A ADEQUAÇÃO DOS MEIOS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS:Os Meios Como Fins Em Si Mesmos

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Resumo:

Tratou-se do quadro de subutilização e/ou utilização inadequada dos meios de solução consensual dos conflitos, buscando identificar os obstáculos para a superação de uma cultura do litígio e a incorporação de uma nova cultura de paz, que permita soluções mais adequadas para os conflitos sociais, resultando no efetivo acesso à justiça, entendido como acesso à ordem jurídica justa. Para tanto, balizando-se inicialmente em um panorama conceitual, histórico e estatístico dos meios de solução consensual dos conflitos, traçou-se uma concepção adequada a respeito do tema e analisou-se a formação da mentalidade dos operadores do direito, a partir de análise curricular dos 10 melhores cursos jurídicos ofertados pelas instituição de ensino superior do Brasil, diante das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ministério da Educação, estabelecidas para a graduação em Direito, bem como da consulta bibliográfica sobre o tema, cuja conclusão foi um diagnóstico mais reflexivo do que propositivo, a respeito da necessária mudança de postura de diversos atores sociais que contribuem para a permanência do quadro abordado.

Palavras-chave: Solução consensual dos conflitos . Acesso à justiça . Cultura do litígio . Currículo jurídico .

Abstract :

It was about the underutilization and/or inadequate use of the means of consensual conflict resolution, seeking to identify the obstacles to overcoming a culture of litigation and the incorporation of a new culture of peace, which allows for more adequate solutions to conflicts. social, resulting in effective access to justice, understood as access to a fair legal order. In order to do so, initially based on a conceptual, historical and statistical overview of the means of consensual conflict resolution, an adequate conception was drawn on the subject and the formation of the mentality of legal operators was analyzed, based on analysis curriculum of the 10 best legal courses offered by higher education institutions in Brazil, in view of the National Curriculum Guidelines of the Ministry of Education, established for graduation in Law, as well as the bibliographic consultation on the subject, whose conclusion was a more reflective diagnosis than propositional, regarding the necessary change of posture of several social actors that contribute to the permanence of the approached picture.

Keywords: Consensual resolution of conflicts . Access to justice . Litigation culture . Legal curriculum.

1 Introdução

Após longos anos em estado de coma, um paciente desperta chamando a atenção de toda a equipe médica do hospital.

Preocupados em não o chocar com as grandes mudanças sociais que se passaram enquanto ele dormia, a equipe começou a cogitar diversos lugares para onde poderia transferir o paciente, de forma que fosse ambientando-se aos poucos.

Todos foram unanimes na decisão da transferência para um Tribunal de Justiça, pois assim o paciente certamente se sentiria na mesma época em que ficou inconsciente.

Embora a clássica e basilar teoria tridimensional do Direito, do grande Miguel Reale (2010), há muito tenha constatado a necessária correlação harmônica entre fatos, valores e normas na elaboração do Direito, infelizmente, como ilustra a anedota acima, o judiciário não tem conseguido acompanhar adequadamente a marcha do desenvolvimento social.

Expressão de relevo deste quadro é a subutilização e/ou utilização inadequada dos meios de solução consensual dos conflitos, conforme apontado, por exemplo, por Ramos (2020, p.26), bem como pelos dados estatísticos a respeito, fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e analisados mais adiante.

Cabe valer-se dos ensinamentos de Hanthorne para auxiliar na compreensão da relevância do problema:

Em uma sociedade plural e multifacetária, que se desenvolve diariamente, a resolução de conflitos deve seguir esse mesmo caminho, rumo a constatação, na prática, do acesso à justiça em uma dimensão social. Para tanto, é fundamental compreender que o cidadão tem efetivo acesso à justiça, apenas quando lhe é permitida liberdade de escolha. Entretanto, essa liberdade depende fundamentalmente do conhecimento dos cidadãos sobre os métodos adequados de resolução de conflitos (Hanthorne, 2022, p.10).

Para muitos autores, como Domingues (2019), o avanço na utilização dos meios de solução consensual dos conflitos depende da desconstrução de uma cultura do litígio, através da modificação da mentalidade dos operadores do direito.

Através da análise curricular dos 10 melhores cursos jurídicos ofertados pelas instituição de ensino superior do Brasil, diante das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ministério da Educação (MEC) estabelecidas para a graduação em Direito, bem como da consulta bibliográfica sobre o tema, buscamos as raízes do problema para a incorporação de uma nova cultura de paz, que permita soluções mais adequadas para os conflitos sociais.

2 Panorama conceitual, histórico e estatístico dos meios de solução consensual dos conflitos

O parágrafo 3º, do artigo 3º do Código de Processo Civil (CPC) dispõem que: A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. (Lei n. 13105, 2015), denotando o prestigio que deve ser dado a tais métodos e apontando como principais dentre eles a conciliação e a mediação, com destaque para o papel determinante dos mais diversos operadores do direito na efetivação da utilização pretendida.

Em um processo de conceituação por diferenciação dos institutos da mediação e da conciliação, Vieira (2017) defende que a mediação é um método de colaboração entre conflitantes visando evitar ou finalizar uma demanda judicial, tendo o mediador como facilitador do dialogo, enquanto que a conciliação é método de intermediação, em que o conciliador atua de forma propositiva visando o fim de um processo judicial em curso.

Vieira (2017) esclarece que a forma de compor litígios evolui na história, indo da autotutela (autodefesa dos próprios interesses em que prevale a lei do mais forte, propiciando um senso de injustiça e um inconformismo revanchista, incompatível com a pacificação social) à tutela jurisdicional (substituição da vontade das partes pela vontade do estado juiz, na tentativa de se estabelecer a justiça segundo os ditames do Direito), porém, nas sociedades primitivas ao lado da autotutela também havia autocomposição, como há nos meios de solução consensual de conflitos, o que nos permite deduzir que o processo jurisdicional, entendido simplesmente como aquele voltado para o tratamento de disputas, não é institucional, e que a jurisdição consensual se desenvolveu antes e de forma muito mais orgânica na sociedade do que a jurisdição estatal.

Vieira (2017) destaca que a mediação está presente na legislação brasileira há muito tempo, principalmente a partir da década de 90, destacando-se na seara trabalhista e no cenário das disputas internacionais, culminando na Lei nº 13.140/15.

Campos e Franco (2017) trazem uma síntese do contexto histórico geral da conciliação no Brasil, demonstrando sua inserção nacional já na colonização portuguesa e seu estabelecimento constitucional em 1824, como pressuposto processual. Apontam que na República, a conciliação foi fracamente disciplinada e, depois de 1930, ficou em segundo plano, diante de uma concepção autoritária do processo que vigia na época. Em 1943 a Consolidação das Leis do Trabalho foi a responsável pelo retorno da conciliação ao ordenamento jurídico, ainda que de forma restrita ao processo trabalhista. O CPC de 1973 a colocou de volta no procedimento ordinário e em 1988 houve o retorno ao texto constitucional. O CPC de 2015, por sua vez, trouxe inovações que prometem avanços na sua efetividade.

Entretanto, os números revelam que o longo percurso, de altos e baixo, por onde caminham a mediação e a conciliação, ainda não as elevou ao destino potencialmente pretendido.

No Relatório analítico propositivo, da pesquisa intitulada Mediação e Conciliação avaliadas empiricamente: jurimetria para proposição de ações eficientes, produzido pela Universidade de São Paulo - USP, a pedido do CNJ (2019), tem entre suas conclusões que os casos concluídos por meio de acordo duram metade do tempo e têm menos andamentos processuais, mas, apesar disso, os juízes, que são a parte mais importante para o desenvolvimento de uma cultura de paz no Judiciário, geralmente não respeitam a obrigatoriedade legal de submissão dos processos à conciliação, e, quando a presidem pessoalmente, comprometem o resultado, pelo temor reverencial que provocam nas partes e pela falta de competências relacionais com os jurisdicionados.

A pesquisa aponta que o sucesso na conciliação depende de aspectos culturais e da escolaridade das partes, do espaço físico e da quantidade de movimentação processual, porém a cultura institucional beligerante se traduz, por exemplo, na falta de campanhas midiáticas para instruir as partes ao longo de todo o ano, na falta de investimento nos espaços físicos dedicados aos meios consensuais de resolução de conflitos e na manutenção de movimentações processuais desnecessárias, além de carências na formação e remuneração de mediadores e conciliadores, que, muitas vezes, se limitam a questionar se haveria a possibilidade de acordo, paralisando diante da primeira negativa, sem utilizar as técnicas de negociação.

No sumário executivo da Justiça em números 2021, o CNJ (2021) divulgou que apenas 9,9% dos casos solucionados no Brasil, em 2020, são provenientes da conciliação. Dentro deste percentual, a Justiça do Trabalho teve o melhor desempenho, solucionando 23% de seus casos por meio da conciliação, com destaque para o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região - TRT8 (Pará), que apresentou o maior índice de conciliação do Poder Judiciário, com 96% de sentenças homologatórias de acordo.

Levando em consideração o ano de 2022, como visto acima, a utilização contínua e positivada da conciliação completa 79 anos no processo trabalhista, contra 49 no processo civil.

A dianteira de 30 anos da conciliação no âmbito trabalhista pode justificar o seu percentual de mais de 13% em relação ao restante do judiciário, porém também atesta a lentidão para progressão ínfima, que permite uma projeção comparativa desanimadora para o restante do poder judiciário, que necessitaria de mais de 30 anos para atingir a pequena marca da justiça do trabalho.

Quando considerado o índice conciliatório impressionante do TRT8 o atraso nacional fica ainda mais evidente, com a demonstração do potencial exponencial da conciliação.

Neste sentido, cabe observar as preciosas lições de Domingues:

a submissão ao Poder Judiciário de quase totalidade das controvérsias que emergem com naturalidade do convívio social (...) se traduzem na negativa do acesso efetivo à justiça, mesmo quando acessível o órgão judicial.

Desta maneira, identifica-se a necessidade de desconstrução da cultura litigante, no intuito não de desafogar o poder judiciário, mas de promover o genuíno acesso à justiça aos cidadãos, no sentido de lhes proporcionar a real solução para suas contendas, bem como a tutela a seus direitos. (Domingues, 2019, p.2.947)

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3 A concepção adequada dos meios de solução consensual dos conflitos

O próprio CNJ (2017) reconhece que o papel do Judiciário não se limita à decisão adjudicada mediante sentença, cabendo oferecer instrumentos para o tratamento adequado dos conflitos, como o uso de meios consensuais, que contam com vantagens, tais como: respeito à vontade dos envolvidos, controle das partes sobre o procedimento, mais privacidade, maior adesão ao cumprimento das decisões, mais satisfação, rapidez e economia, preservação da relação, melhor compreensão do litígio e o estreitamento de pontos que depois poderão ser submetidos a uma decisão em caso de não resultar em acordo.

Entretanto, de acordo com o Relatório analítico propositivo, da pesquisa Mediação e Conciliação avaliadas empiricamente: jurimetria para proposição de ações eficientes do CNJ (2019), há a necessidade de se divulgar os resultados das conciliações com foco nos benefícios para o jurisdicionado e não para o Judiciário, pois muitos advogados percebem o desafogamento do judiciário como o objetivo principal e vem a conciliação como um atraso no andamento dos processos.

O relatório ressaltou, ainda, a maior adequação dos meios consensuais para resolução de determinadas temáticas conflitivas, como as relacionadas ao direito de família, do consumidor e danos morais, o que demonstra que a mediação e a conciliação podem não ser somente alternativas para a resolução de dados conflitos como ser a forma mais adequada.

A Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos, prevista na Resolução do CNJ n. 125/2010, tem, em última analise, entre seus objetivos: a mudança de mentalidade dos operadores do Direito e da própria comunidade em relação a esses métodos, com a finalidade de alcançar a pacificação social, escopo magno da jurisdição, e tornar efetivo o acesso qualificado à justiça (acesso à ordem jurídica justa). (CNJ, 2017, p.13).

Portanto, deve ser buscada uma concepção correta a respeito dos meios consensuais de resolução dos conflitos, que os compreenda como fins em si mesmos e não como meios para o fim último de compensar a falência do poder judiciário em dar soluções, justas e em tempo razoável, para os conflitos sociais.

4 Formação da mentalidade do operador do direito

Bastos (2022) analisou todo o desenvolvimento do ensino jurídico no Brasil, desde antes da criação dos cursos jurídicos em 1827, concluindo que seus currículos são impermeáveis, reproduzem os interesses e expectativas dominantes do Estado, resultando em um sistema de ensino dogmático e alienado da realidade social, baseado em padrões oficiais de compreensão da sociedade, bem como em modelos processuais e burocráticos de resolução de conflitos e que prestigiam a formação de mão de obra para o establishment estatal e não propriamente de operadores do direito.

A Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2018, do MEC (2018), que Instituiu as mais atuais Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, estabeleceu em seu artigo 3º que a formação do curso de Direito deve propiciar ao perfil do graduando o domínio das formas consensuais de composição de conflitos.

Também, em seu artigo 4º, inciso VI, estabeleceu que a graduação deve formar profissional que, ao menos, tenha as competências que o capacitem a: VI - desenvolver a cultura do diálogo e o uso de meios consensuais de solução de conflitos; (MEC, 2018, P.2).

Já o artigo 5º, inciso II, preconiza a inclusão na Proposta Pedagógica Curricular de conteúdos e atividades que propiciem: Formação técnico-jurídica, que abrange, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação (...), conteúdos essenciais referentes às áreas de (...) Formas Consensuais de Solução de Conflitos; (MEC, 2018, P.3).

Por sua vez, o artigo 6º, ao estabelecer a Prática Jurídica como componente curricular obrigatório, em seu paragrafo 6º, determina que: A regulamentação e o planejamento das atividades de prática jurídica incluirão práticas de resolução consensual de conflitos (...). (MEC, 2018, P.4).

Porém, analisando os currículos das dez melhores colocadas dentre as instituições de ensino dito superior, que ofertam o curso de Direito no Brasil, apenas uma delas possui disciplina curricular obrigatória especifica de solução consensual dos conflitos, denotando o desprestigio comum da temática no meio acadêmico, em flagrante contrariedade as diretrizes do MEC acima relacionadas.

Segundo o Ranking Universitário Folha - RUF (2019), do jornal Folha de S. Paulo, as 10 melhores faculdades de Direito do Brasil são: 1º Universidade de São Paulo (USP); 2º Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); 3º Escola de Direito de São Paulo (FGV-SP); 4º Universidade de Brasília (UnB); 5º Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); 6º Universidade Federal do Paraná (UFPR); 7º Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); 8º Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); 9º Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP); e 10º Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Consultando os currículos dos cursos de direito, dessas instituições, disponíveis em seus sítios eletrônicos, verifica-se que: na USP (2022), no famoso Largo de São Francisco, a grade curricular apresenta somente disciplinas Optativas Eletivas específicas sobre a temática da solução consensual dos conflitos; a UFMG (2022) não possui se quer optativas; a FGV (2022) possui apenas uma eletiva de mediação; a UNB (2022) também possui apenas uma eletiva em arbitragem, mediação e negociação; a UFRJ (2022) possui uma disciplina optativa de negociação, mediação e arbitragem; a UFPR (2021) apesar de contar com disciplinas obrigatórias como Direito Romano, não possui se quer disciplinas eletivas ou optativas (denominadas de de tópicas pela instituição) no tema em questão; a UFPE (2021), em seu perfil curricular, prestigia a solução consensual dos conflitos, em diversas matérias, principalmente levando-se em consideração as ementas das disciplinas, porém também se restringe as eletivas e não aos componentes obrigatórios de seu currículo; a UFRGS (2021) nem mesmo entre as eletivas disciplina o tema; já a PUCSP (2022), em sua matriz curricular, é a única entre as 10 instituições pesquisadas que prestigia adequadamente a questão, colocando a disciplina Formas Consensuais de Solução de Conflitos como obrigatória, do 4º período de seu curso de Direito, ainda que com carga horária reduzida em relação as disciplinas de maior carga horária; a UERJ (2021), por sua vez, somente aborda timidamente o tema em grupos de pesquisa.

Contrariando a maioria dos currículos acima examinados, o Relatório analítico propositivo, da pesquisa Mediação e Conciliação avaliadas empiricamente: jurimetria para proposição de ações eficientes do CNJ (2019), propõe, como estratégia de longo prazo, a inclusão de disciplinas obrigatórias sobre mediação e conciliação nos cursos de direito, para a formação de agentes multiplicadores da cultura de pacificação.

A pesquisa apontou que o papel dos advogados é fundamental, tanto para que as conciliações surtam o efeito pretendido, como para a desconstrução da cultura do litígio instalada no país.

Assim, sugeriu a organização de campanhas, em conjunto com a OAB, sobre o tema, divulgando os resultados positivos para todos os envolvidos no processo da mediação e da conciliação, destacando-se os ganhos financeiros para os advogados.

Apesar disso, o relatório não restringiu a responsabilidade dos operadores de direito aos advogados, estabelecendo que:

É interessante notar que muito se propaga que os advogados são os grandes responsáveis pela cultura do litígio na sociedade. Porém, é bom lembrar que a maior parte dos professores universitários no Brasil ainda é formada por magistrados e membros do Ministério Público que têm feito perpetuar esse panorama no Brasil. É necessário que a tomada de consciência comece a acontecer nos cursos jurídicos para que uma mudança seja perceptível no decorrer de uma geração. (CNJ, 2019, p.183)

5 Considerações Finais

Valendo-se da noção da tridimensionalidade do Direito, todo esforço, normativo ou institucional, que não encontrar capilaridade no corpo social será inócuo, pois do direito não emerge o fato social, mas sim o contrário.

Dessa forma, para fazer o caminho inverso, modificando a realidade fática da subutilização e/ou utilização inadequada dos meios de solução consensual dos conflitos é necessário modificar a mentalidade, que determina os atos, dos atores que produzem os fatos sociais, quais sejam os operadores do direito, em sua acepção mais ampla possível.

Moldar a mentalidade dos operadores de direito é papel, primordialmente, da academia, pois não há como operar adequadamente o direito sem a instrução correta sobre o modo de fazê-lo, sem o conhecimento teórico e prático da resolução dos conflitos.

Não há como as partes optarem por soluções consensuais, por mais efetivas, econômicas, céleres e adequadas que possam ser, se, quando procuram a orientação de um profissional dito especializado, para a resolução de seus conflitos e/ou para a defesa de seus interesses, obtêm a orientação uniforme de judicialização de suas demandas.

Igualmente, não há como obter uma solução consensual diante de um estado juiz que se predispõe a tudo julgar, sem, antes e de fato, buscar o entendimento entre as partes, que são as verdadeiras estrelas e a razão da existência das ações judiciais, que, por sua vez, deveriam verdadeiramente se voltar ao interesse das partes, ao invés de prestigiar interesses da administração da justiça.

É preciso uma perspectiva correta da conciliação e da mediação, como instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de conflitos, e não apenas como métodos alternativos à decisão dos magistrados, à serviço de uma política de tratamento do excesso de demandas, em detrimento do acesso à justiça.

A política de excesso se baseia em suposto excesso de demandas judiciais a serem tratadas por um judiciário em crise, incapaz de dar conta das demandas naturalmente crescentes, fruto de uma sociedade cada vez mais complexa e, contraditoriamente, do sucesso do fomento do acesso formal a justiça.

Assim, se reclama o uso dos meios consensuais como espécie de cláusula de barreira ou boia para salvar os magistrados afogados em um mar turbulento de processos, criando uma visão negativa desses meios, que passam a ser visto como mais um entrave ao curso normal dos processos, como mais uma etapa burocrática, que contribui para a desarrazoada duração dos processos.

O resultado deste trabalho é, portanto, muito mais um diagnóstico reflexivo do que propositivo, tendo em vista que esforços governamentais, impostos, por assim dizer, de cima para baixo, não serão capazes de produzir na sociedade uma nova cultura de paz, enquanto magistrados quiserem conservar seu reduto de poder decisório sobre as vidas dos jurisdicionados, os advogados sua reserva de mercado de demandas judiciais e as instituições de ensino a falta de comprometimento com a atualização de seus currículos para a prática do bom direito.

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Sobre a autora
Ingrid Cristine Vieira Ferreira Nunes

Professora, Advogada e psicoterapeuta, mestre em Estudos Jurídicos com ênfase no Direito Internacional, pós-graduada em Direito Público, Direito Digital e Compliance e Docência e Gestão no Ensino Superior.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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