O perdão presidencial é legal?

Em 1974 o presidente Gerald Ford concedeu perdão à Richard Nixon envolvido no escândalo Watergate.

22/04/2022 às 19:42
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Neste artigo, abstraindo-se de questões políticas, o autor analisa unicamente a questão jurídica sobre a legalidade ou ilegalidade, do perdão concedido pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado federal Daniel Silveira.

Perdão aos condenados por crimes cometidos é um instituto muito antigo, bem conhecido na passagem bíblica em que o governador romano Pôncio Pilatos, dá ao povo a escolha de perdão a Jesus ou a Barrabás.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, assinou na quinta-feira (21) decreto concedendo perdão (graça) ao deputado federal Daniel Silveira condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF),  no âmbito da Ação Penal nº 1.044, a oito anos e nove meses de reclusão em regime inicial fechado, pelos crimes de tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes e coação no curso do processo.

Como fundamentação do perdão, o presidente argumentou, entre outras coisas, que "a prerrogativa presidencial para concessão de indulto individual é medida fundamental à manutenção do Estado democrático de direito e que a liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações".

O alcance do ato presidencial se extrai de excerto do decreto in verbis: "A graça de que trata este decreto é incondicionada e será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória." Segundo o presidente, o indulto inclui as penas privativas de liberdade, multa e restritivas de direitos.

Abster-me-ei de considerações políticas, minha análise se limita à questão jurídica unicamente. Indubitavelmente, a Constituição de 1988 concedeu ao Presidente da República, quem quer que seja ele, a prerrogativa de conceder indulto e comutar penas.

É medida constitucional conforme já decidiu o colegiado Supremo Tribunal Federal pela voz, inclusive, do ínclito ministro Alexandre de Moraes.

O perdão pode ser coletivo ou individual e provocado por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da República, a faculdade de concedê-lo espontaneamente, conforme artigos 734 e seguintes do Código De Processo Penal que tratam da da graça, do indulto, da anistia e da reabilitação.

Perdão presidencial (graça - indulto) é normal em países civilizados. Lembremo-nos que em 1974 o presidente Gerald Ford, concedeu perdão presidencial à Richard Nixon acusado da prática de crimes no caso Watergate.

O proprio Nixon, em 1971, ordenou a libertação do tenente do Exército William Calley, condenado à prisão perpétua pela Justiça Militar pelo suposto assassinato de 22 aldeões sul-vietnamitas em My Lai em março de 1968.

Um perdão federal nos Estados Unidos se estende a todos os crimes federais, é ato privativo do Presidente que anula completamente a punição por um crime federal. A cultura do perdão remonta aos primordios do nascimento da nação marcada pela influência do puritanismo cristão protestante. É um poder tão absoluto que o  presidente pode perdoar a si mesmo, exceto em casos de impeachment.

A competência para a prática do ato é concedida ao presidente pela Constituição dos EUA. O perdão é uma forma do poder de clemência do presidente, sendo os outros, comutação de sentença, remissão de multa ou restituição, e indulto. 

O condenado pode não aceitar o perdão que, nesse caso, fica sem efeito. De acordo com a posição majoritária da Suprema Corte em Burdick v. Estados Unidos "o perdão carrega uma imputação de culpa e aceitação dele, uma confissão".

No Brasil é mais comum os indultos natalinos aos presidiários que preencham certos requisitos, e já beneficiou vários políticos, inclusive José Dirceu e José Genoíno, condenados pelo envolvimento em crimes do “mensalão” e perdoados pela Presidente Dilma Rousseff, em 2014 e 2015.

Ao que se sabe, o perdão presidencial nos moldes como foi concedido ao Deputado Daniel Silveira, foi o primeiro. Nos Estados Unidos, ao que parece, isso é bem mais comum e não desperta celeumas. Lá existe até um órgão especializado para tratar da questão.

Todos os pedidos de clemência executiva para crimes federais são normalmente direcionados ao Escritório da Procuradoria do Perdão no Departamento de Justiça dos EUA para investigação e revisão, mas o presidente pode prescindir de qualquer prévia análise ou parecer, e conceder diretamente o perdão, já que é a sua prerrogativa constitucional.

Aqui no Brasil não é diferente, o perdão presidencial é ato privativo e absoluto do Presidente da República, que anula completamente a pretensão punitiva do Estado, todavia, é inaplicável nos casos de crimes hediondos ou  a estes equiparados, máxime, aos delitos contra a vida, a dignidade sexual e a integridade física, como no caso da tortura que, inclusivel, é um crime imprescritivel. 

A Constituição é de tamanha clareza solar, capaz de fulminar qualquer entendimento tendente a negar eficácia ao perdão presidencial concedido ao Deputado Daniel Silveira. Com todas as vênias aos que divergem, interpretação contrária nada mais será que maniqueísmo político e heresia jurídica.


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A figura sui generis do Super Decreto Presidencial 

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Sobre o autor
João-Francisco Rogowski

Jurista, Consultor de Negócios, Gestor de Bens e Direitos, Administrador Judicial, Jusfilósofo, Mentor, Palestrante, Professor e Escritor com mais de 50 obras publicadas. Suas obras também foram publicadas internacionalmente pelo Bubok Editorial Publishing Group. Além disso, é membro da Comissão de Direito Empresarial da Ordem dos Advogados do Brasil/SC, da AJUCRI - Associação de Juristas Cristãos, da Confraria dos Luminares, grupo constituído por Advogados, Magistrados, Professores, Parlamentares, Jornalistas, Filósofos, Teólogos e Escritores, e da sociedade literária da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) com sede em Lisboa, Portugal. Como pesquisador das Ciências Humanas, Jurídicas e Sociais, é o criador do método científico de Administração de Dívidas Empresariais e do Agronegócio. Também é o coordenador de Debates Científicos do Grupo Advocacia e Justiça e especialista em Soluções Estratégicas de Conflitos, pesquisando meios alternativos de dirimir litígios há 30 anos. Adicionalmente, é fundador do 1° Tribunal de Bairro do Brasil, especialista em Partilha de Bens na dissolução de sociedades, conjugais e empresariais, inventários e testamentos. Pós-graduado em Direito Empresarial, estudou na Universidade Nacional de Córdoba e ministra mentoria para advogados principiantes. Além de suas qualificações jurídicas, é historiador, teólogo e filósofo autodidata.

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