Entenda a mais nova Convenção da OIT em vigor internacionalmente, a C190 sobre Violência e Assédio no Ambiente de Trabalho

Novo padrão internacional para o enfrentamento a essas condutas

05/07/2021 às 22:24
Leia nesta página:

Entrou em vigor internacionalmente a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho. Mas o que ela estabelece e o que quer dizer ter “entrado em vigor internacionalmente”?

PRINCIPAIS AVANÇOS DA NOVA CONVENÇÃO

 

Entrou em vigor em junho de 2021 a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho[1]. Esta convenção visa combater a violência e o assédio no ambiente de trabalho.

A Organização Internacional do Trabalho é conhecidamente a principal instituição internacional que regula e normatiza as relações laborais. A estratégia adotada na OIT é a elaboração de muitas convenções[2] com temas e provisões específicas.  A mais recente delas é a Convenção 190 sobre Violência e Assédio, de 2019[3]. Esta convenção responde tanto às demandas do Movimento MeToo, quanto às flexibilizações e precarizações das relações de trabalho.

O principal avanço desta convenção é uma definição jurídica internacional para conceitos que por vezes ficavam confusos ou têm divergentes definições em diferentes especialidades do conhecimento ou jurisdições, como assédio moral vs. assédio sexual, entre outros. De partida a Convenção soluciona a questão por não criar uma diferença jurídica entre violência e assédio, tratando-os em conjunto. O documento estabelece o conceito formal de violência e assédio como “uma variedade de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou sua ameaça (...) que sistematicamente ou isoladamente (...) visam, resultam ou podem resultar em danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos”. O conceito geral ainda inclui a “violência ou assédio baseados em gênero”.[4]

Em outras palavras: violência e assédios são comportamentos / práticas / ameaças que (i) causam, (ii) podem causar ou (iii) tem por objetivo causar danos: (a) físicos, (b) psicológicos, (c) sexuais e/ou (d) econômicos. Vale tanto para atos isolados quanto para práticas sistêmicas. São inaceitáveis.

Por sua vez, violência ou assédio baseados em gênero ficaram especificadas como estas condutas que são direcionadas a grupos de pessoas em razão de seu sexo ou gênero ou ainda que afetem desproporcionalmente um sexo ou gênero em particular. O assédio sexual é definido como um dos exemplos de violência ou assédio baseado em gênero.[5]

Em outras palavras: Violência ou assédio baseados em gênero são as condutas que são (i) direcionadas a afetar ou que (ii) acabam por afetar desproporcionalmente uma pessoa ou grupo de pessoas em razão de seu sexo ou gênero.

Interessante perceber que a Convenção não perde a oportunidade de regular as questões de gênero, mas desvia do risco de boicote e falhas interpretativas uma vez que menciona “sexo e gênero” como as bases para este tipo de violência ou assédio.

Essas inovações em questões de gênero são muito importantes, pois estabelecem padrões internacionais gerais claros. Estes padrões poderão ser utilizados para o estabelecimento de regras que, por mais que devam variar socioculturalmente, não poderão contrariar as bases determinadas pela Convenção 190. Estes fundamentos se aplicam tanto a relações de teletrabalho, relações de suporte à casa – o chamado “trabalho doméstico”[6], as relações hibridas e as de ambiente laboral tradicional.

 

ESCOPO DA CONVENÇÃO 

Afinal, o que é "ambiente de trabalho" neste contexto?

 

A Convenção determina que as obrigações nela estabelecidas se aplicam tanto a empregados próprios quanto terceirizados, conforme artigo 2. Além disso, deixa claro que suas provisões são obrigatórias tanto nos ambientes de trabalho públicos ou privados, como nos locais de apoio como instalações de descanso, alimentação, banheiros, vestiários e alojamentos, inclusive pagamento e atendimento aos empregados.[7]

Além disso a convenção também se aplica durante os deslocamentos entre a moradia e o local de trabalho, bem como nas viagens profissionais sejam elas para trabalho, capacitação, eventos etc.[8]

A Convenção é também muito importante para as novas relações de teletrabalho ou de ambiente hibrido físico/virtual que se multiplicaram durante o período de isolamento social em razão da pandemia de Covid-19. A proibição de atos de assédio se aplica igualmente às comunicações relacionadas ao trabalho, inclusive digitais. Portanto, vale para chamadas de vídeo, ligações, emails, mensagens em sistemas ou aplicativos oficialmente usados pela empresa. Além disso, como o conceito da Convenção é aberto, este inclui também chamadas e mensagens por aparelhos, contas e aplicativos pessoais/privados, desde que sejam comunicações relacionadas ao trabalho.[9]

Em outras palavras: O assédio e a violência também estão proibidos naquele grupo de WhatsApp do trabalho ou com colegas de trabalho[10], seja ele “oficial” ou não.

 

OBRIGAÇÕES DAS EMPRESAS

 

As principais obrigações estabelecidas pela Convenção 190 determinam que os Estados tomem providências para prevenir, identificar e punir estas condutas. Uma delas é a de exigir das empresas que adotem medidas para (i) prevenir comportamentos e práticas de violência e assédio e (ii) gerar consequências para quem as cometer, na medida da sua capacidade de controle.[11] Isso se reflete no estabelecimento de regras em códigos de conduta e políticas corporativas, bem como o funcionamento adequado de Ouvidorias internas e outros órgãos semelhantes. Outra obrigação é a de capacitar seus trabalhadores e realizar campanhas de conscientização sobre a gravidade das condutas de violência e assédio e suas consequências.

 

ENTRADA EM VIGOR INTERNACIONAL

 

A Convenção 190 entrou em vigor internacional no dia 25 de junho de 2021, mas o que isso significa? Ela é obrigatória no Brasil?

De acordo com a Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados, cada tratado ou convenção entra em vigor conforme as regras estabelecidas no seu próprio texto.[12] A regra estabelecida pela Convenção 190 é: 1 ano após o depósito das notificações de ratificação por pelo menos 2 Estados.[13] Este requisito foi atingido em 25/06/2020, por isso, um ano depois ela entrou em vigor internacionalmente. Até o momento de redação deste artigo, Argentina, Equador, Ilhas Maurício, Fiji, Namíbia, Somália e Uruguai já a ratificaram. Você pode conferir a lista atualizada pelo link nesta nota[14].

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E o Brasil? O Brasil votou favoravelmente à adoção da Convenção 190[15] o que estabelece ter manifestado seu interesse em ser vinculado pelo conteúdo do documento. Contudo, até que a ratifique, a Convenção não é juridicamente obrigatória em seu território. O processo de ratificação no Brasil depende da aprovação do texto no Congresso Nacional, conforme art. 49, inciso I da Constituição Federal. Com sua aprovação, o documento é promulgado tendo valor equiparado a lei federal, no mínimo, e o Executivo Federal procederá à ratificação junto à OIT.

Isso não quer dizer que a Convenção 190 não importe para as empresas no Brasil. Pelo contrário, trata-se de novo padrão internacional que se encontra em processo de implementação. Para as empresas brasileiras, especialmente as transnacionais, ajustar-se ao previsto na Convenção 190 é estratégico para captação de investimentos internacionais e para a preservação de sua reputação.

Em relação à compatibilidade com as normas brasileiras, a primeira vista, não há qualquer conflito entre os conceitos previstos no Código Penal e na Legislação Trabalhista com a Convenção 190. Normas regulamentadoras poderão eventualmente necessitar de ajustes após a ratificação e promulgação no Brasil.

 

 


[1] https://fundacionelectra.org.uy/2021/06/23/25-junio-2021-fecha-de-entrada-en-vigor-del-c190-21-25-junio-2021-campana-de-ratificacion-en-linea/

[2] Atualmente são 190 convenções, 6 protocolos e 206 recomendações.

[3] Texto original do Inglês disponível em: https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C190. Tradução não oficial disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/genericdocument/wcms_729459.pdf

[4] Article 1. 1. For the purpose of this Convention: (a) the term “violence and harassment” in the world of work refers to a range of unacceptable behaviours and practices, or threats thereof, whether a single occurrence or repeated, that aim at, result in, or are likely to result in physical, psychological, sexual or economic harm, and includes gender-based violence and harassment;

[5] Article 1. 1. For the purpose of this Convention: (b) the term “gender-based violence and harassment” means violence and harassment directed at persons because of their sex or gender, or affecting persons of a particular sex or gender disproportionately, and includes sexual harassment.

[6] https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-domestico/lang--pt/index.htm

[7] Article 3, a, b, e.

[8] Article 3 d, f.

[9] Article 3 d.

[10] Desde que tenha sido criado em razão da relação de/no trabalho ou ainda que seja de fato uma continuação do ambiente das relações de convívio entre colegas.

[11] Article 9.

[12] Artigo 24. Entrada em vigor. 1. Um tratado entra em vigor na forma e na data previstas no tratado ou acordadas pelos Estados negociadores. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm

[13] Article 14.2.

[14] Lista atualizada de países que ratificaram a Convenção 190 OIT https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=1000:11300:0::NO:11300:P11300_INSTRUMENT_ID:3999810.

[15] https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---relconf/documents/meetingdocument/wcms_713904.pdf p.25.

Sobre o autor
Leonel Lisboa

Leonel Lisboa é advogado de direitos humanos, graduado e mestre em Direito Internacional Contemporâneo pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atua no campo de direitos humanos e empresas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Gentileza utilizar as tags: "Direito Trabalhista", "Direitos Humanos", "Direito Internacional", e, se houver, "Teletrabalho" e "Assédio Sexual".

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