Arantes Leite e Débora Landberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

PARISER, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Trad. Diego Alfaro. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

PONTES, João Gabriel Madeira. Democracia militante em tempos de crise. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2020.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 13ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021.

SARMENTO, Daniel. Crise democrática e a luta pela Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2020.

SOUZA NETO, Claudio Pereira de. Democracia em crise no Brasil: valores constitucionais, antagonismo político e dinâmica institucional. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020.

STARLING, Heloisa Murgel; LAGO, Miguel; BIGNOTTO, Newton. Linguagem de destruição: a democracia brasileira em crise. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In Teoria dos direitos fundamentais. Org. Ricardo Lobo Torres. Rio de janeiro: Renovar, 1999.

Voβkuhle, Andreas. Defesa do Estado Constitucional democrático em tempos de populismo. Trad. Peter Naumann. Coord. Michel Westland. São Paulo: Saraiva, 2020.

Zagrebelsky, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. 10ª ed. Madri: Editorial Trotta, 2011.


Notas

  1. .......

  2. SARMENTO, Daniel. Crise democrática e a luta pela Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 362.

  3. “Vivemos hoje em um mundo extremamente conectado e interativo. Os dados comprovam isso. Somos mais de 3 bilhões de pessoas ligadas às redes sociais, o que significa cerca de 40% da população mundial, a qual é estimada e 7,5 bilhões. No Brasil, quase 145 milhões de pessoas conectadas às redes sociais estão conectadas às redes sociais, ou seja, 89% da base de usuários da internet. O Facebook tem pouco mais de 2,5 bilhões de usuários, sendo cerca de 130 milhões de brasileiros, segundo dados divulgados pela própria plataforma em janeiro de 2019. No WhatsApp, no Instagram, no Twitter e no Google, números expressivos de usuários locais fazem com que o país seja detentor da marca de 8% a 10% dos usuários mundiais. Não há, portanto, como desconsiderar essa realidade.” In BANHOS, Sérgio Silveira. Fake News, fair play eleitoral e democracia. In Democracia e sistema de justiça: obra em homenagem aos 10 anos do Ministro Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal. Coord. Alexandre de Moraes, André Luiz de Almeida Mendonça. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 627.

  4. CORRÊA DA VEIGA, Aloysio. As redes sociais e a ética na magistratura. In Democracia e sistema de justiça: obra em homenagem aos 10 anos do Ministro Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal. Coord. Alexandre de Moraes, André Luiz de Almeida Mendonça. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 66.

  5. Voβkuhle, Andreas. Defesa do Estado Constitucional democrático em tempos de populismo. Trad. Peter Naumann. Coord. Michel Westland. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 125.

  6. Ibdem. p. 125/126.

  7. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 13ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021. p. 406.

  8. MOUNK, Yascha. O povo contra a democracia: porque nossa liberdade corre perigo e como salvá-la. Trad. Cássio de Arantes Leite e Débora Landberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

  9. ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Trad. Mauro W. Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2016. p. 213.

  10. Foi, inclusive, nesse contexto que Gustavo Zagrebelsky cunhou a interessante figura da ductibilidade para expressar a enorme importância da Constituição para resolver problemas complexos à medida que as sociedades pluralistas evoluem e sobre a impossibilidade de existir direitos fundamentais absolutos em Estados democráticos constitucionais de direito. Como disse o autor italiano, traduzido para o espanhol que nos é compreensível: “Si mediante uma palabra lo más aproximada posíble, quisiéramos indicar el sentido de este carácter essencial del derecho de los Estados constitucionales actuales, quizás podríamos usar la imagem de la ductibilidade. La coexistência de valores y princípios, sobre la que hoy debe basarse necessariamente una Constituición para no renunciar a sua cometidos de unidad e integración y al mismo tempo no hacerse incompatible com su base material pluralista, exige que cada uno de tales valores y princípios se assuma com carácter no absoluto, compatible com aquellos otros com los que debe convivir.” Zagrebelsky, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. 10ª ed. Madri: Editorial Trotta, 2011. p. 14.

  11. TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In Teoria dos direitos fundamentais. Org. Ricardo Lobo Torres. Rio de janeiro: Renovar, 1999. p. 263.

  12. BINENBOJM, Gustavo. Liberdade igual: o que é e por que importa. Rio de Janeiro: História real, 2020. p. 14.

  13. Ibdem. p. 24/25.

  14. Assim afirmou o Supremo Tribunal Federal ao considerar que a negação do holocausto nazista na 2ª guerra mundial não é aceitável pela ordem constitucional vigente, tendo a Corte Suprema negado a reforma da ordem de restrição de liberdade a autor de livro que disseminou ideias antissemitas, eis que tal fato se configura ilicitude penal tipificada em escrever, editar publicar e comentar livros fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias contra a comunidade judaica, no âmbito do crime de racismo. É o que se verifica do seguinte acórdão:

    HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pelos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. (...) 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal ( CF , artigo 5º , § 2º , primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento". No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada.” (grifamos) HC 82.424-2/RS. Rel. Min. Maurício Correa. J. 7/09/2003. Disponível em www.stf.jus.br Acesso em 01/11/2022.

  15. No seu voto, o ministro argumentou que “(...) publicações – como a de que trata esta impetração – que extravasam os limites da indagação científica e da pesquisa histórica, degradando-se ao nível primário do insulto, da ofensa e, sobretudo, do estímulo à intolerância e ao ódio público pelos judeus, não merecem a dignidade da proteção constitucional que assegura a liberdade de expressão do pensamento, que não pode compreender, em seu âmbito de tutela, manifestações revestidas de ilicitude penal.” (p. 628) Voto do Ministro Celso de Mello no HC 82.424-2/RS. Rel. Min. Maurício Correa. J. 7/09/2003. Disponível em www.stf.jus.br Acesso em 01/11/2022.

  16. HC 82.424-2/RS. Rel. Min. Maurício Correa. J. 7/09/2003. Disponível em www.stf.jus.br Acesso em 01/11/2022

  17. Para o Ministro Ayres Britto, os incisos IV, V, X, XIII, XIV do art. 5º da CF/88 impõem limites ao exercício da comunicação social pela grande imprensa, enquanto o art. 220, § 1º da CF/88 vai justamente dizer que a lei não poderá impor limitações à liberdade de informação jornalística, salvo aquelas previstas justamente nos referidos incisos do art. 5º da CF/88. In BRITTO, Carlos Ayres. Limitações constitucionais em temas de comunicação social. In Aspectos polêmicos da atividade do entretenimento. Mangaratiba: Academia Paulista de Magistrados, 2004, p. 89/90.

  18. CASTANHO DE CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti. O Supremo Tribunal Federal brasileiro e o direito de imprensa: análise da decisão do STF na ADPF nº 130-DF. In Direitos fundamentais em construção: estudos em homenagem ao ministro Carlos Ayres Britto. Coord. Márcia Rodrigues Bertoldi; Kátia Cristine Santos de Oliveira. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 201.

  19. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADPF nº 130/DF. Rel. Min. Aires Britto. J. 06/11/2009. Disponível em <www.stf.jus.br> . Acesso em: 01/11/2022.

  20. Seguem os trechos pertinentes do voto do Ministro Relator:

    Primazia da liberdade de expressão e informação jornalística - “no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras”

    Impossibilidade de regulamentação estatal da liberdade de informação jornalística - “são irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou substrato da liberdade de informação jornalística, por se tratar de bens jurídicos que têm na própria interdição da prévia interferência do Estado o seu modo natural, cabal e ininterrupto de incidir. Vontade normativa que, em tema elementarmente de imprensa, surge e se exaure no próprio texto da Lei Suprema.”

    Autoaplicabilidade do direito de resposta proporcional ao agravo e de indenização pelo dano causado – “Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, “de eficácia plena e de aplicabilidade imediata”, conforme classificação de José Afonso da Silva. “Norma de pronta aplicação”, na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta.” Vide ADPF 130/DF. Rel. Min. Aires Britto. J. 06/11/2009. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em: 01/11/2022.

  21. CASTANHO DE CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti. Op. Cit. p. 206.

  22. BANHOS, Sérgio Silveira. Op. Cit. p. 626.

  23. Ibdem. p. 628.

  24. D’ANCONA, Matthew. Pós-verdade. Trad. Carlos Szlakj. Barueri: Faro editorial, 2018. p. 42/53.

  25. Ibdem. p. 53/55.

  26. PONTES, João Gabriel Madeira. Democracia militante em tempos de crise. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2020. p. 20.

  27. STARLING, Heloisa Murgel; LAGO, Miguel; BIGNOTTO, Newton. Linguagem de destruição: a democracia brasileira em crise. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. p. 35.

  28. PARISER, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Trad. Diego Alfaro. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. p. 14/15.

  29. PONTES, João Gabriel Madeira. Op. Cit. p. 18/19.

  30. SOUZA NETO, Claudio Pereira de. Democracia em crise no Brasil: valores constitucionais, antagonismo político e dinâmica institucional. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020. p. 34/35.

  31. O que é deepfake e porque você deveria se preocupar: saiba mais detalhes da tecnologia que usa IA para trocar o rosto de pessoas em vídeos e manipular áudios. Disponível em <https://tecnoblog.net/responde/o-que-e-deep-fake-e-porque-voce-deveria-se-preocupar-com-isso/> Acesso em 01/11/2022.

  32. Eu prefiro chamar pelo jeito tradicional de informação MENTIROSA, tal como o faz a Ministra Carmen Lucia do STF. Veja em "Fake news é mentira", alerta a ministra do STF, Carmen Lúcia, em seminário no Senado”. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=fqm5KBSaA7g> Acesso em 01/11/2022.

  33. Disponível em <https://noticias.uol.com.br/videos/2022/08/18/video-falso-1-deepfake-mostra-pesquisa-falsa-na-voz-de-renata-vasconcellos.htm> Acesso em 01/11/2022.

  34. Há diversos outros julgados em que o STF estipulou a prevalência da liberdade de expressão sobre os demais direitos fundamentais, como, por exemplo, quando a Corte declarou inconstitucionais dispositivos da legislação eleitoral que restringiam a liberdade de expressão, assentando-a como premissa imprescindível à participação política e à democracia (ADI nº 4451, Min. Rel. Alexandre de Moraes, Pleno, J. 21/06/2018). Outros exemplos citados pelo Min. Edson Fachin foram quando a Suprema Corte, sob o viés do reflexo de medidas incriminatórias na inibição do debate público (chilling effect), preservou o direito à livre manifestação (ADPF nº 187/DF, Min. Rel. Celso de Mello, Pleno, J. 15/6/2011), ou quando a Corte ratificou a prioridade prima facie da liberdade de expressão em relação a outros direitos no caso das biografias não autorizadas, afirmando que eventuais incorreções, nesse espectro, devem invocar a responsabilização e o direito de resposta, não a censura (ADI nº 4815, Min. Rel. Cármen Lúcia, Pleno, j. 10/06/2015). O Plenário, ainda, referendou decisão monocrática da Min. Carmen Lúcia, que, em ADPF, “suspendeu os efeitos de atos judiciais ou administrativos emanados de autoridade pública que possibilitem, determinem ou promovam o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e discentes universitários, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento em ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração de universidades públicas e privadas e serventes a seus fins e desempenhos”. (ADPF nº 548 MC REF, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 31/10/2018, Informativo nº 922).

  35. A Lei nº 14.197/2021 revogou a antiga Lei de Segurança Nacional e alterou o Código Penal (CP) para tipificar crimes contra o Estado democrático de direito, dentre os quais se citam os previstos no art. 286, parágrafo único e no art. 359-L do CP, in verbis:

    - Art. 286. (...) Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade.

    - Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: (...).

  36. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ADPF. PORTARIA GP Nº 69 DE 2019. PRELIMINARES SUPERADAS. JULGAMENTO DE MEDIDA CAUTELAR CONVERTIDO NO MÉRITO. PROCESSO SUFICIENTEMENTE INSTRUÍDO. INCITAMENTO AO FECHAMENTO DO STF. AMEAÇA DE MORTE E PRISÃO DE SEUS MEMBROS. DESOBEDIÊNCIA. PEDIDO IMPROCEDENTE NAS ESPECÍFICAS E PRÓPRIAS CIRCUNSTÂNCIAS DE FATO EXCLUSIVAMENTE ENVOLVIDAS COM A PORTARIA IMPUGNADA. LIMITES. PEÇA INFORMATIVA. ACOMPANHAMENTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. SÚMULA VINCULANTE Nº 14. OBJETO LIMITADO A MANIFESTAÇÕES QUE DENOTEM RISCO EFETIVO À INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. PROTEÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA. 1. Preliminarmente, trata-se de partido político com representação no Congresso Nacional e, portanto, legitimado universal apto à jurisdição do controle abstrato de constitucionalidade, e a procuração atende à “descrição mínima do objeto digno de hostilização”. A alegação de descabimento pela ofensa reflexa é questão que se confunde com o mérito, uma vez que o autor sustenta que o ato impugnado ofendeu diretamente à Constituição. E, na esteira da jurisprudência desta Corte, compete ao Supremo Tribunal Federal o juízo acerca do que se há de compreender, no sistema constitucional brasileiro, como preceito fundamental e, diante da vocação da Constituição de 1988 de reinstaurar o Estado Democrático de Direito, fundado na “dignidade da pessoa humana” (CR, art. 1º, III), a liberdade pessoal e a garantia do devido processo legal, e seus corolários, assim como o princípio do juiz natural, são preceitos fundamentais. Por fim, a subsidiariedade exigida para o cabimento da ADPF resigna-se com a ineficácia de outro meio e, aqui, nenhum outro parece, de fato, solver todas as alegadas violações decorrentes da instauração e das decisões subsequentes. 2. Nos limites desse processo, diante de incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais, arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada totalmente improcedente, nos termos expressos em que foi formulado o pedido ao final da petição inicial, para declarar a constitucionalidade da Portaria GP n.º 69/2019 enquanto constitucional o artigo 43 do RISTF, nas específicas e próprias circunstâncias de fato com esse ato exclusivamente envolvidas. 3. Resta assentado o sentido adequado do referido ato a fim de que o procedimento, no limite de uma peça informativa: (a) seja acompanhado pelo Ministério Público; (b) seja integralmente observada a Súmula Vinculante nº 14; (c) limite o objeto do inquérito a manifestações que, denotando risco efetivo à independência do Poder Judiciário (CRFB, art. 2º), pela via da ameaça aos membros do Supremo Tribunal Federal e a seus familiares, atentam contra os Poderes instituídos, contra o Estado de Direito e contra a Democracia; e (d) observe a proteção da liberdade de expressão e de imprensa nos termos da Constituição, excluindo do escopo do inquérito matérias jornalísticas e postagens, compartilhamentos ou outras manifestações (inclusive pessoais) na internet, feitas anonimamente ou não, desde que não integrem esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais. (grifamos) ADPF nº 572/DF, Min. Rel. Edson Fachin, Pleno, J. 18/06/2020. Disponível em <www.stf.jus.br> Acesso em: 01/11/2022

  37. ADPF nº 572/DF, Min. Rel. Edson Fachin, Pleno, J. 18/06/2020. Disponível em <www.stf.jus.br> Acesso em: 01/11/2022..

  38. Ibidem.

  39. ADPF nº 572/DF, Min. Rel. Edson Fachin, Pleno, J. 18/06/2020. Disponível em <www.stf.jus.br> Acesso em: 01/11/2022.

  40. Ibidem.

  41. Ibidem.

  42. TUTELA PROVISÓRIA ANTECEDENTE. MEDIDA CAUTELAR. NÃO REFERENDO. DECISÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL – TSE. PROBABILIDADE DO DIREITO E PERIGO DA DEMORA. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROBABILIDADE DE PROVIMENTO DO AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACERTO DA DECISÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. PERIGO DA DEMORA INVERSO. PROCESSO ELEITORAL. NOTÍCIAS FALSAS. SEGURANÇA JURÍDICA. ELEIÇÕES. 1. Havendo perigo da demora em sentido inverso, decorrente da ausência de probabilidade de provimento do agravo em recurso extraordinário contra decisão do TSE, não há que se conceder a tutela provisória. 2. Não pode partido político, candidato ou agente político eleito invocar normas constitucionais e direitos fundamentais para erodir a democracia constitucional brasileira. 3. Não se deve confundir o livre debate público de ideias e a livre disputa eleitoral com a autorização para disseminar desinformação, preconceitos e ataques ao sistema eletrônico de votação, ao regular andamento do processo eleitoral, ao livre exercício da soberania popular e à democracia. 4. A jurisprudência reiterada do TSE e do Supremo Tribunal Federal reconhecem que não há liberdade de expressão, nem imunidade parlamentar, que ampare a disseminação de informações falsas por redes sociais e na internet. Ausência de inovação jurisprudencial a respeito dessas temáticas. 5. Tutela provisória não referendada. (grifamos) TPA 39 MC-REF/DF. Min. Rel. Nunes Marques. Min. Rel. p/ acórdão Edson Fachin. J. 07/06/2022. Disponível em <www.stf.jus.br> Acesso em: 01/11/2022.

  43. DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. CONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO TSE Nº. 23.714/2022. ENFRENTAMENTO DA DESINFORMAÇÃO CAPAZ DE ATINGIR A INTEGRIDADE DO PROCESSO ELEITORAL. 1. Não se reveste de fumus boni iuris a alegação de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao exercer a sua atribuição de elaboração normativa e o poder de polícia em relação à propaganda eleitoral, usurpa a competência legislativa da União, porquanto a Justiça Especializada vem tratando da temática do combate à desinformação por meio de reiterados precedentes jurisprudenciais e atos normativos, editados ao longo dos últimos anos. 2. A Resolução TSE nº. 23.714/2022 não consiste em exercício de censura prévia. 3. A disseminação de notícias falsas, no curto prazo do processo eleitoral, pode ter a força de ocupar todo espaço público, restringindo a circulação de ideias e o livre exercício do direito à informação. 4. O fenômeno da desinformação veiculada por meio da internet , caso não fiscalizado pela autoridade eleitoral, tem o condão de restringir a formação livre e consciente da vontade do eleitor. 5. Ausentes elementos que, nesta fase processual, conduzam à decretação de inconstitucionalidade da norma impugnada, há que se adotar atitude de deferência em relação à competência do Tribunal Superior Eleitoral de organização e condução das eleições gerais. 6. Medida cautelar indeferida. (grifamos) SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI nº 7261/DF. Min. Rel. Edson Fachin. J. 25/10/2022. Disponível em <www.stf.jus.br> Acesso em: 25/01/2023.

  44. ADI nº 7261/DF. Op. Cit.

  45. Como já disse o ex-Ministro do STF Sepúlveda Pertence sobre si e seus colegas juízes da Suprema Corte brasileira: “somos brasileiros de classe média, em determinado tempo e situação”, sendo “inequívoco que todo esse condicionamento, no tempo e no espaço, influi muitas vezes até inconscientemente”, pois “a verdade é que o juiz é um homem, enquanto cidadão, com crenças, convicções, tendências conscientes e inconscientes. Muitas vezes está inteiro dentro de uma decisão. Então é óbvio que não se julga na lua”. In FALCÃO, Joaquim. O Supremo. Rio de Janeiro, FGV, 2015. P. 78/79.


Autor

  • Dalton Santos Morais

    Professor da graduação do Centro Universitário FAESA e de pós-graduação lato sensu da Escola da Advocacia-Geral da União, da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP e do Centro Universitário FAESA.. Mestre em Direito pela UFES e Especialista em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho. Procurador Federal da Advocacia-Geral da União.

    Dalton Santos Morais

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Dalton Santos. As fake news e a guinada do STF sobre liberdade de expressão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7184, 3 mar. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102188. Acesso em: 8 maio 2024.