A EC nº 103/19 e a acumulação de benefícios previdenciários pelos servidores federais

06/07/2022 às 15:02
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Se o direito à acumulação ocorrer a partir de 13/11/19, todos os benefícios, ainda que concedidos anteriormente a essa data, deverão ser considerados para definição do mais vantajoso para efeito da redução de que trata o § 3º do art. 24 da EC nº 103/19.

A disciplina constitucional alusiva à acumulação de benefícios previdenciários se inicia com o mandamento do § 6º do art. 40 da CF: Ressalvadas as aposentadorias decorrentes dos cargos acumuláveis na forma desta Constituição, é vedada a percepção de mais de uma aposentadoria à conta de regime próprio de previdência social, aplicando-se outras vedações, regras e condições para a acumulação de benefícios previdenciários estabelecidas no Regime Geral de Previdência Social.

As vedações, regras e condições para acumulação de benefícios previdenciários estabelecidas na legislação do RGPS, hoje consolidadas no art. 124 da Lei nº 8.213/91, são inaplicáveis, na forma em que se encontram, nos regimes próprios de previdência social. É mister atentar para o fato de que, nos termos do § 15 do art. 201 da CF, incluído pela EC nº 103/19, lei complementar ainda estabelecerá vedações, regras e condições para a acumulação de benefícios previdenciários.

O servidor amparado pelo art. 11 da EC nº 20/98[1], chegada a hora, deve manifestar opção irretratável pela percepção de uma das duas aposentadorias, operacionalizada mediante renúncia a um dos dois proventos.

No mais, a acumulação de benefícios segue as orientações emanadas do art. 24, caput e §§ 1º a 4º, da EC nº 103/19, ipsis litteris:

Art. 24. É vedada a acumulação de mais de uma pensão por morte deixada por cônjuge ou companheiro, no âmbito do mesmo regime de previdência social, ressalvadas as pensões do mesmo instituidor decorrentes do exercício de cargos acumuláveis na forma do art. 37 da Constituição Federal.

§ 1º Será admitida, nos termos do § 2º, a acumulação de:

I pensão por morte deixada por cônjuge ou companheiro de um regime de previdência social com pensão por morte concedida por outro regime de previdência social ou com pensões decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal;

II pensão por morte deixada por cônjuge ou companheiro de um regime de previdência social com aposentadoria concedida no âmbito do Regime Geral de Previdência Social ou de regime próprio de previdência social ou com proventos de inatividade decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal; ou

III pensões decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal com aposentadoria concedida no âmbito do Regime Geral de Previdência Social ou de regime próprio de previdência social.

§ 2º Nas hipóteses das acumulações previstas no § 1º, é assegurada a percepção do valor integral do benefício mais vantajoso e de uma parte de cada um dos demais benefícios, apurada cumulativamente de acordo com as seguintes faixas:

I 60% (sessenta por cento) do valor que exceder 1 (um) salário-mínimo, até o limite de 2 (dois) salários-mínimos;

II 40% (quarenta por cento) do valor que exceder 2 (dois) salários-mínimos, até o limite de 3 (três) salários-mínimos;

III 20% (vinte por cento) do valor que exceder 3 (três) salários-mínimos, até o limite de 4 (quatro) salários-mínimos; e

IV 10% (dez por cento) do valor que exceder 4 (quatro) salários-mínimos.

§ 3º A aplicação do disposto no § 2º poderá ser revista a qualquer tempo, a pedido do interessado, em razão de alteração de algum dos benefícios.

§ 4º As restrições previstas neste artigo não serão aplicadas se o direito aos benefícios houver sido adquirido antes da data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional.

Havendo mais de um dependente, o valor da pensão por morte a ser considerado no caso de acumulação de benefícios é o relativo à cota-parte a que o cônjuge, companheiro, ex-cônjuge recebedor de pensão de alimentos ou ex-companheiro recebedor de pensão de alimentos faz jus.[2]

No site do antigo Ministério da Previdência Social (antigo.previdencia.gov.br), lia-se o seguinte excerto: Nos casos em que a lei permitir acúmulo de benefício, serão pagos 100% do benefício de maior valor a que a pessoa tem direito, mais um percentual da soma dos demais (sem grifo no original).

Ousamos divergir. O caput do § 2º do art. 24 da EC nº 103/19 assegura a percepção do valor integral do benefício mais vantajoso e de uma parte de cada um dos demais benefícios. A parte de cada um dos demais benefícios é que é apurada cumulativamente de acordo com as faixas apresentadas, de forma escalonada, nos incisos I a IV do mesmo parágrafo.

A Nota Informativa SEI/ME nº 33.521/20 corrobora o por nós defendido nos dois últimos parágrafos.

Por outro lado, endossamos o disposto no § 7º do art. 165 da Portaria MTP nº 1.467/22, no sentido da aplicação das regras de que tratam os §§ 2º e 3º do art. 24 da EC nº 103/19 se o direito à acumulação ocorrer a partir de 13 de novembro de 2019, hipótese em que todos os benefícios deverão ser considerados para definição do mais vantajoso para efeito da redução de que trata o § 3º, ainda que concedidos anteriormente a essa data. Afinal, não há direito adquirido a regime jurídico, conforme sólida jurisprudência do STF.

Exemplo nº 1. Uma aposentada do TRE-RR, que recebe R$ 2.500,00 a título de proventos, fica viúva de um aposentado também do TRE-RR, que recebe R$ 5.000,00 a título de proventos. Além da viúva, é dependente um filho não emancipado de 9 anos de idade. Qual o valor total a que ela faz jus?

A cota-parte da viúva equivale a R$ 1.750,00. Ela faz jus a R$ 2.500,00 relativos à aposentadoria (benefício mais vantajoso), mais R$ 1.534,80 referentes à pensão por morte. Total = R$ 4.034,80. Esclareça-se que o valor da pensão é obtido a partir da realização das seguintes operações matemáticas: 1.212,00 + 60% x (1.750,00 1.212,00).

Outro exemplo. Uma mulher com duas aposentadorias, ambas anteriores a 13/11/19, fica viúva de um aposentado do TRE-RR, que recebe R$ 2.500,00 a título de proventos. A viúva é a única dependente. Qual o valor total a que ela faz jus? Os proventos da primeira aposentadoria da mulher são iguais a R$ 4.000,00, e os da segunda, a R$ 5.000,00.

Ela faz jus a R$ 5.000,00 da segunda aposentadoria (benefício mais vantajoso), mais R$ 2.496,80[3] relativos à primeira aposentadoria, mais R$ 1.384,80[4] referentes à pensão por morte. Total = R$ 8.881,60.

Melhor não requerer a pensão por morte e manter, ao amparo do § 4º do art. 24 da EC nº 103/19, os R$ 9.000,00[5].

Se, por acaso, a pensão por morte já tiver sido requerida, a interessada poderá, mediante manifestação escrita, desistir total ou parcialmente do pedido formulado ou, ainda, renunciar a direitos disponíveis, nos exatos termos do caput do art. 51 da Lei nº 9.784/99.

Majoly Aline dos Anjos Hardy, a esse respeito, leciona:

A renúncia ao benefício previdenciário é direito disponível do beneficiário, não podendo o RPPS se opor a tal pedido. Trata-se de ato voluntário, pessoal e de autonomia da vontade do beneficiário ou segurado, cabendo somente a ele tal decisão. Constatado o prejuízo financeiro, o interessado pode formalizar o pedido de renúncia ao RPPS, que deve ser acatado. A renúncia deve ser levada a termo e assinada pelo renunciante.[6]

A saída repousaria no tripé não requerer a pensão por morte, desistir do pedido (já formulado) ou renunciar ao benefício (já concedido). Quanto aos dois primeiros pés, nenhuma objeção. Já a renúncia ao benefício pode ser tida como ato irretratável e ganhar ares de definitiva, com potencial prejuízo à interessada. A ver.

Socorramo-nos, antes de mais nada, da abalizada doutrina de José dos Santos Carvalho Filho:

Como a renúncia ao direito acarreta o reconhecimento de que o titular não tem interesse em exercê-lo, a extinção do processo não poderia propiciar nova oportunidade para o interessado postular novamente o reconhecimento em outro processo administrativo, e isso porque a renúncia é definitiva para qualquer outro processo. Todavia, o direito de requerer a instauração de processo administrativo encontra eco no direito de petição, assegurado constitucionalmente (art. 5º, XXXIV, a). Dessa maneira, não se pode impedir que o interessado formule pedido de nova instauração e mesmo que o processo seja instaurado, mas nele a Administração não poderá adotar a providência requerida, qual seja, o reconhecimento do direito, porque este já terá sido objeto anteriormente de renúncia do titular. Aqui incidirá o art. 52 da lei, e a extinção se dará por causa diversa: o objeto da decisão final se tornará impossível em virtude da renúncia.[7]

Imaginemos então que ambas as aposentadorias sejam reajustadas por paridade e fiquem congeladas por longo tempo. E a pensão por morte aumente todo ano, chegando eventualmente a R$ 2.000,00. A acumulação dos três benefícios (5.000,00 + 2.496,80 + 1.684,80[8] = 9.181,60) agora se mostra vantajosa.

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A interessada, caso tenha renunciado à pensão por morte, não poderá voltar atrás e deverá arcar com o prejuízo resultante de sua decisão (R$ 181,60 mensais). Por isso mesmo, aconselhamos deixar para requerer a pensão por morte se e quando as condições se tornarem favoráveis.

Nota: a pensão por morte pode ser requerida a qualquer tempo.

Às normas constitucionais sobre acumulação de benefícios previdenciários se une o art. 225 da Lei nº 8.112/90: Ressalvado o direito de opção, é vedada a percepção cumulativa de pensão deixada por mais de um cônjuge ou companheiro ou companheira e de mais de 2 (duas) pensões.[9]

Por fim, cabe trazer à colação o Acórdão TCU nº 501/2018-Plenário e os arts. 2º a 6º da Portaria SGP/SEDGG/ME nº 4.975/21:

Acórdão 501/2018 Plenário (Consulta, Revisor Ministro-Substituto Marcos Bemquerer)

Teto constitucional. Acumulação de cargo público. Vencimentos. Abate-teto. Metodologia. Proventos. Consulta.

Nos casos de acumulações previstas no art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal, esteja o servidor em atividade ou inatividade, envolvidas ou não esferas de governo, fontes ou Poderes distintos, o teto remuneratório deverá ser observado em relação à remuneração e/ou proventos percebidos em cada vínculo funcional considerado de forma isolada, e não sobre o somatório dos valores percebidos, cabendo a cada órgão responsável pelo pagamento efetuar a glosa devida.

Portaria SGP/SEDGG/ME nº 4.975/21, arts. 2º a 6º:

Cálculo do teto remuneratório de servidores e militares ativos

Art. 2º Nas hipóteses constitucionalmente admitidas de acumulação de cargos públicos, o limite remuneratório de que trata o inciso XI do art. 37 da Constituição Federal incide isoladamente em relação a cada um dos vínculos, na seguinte conformidade:

I de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde com profissões regulamentadas;

II de dois cargos de professor;

III de um cargo de professor e outro técnico ou científico; ou

IV de um cargo, emprego ou função com cargo eletivo de vereador, havendo compatibilidade de horários.

Art. 3º Na hipótese de o servidor público civil ocupante de cargo efetivo, empregado público ou militar da ativa estar investido em cargo em comissão ou função de confiança, o limite remuneratório incidirá sobre o somatório da remuneração do cargo, emprego ou posto ou graduação militar e do valor do cargo em comissão ou função de confiança.

Cálculo do limite remuneratório de servidores aposentados e militares da inatividade

Art. 4º O limite remuneratório incidirá isoladamente em relação a cada um dos vínculos nas seguintes situações:

I acumulação entre vínculo de aposentado ou militar na inatividade com cargo em comissão ou cargo eletivo;

II acumulação entre vínculo de aposentado ou militar na inatividade com cargo ou emprego público admitido constitucionalmente; ou

III no caso da acumulação de cargos abrangida pelo art. 11 da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, de membros de poder e de aposentados e inativos, servidores, empregados públicos e militares, que tenham ingressado novamente no serviço público por meio de concurso público e pelas demais formas previstas na Constituição Federal.

Cálculo do limite remuneratório de pensionistas

Art. 5º No caso de percepção simultânea de pensão, com remuneração de cargo efetivo, emprego público, posto ou graduação militar, provento, inatividade ou cargo em comissão ou função de confiança, o limite remuneratório incidirá sobre a soma da pensão com os rendimentos dos demais vínculos.

Art. 6º No caso de percepção simultânea de pensão com mais de um cargo, emprego, posto ou graduação militar acumuláveis, o limite remuneratório deverá incidir sobre a soma da pensão com a remuneração de vínculo mais antigo.

Para ilustrar a aplicação do teto remuneratório constitucional (R$ 39.293,32) na hipótese de acumulação de benefícios previdenciários, um terceiro exemplo. Uma mulher com duas aposentadorias resultantes do exercício de cargos acumuláveis na esfera federal, ambas anteriores a 13/11/19, fica viúva de um aposentado do TRE-RR, que recebe R$ 3.000,00 a título de proventos. A viúva é a única dependente. Qual o valor total a que ela faz jus? Os proventos da primeira aposentadoria da mulher são iguais a R$ 4.000,00, e os da segunda, a R$ 39.000,00.

Ela faz jus a R$ 39.000,00 da segunda aposentadoria (benefício mais vantajoso), mais R$ 2.496,80[10] relativos à primeira aposentadoria, mais R$ 1.564,80[11] referentes à pensão por morte. Total (antes da aplicação do teto remuneratório constitucional) = R$ 43.061,60.

Como aplicar o teto remuneratório constitucional na situação descrita? Tomemos o art. 6º da Portaria SGP/SEDGG/ME nº 4.975/21: No caso de percepção simultânea de pensão com mais de um cargo, emprego, posto ou graduação militar acumuláveis, o limite remuneratório deverá incidir sobre a soma da pensão com a remuneração de vínculo mais antigo. Por interpretação extensiva, o teto incide sobre a soma da pensão e do provento que substituiu a remuneração de vínculo mais antigo e, separadamente[12], sobre o outro provento.

Suponhamos que o provento que substituiu a remuneração de vínculo mais antigo tenha sido o da primeira aposentadoria. Nessa hipótese, a pensão ajustada (R$ 1.564,80) somar-se-á ao provento da primeira aposentadoria também ajustado (R$ 2.496,80) para fins de aplicação do teto, o qual incidirá, ainda, mas de forma isolada, sobre o provento da segunda aposentadoria (R$ 39.000,00). Resultado: não haverá abate-teto, e o total devido à interessada alcançará R$ 43.061,60.

Se, alternativamente, o provento que substituiu a remuneração de vínculo mais antigo tiver sido o da segunda aposentadoria, a soma da pensão ajustada (R$ 1.564,80) e do provento da segunda aposentadoria (R$ 39.000,00) é que se submeterá ao teto, que incidirá, ainda, embora isoladamente, sobre o provento da primeira aposentadoria também ajustado (R$ 2.496,80). O abate-teto entrará em cena, e o valor a que faz jus a interessada cairá para R$ 41.790,12[13], menos do que ela recebia antes (R$ 43.000,00[14]). Melhor não requerer a pensão por morte e manter, ao amparo do § 4º do art. 24 da EC nº 103/19, os R$ 43.000,00.

Sobre o autor
Michel Martins de Morais

Consultor Jurídico Substituto do TCDF, órgão em que é titular do cargo efetivo de Auditor de Controle Externo. Advogado. Instrutor. Doutorando em Direito pela Universidad de Buenos Aires (UBA). Mestre em Finanças pela London Business School (LBS). Especialista em Direito Administrativo Aplicado pela Fortium. Bacharel em Direito pela UnB. Engenheiro Eletricista pela UFPE. Autor de "Reforma da previdência: o RPPS da União à luz da EC nº 103/19" e "The effects of investment regulations on pension fund performance in Brazil", ambos publicados pela Editora Dialética.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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