Software: uma mercadoria ou serviço para fins de tributação?

09/09/2021 às 18:08
Leia nesta página:

Uma análise do entendimento atual do Supremo Tribunal Federal a respeito da tributação dos softwares de prateleira e personalizados

Software: uma mercadoria ou serviço para fins de tributação?

Muito recentemente o STF firmou um entendimento a respeito da matéria envolvendo a análise sob a classificação dos softwares para fins de tributação. No sentido de que se nos programas computacionais há uma prestação de um serviço ou se se trata de uma mercadora.

Nesse sentido, o entendimento analisado, foi acerca da incidência do ICMS (Tributo Estadual) ou do ISS (Tributo Municipal).

Durante alguns anos, essa discussão causou uma grande insegurança jurídica a respeito da tributação dos softwares, tendo em vista que em alguns estados, o tributo que estava sendo aplicado era o ICMS e em outros, o ISS, como se verá adiante.

E dessa forma, insta observar alguns fatores que foram determinantes ao novo entendimento jurisprudencial e de como se deu esse imbróglio jurídico.

Em breve síntese, a abordagem se dará a respeito de como se deu o entendimento a respeito dos programas computacionais na decisão do Supremo Tribunal Federal no ano de 1998, e posteriormente no ano de 2021. 

1.    O que é software?

A definição normativa está prevista na Lei Federal no 9.609/98, conhecida como a Lei do Software, que visa regular a sua comercialização e proteger a propriedade intelectual de seus titulares.

Dessa forma, o software pode ser entendido como a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, em equipamentos digitais ou analógicos, com uma finalidade específica.

Nesse sentido, o software pode ser entendido como uma propriedade intelectual intangível, protegida pela Lei do Software e dos Direitos Autorais, Lei 9610/98, e que depende de um outro dispositivo, como um computador, um tablet, smartphone, entre outros, para atender a uma finalidade específica.

2.    Contexto histórico do software para fins tributários

No julgamento do Recurso Extraordinário 176626/SP[1], ocorrido no dia 10 de novembro de 1998, o Supremo tratou de diferenciar o software da sua característica ora corpórea, ora incorpórea.

Desta maneira, havendo apenas o licenciamento ou cessão ao direito de uso, o objeto não poderia ser considerado como uma mercadoria para fins de instituição do ICMS.

Não obstante, a questão ficou aberta para o entendimento de que os softwares produzidos em larga escala e comercializados no varejo, “off the shelf”, poderiam ser considerados como mercadoria para incidência do ICMS.

Esse entendimento perdurou por cerca de 22 anos, de maneira que o os softwares personalizados ou realizados sob encomenda, caberia a incidência o Imposto sob Serviços - ISS e softwares comercializados sobre um corpo mecânico, como os jogos, e programas de computadores comercializados em CDs, DVDs, disquetes e afins, caberia a incidência do ICMS.

Não obstante, com o advento das mudanças tecnológicas, os CDs, DVDs, os jogos digitais em mídia física, entre outros, começaram a cair em desuso a sua comercialização o que deu início a discussão objeto da presente análise.

3.    ICMS ou ISS?

A questão a partir do ano de 2015 [2]começou a chamar a atenção dos Estados, que começaram a militar para o entendimento de que qualquer software, seja ele comercializado no varejo em formato físico ou por meio do download ou nuvem, fossem compreendidos como um produto.

Nesse contexto, começaram os conflitos entre os estados e municípios, pois os estados começaram a editar decretos que validavam a tributação sob softwares de qualquer natureza.  Ou seja, até os que não seriam em tese, de prateleira.

Nessa busca dos estados instituírem o ICMS e afastando o ISS, gerou na prática um grande impasse nas empresas do segmento de informática pela carência da segurança jurídica no assunto em tela, e tornou cada vez mais latente a falta de discussão sobre o avanço das tecnologias no cenário jurídico brasileiro.

A iniciativa em tributar o ICMS em todos os tipos de softwares sem qualquer distinção, contrariando a decisão anteriormente firmada pelo STF, teve seu marco inicial no Estado de Minas Gerais, por meio do decreto no 46.877[3], em 03 de novembro de 2015, que revogou o artigo 43 do Regulamento do ICMS, que previa a sua base de cálculo nas operações em softwares em apenas de prateleira, abrindo a margem para os tipos de programas de computador.

4.    As recentes decisões do STF a respeito da matéria

No dia 24 de fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal decidiu a respeito das ADIs 1945/MT e 5659[4], novamente a respeito do conflito de competência a respeito da incidência do ICMS ou ISS sobre os softwares, julgando-as procedentes, para afastar a incidência do ICMS nos programas computacionais licenciados ou com cessão de direito de uso.

No seu voto, o Relator Ministro Dias Toffoli, fundamentou que as operações de software possuem previsão legal para a tributação pelo ISS, nos termos da Lei Complementar no 116/03, em seu artigo 1o, que determina que o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes.

Sustentou também o entendimento de que o software não possui natureza de mercadoria, por se tratar de bem abstrato, intangível, incorpóreo, e sim, possuir natureza de direito autoral ou de propriedade intelectual, e que a aquisição de um software não caracteriza uma operação de compra e venda, e sim de licenciamento ou cessão de uso, na disponibilização eletrônica de dados, realizados por meio de download ou streaming.

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Dessa forma, a partir da decisão proferida pela Corte Brasileira, há incidência única do ISS na tributação de todas as modalidades de software, ou seja, os entendidos como de prateleira, quanto os customizáveis.[5]

Com alíquota bem menos onerosa em comparação ao ICMS, a decisão foi comemorada pela categoria, pondo um fim ao debate que perdurou mais de 20 anos, contribuindo com o crescimento da tecnologia e inovação das empresas do segmento.

Houve a modulação dos efeitos da decisão, tendo em vista a repercussão da matéria e trazer maior segurança jurídica. De maneira de que quem pagou o tributo de ICMS não foi restituído e quem pagou ISS, foi reconhecida a sua validação, e vedação dos municípios em cobrarem ISS do contribuinte que pagou ICMS, por caracterizar bitributação, e nos casos de quem realizou o pagamento dos dois tributos, a decisão determinou a restituição do valor pago ao estado.

5.    Opinião a respeito do tema

A maior parte dos sistemas instalados nos terminais também são caracterizados como a prestação de um serviço, assim como os softwares mais recentes.

Insta analisar grande parte dos programas de computadores não esgotam o serviço a ser prestado pela empresa detentora da propriedade intelectual ou de seu representante ao cliente no ato da celebração do negócio, tendo em vista a continuidade da prestação como: aperfeiçoamento dos recursos, correções de erros, suporte técnico e demais questões que denotam o objetivo da atividade em prestar o serviço e não comercializar o programa computacional.

E não é só: assim como ocorre em qualquer prestação de serviços comumente conhecidos como: serviço de energia elétrica e telefônico, além de se tratar de um bem incorpóreo, o serviço possui uma cobrança mensal para seu acesso e caso o usuário não pague, o serviço é cortado, mesmo nos casos dos softwares desktop, que podem até continuar instalados no computador, mas não sendo possível a sua continuação. Assim como ocorre nos serviços supramencionados, onde os fios da energia elétrica e nem os cabos telefônicos não são retirados, mas a prestação é suspensa até o pagamento do serviço.  

Outra questão atrelada ao licenciamento ou cessão do direito de uso, e muito bem salientado pelo Ministro Dias Toffoli, foi a respeito da propriedade intelectual do titular, protegido pelos direitos autorais, prevista na Lei no 9.609/98, sendo conferido ao programa de computador a mesma proteção conferidas às obras literárias.

O contrato de licenciamento de uso, esse que é um contrato típico, previsto no artigo 9o da Lei 9.609/98, possuem cláusulas muito bem estabelecidas quanto a essa questão, de maneira que a disponibilização do acesso ao software por prazo determinado, não acarreta em transferência de titularidade a outrem, apenas a sua posse, preservando o direito autoral do autor, que na prática funcionam como um aluguel, onde há uma mensalidade para a utilização do serviço.

No contrato de licenciamento, há imposições contratuais restringem a utilização do software para tipos de exploração, como: vender, doar, transferir, sublicenciar e entre outras restrições.

Dessa forma, os contratos baseados no licenciamento do uso de software, onde há uma prestação de serviço continuada, por meio de aperfeiçoamento da plataforma, correção de erros, suporte técnico e melhorias, deve ser entendido como um serviço, principalmente porque não há a transferência da titularidade do produto, preservando o direito autoral.

Ademais, as empresas que atuam no segmento de desenvolvimento de software, e que apenas licenciam seus produtos, não podem ser prejudicadas pela insegurança jurídica em que configure ICMS em uma atividade claramente de serviço, ou seja, a melhor tributação a ser aplicada é o ISS, e não somente por se tratar de um tributo com uma alíquota menor, mas sim, por abarcar grande parte dos softwares brasileiros que atuam na  prestação de serviços constantes, conforme o disposto na LC 116/2003 em seu artigo 1o.

Embora a discussão não seja nova, perdurando há mais de 22 anos, ainda entendo que não irá se esgotar tão rapidamente.

O avanço tecnológico, e por consequência as mudanças sociais são impactadas cotidianamente, e com isso as discussões se renovam a cada época.

Atrelada a essa questão, as empresas precisam do apoio do Estado, para que possam crescer, gerar empregos, desenvolver novas tecnologias que contribuirão com o crescimento socioeconômico.


[1] STF. RE 176626/SP. Disponível em: < https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/740089/recurso-extraordinario-re-176626-sp>. Acesso em: 21/08/21.

[2] _______STF decide pela incidência do ISS ao invés do ICMS na tributação de softwares. 2021. Disponível em: < https://www.lafscontabilidade.com.br/blog/stf-decide-pela-incidencia-do-iss-ao-inves-do-icms-na-tributacao-de-softwares/>. Acesso em 21/08/21.

[4] _______STF. Julgamento da ADI 5659/MG. 2021. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/dl/toffoli-relator-adi-5659-relatorio-voto.pdf>. Acesso em 21/08/21.

[5] SOUZA. Almir. ISS, tributação de softwares e o fim de um debate tributário de mais de duas décadas. Revista Conjur. São Paulo. 2021. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2021-jun-18/almir-iss-tributacao-software-fim-debate-duas-decadas>. Acesso em 21/08/21.

Sobre a autora
Brígida Riccetto

Advogada OAB/SP 448.499 Pós-Graduanda em Direito Empresarial FGV/SP Membro da Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados -ANPPD® Atuante em direito contratual, compliance e empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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