ACESSO À JUSTIÇA E FISIONOMIA DO JUDICIÁRIO:

APOSTANDO NAS LENTES DA REALIDADE SOCIAL E NUM MAPA ANATÔMICO PARA DESBRAVAR O LABIRINTO JURÍDICO

17/10/2021 às 18:50
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A presente redação dimana de copiosas releituras, tendo como escopo precípuo aproximar discussões em torno do acesso à justiça, sem ignorar o papel do Judiciário na efetivação deste valor tão cardeal que prima por uma ordem jurídica justa.

 

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Trajetos conceituais: entre a recordação longínqua e o movimento de reconceituação, aflorando o sentido e relevo do acesso à justiça. 3. O fecho da abóbada: um diagnóstico por imagens do judiciário. 4. Conclusões. Referência Bibliográfica.

RESUMO

O punctum saliens do modesto empreendimento teorético acampa na carismática temática do acesso à Justiça, detectando, através de uma análise, questões nucleares que afetam o Judiciário, sobretudo, quando sopesamos empecilhos, desafios e propostas que se apõe a reverência do genuíno direito fundamental de <<accès à la justice>>. Assim, começamos por reavivar que tal valor axiológico, de grande repercussão no quadrante jurídico, tem cobertura constitucional e internacional. Aliás, condignamente, razões de interdisciplinariedade e transversalidade subjazem a preferência temática. De mais a mais, assistimos um salto qualitativo no conceito do estimado princípio, anunciando o prelúdio de uma alvorada mais humana. Todavia, se avançamos na edificação do bondoso conceito de acesso à justiça refinado pela lógica da dignidade da pessoa humana, solidariedade, paz, igualdade, universalidade, cidadania e justiça social, ainda temos que lidar com muitas promessas rompidas, já que, infaustamente, o ordenamento jurídico não conseguiu se dissociar dos rudimentos que atrofiam o Judiciário, colocando em xeque a eficiência, eficácia, qualidade operacional, celeridade e a maior acessibilidade. Afinal de contas, com renitência, descura-se às necessidades do cidadão. De peroração, os rastros da anacrônica burocracia ainda ecoam num fraturado sistema de justiça, ilustrado sobretudo por um tíbio judiciário que, ora, se faz inacessível, ora lento e até hermético para o público. Isso, ligeiramente, explica o porquê a reputada instituição nem sempre protagoniza o efetivo papel de assegurar os direitos fundamentais do cidadão, agarrando-se ao papel de coadjuvante no derradeiro baluarte contra as injustiças, quando não, incorporando meramente a vilã, que estrangula a justiça. 

PALAVRAS-CHAVES: Acesso à Justiça. Direito Fundamental. Cidadania. Judiciário. Justiça. 

 

  1. INTRODUÇÃO 

 

O presente labor descende do nosso espírito inquietante que tanto anseia se aventurar, em tempos fractais, pelos labirintos jurídicos no afã de explorar um tema tão em voga como é a questão do acesso à justiça. De antemão, atentos aos rastros e ruídos, assistimos, numa toada, muitos trilharem caminhos tortuosos, atravessando atalhos sinalados pela carência de acesso à justiça.

Com efeito, efetivar o acesso à justiça para todos é um grande desafio da contemporaneidade. De algum modo, pode-se dizer que avançamos mas em passos lentos. A promessa de igualdade substancial ainda não se cumpriu e o acesso universal à justiça se revela mais como uma aposta para o futuro. 

Na verdade, está mais para uma utopia, do que propriamente para a realidade hodierna. Todavia, nos recusamos a perder a esperança de chegar com bons resultados ao final deste sinuoso jogo labiríntico, estudando possíveis saídas para escaparmos do desacesso à justiça. 

Assim como nós, sabemos que muitos outros já matutaram uma imaginável decifração para este intrincado enredo - com o desígnio de dar cabo a complexidade inextricável, sepultando tamanha desorientação e flagelo -, o que nos anima, sobremaneira, é fazer parte de um factível ciclo de abertura, expondo a trama, sob uma vista panorâmica. 

Afora nos dedicamos a fomentar um maior esforço na área, destinado a estimular uma atuação mais louvável da comunidade em direção a promoção do então desejável acesso à justiça nos moldes de uma sociedade mais humanizada. 

Antes de mais, convém, em nossos estudos, reacender, velhas e notáveis, lições esmeradas pelo brilho doutrinário. Para isso, reavivamos a memória algumas questões elementares, tais quais: o que é acesso à justiça? Qual a razão, para que serve? E a quem serve? Se é vero que há acesso à justiça para todos (“Est quia omnis aditus ad justitiam”), o que professa os mestres a respeito desta aspiração? 

Aqui e acolá, entabulamos uma longa discussão para tratar dos múltiplos olhares quanto ao tópico destacado, no escopo de ir ao encontro de alguns aspectos que desafiam a nossa razão. Adiantamos, desde logo, que se pudéssemos desenhar o acesso à justiça, seria, matematicamente, como uma figura geométrica de copiosos lados. Em boa dose de medida, isso propicia que vejamos de modo polivalente o tema, sem perder o foco em leituras de contornos multifacetados. Daí, extraímos o motivo precípuo para dizer que o objeto de estudo ora grafado é fundamental e multidisciplinar. 

Adiantando-se um pouco do que serão as traves mestras do arsenal bibliográfico, deixamos um lembrete de que o valor explicativo da acessibilidade à justiça pode ser observado para além de disciplinas como direito constitucional, internacional, direitos humanos, administrativo, processual, inclusive, adentrando também nas grandes áreas temáticas da sociologia, filosofia, história, política, dentre outras esferas do saber. Aliás, essa constelação de saberes nos orientará para não caminharmos cegos ou semi-cegos. Desse modo, esperamos enxergar com mais detalhes e nitidez por onde andamos e onde estamos, e, se calhar também, compreender os sinais de um porvir. 

Pois bem, centrando-se na análise do vocábulo acesso à justiça, é melhor explicar, num epítome, que se cuida de uma <<expressão polissêmica>> com roupagem de: 1. Princípio; 2. Direito; 3. Garantia; e, 4. Movimento (GONZÁLEZ, 2019). Um ponto nevrálgico a ser rabiscado nessas próximas linhas, que insistimos, de algum modo, em ornar, veste estas quatro acepções do que seja acesso à justiça. 

Tão logo a par da vivacidade do empreendimento teórico de Humberto Dalla Bernardina de Pinho, propalamos a ideia de que o acesso à justiça é um princípio basilar do Estado de Direito (PINHO, 2009). Dedicadamente, nos filiamos a corrente que patrocina o acesso à justiça como valor axiológico do Estado de Direito, como um direito fundamental de todos. Daí que as barreiras ao acesso à justiça, que frustram o cidadão de ver seu direito honrado, cooperam para corroer o ordenamento jurídico, fazendo com que a razão de ser, a logicidade e a coerência, do sistema de justiça sejam colocados em xeque.

Que categoria de acesso à justiça é este, que muito atende ao clamor das elites, favorecendo mais àqueles ditos poderosos, fartamente providos de riquezas e bem-estar, em detrimento dos demais? Que perfil de justiça é esta que se manifesta muito pouco ou até mesmo chega a ignorar os direitos do cidadão comum? Ao acaso faz sentido falar em acessibilidade à justiça numa sociedade que segue paradigmas dominantes e excludentes? Por que até hoje a justiça leva a fama de rotular pessoas e carrega o epíteto de seletiva? Aliás, para quem se destina o acesso à justiça? Para todos? Senão, para quem e por que ainda há tanta resistência e inércia de modo a asfixiar o acesso à justiça universal?  

Ora, por que, em pleno século XXI, o Judiciário ainda tem dificuldade de direcionar o seu olhar para os grupos vulneráveis? Qual a razão de alguns agentes ainda insistirem em desconhecer que negros, indígenas mulheres, pobres, sem-teto, sem terra, pessoas com deficiência, homoafetivas, transgêneros? Estes, de fato, são ou não são seres humanos tão dignos de terem seus direitos respeitados, assim como qualquer outra pessoa? Eis aqui algumas indagações colocadas em nossa jornada, repescando uma certa dose de dificuldades para exercitar a mente. Sem qualquer ânsia imediata pela resposta que nos deres, quer seja ela rica ou pobre, louvável ou terrível, o que mais nos interessa é se, finalmente, trouxestes a chave para um maior  abertura a discussão do problema.  

Afinal de contas, o que podemos fazer para tentar desobstruir o labirinto? Como a rotulação e seletividade abala as estruturas institucionais, sobremaneira, aprisionando agentes num labirinto que se afasta dos caminhos da justiça, afetando a sociedade?

Deixamos por agora, grifado em nota, a primazia explicativa de Deizimar Mendonça Oliveira de que: 

Não existe acesso à justiça quando as pessoas são discriminadas pelos sistemas de Justiça, quando não se promove a inclusão de todas as pessoas no campo de retaguarda dos direitos constitucionais. O acesso à justiça coerente com a própria justiça não pode dar lugar à exclusão. (OLIVEIRA, 2021, p.48). 

Antes de mais, sabemos hoje que a noção do direito ao acesso à justiça se perfaz como um garantidor de outros direitos, e, por que não dizer uma peça primordial do quebra-cabeça, direcionada a assegurar a efetividade aos direitos de cidadania? Afinal, não há, pois, como falar em ordem jurídica justa, alienando-se da questão da cidadania. Atente-se, por ora, que ambas devem andar juntas como uma dupla: 

[…] cidadania e acesso à justiça deve avançar lado a lado, pois o abandono de um desses elementos, traz sérios rebatimentos sobre o outro, prova disso encontra-se nas dificuldades de ampliar e usufruir os direitos civis, políticos e sociais, integrantes do conceito de cidadania, verificadas sempre que a ordem jurídica é rechaçada, e o acesso a uma ordem jurídica justa é obstacularizado, pois a grande derrocada da cidadania verifica-se, quando a estrutura estatal não permite a discordância, e institui o silêncio dos “cidadãos”, obrigando-os, aceitar muitas vezes o inaceitável. (CAVALCANTE, 2011, p.2)

Da tríade acesso à justiça, cidadania e dignidade da pessoa humana podemos extrair alguns elementos estruturantes de um desejável Estado. Não é segredo que o Estado de Direito, assim como os direitos humanos são como uma bússola que norteiam a nossa moderna democracia para um caminho mais próspero, humano e animador, afastando-nos de itinerários desumanos, de trajetos árduos e espinhosos. Na verdade, através de reflexão aturada, destacamos que o acesso à justiça tem vindo, no plano axiomático, a integrar prestigiosamente a proteção dos direitos humanos, assim como do Estado de direito.  Humberto Pinho não resistiu e, com prudência, alertou que:  

[…] é imperioso que se reconheça o acesso à justiça como princípio essencial ao funcionamento do Estado de direito. Isso porque um Estado estruturado sob esse postulado deve garantir, na sua atuação como um todo, isonomia substancial aos cidadãos. Na função jurisdicional, esse dever de igualdade se expressa, precisamente, pela garantia de acesso à justiça (PINHO; 2009, p.242).

Não nos surpreende que o acesso à justiça se perfaz como um requisito primordial, tido como o mais básico dos direitos humanos. Trata-se, pois, de um direito que diz respeito a um sistema jurídico moderno e igualitário com o escopo precípuo de garantir, e não apenas declamar os direitos de todos (CAPPELETTI; GARTH, 1988, p.12). 

Ao menos ao sabor de influentes especialistas, o acesso à justiça ostenta uma natureza transversal, sobretudo, por fazer menção ao mote geral do fomento da boa governança: “[…] l’accès à la justice a un caractère transversal puisqu'il renvoie à la thématique générale de promotion de la bonne gouvernance” (European Union External Action Service, [2015?]). 

Anote que, o Brasil, ainda que tardiamente, vem a se deparar com o desafio de incorporar mecanismos para fazer valer a garantia do acesso à justiça. Nossa pátria amada ainda tem longas passadas a dar no sentido do acesso à justiça, assunto este que, de fato, é indissociável a uma boa governança, que, de algum modo, busca suplantar o abismo colossal entre o normativo (abstrato) e o real (concreto). Enfim, é imperioso superar este descompasso que há entre a teoria (formal) e a prática (material), no afã de não se abrir mais margem para que a garantia dos direitos fundamentais seja um privilégio de uma minoria dominante, em patente prejuízo da maioria carente de recursos e oportunidades (MADERS, 2005). 

Ora, ora, em que pese a boa governança exigir, propriamente, a magnitude da adoção de iniciativas que se destacam, principalmente, no plano político-normativo, educativo, cultural, também requer que se sobressaiam ações na esfera da prática reflexiva, que desafiem no ofício do magistrado o reinventar, recriar e reimaginar com base em um novo paradigma, numa nova referência que prime pela prevalência dos direitos humanos, elevando, porquanto, um projeto  democratizante e humanista. Preconize, pois, que:  

O direito de acesso à justiça é fundamental para o exercício da democracia e dos direitos humanos, uma vez que se apresenta como um direito básico em razão de ser capaz de garantir a concretização de todos os demais direitos. Nesses termos, a compreensão do direito de acesso à justiça é fundamental para a sua análise enquanto instrumento democrático, bem como na qualidade de garantidor de direitos. (BEDIN; SPENGLER, 2013, p.136)

Repise-se, pois, afora ser um princípio universal, o acesso à justiça afigura-se como um direito fundamental, aquilatado quer nas Convenções Internacionais, quer na Constituição Cidadã de 1988. Ora, é na Declaração Universal de Direitos Humanos que o direito em comento começa a ganhar uma certa ressonância no seio da comunidade internacional. De um jeito mais preciso, se guia, prudentemente, a comunidade para uma boa senda, exortando que: 

Artigo 8° Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei. […] Artigo 10º Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida (ONU; 1948). 

Não obstante, na arena do direito internacional regional, é digno de referência a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem que consigna que:  

 Artigo XVIII.  Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos.  Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente (OEA; 1948).

No mais, a Convenção Americana de Direitos Humanos estampa o lema de que:

Artigo 8.  Garantias judiciais 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. […] Artigo 25.  Proteção judicial 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.  2. Os Estados Partes comprometem-se:  a. a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso; b. a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e c. a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso (OEA;1969).  

Se ativermos nossa atenção voltada ao <<Código de Direitos Humanos>>, será fácil concluir o como o direito internacional tocou e ainda impacta na temática, já que provoca acalorados debates que congregam o jurisinternacionalista, levando-os a buscar soluções para o problema da inacessibilidade à justiça. 

Por conseguinte, colacionamos, no plano do direito internacional universal, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos: 

ARTIGO 141. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores (PIDCP; 1966).

Reconheça-se, por certo, que muitos princípios fundamentais que esteiam o ordenamento jurídico internacional, encontram confluência com a acessibilidade à justiça. Para além do internacional, salta aos olhos a necessidade de apreciarmos a ordem nacional, valendo trazer à baila, antes de tudo, um pequeno trecho da famigerada gramática constitucional: 

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (BRASIL;1988). 

Seguindo muito perto a vocação constitucional, o Código de Processo Civil, numa singela proclamação, ergue, no art. 3º, a bandeira de que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito” (BRASIL, 2015). 

No mais, consoante já fora dito, o acesso à justiça - quer como direito fundamental, quer como garantia-, se faz vital para os demais direitos fundamentais (MARTINS APUD CONJUR, 2021).

O acesso à justiça é um direito social fundamental, principal garantia dos direitos subjetivos. Em torno dele estão todas as garantias destinadas a promover a efetiva tutela dos direitos fundamentais (NASCIMENTO, 2010, n.p).

Depreende-se, pois, que a garantia constitucional em menção suplanta o dever de prestar tutela jurisdicional, incumbindo ao aparelho estatal não tão somente propiciar, mas oportunizar a acessibilidade à justiça. Num sugestivo artigo escrito por Arnold Waldo, percebemos que: 

 […] a garantia do acesso à justiça e sua democratização significam que não somente as partes devem ter a possibilidade de iniciar um processo, mas também que lhes é assegurado uma tramitação rápida e uma decisão eficaz e eficiente (WALD; 2016, p.69)

Pensando bem, não poderíamos deixar de lado, a declamação de que acesso à justiça se corporifica também num promissor movimento mundial, sobretudo, preocupada em universalizar o direito de acesso. Esse movimento internacional foi, bastante, incentivado e propalado pelo saudoso Mauro Cappelletti, notável processualista italiano, que muito nos tem a dizer, com suas observações em torno da questão da efetividade, da igualdade de todos perante o direito e da justiça - eis aqui, pois, um aliciante desafio que requer soluções em todos os países. Para Cappelletti, 

É muito fácil declarar os direitos sociais, que são típicos e caracterizam o Estado social. É fácil declará-los, mas é extremamente difícil fazê-los atuar, incrementá-los, realizá-los, tomá-los efetivos. Frequentemente a declaração dos direitos sociais não tem sido feita com seriedade. O movimento para o acesso à justiça é um movimento para a efetividade dos direitos sociais, ou seja, para a efetividade da igualdade (CAPPELLETTI, 1985, p.9). 

Boaventura de Sousa Santos, tomando préstimo da lição de Cappelletti e Garth, costuma identificar três vagas no movimento de acesso à justiça. Em síntese, a primeira remete a defesa e promoção de mecanismos de apoio judiciário aos cidadãos carentes, de modo a abandonar a velha filantropia do judiciário para abrir arestas a um poder que integra os programas estatais; a segunda é marcada por reformas voltadas a encorajar a defesa dos interesses difusos e coletivos, em especial por parte dos grupos mais vulneráveis e; a terceira, desenvolve-se um conceito amplo de justiça, de sorte que os Tribunais passam a fazer parte da resolução alternativa de litígio, isto é, sendo apenas uma peça-chave de um todo maior. 

Demais, aprendemos com Eliane Botelho Junqueira e gravamos em nossas mentes a preleção de que o <<movimento acadêmico (e jurídico-político) em torno do acesso à justiça compreende dois eixos principais>>. Em suma, resulta das pesquisas desenvolvidas acerca: a) do acesso à justiça; b) das formas estatais e não estatais de resolução de conflitos individuais, ovacionando-se as conquistas em volta dos novos mecanismos informais (JUNQUEIRA, 1996). 

Não cabe aqui adentrarmos numa análise geral do sistema de justiça, eis que delimitamos como objeto de nossos estudos, examinarmos o direito de acesso à justiça apenas sob a ótica de um fragmento deste sistema que é o atinente ao Poder Judiciário. Portanto, não trataremos neste artigo de apurar o perfil, as limitações e insuficiências inerentes aos advogados pagos ou dativos, aos membros do ministério público, aos funcionários de cartórios, aos agentes de polícia. 

No entanto, nos ocuparemos, a rigor, em afirmar o acesso à justiça, temática explorada no Judiciário, considerando o perfil do magistrado como apenas uma peça de um todo maior, ou seja, uma fresta do sistema de justiça, onde recorremos, sobretudo, quando não logramos êxito de outro modo. Quer dizer que nada adiantou buscar apoio de modo amigável; simplesmente, os métodos de solução consensual dos conflitos, as estratégias extrajudiciais, caíram por terra. Daí que, não havendo outra alternativa, o Judiciário passa a carregar uma grande responsabilidade em suas mãos, que afeta, positivamente ou negativamente, a vida de indivíduos e da sociedade. Enfim, pode-se agir quer para robustecer a acessibilidade à justiça, ou, então, impiedosamente, laborar para esmagar o benquisto direito. 

Digamos que, na conjuntura atual, o juiz na qualidade de administrador da justiça é compreendido como sendo muito mais que um agente responsável por velar os ditames da lei, não faz qualquer sentido enxergar o juiz como um mero intérprete mecânico da lei. Afinal de contas, o termo boca da lei, <<bouche de la loi>>, muito empregado no contexto pós-revolução francesa se tornou, paulatinamente, obsoleto no plano teórico. 

Aliás, impende destacar que, na sociedade contemporânea, se bem que é verdade que o juiz deixa de ser uma figura mística, divina, passando a ser compreendido como um mero mortal, longe de ser neutro, também é verdade que ele, como qualquer ser humano, possui aspirações e estão suscetível a falhar. No entanto, quando o juiz se afasta da justiça, quem sofre somos nós e a sociedade. 

A esta altura, já é de se imaginar que a tarefa do magistrado é desafiante, e requer sabedoria, pois, lida com jogos de interesses.  Como garantir a paz social, se, por vezes, o juiz se vê numa teia inescapável ou difícil de romper? Insensível para com os casos que lhes chegam as mãos, os juízes podem ajudar a nutrir injustas sociais, semear um terreno infértil, marcado pela indiferença, exclusão, discriminação, deixando a sociedade carente de valores nobres como misericórdia, solidariedade, dignidade.  Mas como se libertar de uma cadeia em que o magistrado já integra, trabalha, defende e apoia? 

Em suma, não há uma resposta fácil para uma questão como essa.  Todavia,  a única rota que reputamos por sábia, e que deveria ser percorrida é aquela que leva o juiz a libertar a vítima, os oprimidos, excluídos, mas que nem todos, apesar de estarem compromissados, estão dispostos a seguir. O mais irônico de tudo, é que àqueles profissionais que tanto resistem a justiça social, carregam também, na atualidade, uma grande responsabilidade que é a de respeitar aos direitos humanos, sob pena de descaracterizar à justiça. Essa responsabilidade decorre de obrigações estabelecidas em tratados internacionais de direitos humanos e na própria gramática constitucional.  

Como um ser histórico, e ideológico por natureza, que remete tanto ao ser como ao vir-a-ser, o magistrado é capaz de criar e dar sentindo ao seu entorno. Em que pese, os juízes serem indivíduos com seus próprios valores, crenças, culturas,  história, religiosidade, costumes, tradições, realidades, e outras condicionantes, trazemos à baila o lembrete de que a atividade jurisdicional não pode deixar de se atrelar ao interesse público. No entanto, muitas vezes o interesse social também se faz presente. Existe, pois, um interesse social envolto nessa atividade que se conecta a questão da estabilidade da paz social.

Ao se desviar das <<estradas da justiça>>, o juiz causa sofrimento ao injustiçado e frequentemente impacta negativamente na vida da sociedade, pois, coloca em descrédito o sistema de justiça. Na realidade, ele comete uma dívida para com a sociedade, um desserviço aos cidadãos que tanto vem clamando pela prometida justiça social.

Ora, sabemos que, num Estado Democrático de Direito, o juiz desempenha um notório papel social dentro de uma função tão primordial (a jurisdicional). Por isso, compartilhamos o sonho de convivermos com agentes que se mostrem mais abertos a aceitar a ideia de promover a justiça e a dignidade dos oprimidos, invés de trabalharem para manter as relações de dominação legitimando os privilégios e os poderes da elites.

De modo geral, este pretensioso empreendimento teórico se destina principalmente a todos àqueles, que vivem, entre a turbulência das injustiças e desigualdades, aos espíritos inquietantes que se questionam, frequentemente, se devem ou não continuar empenhando-se com afinco na luta por um Brasil mais fraterno e democrático, aos que querem ser mais, aos que se devotarem a convidar muitos outros a habitar o universo da linguagem jurídica, em busca da Casa da Justiça, encontrando as portas abertas, portas que escancaram a senha de muitos mundos.  

Nas linhas advinhas, cabe apurar se o princípio do acesso à justiça ganhou, ou não, progressiva consistência e densidade na ordem jurídica ao longo dos anos.

 

2. TRAJETOS CONCEITUAIS: ENTRE A RECORDAÇÃO LONGÍNQUA E O MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO, AFLORANDO O SENTIDO E RELEVO DO ACESSO À JUSTIÇA

 

Dentro deste esquema, o presente labor não poderia se limitar tão somente a cambiante da realidade atual, razão pela qual esboçamos uma especulação em torno da problemática apresentada, penetrando no âmago da historiografia brasileira de modo a retirar explicações que nos ajudem a compreender os fatos presentes. 

Pois bem, a esta altura, cabe escoltá-los, a partir de um recorte histórico, até a trajetória direcionada ao acesso à justiça no Brasil. A priori, houve um tempo em que o acesso à justiça não era sequer contemplado nos textos da ordem jurídica, como um direito universal, iminente a qualquer ser humano. 

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A contar da chegada dos portugueses até o início do século XIX, não se encontravam registros robustos acerca do objeto investigado. Ora, nas certeiras palavras de Michel Souza <<muito pouco ou quase nada se falou sobre o acesso à justiça no ordenamento jurídico luso-brasileiro>> (SOUZA, [2015?]).  

Na verdade, mesmo após os gritos da independência em 1822 e apesar do advento da Magna Carta de 1824, ainda era muito cedo para se vangloriar de um Brasil rumo ao acesso à justiça (SEIXAS; SOUZA, 2013). Afinal, o que se esperar de um país recém-saído do colonialismo e ainda calcado nas bases que homenageavam o sistema escravocrata? Não nos surpreende, portanto, que naquela época, sequer houvesse um terreno fértil para aflorar e prosperar a noção de acesso à justiça. 

Noutras palavras, vê-se, pois, que o Império do Brasil insistentemente se recusava a reconhecer e efetivar universalmente o direito em comento, já que os negros, indígenas, mulheres, crianças e pobres continuavam excluídos, ignorados por um sistema de justiça que se alinhavava mais a sociedade patriarcalista, escravista e aristocrata. Assim, ao relegar aos oprimidos direitos, mostrava o quão longe estava de abrir caminhos fecundos para o acesso à justiça nas configurações mais avançadas.

Observe que, além dos obstáculos geográficos, o sistema judicial do século XIX era notadamente excludente e elitista, merecendo destacar que no:

[…] período imperial (1822 a 1890) é possível afirmar que o braço da lei continuava a não se fazer fisicamente presente em algumas localidades e, em outras, a sua presença era sentida de maneira distinta por aqueles que habitavam a região, dado o fato de que as práticas do sistema judicial brasileiro no século XIX reforçaram as características de categorização elitista e excludente […].  (RIBEIRO, 2008, p.467-468)

Até mesmo, com a ruína do Brasil Império e as primícias da República, inaugurando-se uma nova ordem (1890-1930), sob a égide da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, àquele Brasil, que antes era fortemente marcado pela aristocracia, se tornou oligarquia (NETTO, [2017?]), portanto, não à toa, que pouco ou nada, se progrediu na senda do acesso universal e integral à justiça.

De algum modo, com as transformações sociais de 1930 e a inovação jurídica decorrente da Constituição de 1934, passamos a detectar alguns sinais influentes na história do acesso à justiça. Avistamos, dentre as contribuições para semear, mais à frente, um direito universal ao acesso à justiça, o assente no art. 113, inciso 32, referente ao << status constitucional da assistência judiciária>>:       

Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 32) A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos (BRASIL, 1934). 

Com efeito, a assistência judiciária esculpida no texto constitucional foi rabiscada para, de modo igualitário, preparar o terreno para uma garantia de acesso à justiça endereçada a todos, fundada em notáveis valores de dignidade da pessoa humana e bem-estar social do cidadão, levantando-se, porquanto, uma bandeira rumo a inclusão social. 

Atente-se, de fato, que o alvorecer da Constituição democrática de 1934 vislumbrou a ideação de promover a jurisdição a quem dela precisasse, estampando, porquanto, o dever da União e do Estado na consecução de assistência judiciária aos necessitados (SEIXAS; SOUZA, 2013). No entanto, a Magna Carta não perdurou bastante e, muito menos a efetividade do mandamento constitucional veio à tona. Sem esqueleto estrutural e funcional não foi possível encontrar o lastro de sustentação para assistir os necessitados. 

Logo os avanços conquistados na constituição de outrora foram apagados. Repare que, em 1937, a Constituição polaca, de feição ditatorial, segou direitos como ampla defesa e contraditório, afastou diversos princípios e garantias constitucionais do ordenamento jurídico, além de desfazer a separação dos três poderes, concentrando-os nas mãos do Poder executivo, o que corroborou para amputar o braço de apoio que acudia um cenário favorável ao avanço democrático, à beira de um acesso à justiça para todos (SOUZA; [2015?]).  

Rompendo os laços com a tirânica Constituição de 1937, a gramática constitucional de 1946, infundida por ideais liberais, prodigalizou na matéria ao abrir alas para cultivar, mais tarde, uma acepção formal do que seja acesso à justiça. Não podemos ignorar que a Constituição de 1946, simplesmente, se encarregou de tonificar a democracia, revigorando os direitos sociais, resgatando princípios e garantias constitucionais, sem olvidar um alargamento do acesso ao judiciário. 

Ademais, importa grifar que, a Carta democrática de 1946 é o grande prógono nos registros do acesso à justiça (SEIXAS; SOUZA, 2013). Pela primeira vez na cronografia da constituição, incorporou-se, expressamente num escrito, o acesso à justiça como um direito fundamental:  

Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: […] § 4º - A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual (BRASIL, 1946).

Ocorre que junto ao golpe militar de 1964 e a constituição de 1967, se fez uma pátria dilacerada e um povo necrosado, que assistia, pouco a pouco, a um quadro de grave violação de direitos e garantias fundamentais, sepultando o tenro Estado democrático de Direito. Em síntese: como outrora já fora, erguiam-se os muros da opressão contra o acesso à justiça, sinalando um cenário onde tanto a constituição quanto a cidadania eram consideradas de papel. Em poucas palavras, quer dizer que, em que pese a carta de 1967 anunciar o acesso à justiça dos cidadãos ao poder Judiciário, tudo não passava de mera letra morta (BEDIN; SPENGLER, 2013).

Vejamos que, durante o sangrento regime ditatorial, o Judiciário afigurava-se mais como um “fantoche” nas mãos do chefe do Poder Executivo, sufocada pelo regime militar, a instituição se revelava inexpressiva, inerte e sem voz, castrada quer na autonomia, quer na independência funcional. Assim, fácil concluir que, naquela época, não fazia menor sentido falar em acesso à justiça. 

Sem sombra de dúvida, passamos por clivagens profundas que entraram para a historiografia da sociedade brasileira, entre a ditadura e a democracia, entre o golpe e revolução, chegamos ao final do século XX com a surpreendente ruptura do regime ditatorial e com o acolhimento do credo democrático.

Nos decênios de 1980, o Estado brasileiro dá início ao divórcio para com o regime militar, paulatinamente, abrindo espaço para ouvir os clamores de uma sociedade insuflada pelo movimento de redemocratização e, mais a frente, promulgando a nossa tão amada Constituição Cidadã de 1988, sobretudo, por ressuscitar o Estado democrático de direito, além de reestabelecer o acesso à justiça, reconhecendo-o, no art.5, XXXV, como princípio no patamar constitucional (SOUZA, [2015?]). Em grande dose de medida, o labor jurídico teve um magno impacto no acesso à justiça, abrindo caminhos para que, no porvir, os oprimidos tivessem a proteção de direitos que lhes foram consagrados. Em linhas gerais, pode-se dizer que o acesso à justiça se operacionaliza nas democracias, somente mediante o regalo da mais ampla e igualitária oportunidade. 

Não à toa, aformalamos o dístico de que enquanto o acesso à justiça é um fator-chave a toda sociedade democrática; em uma sociedade assombrada pela ditadura, tal direito jamais encontraria campo fértil para prosperar. 

Em extrato subjacente: o histórico-social do Brasil revela um legado de inacesso à justiça, marcado por baixos índices de procura por parte povo brasileiro aos sistemas de justiça para ver seus direitos amparados. Repare que, dentre várias determinantes, tanto as condicionantes de ordem física como institucionais, concorreram para que a inacessibilidade à justiça esteja sempre presente em nossa história.  

Ultrapassado este ponto, passamos, de ora em diante, a examinar a evolução do significado acesso à justiça, percorrendo um trajeto conceitual que em um dado momento aponta para duas direções: uma formal; e a outra material. 

Naquela linha, imperioso sublinhar que, o sentido formal de acesso à justiça, notavelmente, reputado como uma formulação clássica, se faz presente aquando literalmente se interpreta o preceito do art. 5º, esculpido pela gramática constitucional. Essa tradição conceitual confunde acesso à justiça com a noção de acesso à jurisdição, abraçando um enfoque orgânico e institucional, sobremaneira, ao compreender a Justiça como sinônimo de Judiciário. 

Além do que, o sentido formal não discerne fronteiras entre os princípios de acesso à justiça e de inafastabilidade do controle jurisdicional (princípio da universalidade ou da ubiquidade da jurisdição), eis que ambos são tidos como sendo a mesma coisa. Os adeptos da percepção formal, se contentam tão somente com o acesso amplo e universal ao Judiciário (GONZÁLEZ, 2019). Perante tudo isso, Deizimar Mendonça Oliveira nos alerta que:  

O direito é persuasivo quando se trata de inclusão formal. Em poucas linhas, assegura a todos o acesso à Justiça, à tutela jurisdicional preventiva ou reparatória. Mas texto e realidade, quando aproximados, não coincidem. Logo é possível ver as fissuras, o desvanecimento do texto, todos se transformando em poucos ou alguns. (OLIVEIRA, 2021, p.47) 

De outra parte, não poderíamos deixar de fazer menção ao português Boaventura (SANTOS, 2013) é que o labor intelectual deste estimado sociólogo nos estimula a pensar sobre a justiça formal no contexto brasileiro atual, afinal, se a justiça formal não for internamente democrática, como ela poderá melhor assistir à democracia? 

Num recorte epistemológico, nos valemos dos estudos do Instituto de Paz dos Estados Unidos, evocando a tese de que: 

“Access to justice is more than improving an individual’s access to courts or guaranteeing legal representation. Access to justice is defined as ability of people to seek and obtain a remedy though formal or informal institutions  of justice for grievances in compliance with human standards. There is no access to justice where citizens (especially marginalized groups) fear the system, see it alien, and do not access it, where the justice system is financially inaccessible; where individuals have no lawyers, where they do not have information or knowledge of rights; or where there is a week justice system. Access to justice involves normative legal protection, legal awareness, legal aid and counsel, adjudication, enforcement, and civil society oversight. […] (UNITED STATES INSTITUTE OF PEACE APUD GORHAM, 2017) 

 Ora, o direito de acesso à justiça não move tão somente as portas de entrada dos Tribunais na <<Casa da Justiça>>, vai muito além. Se nos atentarmos a história brasileira a partir de 1980, assistimos uma intensa revisão e mudança no conceito de acesso à justiça. Basta para isso, examinarmos o sentido material do direito em menção. 

Com efeito, o jurista Kazuo Watanabe possibilitou desenvolver um olhar mais refinado sobre o acesso à justiça, aclarando que: 

A problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata de possibilitar o acesso à justiça enquanto instituição estatal; e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa (WATANABE, 1988, p.128)

Em abreviação, pode-se dizer que a reconceitualização de acesso à justiça para abraçar o sentido material equivale ao <<acesso à ordem jurídica justa>>, ilustrando bem as condições que reclamam acesso: a) ao Direito, b) aos direitos, c) direito a ter direitos, d) a juricidade. Tais direitos podem ser observados, sem que para isso haja intervenção do Poder Judiciário, mediante meios alternativos, como a educação em direitos e meios adequados de solução de conflitos - arbitragem, mediação e conciliação (GONZÁLEZ, 2019). 

Ainda, secundando a lição de Pedro González, vemos uma noção, lapidada e mais recente, que leva em apreço o fato de o acesso à justiça carregar consigo uma bagagem com estatura ética, axiológica e valorativa. Assim, não nos surpreende que, a via material, refere-se ao valor justiça como sendo sinônimo para o vocábulo justiça. Note que o sentido material destoa, de forma gritante, do formal, - enquanto, àquele se traduz no valor da justiça, este significa Poder Judiciário. Portanto, resta evidenciado que o acesso à justiça na conjuntura atual não se confunde com o princípio da inafastabilidade de controle jurisdicional. 

Afinal de contas, se o acesso à justiça estivesse circunscrito tão somente a acepção formal, orgânica e institucional, viveríamos a beira de um precipício, conduzindo pela cegueira elitista que sugestiona as instituições, insistindo em funcionar em circuito fechados, que pouco ou nada tem para dizer ao povo, ou, de modo nenhum quer lhes dizer. Eis aqui um conceito de grande carência valorativa. 

Àqueles que se socorrem do Judiciário, apostando suas fichas na capacidade de a instituição gerir conflitos, abonando a virtude da justiça, correm o risco de se decepcionarem ao não encontrar o amparo que esperavam. É que a trilha, em direção ao sentido formal, aponta para um Poder Judiciário que se compraz com o desfecho da lide, se atendo apenas uma dimensão meramente processual, em menoscabo a um dos cardinais valores que impulsiona o ordenamento jurídico que é a justiça. Trata-se, pois, de uma via conceitual pobre. E é assim, que a justiça descrita como <<estrela polar comum ao direito em todos os tempos >> pouco a pouco vai se ofuscando.  

Se a temática do acesso à justiça é mais debatível do que nunca, todo esse conceito satélite descrito acima veio a ser questionado. Pouco a pouco, foi perdendo espaço no <<santuário acadêmico>>, despertando, assim, uma crise conceitual, para o qual não restava outra saída, senão dispor de energias renovadas para superar o rotundo colapso e, consequentemente, acompanhar a nova realidade envolta. É assim que, 

o conceito de acesso à justiça passou por uma importante atualização: deixou de significar mero acesso aos órgãos judiciários para a proteção contenciosa dos direitos para constituir acesso à ordem jurídica justa, no sentido de que os cidadãos têm o direito de serem ouvidos e atendidos não somente em situação de controvérsias com outrem, como também em situação de problemas jurídicos que impeçam o pleno exercício da cidadania, como nas dificuldades para a obtenção de documentos seus ou de seus familiares ou os relativos a seus bens. Portanto, o acesso à justiça, nessa dimensão é mais amplo e abrange não apenas a esfera judicial, como também a extrajudicial (WATANABE, 2019, p.109-113)

Em agudeza e profundidade, como quase ninguém depois dele, o nobre trabalho do Cappelletti nos trouxe inovadoras análises quanto a noção de ordem jurídica justa e acesso à justiça.  Repare que, num brilhante artigo de autoria do jurista italiano, traduzido para o português pelo promotor do Estado do Rio Grande do Sul, à época, Pinto de Azevedo, com força suficiente para inspirar na revisão do conceito de acesso à justiça, foram lançadas as sementes para uma virada libertadora e emancipatória, de modo a desarticular os sinais de fraqueza conceitual e transmutar-se em força.

Ao correr a par com a necessidade de repensar profundamente a definição de acesso à justiça, encaixando-se realidade social com o papel do direito na ordem jurídica justa, Cappelletti nos ensinou, sem reservas, a ler os sinais de um direito realista guiado pelo valor da justiça social: 

Quando surge o problema social o direito logo deve intervir, deve tratar de resolvê-lo, ou de colaborar na resolução do mesmo. Esse é o direito realista, não um direito abstrato, dogmático, direito das nuvens (CAPELLETTI, 1985, p.17)

Não obstante, a mudança conceitual, ainda temos um longo caminho a desenhar na busca deste direito realista. Vivenciamos um novo paradigma que ainda não tem um nome exato. Se no século XX, o acesso à justiça no Brasil começou a ganhar conceito e até mesmo perfil nas agendas políticas, nos debates e na legislação, sucede que, apesar de tudo, temos que lidar com o desafio de lutar contra a inacessibilidade da justiça num país aonde até hoje, em pleno século XXI, ainda podemos encontrar os “invisíveis sociais”, e, porque não dizer o famigerado “cidadão de papel”, seguidos de aparentes direitos. O que é uma lástima, já que o direito, como é profusamente sabido, existe para se realizar. 

Daí, extraímos a célebre anotação, um retrospecto de Boaventura de Sousa Santos que ainda pode e deve ser estudado pela academia: 

A consagração constitucional dos novos direitos socioeconômicos e sociais e sua expansão paralela à do Estado-Providência transformou o direito de acesso à justiça num direito de charneira, um direito cujo denegação acarretaria a de todos os demais. Uma vez destituídos de mecanismos que fizessem impor seu respeito, os novos direitos sociais e econômicos passariam a meras declarações politicas, de conteúdo e funções mistificadores. Daí a constatação de que a organização da justiça civil e, em particular a tramitação processual não podiam ser reduzidas à sua dimensão técnica, socialmente neutra, como era comum serem concebidas pela teoria processualista, devendo investigar-se as funções sociais, por elas desempenhadas e em particular o modo como as opções técnicas no seu seio veiculavam opções a favor ou contra os interesses sociais divergentes ou mesmo antagônicas […] (BOAVENTURA, 2013, p.205). 

Mais uma vez, Sousa Santos muito nos tem a ensinar, ao apregoar que: 

O tema do acesso à justiça é aquele que mais diretamente equaciona as relações entre o processo civil e a justiça social, entre igualdade jurídico-formal e desigualdade socioeconômica. No âmbito da justiça civil, muito mais propriamente do que no da justiça penal, pode falar-se de procura, real ou potencial da justiça. Uma vez definida suas características internas e medido o seu âmbito em termos quantitativos, é possível compará-la a uma oferta da justiça produzida pelo Estado (SANTOS, 2013, p. 205). 

No mais, recapitulamos que o acesso à justiça numa sociedade cultuada pelos princípios éticos de humanidade, convive lado a lado com a dignidade da pessoa humana, constituindo uma condição necessária e um efeito desejável. O que mais importa é harmonizar com afinco a questão da acessibilidade à justiça com a realidade social, respeitando-se o sentido maior da cidadania. Senão vejamos que: 

Para a efetividade de todos os direitos, sejam eles individuais ou supra-individuais, de primeira, segunda ou terceira geração, o acesso à justiça é requisito fundamental, é condição sine qua non (Cappelletti e Garth, 1988). Os direitos só se realizam se for real a possibilidade de reclamá-los perante tribunais imparciais e independentes. Em outras palavras, o direito de acesso à justiça é o direito sem o qual nenhum dos demais se concretiza. Assim, a questão do acesso à justiça é primordial para a efetivação de direitos. Consequentemente, qualquer impedimento no direito de acesso à justiça provoca limitações ou mesmo impossibilita a efetivação da cidadania (SADEK, 2009, p.173).

De fato, se queremos bem-estar e justiça social para o nosso povo, guiando-nos, para tanto, pela senda da ordem jurídica desejada e pela vontade do legislador, devemos velar, apaixonadamente, pelo acesso à justiça, tomando por norte, em certa dose de medida, as normas principiológicas e a lei, sem olvidar os projetos políticos, culturais e articulações sociais em torno de uma melhor efetivação do acesso. Só assim, conseguiremos apoiar a edificação de uma sociedade mais justa. 

Ocorre que, como se vê, tal jornada não é fácil, requer passagens por caminhos árduos e pedregosos. Afinal, o déficit no acesso à justiça é maior que se possa imaginar, até hoje esperamos que os projetos de outrora e tantas outras promessas oriundas do ordenamento jurídico se cumpram. Há uma contundente prova, os registros não enganam que a justiça brasileira ainda é seletiva, o que nos leva a crer que temos um longo percurso a trilhar para desintrincar o imbróglio do inacesso à justiça. Não nos interessa aqui, entrar em detalhes, incumbindo-nos fazer na porvindoura ocasião. 

 

  3. O FECHO DE ABÓBADA: UM DIAGNÓSTICO POR IMAGENS DO JUDICIÁRIO

 

Com vista a uma análise do acesso à justiça no quadro do Judiciário brasileiro, deixamos nos levar pela digna literatura jurídica, tomando como referência a honestidade de pensadores que, no sentido mais nobre do termo inteligível, iluminaram nosso modesto labor. 

Com efeito, e de um modo frequente, os intelectuais e os cidadãos comuns, de modo geral, nos fazem enxergar uma dura realidade que precisa ser notada para ser modificada. À vista disso, descortinaremos, a fio, como se dá a visibilidade do Judiciário, em especial, como tal Poder lida com a temática ao acesso à justiça. 

Ora, repare que perante o povo, infrequentemente, o judiciário se vê, em todos os tempos, com tantos créditos, sobremaneira, aquando ressuscitam as experiências partilhadas por aqueles desprovidos de maiores recursos que, inúmeras vezes, se deparam com as portas das instituições fechadas, mostrando o tanto de descaso em efetivar os direitos assegurados na Constituição. 

Em suma, no quadro brasileiro, o povo, principalmente, os pobres e a dita classe média brasileira, não acreditam, tão intensamente, na justiça. É que, muitos deles estão, de fato, desanimados em presenciar um panorama de <<acesso à justiça sem justiça>>, assim dizendo, andam cansados de sofrer a derrota, desencantados com uma atividade jurisdicional que se faz lenta, cara e pouco efetiva. Parece-nos que, ainda, estamos bastantes distantes de vencer a grande crise de justiça de que tanto falava o jurista Marcus Antonio de Souza Faver. 

a sociedade brasileira espera do Judiciário um comportamento, uma postura ética capaz de combater essas práticas indevidas e que, ao longo dos anos, está formando uma grande crise social - a crise social da desconfiança nas instituições, nos agentes políticos, seus representantes e contra o Poder Judiciário. Aí está a grande crise de Justiça; a população se sente injustiçada, desamparada, desestimulada, desesperançada (FAVER, 2001, p.18).

Assim, nesta análise institucional no que atine ao acesso à justiça, não poderíamos deixar de lado a dica do sociólogo americano Philips Selzinick. Com exatidão, ele nos ensina que ao estudar uma instituição devemos nos ater não tão somente a historiografia, mas nos lembrar também de como o meio social influencia tal instituição. Tudo isso, de algum modo, nos permite sondar como a estrutura orgânica do Judiciário se adapta ao centro de poder existente no seio da comunidade, além do mais, nos convida a refletir sobre a camada da sociedade a qual se originam as autoridades judiciais, sobre a maneira como isso afeta a política institucional e, sobre o como a existência institucional se justifica ideologicamente (SELZINICK, 1972). 

Lastimavelmente, o nosso país vem sendo assolado por uma desigualdade social patológica que muito tem a ver com o tema que estamos estudando, eis que reflete, de algum modo, no resultado, desempenho e na imagem do Judiciário. Não há como dissociar o tema do acesso à justiça da realidade social, senão corremos o risco de continuarmos como estamos. Vivendo numa fantasia de que o acesso à justiça é para todos, quando, na verdade, já sabemos, há muito, que enquanto vários brasileiros não têm acesso à justiça, alguns, o têm por demais. 

Repare que estamos atravessando uma crise. Convivemos, pois, com o marginalismo jurídico, com a falta de sintonia para com a realidade social. Esse afastamento do Direito para com a realidade brasileira se dá, sobretudo, através de um rompimento com a coerência, sendo marcado, sobremaneira, por um cenário de esfacelamento do conteúdo ético, de enfraquecimento da finalidade do Direito e, pelo declínio da proeza de fazer valer a justiça (FAVER, 2001). 

Senão vejamos que nos tempos de outrora, inclusive em grande parte do século XX, o Judiciário brasileiro não apareceu sequer na pauta da agenda política como um tópico digno de grande relevo. Não é de se espantar que tal instituição, sob uma assaz influência do arquétipo europeu, foi se fazendo e refazendo, ao longo dos anos, como uma figura de cariz inanimado, calcado num perfil módico de magistrado, simplificado, em poucos traços, numa gravura mordaz de mero aplicador da lei. De modo lacônico, no repertório do Estado brasileiro, tanto a burocracia como o Poder Executivo ganha densidade, consistência e vez, lançando os germens para medrar um judiciário que, - enquanto integrante do aparato burocrático estatal-, bosqueja um “órgão para o poder político controlar - de fato, uma instituição sem poderes para deter a expansão do Estado e seus mecanismos reguladores” (SANTOS, 2011).

Observe que até hoje, o sistema de justiça ainda persiste em ser agonizante, indiferente, frio para com a realidade social, mantendo o espírito pretérito que exalta a decrepitude de um direito antagônico a essência da Constituição Cidadã de 1988.

Ora essa, de que vale acesso à justiça sem justiça? Se o Estado insistir em descumprir os princípios e valores consagrados em nossa constituição, mormente, relativos ao acesso à justiça, continuaremos seguindo os comandos de um direito patológico que prioriza a burocracia, tecnicismo e o formalismo, maculando não apenas os ditames da justiça, mas colocando em xeque o que impõe o direito substantivo.

Destarte, reconhecendo que não podemos falar, amiúde, em um funcionamento plenamente saudável por parte do Poder Judiciário, passamos a nos empenhar na interpretação de uma radiografia exata na área afetada, melhor dizer, em tudo o que nos ajudará a constatar com mais precisão os indícios emitidos pelo corpo institucional de que algo não vai bem.  Assim, ao fim e ao cabo, cabe investigar os sinais de <<artrose na ossada do aparato burocrático judicial>>, decorrente de desgastes na articulação entre justiça social e Poder Judiciário. Por isso, ocuparemos algumas linhas, examinando como o acesso à justiça encontra assento no Poder Judiciário. 

Quando começamos a ver para além do faz-de-conta, as promessas que giram em torno do acesso à justiça se tornam verdadeiros problemas a serem desvendados. Mas, a grande questão a se levantar assente em como resolver um dos maiores dramas políticos da atualidade, quando algumas soluções perderam, pouco a pouco, o vigor, ou até mesmo fracassaram. Qual a razão pela, qual a dialética das reformas judiciais e a inclusão do tema na agenda política do século XX e XXI não fizeram esquecer as velhas opressões presentes na desigual sociedade brasileira e que ainda impactam o ordenamento jurídico? 

No término dos decênios de 1980, com a redemocratização, o sistema judicial obtém uma certa proeminência, abrindo uma fresta para que, progressivamente, o princípio do acesso à justiça adquira uma certa consistência e densidade na órbita jurídica, principalmente, com o recém-protagonismo do Poder Judiciário, e numa aposta em constitucionalizar o direito de acesso à justiça para imprimir garantias e direitos aos cidadãos.

Na verdade, ao recordarmos o conceito de acesso à justiça, percebemos que ele está no centro das questões atinentes à justiça. Assim, não nos surpreende que ele seja um indicador de bom funcionamento das instituições judiciais, exprimindo a possibilidade de o cidadão fazer valer seus direitos, bem como lograr êxito na reparação de um direito que lhe fora violado (European Union External Action Service, [2015?]).

É curioso notar que, apesar de tantos avanços rumo a acessibilidade à justiça, em pleno século XXI, o Judiciário apresenta uma relação, nem sempre tão próxima e amigável com a realidade social, e tão pouco com a primazia da justiça social. Antes de mais, lembramos o quão a justiça social deveria se traduzir num compromisso expedito, numa promessa efetivamente inclinada a instaurar uma ordem social mais humana e solidária.  

Destarte, cada brasileiro passa a ter uma quota-parte, uma responsabilidade pelo destino da sociedade, de sorte que deve ser, adequadamente, instruído a não adentrar nos caminhos propensos a um sufocante e estéril palco de sacrifícios atinentes as liberdades fundamentais. Isso nos faz crer que o acesso à justiça nunca esteve tanto nas nossas mãos quanto hoje, mas também nos leva a refletir sobre qual o nosso exato papel.

 Será que escolheríamos abraçar a uma justiça expedita, acolhedora e efetiva aos direitos fundamentais, robustecendo a Constituição Cidadã de 1988  e rogando para torná-la efetiva; ou, será que ficaríamos de mãos atadas, assistindo um verecundo direito, que se encontra apenas reconhecido numa Constituição de papel, sendo decerto alvo de críticas, dado que, muito embora, o texto proclame um acesso à justiça para todos, a inclemente realidade nos ensina que não passa de um direito bastante relegado em nosso ordenamento.

Pensando bem, numa sociedade marcada pela opulência e benefício de uma minoria e pelo descalabro da maioria de anônimos (desprovida do mínimo essencial a subsistência), não seria de se estranhar que expressão acesso à justiça pouco sentido faz, soando mais como uma mera declaração jurídico-política sem, de fato, se manifestar bem-sucedida. 

Isso, ressoa como algo incompreensível, um complexo emaranhado, difícil de se entender, afinal, acesso à justiça sem justiça sequer possui uma explicação aceitável, muito menos um decente fundamento ontológico. Não há coerência, lógica e razoabilidade, em se conformar com uma ordem jurídica onde o acesso à justiça, se dá sem a efetiva justiça. Se nos rendermos as mazelas do desacesso, não só continuaremos andado em círculos, como, pior de tudo, cada um de nós estaremos tolerando, o intolerável.

Em pleno século XXI, o judiciário, sendo mais um dos inúmeros instrumentos categóricos que se direcionam a conquistar e manter os propósitos de um irradiante Estado democrático de Direito sob a égide da Carta Cidadã de 1988, ainda é mestre em adotar uma postura distante quer da dinâmica socioeconômica, quer da demográfica, o que é uma lástima, um grande entrave ao acesso à justiça para todos. 

Afinal de contas, como o acesso à justiça se prefigura essencial para os demais direitos fundamentais, a denegação daquele repercute significativamente na vida de muitos, pois, priva nosso povo de usufruir de uma cidadania substantiva, abalando profundamente nossa tenra democracia. Aliás, tal como exprime o lembrete de Boaventura de Sousa Santos, não esqueçamos que “sem direitos de cidadania efetivos a democracia é uma ditadura mal disfarçada” (SANTOS, 2011). 

Ultrapassado este ponto, como já é de se ver, não nos deteremos aqui em tratar das virtualidades presentes no Judiciário brasileiro, mas em avistar àquilo que não é tão justo, louvável e reto, digamos, que o nosso foco se faz no lado não tão virtuoso deste lídimo poder, destacando uma realidade nua e crua que precisa ser bastante dialogada até despertar atitudes mais proativas. Abreviamos logo no exórdio destas linhas de ensaio que: 

As transformações sofridas pelos tribunais ao longo do Estado moderno conferiram-lhe   uma posição oscilante e ambígua. Ante aos desafios e dilemas do acesso ao direito, do garantismo de direitos, do controle de legalidade, da luta contra a corrupção e das tensões entre a justiça e a política, os Tribunais foram mais vezes parte do problema do que parte da solução.  (SANTOS, 2011, p.14)

Mesmo o Judiciário que aflora, num clima de esperança e euforia, está sujeito a sobreviver num mundo de desafios e testes. Muito embora seja reconhecido pela função social relevante que desempenha e por ostentar em alguns momentos um passado glorioso, pode-se dizer que a instituição em comento não está imune de cometer falhas, nem de se limitar o corpo institucional a um grupo de pessoas desmotivadas, amargas, que guardam ao papel de mera espectadoras de um lento e forte estado de deterioração de um aparato institucional que, quase crebro, apresenta resultados inócuos, ineptos, estéreis e até mesmo, algumas vezes, se faz corrupto.

Apesar do exposto acima, Roberto Luiz Corcioli Filho não deixa de reconhecer que no judiciário “há agentes corruptos em suas entranhas, dentre juízes, escreventes, oficiais de justiça. Trata-se de uma instituição humana, é o que basta dizer” (CORCIOLI FILHO, 2013, p.434).

Não obstante, sob direta influência de Humberto Dalla Bernadina de Pinho destacamos que:

Os óbices que impedem a efetividade do acesso à justiça são de várias ordens. O primeiro deles é a questão econômica, nela incluídos os custos e o tempo despendido durante o procedimento. Os honorários contratuais do advogado e as taxas judiciárias, por vezes, podem, especialmente nas causas de menor monta, ser significativos frente ao bem da vida discutido. A demora na prestação jurisdicional também onera economicamente o processo, seja por pressionar as partes hipossuficientes a abandonar suas pretensões ou por forçá-las a acabar aceitando acordo em patamar muito inferior ao dano experimentado. A excessiva delonga das demandas, também, perpetua os conflitos sociais em vez de contribuir para sua pacificação. Outra barreira ao acesso à justiça é a questão geográfica, configura-se pela dificuldade de um indivíduo, sozinho, postular direitos da coletividade e pela dispersão das pessoas afetadas, impedindo a formulação de estratégia jurídica comum. Um terceiro óbice a ser enfrentado é o de ordem burocrática. Trata-se da dificuldade de o indivíduo, muitas vezes, tendo um único processo em toda vida, estar em juízo contra litigantes habituais. Dentro desse óbice, encontram-se também as barreiras institucionais, representadas pela percepção da autoridade judiciária como única capaz de resolver as controvérsias, e pelo desconhecimento quanto aos ritos processuais. (PINHO, 2019, p. 245-246).

Chama-nos atenção que as investigações, na linha de pesquisa encarregada de apurar as barreiras no acesso à justiça, buscando possíveis soluções para o problema, têm resultados que levam a categorizar os obstáculos num tríplice predicamento. Para dizer o essencial: a) econômico; b) cultural; e, c) social.

Registre-se, pois, que os obstáculos de ordem econômica remetem a um equacionamento desproporcional dos custos do litígio judicial, o que se refere, tal como no senso do cidadão comum, as despesas, o quanto à justiça ainda se faz dispendiosa para os cidadãos, sobretudo, para os economicamente mais afetados, e qual a imbricação dela com o fenômeno da dupla vitimização. Importante ressaltar que os necessitados, além de terem seus direitos e dignidade violados, mormente acabam sendo flagelados pela má administração da justiça. Sofrem, frequentemente, pelas custas processuais, mormente pela lentidão do processo, que traz proporcionalmente um custo econômico adicional mais gravoso.

Conquanto seja da sabença geral, não custa relembrar que os déficits de organização, gestão e planejamento, em grande dose de medida, impactam negativamente tanto na eficiência quanto na eficácia, o que atrapalha num bom desempenho funcional por parte do Poder Judiciário. Esse fato que gera um mal-estar na sociedade, enerva o espírito democrático e debilita o Estado de direito. 

Para além, os obstáculos de viés social e cultural repercutem significativamente no acesso à justiça (SANTOS, 2013). Ora, consabido é que quanto mais pobre for a condição social do cidadão, maior será a probabilidade dele não se socorrer, em larga medida, ao Judiciário. É que muitos tendem a não clamar por seus direitos, seja por ignorá-los, seja então por desconsiderar a possibilidade de serem protegidos judicialmente. As classes sociais mais desprovidas de recursos, ainda que cientes de seus direitos, desconfiam muito mais da atuação do Poder Judiciário. Francamente, por parte de alguns, há um prudente temor em sofrer discriminação frente a uma possível condução temerária da atividade jurisdicional. Além do mais, experiências pretéritas com a justiça que, despertaram algum tipo de trauma, podem estimular o cidadão a se alienar quanto ao universo jurídico. 

Ademais, não é de se admirar que o Brasil, palco onde cerca de onze milhões são analfabetas (SENADO, 2020) e, parcela significativa da população nem sequer obteve o ensino médio (RIOS, 2020), deixe muito a desejar numa educação jurídica destinada a conscientização do cidadão. Se mal damos conta do ensino básico, imagine de uma pedagogia acentuada para o relevo da luta pelos direitos individuais e coletivos? Como confiar na força de um progressivo e agudo movimento de consciência, plenamente, direcionado a assegurar a necessidade de acesso à justiça?

Apesar das fragilidades e falhas presentes em nossa sociedade, persistir e estimular mais e mais estudos voltados para o campo do acesso à justiça é o caminho certo a seguir. É importante incentivar as escolas (PAIVA; VIEIRA, 2013), a garantirem condições de transversalidade para o desenvolvimento de uma pedagogia voltada a temas relevantes, como acesso à justiça, temas sociais e de diversidade.

Não podemos ignorar a força carismática de uma cultura, educação e linguagem voltada a edificação do acesso à justiça (ÁVILA; SAMPAIO, 2020). Trata-se, pois, de uma prática revolucionária, de uma maneira de adicionar um novo tempero, atribuindo uma nova magia ao direito, de modo que, é preciso formar, ensinar e aprender seriamente a conexão entre cultura, etnicidade, gênero, raça, linguagem, e nos desprover de tudo àquilo que nos impede de reconstruir a nossa idolatrada pátria, de nos reconciliar com as diversidades e de construir com sucesso um país com amplo acesso à justiça.

Acreditamos que uma boa introdução, seria investir mais na linguagem, que muito tem a ver com a identidade cultural, com as maneiras de crer e agir que tornam um povo ímpar. É imperioso disseminar mais o relevo de saber o que é acesso à justiça, como cada um de nós pode fazer para torná-la mais eficaz, quais os nossos direitos e obrigações na ordem jurídica, encarnando a infusão do valor acesso à justiça. 

Num apontamento, apercebemos que os contornos do acesso à justiça, de algum modo, envolvem uma tarefa meticulosa que: 

serve para determinar duas finalidades básicas do ordenamento jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos (CAPPELLETTI APUD CASTRO, 2009).

Ainda sonhamos em presenciar a eficiência de um aparato judiciário, que direciona seu olhar aos oprimidos, dotada de uma estrutura orgânica, de um corpo institucional mais humanizado. Melhor dizendo, uma instituição que se deixa aconselhar mais pelos crivos de retribuição e reconhecimento, afastando-se de tudo que tonifica a desigualdade e discriminação, por configurar, justamente, o contraposto, o avesso da versão truncada, desfigurada e perversa do direito.

Ora, o bom senso passa a nos aconselhar que, de fato, em se tratando de democratizar o acesso à justiça não devemos ignorar os chamados da justiça social. 

A métrica da Justiça Social é um trabalho que vai da simples tutela do direito até à complexa construção de uma sociedade cada vez mais justa e envolvida no combate à discriminação, do preconceito e de outras manifestações de desigualdades econômicas, culturais, étnicas, de gênero, de condição física, orientação sexual e religiosa (CONJUR, 2021)

Tal como já proclamava Dalmo de Abreu Dallari, salientamos fielmente que: 

Um vizinho muito próximo do formalista é o juiz acomodado, o que se afirma apolítico e entende que não é tarefa sua fazer indagações sobre a justiça, a legitimidade e os efeitos sociais da lei. Esse é, possivelmente, o caso da maioria dos juízes (DALLARI, 2002, p.40) .

Numa obra seminal, intitulada de “Para uma revolução democrática de Justiça”, o sociólogo e jurista português Boaventura Sousa Santos, muito tem a acrescentar, além de nos ensinar, instiga-nos a pensar sobre o papel do magistrado brasileiro na promoção do acesso à justiça, tendo em vista que, de maneira concisa, pontifica o seguinte:

Desenhei um retrato-robot do magistrado em Portugal, a que contrapus um novo perfil e uma nova formação que deve ser dada em função desse perfil. Suspeito que o retrato-robot  do magistrado  brasileiro não seja muito diferente. Ao desenhá-lo certamente vou cometer injustiças contra muitos magistrados. Tratando-se, contudo, de um retrato-robot que, naturalmente, não tem que retratar todas as situações gerais. E, de maneira nenhuma, retrata situações particulares. Qual é então a grande característica deste retrato? Domina uma cultura normativista, técnico-burocrática, assente em três grandes ideias: autonomia do direito, a ideia de que o direito é um fenômeno totalmente diferente de tudo o que ocorre na sociedade e é autônomo em relação a essa sociedade; uma concepção restritiva do que é esse direito ou do que são os autos aos quais o direito se aplica; e uma concepção burocrática ou administrativa dos processos. Este é digamos, assim, o pano de fundo desta cultura normativista, técnico burocrática (SANTOS, 2011, p.55)

Se bem é verdade que alguns magistrados brasileiros estão desempenhando acertadamente o papel que lhes fora atribuído, ao honrar com seu dever constitucional de assegurar o acesso à justiça, de um modo tão desalentador, a realidade também nos aponta outra faceta, uma em que membros do Poder Judiciário ainda veneram a cultura sinalada por característica de cunho normativista, técnico, burocrática. Evidentemente essa cultura dominante se perfaz num grande empecilho para que nossa sociedade alcance o sonhado amplo acesso em sintonia maior com as virtudes da justiça. 

Numa leitura ao manuscrito de Santos, logo deduzimos que tal cultura judicial dominante pode ser anunciada de várias maneiras, dentre as quais acabamos por escandir a: a) generalista; b) de desresponsabilização sistêmica; c) de privilégio do poder; d) do refúgio burocrático; e) da sociedade longe; f) que considera a independência como sendo sinônimo de autossuficiência; g) de prioridade do direito civil e penal. 

Começaremos, de modo breve, pela generalista, àquela que se encontra enraizada na ideia de que o magistrado deve possuir competência genérica e universal para resolver os litígios, priorizando-se, assim, uma formação generalista. Logo, rabiscamos sobre a desresponsabilização sistêmica, cultura dominante que faz uma confusão entre as fronteiras do que seja autonomia do direito e o que significa a autonomia daqueles que operam com o direito. 

Em abreviado, nesta cultura há uma ausência de uma responsabilidade sistêmica perante resultados catastróficos de desempenho do sistema judicial, ao qual se identificam, basicamente, três sintomas fundamentais: a) dificuldade de considerar o problema do sistema como um dissabor nosso, geralmente, é mais cômodo enxergar o problema como sendo sempre dos outros, do outro corpo, da outra instância. Nas certeiras palavras de Boaventura Sousa Santos, <<transfere-se a culpa para fora do sistema ou para fora do subsistema de que faz parte>> (SANTOS, 2011); b) ocorre quando os maus resultados são fragmentados no interior do sistema ou do subsistema, alienando o todo da responsabilidade das partes; c) dificuldade a que se impõe em decorrência dos maus procedimentos, notadamente, quando baixíssimo o campo de ação disciplinar efetiva. 

Na sequência, cabe tecer algumas palavras acerca do privilégio do poder, cultura alicerçada numa construção técnico-burocrática, em que os agentes recusam contemplar os cidadãos como iguais em direitos e deveres, escolhendo as pedras básicas sobre o qual se apoiariam um determinado grupo em detrimento de outro. Através dos <<olhos de águia>> de Boaventura, é possível adquirir uma visão que penetra no cerne da questão, sobremaneira, quando permiti enxergar, mais nitidamente, que dentre as peculiaridades da cultura de privilégio está o medo de julgar os poderosos (há, de algum modo, temor de tratá-los e investigá-los como cidadãos comuns). 

Ultrapassado este ponto, sobreleva grifar que o refúgio burocrático prima por tudo àquilo que é institucional, preferindo uma formatação burocrática. Em síntese, dentre os sintomas destacam-se a: 1. Gestão burocrática com foco para a circulação de decisão, priorizando o andamento aparente do processo; 2. Primazia pelas decisões processuais em prejuízo das decisões substantivas; 3. Aversão as medidas alternativas, tendo em vista que não estão burocraticamente formatadas. 

Como remate acerca da cultura judicial dominante, volvemos nosso olhar nas duas últimas manifestações investigadas por Santos. Note que a cultura judicial se vê longe da sociedade, espelhando uma construção normativista burocrática, resumidas pelas palavras-chave: competência de interpretar o direito e a incompetência para interpretar a realidade. Noutras palavras, se conhece bem o direito e sua relação com os autos, todavia, não se compreende a conexão dos autos com a realidade: 

Não sabe espremer os processos até que eles destilem a sociedade, as violações dos direitos humanos, as pessoas a sofrerem, as vidas injustiçadas. Como interpreta mal a realidade, o magistrado é presa mais fácil de ideia dominantes. Aliás, segundo a cultura dominante, o magistrado não deve ter sequer ideias próprias, deve é aplicar a lei. Obviamente que não tendo ideias próprias tem que ter algumas ideias, mesmo que pensem que não as tem. São as ideias dominantes que nas nossas sociedades, tendem a ser ideias de uma classe política muito pequena […]. É aí que se cria um senso comum muito restrito a partir do qual se analisa a realidade. Este senso comum é ainda enviesado pela suposta cientificidade do direito que, ao contribuir para sua despolitização cria a ficção de uma prática jurídica pura e descomprometida. (SANTOS, 2011, p.57)

Enfim, eis aqui a última expressão da cultura judicial dominante - uma manifestação que diz respeito à definição de independência como sinônimo de autossuficiência. Trata-se de uma verdadeira confusão entre o que seja independência, e o que, de fato, afigura-se como individualismo autossuficiente. Em suma, assistimos uma cultura jurídica marcada por uma grande aversão ao trabalho em equipe; pela ausência de gestão norteada por objetivos no tribunal; por rejeição à colaboração disciplinar; além de uma aceitação voltada para a ideia de uma autossuficiência que não propicia conviver, nem aprender com outras esferas do saber.  

Dito isto, a influência de Santos ainda se faz presente, quando esboça soluções no intento de desconstruir os três pilares da cultura normativista técnico-burocrática, defendendo para tanto o abandono da ideia de autonomia do direito; do excepcionalíssimo do direito; e da concepção técnico burocrática. Propõe como ponto de partida, uma educação jurídica que se baseia numa formação direcionada para a valorização da educação intercultural, interdisciplinar, comprometida em oferecer para a sociedade uma resposta com responsabilidade cidadã. 

A realidade desejável seria uma ampla mudança na postura cultural dos magistrados, através de uma formação destinada a reconhecer que o processo tem um sentindo instrumental, por não ser um fim em si mesmo, eis que possui regras e normas principiológicas de valor relativo. Noutras palavras, não há que se ensinar normas processuais de cariz absoluto que tolhem os direitos substanciais do cidadão, sepultando os ditames da justiça social. 

Como melhor professava o jurista José Renato Nalini, anotamos que o <<primeiro compromisso do juiz empenhado em ampliar o acesso à Justiça, portanto, será com a disseminação do conhecimento do direito. O Direito, resolvido em direitos, terá que se abrir, que se quotidianizar, de perder o seu sopro de mágica não humana>> (NALINI, 1997, p.63).

 

 CONCLUSÃO

Não custa epilogar que, a noção de acesso à justiça, como é da sabença geral, não se faz imutável, decorre, pois, de um processo histórico, em permanente devir. Não à toa que, o ordenamento jurídico deve se mostrar, ao menos, flexível, adequando-se, do modo mais fiel possível, a realidade e ao povo brasileiro, sem olvidar os valores que fundamentam o bem comum. 

Pincelando o tema, podemos extrair as seguintes conclusões: 

  1. A razão de ser do acesso à justiça é a própria justiça. Encontra-se anunciada toda vez em que se pode falar em obtenção dos ditames da justiça, em especial, com a efetivação de um direito substantivo consagrado pelo ordenamento jurídico. Para dizer o essencial, tem suas raízes nos valores que se coadunam com a sociedade. Fruto de lutas e estudos envoltos na área, o acesso à justiça é tema fundamental - inclusive nesta estão inseridas não apenas sub-temáticas da justiça individual, mas abarca igualmente a questão da justiça social - indispensável para a manutenção de um ordenamento jurídico justo. 
  2. Não há como negar, na conjuntura atual, que o capítulo do acesso à justiça encontra-se imbricado aos tópicos de acesso ao direito e do valor axiológico da justiça. Diga-se, aliás, que o acesso à justiça tem como mola propulsora a refundação democrática do papel do direito e da justiça. 
  3. O acesso à justiça universal serve de base orientadora para inspirar, alicerçar e robustecer a cidadania e a democracia; para impor a crença na dignidade da pessoa humana, propagando um direito mais humanizado destinado a resultados, sociais ou individuais, mais justos; bem como para alavancar o respeito aos direitos fundamentais; além da missão fundamental de incutir, pungentemente, convicções éticas significativas para a nossa cultura. No mais, a temática da acessibilidade à justiça serve de gatilho pedagógico para a formação de uma nova consciência que apoia a luta contra as opressões, injustiças e violações de direitos. 
  4. Em numerosos países, incluindo o Brasil, o acesso à justiça não passa de uma grande dívida a ser honrada. Enquanto para alguns, trata-se de uma promessa quebrada, quem sabe, uma miragem, uma mera fantasia, outros, lançam uma luz sobre a questão, nutrindo-o como uma utopia compartilhada. Em extrato: A realidade é que em pleno século XXI, de modo indigno, ainda falhamos em assegurar um acesso à justiça universal. O judiciário brasileiro ainda é seletivo, lento e ineficiente, conquanto, não podemos nos abater diante desses obstáculos, devemos seguir lutando para superar as adversidades e promover a tão sonhada revolução rumo a uma boa senda, garantindo mais amplamente possível o acesso à justiça, até que um dia, quiçá, seja possível, alcançar resultados que sejam mais diletos.      

 

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Sobre a autora
Karhen Lola Porfirio Will

Bacharel em Direito pela Universidade Potiguar. Mestre em Direito Internacional Público e Europeu pela Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí em convênio com a Associação Catarinense do Ministério Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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