Tributação e comércio internacional: uma análise do sistema tributário brasileiro em relação aos compromissos do sistema multilateral de comércio

15/04/2022 às 19:20
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Resumo

A relação entre tributação e comércio internacional é relevante sob diversos aspectos. Neste artigo, o objetivo do autor é identificar e analisar os principais pontos de convergência entre esses dois ramos do direito. Na primeira parte, abordar-se-ão as regras do sistema multilateral de comércio, enfatizando os dispositivos jurídicos dotados de condições efetivas e potenciais de repercutirem sobre os sistemas tributários nacionais. Em seguida, deslocar-se-á a perspectiva para o direito tributário brasileiro, buscando ressaltar de que forma os compromissos internacionais de comércio afetam direta ou reflexamente o direito soberano de tributar do Estado, com destaque para a prerrogativa de criação de tributos indiretos. Na terceira parte, serão analisados aspectos específicos acerca relação entre tributação e competitividade dos produtos brasileiros no comércio internacional.

Abstract

The relationship between taxation and international trade is relevant in several aspects. In this article, the author's objective is to identify and analyze the main points of convergence between these two branches of law. In the first part, the rules of the multilateral trading system will be addressed, emphasizing the legal provisions endowed with effective and potential conditions to have an impact on national tax systems. Then, the perspective will shift to Brazilian tax law, seeking to highlight how international trade commitments directly or reflexively affect the sovereign right to tax the State, with emphasis on the prerogative of creating indirect taxes. In the third part, specific aspects about the relationship between taxation and competitiveness of Brazilian products in international trade will be analyzed.

Introdução

A relação entre tributação e comércio internacional é relevante sob diversos aspectos. Estabelecer marcos analíticos adequados para o tema, entretanto, não é tarefa trivial. Analisar essa relação requer a adoção de perspectiva jurídica dupla, que contemple, simultaneamente, a sistemática do direito tributário, que é eminentemente nacional, amparada em normas jurídicas internas, e a sistemática do comércio internacional, que é fundamente internacionalista, arvorada em normas jurídicas do sistema multilateral de comércio. O adequado entendimento dessa relação possibilita, na dimensão econômica, a identificação de problemas de origem tributária que afetam negativamente a competitividade dos produtos brasileiros nos mercados internacionais.

Neste artigo, o objetivo do autor é identificar e analisar os principais pontos de intersecção entre esses dois ramos do direito. Na primeira parte, abordar-se-ão as regras do sistema multilateral de comércio, enfatizando os dispositivos jurídicos dotados de condições efetivas e potenciais de repercutirem sobre os sistemas tributários nacionais. Em seguida, deslocar-se-á a perspectiva para o direito tributário brasileiro, buscando ressaltar de que forma os compromissos internacionais de comércio afetam direta ou reflexamente o direito soberano de tributar do Estado, com destaque para a prerrogativa de criação de tributos indiretos. Na terceira parte, serão analisados aspectos específicos acerca da relação entre tributação e competitividade dos produtos brasileiros no comércio internacional.

1. O sistema multilateral de comércio

O sistema multilateral de comércio tem suas origens no período final da Segunda Guerra Mundial, com a Conferência de Bretton Woods, em 1944. O evento tinha o objetivo de organizar a economia mundial, a fim de evitar alguns dos problemas observados no período entre as duas guerras mundiais. Acordou-se a criação de um fundo internacional (Fundo Monetário Internacional) que auxiliaria Estados com problemas de balanço de pagamentos e de um sistema bancário (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento, posteriormente conhecido apenas como Banco Mundial) direcionado à reconstrução dos países devastados pela guerra. O terceiro pilar da economia internacional, o comércio, seria regido por uma organização específica, a Organização Internacional do Comércio (OIC). Esta, entretanto, não foi aprovada por divergências políticas, em especial a negativa dos EUA em aderir à Organização. O comércio, por isso, passou a ser disciplinado por um acordo geral (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, GATT), derivado de parte da Carta constitutiva da OIC. Com o tempo e após diversas rodadas de negociação, nas quais foram obtidas reduções expressivas nas tarifas, o GATT passou a operar como organização de fato, dotada de procedimentos, princípios e relevante jurisprudência. Ao final da Rodada Uruguai, o sistema multilateral passa a ser regido por uma organização internacional de jure, a Organização Mundial de Comércio (OMC), que incorpora e aprimora as práticas do GATT, contemplando inclusive a evolução do sistema decorrente de rodadas de negociação, da solução de controvérsias e do exercício interpretativo de suas regras. Além da expansão temática, o principal aprimoramento do sistema se deu no mecanismo de solução de controvérsias, que passa a operar como tribunal dotado de condições de prolatar decisões efetivamente vinculantes para as partes.

O sistema de solução de controvérsias da OMC, assim como o surgimento da própria organização internacional (dotada de personalidade jurídica), é resultado do adensamento de juridicidade (LAFER, 1998), verificado, após o fim da guerra fria, no âmbito do sistema multilateral de comércio. Sem negligenciar a relevância das negociações diplomáticas, as quais continuaram predominantes, criou-se uma forma eficiente e compulsória de resolver, com base em preceitos jurídicos, conflitos comerciais derivados dos acordos firmados no âmbito da OMC. Para consecução desse sistema, foi fundamental a adoção da regra do consenso negativo, conforme a qual a instauração de painel judicante é obstada apenas em caso de improvável unanimidade dos integrantes do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC). A ideia de unanimidade invertida despolitizou a fase inaugural de solução de litígios, e possibilitou acesso mais eficiente a julgamentos técnicos e imparciais.

As regras do sistema multilateral estão dispostas em diversos acordos, que abarcam as múltiplas dimensões do comércio internacional, com destaque para barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias, investimento, propriedade intelectual, serviços e subsídios. A diversidade de regras gera pontos de intersecção entre o comércio e outros ramos do direito internacional e interno dos Estados. Em matéria de direito tributário, as intersecções são evidentes, embora nem sempre exploradas pela doutrina e pouco elucidadas pelos magistrados, os quais, em regra, no Brasil, recebem formação eminentemente baseada no direito interno.

Segundo ensinamento de Bevilaqua e Buissa, com base em Antônio Uckmar, os acordos da OMC acarretam limitação ao poder de tributar dos Estados. Essas limitações apresentam-se em três dimensões: (i) tributação discriminatória, (ii) tributação protetiva e (iii) subsídios fiscais[1].

Bevilaqua e Buissa assim explicam a limitação de tributar decorrente dos compromissos multilaterais do Brasil:

A República Federativa do Brasil, como signatária da Marrakesh Declaration, de 15 de abril de 1994, assumiu compromissos internacionais perante o sistema multilateral de comércio, limitando, assim, os poderes de tributar da União, dos Estados e dos Municípios; com destaque para as obrigações assumidas no General Agreement of Tariffs and Trade (GATT) de vedação de prática discriminatória e no Subsidies and Countervailing Measures (SCM) que, por sua vez, estabelece todo um normativo para concessão de subsídios[2].

Um dos princípios fundamentais do sistema multilateral de comércio é a não discriminação, expressa, principalmente, em dois artigos do GATT: art. 1 (cláusula da nação mais favorecida)[3] e art. 3 (tratamento nacional em tributação e regulação interna)[4]. A cláusula da nação mais favorecida, que perpassa outros acordos do sistema, veda o tratamento discriminatório entre os parceiros comerciais que são membros da OMC (DAVEY; PAUWELYN, 2000). Significa que o Brasil deve aplicar a mesma tarifa (imposto de importação) para todos os membros da OMC. Mais do que isso, a cláusula impõe que os maiores benefícios oferecidos a um membro sejam estendidos aos demais: prevalecem as condições mais favoráveis concedidas a um membro da OMC.

O art. 3, por sua vez, concernente à segunda limitação ao poder de tributar do Estado, refere-se às condições de tratamento oferecidas aos nacionais e aos estrangeiros (CALIENDO, 2005). Segundo esse artigo, o membro não pode discriminar, por meio de regulação específica e de tributação, entre nacionais e estrangeiros. Não é possível, portanto, fazer uso de mecanismos tributários e regulatórios discriminatórios para proteger ou de qualquer outra forma beneficiar os produtores nacionais.

A terceira limitação ao poder de tributar dos Estados refere-se as possibilidades de concessão de subsídios. A ajuda estatal às empresas, por vezes, assume a forma de renúncia fiscal e de outros benefícios tributários. As regras multilaterais, principalmente as disposições do Acordos de Subsídios e Medidas Compensatórias, veda diversas formas de ajuda estatal (BLIACHERIENE, 2003).

Essas limitações, entretanto, não são absolutas. Há regras, no âmbito do sistema multilateral, que possibilitam o tratamento diferenciado entre parceiros comerciais em determinados casos, assim como a proteção da produção nacional e concessão de subsídios. Essas exceções são condicionadas à verificação de determinados elementos fáticos e jurídicos. O princípio da não discriminação, por exemplo, é flexibilizado para criação de acordos regionais e outros acordos preferenciais que abarquem parte substancial do comércio. Com base nessa exceção, o sistema admite a formação dos blocos regionais, como, por exemplo, União Europeia e o Mercosul. A produção nacional, por sua vez, pode ser protegida por meio de tarifas mais elevadas (desde que respeitados os limites consolidados) e em situações de surto de importação ou de práticas desleais de comércio, adicionando-se um valor sobre a tarifa comumente aplicada. Mesmo os subsídios são legalmente aceitáveis, desde que não sejam específicos, discriminatórios e condicionados ao desempenho exportador[5].

2. Os impactos da internalização das normas multilaterais de comércio

Sob a perspectiva brasileira, a relação entre tributação e comércio exterior remete imediatamente a dois tributos específicos: imposto de importação e imposto de exportação. De fato, esses dois impostos são aqueles que apresentam como fato gerador precisamente a entrada de mercadoria ou a saída desta do território aduaneiro nacional (conforme previsões dos art. 19 e 23 do Código Tributário Nacional)[6]. Ambos os impostos têm natureza extrafiscal[7], característica que indica que sua função arrecadatória é secundária se comparada à sua função regulatória. Principalmente o imposto de importação consiste em instrumento tradicional de proteção à produção doméstica e, por isso, seu propósito principal, consiste em regular a entrada de produtos estrangeiros no mercado nacional, em quantidade e preço adequados às eventuais políticas públicas de desenvolvimento econômico.

O advento do sistema multilateral de comércio e as sucessivas rodadas de negociação comercial refletiram-se precisamente sobre o imposto de importação, denominado, na linguagem do GATTA/OMC, de tarifas. A diferença de nomenclatura e a natureza jurídica do pagamento do direito de entrada no território aduaneiro de um país são um dos primeiros aspectos problemáticos da relação entre direito do comércio internacional e direito tributário. A comparação das regras jurídicas sobre comércio exterior, dos mais diversos países pertencentes ao sistema multilateral, possibilita verificar que raramente o valor decorrente do direito de entrada de mercadoria em território aduaneiro do país tem natureza tributária. Não se cogita, portanto, a subordinação da denominada tarifa de importação aos princípios regentes do direito tributário.

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No Brasil, embora o imposto de importação seja, formalmente, um tributo (art. 153 da CF), suas peculiaridades indicam que as necessidades diuturnas do comércio internacional descaracterizam, na prática, esse imposto, distanciando-o de outras exações. O imposto de importação, por exemplo, previsto no art. 153, I, da CF[8] e nos art. 19 a 22 do Código Tributário nacional (CTN), não obedece, plenamente, ao princípio da legalidade (art. 150 da CF e artigo 97 do CTN)[9], o princípio da anterioridade (art. 150, III, b, da CF)[10], pois pode ter sua alíquota majorada ou minorada a qualquer tempo por ato do Poder Executivo. Essa característica do imposto de importação (e de exportação), coerente com as observadas em outros países do mundo, possibilita atuação expedita do Estado brasileiro em relação ao controle do intercâmbio de mercadorias entre brasileiros e estrangeiros, característica que oferece ao Estado instrumento de proteção à produção nacional e de certo controle sobre a oferta de bens.

Em verdade, quando se trata de imposto de importação, a limitação principal decorre dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no sistema multilateral de comércio, primeiramente no âmbito do GATT e, posteriormente, no âmbito da OMC. As denominadas tarifas consolidadas (bound tariffs) representam o nível máximo de alíquota para o imposto de importação praticado pelo Brasil. Esses valores máximos são estipulados para os vários produtos do comércio internacional, classificados conforme a o Sistema Harmonizado (SH), elaborado e atualizado pela Organização Mundial das Aduanas (OMA). Adicionalmente, com base no princípio do tratamento nacional, previsto no art. 1 do GATT, o Brasil (e todos os outros membros da OMC) não pode praticar imposto de importação diferenciado para os membros do sistema multilateral, excetuado os casos previstos no art. XXIV do GATT, referente à formação dos acordos regionais, como acima mencionado. A prerrogativa do Executivo de aumentar as alíquotas do imposto de importação, portanto, passa a ter a importante limitação das normas multilaterais, em razão dos valores consolidados pelo Brasil. Mesmo a prerrogativa de reduzir o valor das alíquotas tem a limitação decorrente do princípio da nação mais favorecida, impossibilita a seletividade da redução tarifária, a qual deve ser direcionada a determinado tipo de produto, independentemente de sua origem.

Se é previsível que a assunção de compromissos em matéria de comércio internacional acarreta alterações na amplitude da competência para estabelecimento do imposto de importação, menos evidente são os reflexos desses compromissos sobre outros tributos. Entretanto, em razão do princípio do tratamento nacional, grande parte dos tributos brasileiros também é afetada, inclusive tributos de competência de entes subnacionais, como, estados e municípios. Dessa forma, o princípio do tratamento nacional, ao proscrever a discriminação entre o bem nacional e o importado, veda que os tributos incidentes sobre produtos estrangeiros tenham alíquotas superiores aos produtos nacionais.

Em matéria de tributos internos incidentes sobre produtos importados e exportados, nota-se o segundo aspecto problemático da relação entre direito do comércio internacional e o direito tributário brasileiro. Esse segundo aspecto, diferentemente do primeiro, que se trata de divergência conceitual e acerca da natureza jurídica da tarifa/imposto de importação, refere-se à incompatibilidade (ou desajuste) entre o sistema tributário pátrio e o padrão adotado pelos membros do sistema multilateral. A incompatibilidade ou desajuste confere aspecto de incompletude ou artificialidade ao sistema tributário brasileiro, se apreciado sob perspectiva do comércio internacional.

O sistema tributário brasileiro tem um conjunto de tributos indiretos (municipais, estaduais e federais), que incidem em alguma fase do processo produtivo. Esses tributos refletem sobre as exportações e sobre as importações brasileiras, demandando a criação de ajustes legais que resultam na adequação do sistema às regras multilaterais de comércio e no aumento da complexidade do sistema tributário nacional. Na perspectiva da importação, as características predominantes desses tributos, além de encarecerem o bem ou o serviço final, tornam necessários complexos procedimentos de ajuste de fronteira, com a finalidade adequar os preços dos importados aos praticados pelos produtores nacionais. Sob a perspectiva das exportações, adotam-se mecanismos de não incidência tributária, mediante previsão legal (isenção) ou constitucional (imunidade).

Os mais importantes tributos indiretos incidentes sobre a importação e, de maneira excepcional, não incidentes sobre a importação sãos seguintes: Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)[11], Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)[12], Imposto sobre Serviços (ISS)[13], contribuições sociais e contribuição sobre intervenção no domínio econômico (CIDE)[14]. Esses tributos, por serem incidentes sobre a produção e o faturamento das empresas, não poderiam a priori ser cobrados de bens importados, cuja produção e o faturamento ocorrem em território estrangeiro. Essa solução, entretanto, acarretaria uma inexplicável inversão do princípio do tratamento nacional, previsto no art. 3 do GATT, ao discriminar negativamente produtos nacionais em benefício dos estrangeiros. Para que não ocorra essa discriminação irracional contra produtos nacionais, possibilita-se o denominado ajuste de fronteira, conforme o qual se admite a incidência da tributação indireta sobre produtos importados[15].

Os produtos exportados, por sua vez, mediante imunidade ou isenção, não são onerados por esse conjunto de tributos incidentes sobre a produção e sobre o faturamento. A não incidência tributária evita que o país exporte seus tributos, encarecendo os preços de seus produtos e, por consequência, afetando negativamente a competitividade das exportações brasileiras[16]. Esses produtos, entretanto, serão objeto de tributação no país de destino, assim os tributos internos brasileiros incidem sobre as mercadorias importadas. Estas, como na maior parte dos países, são objeto de diversos benefícios. Muitos desses benefícios tiveram de ser adaptados ou revogados, para que o Brasil se adequasse às regras do sistema multilateral de comércio.

Verifica-se que a sistemática tributária brasileira, quando confrontada com as peculiaridades do comércio exterior, sustenta-se em artificialidades, que alteram a forma ordinária de incidência dos tributos. A adoção do princípio do destino na tributação indireta possivelmente evitaria distorções decorrentes da artificialidade do sistema tributário brasileiro. A simplificação dos tributos indiretos, com a redução do número de tributos, também seria favorável às empresas e, provavelmente, diminuiria o volume de contenciosos tributários, um dos problemas mais relevantes da atualidade. A simplificação e a redução no número de tributos acarretariam, necessariamente, o número de obrigações acessórias das empresas, problema que consome horas de trabalho e gera custo elevado aos empreendedores nacionais.

3. Tributação e competitividade dos produtos brasileiros nos mercados internacionais

Os Estados são livres para estabelecer suas alíquotas de tarifas (imposto de importação), desde que observem o teto consolidado na OMC. Comparado com outros membros da OMC, o Brasil apresenta tarifas consolidadas bastante elevadas, principalmente para produtos manufaturados, mesmo que, na prática, aplique tarifas mais baixas (água entre tarifas).

Acerca do valor das tarifas, há vertentes econômicas que defendem tarifas mais elevadas para proteção de certos setores da economia nacional. O Brasil, entretanto, além de tarifas consolidadas elevadas, possui grande heterogeneidade nas suas alíquotas do imposto de importação. Em outros termos, significa que o país opta por diferenciar muito suas tarifas conforme o tipo de produto. Essa opção, provavelmente decorrente de pressões pontuais e desorganizadas dos setores produtivos na formação de alíquotas, torna mais complexa atividade de importação.

Adicionalmente, a pluralidade de tributos indiretos de competência dos diferentes entes federativos torna complexa o processo de ajuste na fronteira, para que os bens importados também paguem esses tributos. Essa mesma característica torna igualmente complexa a busca pela não incidência desses tributos sobre as exportações brasileiras. O resultado é o encarecimento indireto de importações (em prejuízo do consumidor nacional) e a redução da competitividade das exportações brasileiras.

No que concerne à concessão de subsídios, o Brasil precisa estruturar seus programas com a estrita observância das regras multilaterais. Os subsídios não são proibidos na sua integralidade, mas não podem apresentar determinadas características que distorcem sobremaneira o comércio internacional, como, por exemplo, a especificidade e o condicionamento ao desempenho exportador. Programas como Rota 2030 e Inovar-Auto[17] (CASTRO e SILVA, 2016), a despeito dos louváveis objetivos de estímulo à inovação tecnológica e sustentabilidade da indústria, mostraram sérias incompatibilidades com as normas multilaterais de comércio.

Conclusões

A relação entre tributação e comércio internacional é relevante sob diversos aspectos. Neste artigo, o objetivo do autor foi identificar e analisar os principais pontos de convergência entre esses dois ramos do direito.

Na primeira parte, abordaram-se as regras do sistema multilateral de comércio, enfatizando os dispositivos jurídicos dotados de condições efetivas e potenciais de repercutirem sobre os sistemas tributários nacionais. Destacaram-se três tipos de limitações: vedação da discriminação entre parceiros comerciais, limitação no uso de tributos com fins de protecionismo e restrição no uso de subsídios.

Em seguida, deslocou-se a perspectiva para o direito tributário brasileiro, buscando ressaltar de que forma os compromissos internacionais de comércio afetam direta ou reflexamente o direito soberano de tributar do Estado, com destaque a aplicação do imposto de importação e para a prerrogativa de criação de tributos indiretos.

Na terceira parte, foram analisados aspectos específicos acerca relação entre tributação e competitividade dos produtos brasileiros no comércio internacional. Como conclusão, verificou-se que a complexidade do desenho tributário brasileiro e a forma de institucionalização dos programas de ajuda governamental precisam ser repensados de forma a oferecerem reais incentivos à produção e condições mais competitivas aos produtos brasileiros no mercado interno e principalmente no exterior.

Referências

BLIACHERIENE, Ana Carla. Subsídios: Efeitos, contramedidas e regulamentação Uma análise das normas nacionais e das normas da OMC. In: TORRES, Heleno T. Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003.

BUISSA, Leonardo e BEVULACQUA, Lucas. Aplicação dos acordos multilaterais de comércio (GATT/OMC) no sistema tributário nacional. Disponível em: https://ibdt.org.br/RDTA/wp-content/uploads/2017/06/Leonardo-Buissa-e-Lucas-Bevilacqua.pdf. Acesso em 20 de fevereiro de 2022.

CALIENDO, Paulo. Princípio da Igualdade de Tratamento entre Nacionais e Estrangeiros em Direito Tributário. In: TORRES, Heleno T. Direito Tributário Internacional Aplicado Vol. III. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

CASTRO, André Fernando Vasconcelos de. A imunidade tributária do ICMS nas exportações. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jul-24/andre-castro-imunidade-tributaria-icms-exportacoes#_ftn1. Consulta em 20 de fevereiro de 2022.

CASTRO E SILVA, Eric Moraes. Os benefícios tributários do programa INOVARAUTO e os princípios da nação mais favorecida e do tratamento nacional: uma análise dos argumentos dos painéis atualmente em curso contra o Brasil no órgão de solução de controvérsias da OMC. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n. 3, 2016, p. 210-234.

DAVEY, William J.; PAUWELYN, Joost. MFN Unconditionality: A legal analysis of the Concept in view of its evolution in the GATT/WTO Jurisprudence with particular reference to the issue of like product. In: COTTIER, Thomas; MAVROIDIS, Petros C (coord.) Regulatory barriers and the principle of non-discrimination in World Trade Law. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2000.

LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

  1. Disponível em: https://ibdt.org.br/RDTA/wp-content/uploads/2017/06/Leonardo-Buissa-e-Lucas-Bevilacqua.pdf. Acesso em 20 de fevereiro de 2022.

  2. Disponível em: https://ibdt.org.br/RDTA/wp-content/uploads/2017/06/Leonardo-Buissa-e-Lucas-Bevilacqua.pdf. Acesso em 20 de fevereiro de 2022.

  3. Artigo I. Tratamento geral de nação mais favorecida. 1. Qualquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio concedido por uma Parte Contratante em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer outro país, será imediata e incondicionalmente estendido ao produtor similar, originário do território de cada uma das outras Partes Contratantes ou ao mesmo destinado. Este dispositivo se refere aos direitos aduaneiros e encargos de toda a natureza que gravem a importação ou a exportação, ou a elas se relacionem, aos que recaiam sobre as transferências internacionais de fundos para pagamento de importações e exportações, digam respeito ao método de arrecadação desses direitos e encargos ou ao conjunto de regulamentos ou formalidades estabelecidos em conexão com a importação e exportação bem como aos assuntos incluídos nos §§ 2 e 4 do art. III.

  4. Artigo III. Tratamento nacional no tocante a tributação e regulamentação internas. 1. As Partes Contratantes reconhecem que os impostos e outros tributos internos, assim como leis, regulamentos e exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou utilização de produtos no mercado interno e as regulamentações sobre medidas quantitativas internas que exijam a mistura, a transformação ou utilização de produtos, em quantidade e proporções especificadas, não devem ser aplicados a produtos importados ou nacionais, de modo a proteger a produção nacional.

  5. O art. 3 do Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias tem o seguinte texto: Com exceção do disposto no Acordo sobre Agricultura, serão proibidos os seguintes subsídios, conforme definidos no Artigo 1: (a) subsídios vinculados de fato ou de direito ao desempenho exportador, quer individualmente, quer como parte de um conjunto de condições, inclusive aqueles indicados a título de exemplo no Anexo I 5 ; (b) subsídios vinculados de fato ou de direito ao uso preferencial de produtos nacionais em detrimento de produtos estrangeiros, quer individualmente, quer como parte de um conjunto de condições.

  6. O art. 19 do CTN prevê a seguinte hipótese de incidência para o imposto de importação: o imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional. O art. 23 do CTN Art. 23. O imposto, de competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional.

  7. No passado, esses tributos tinham grande importância arrecadatória. Principalmente no momento de consolidação das estruturas fiscais, os Estados dependiam do imposto de importação, cuja cobrança era mais simples.

  8. Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros.

  9. O art. 150 da CF estabelece: sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. O CTN, no art. 97, determina: Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção.

  10. Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - cobrar tributos: b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.

  11. O ICMS, imposto estadual, é previsto no inciso II do art. 155 da CF e na Lei Complementar 87/1996 (conhecida como Lei Kandir, em razão de seu propositor, Antônio Kandir, à época ministro do Planejamento do Governo Fernando Henrique Cardoso.

  12. O IPI, imposto de competência da União, está previsto no inciso IV do art. 153 da CF e no Decreto 7.212/2010.

  13. O ISS, tributo municipal, está previsto no Art.156, III, da CF. A regulação nacional do ISS está na Lei Complementar 116/2016.

  14. A CIDE está prevista no art. 149 da CF. Foi instituída pela Lei 10.336/2001.

  15. A Lei Complementar 87/1996 prevê a incidência do ICMS no inciso I do parágrafo 1º do art. 2º. A incidência do IPI sobre manufaturados estrangeiros está mencionada no art. do Decreto 7.212/2010.

  16. A imunidade das exportações em relação ao ICMS está prevista no art. 155, §2º, X, a, da CF. Para uma análise doutrinária do assunto, ver: https://www.conjur.com.br/2020-jul-24/andre-castro-imunidade-tributaria-icms-exportacoes#_ftn1. Acesso em 20 de fevereiro de 2022. A imunidade das exportações em relação ao IPI está prevista no art. 153, § 3º, inciso III, da CF. As Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 isentam as receitas de exportações da incidência das contribuições sociais.

  17. Com relação à classificação do Programa Inovar-Auto como um subsídio proibido nos termos do Art. 3.1 (b) do Acordo de SCM, entendeu-se que (i) os requisitos de credenciamento que requerem a utilização infraestrutura específica de fabricação e engenharia no Brasil para obtenção dos benefícios fiscais configuram-se como requisitos de conteúdo local; (ii) a metodologia de cálculo para o acúmulo de crédito do INOVAR AUTO configura-se como requisito de conteúdo local e (iii) os requisitos de pesquisa e desenvolvimento que requerem a utilização de equipamentos laboratoriais domésticos à importados configura-se como requisito de conteúdo local. Ver http://nasser.adv.br/informativo-de-jurisprudencia-internacional/2018/03/07/as-conclusoes-do-painel-da-omc-no-caso-brazil-taxation-parte-3-o-programa-inovar-auto/. Acesso em 15 de abril de 2022.

Sobre o autor
Mauro Kiithi Arima Junior

Bacharel em Direito e Relações Internacionais pela USP. Especialista em Direito Político, Administrativo e Financeiro pela FD USP. Especialista em Política Internacional pela FESPSP. Mestre em Direito Internacional pela USP. Doutor em Direito Internacional pela USP. Advogado, professor e consultor jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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