Instituição de Áreas Metropolitanas em Portugal

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Apontamentos sobre os critérios, competências e o funcionamento de áreas metropolitanas em Portugal.

1. Instituição de Áreas Metropolitanas

Em Portugal existem duas áreas metropolitanas: a) Área Metropolitana de Lisboa, e b) Área Metropolitana de Porto.

O artigo 66º, nº 1 da Lei nº 75/2013, de 12 de setembro aduz que as áreas metropolitanas são as indicadas no anexo II (Lisboa e Porto) e assumem as designações dele constantes, a saber Área Metropolitana de Lisboa e Área Metropolitana do Porto.

A Área Metropolitana de Lisboa abrange os Municípios de Amadora, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Odivelas, Oeiras, Sintra, Vila Franca de Xira, Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela, Seixal, Sesimbra e Setúbal, em um total de 18 municípios. A Área Metropolitana do Porto abrange, por sua vez, os Municípios de Santo Tirso, Trofa, Arouca, Oliveira de Aziméis, Santa Maria da Freira, São João da Madeira, Vale de Cambra, Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzin, Valongo, Vila do Conde, Vila Nova de Gaia, Paredes, em um total de 17 municípios[1].

Segundo o o artigo 67º desta mesma Lei nº 75/2013, de 12 de setembro, as atribuições das regiões metropolitanas são as seguintes: a) participar na elaboração dos planos e programas de investimentos públicos com incidência na área metropolitanas; b) promover o planejamento e as gestão da estratégia de desenvolvimento económico, social e ambiental do território abrangido; c) articular os investimentos municipais de caráter metropolitano; d) participar na gestão de programas de apoio ao desenvolvimento regional, designadamente no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN); e) participar, nos termos da lei, na definição de redes de serviços e equipamentos de âmbito metropolitano; f) participar de entidades públicas de âmbito metropolitano, designadamente no domínio dos transportes, águas, energia e tratamento de resíduos sólidos; g) planear a atuação de entidades públicas de caráter metropolitano[2].

Na parte que toca ao objeto da presente obra, convém recordar que o nº 2 do mesmo artigo 67º dispõe que cabe igualmente às áreas metropolitanas assegurar a articulação entre os municípios e os serviços da administração central nas áreas de redes de abastecimento público, infraestruturas de saneamento básico, tratamento de águas residuais e resíduos urbanos, [alínea a)], ordenamento do território, conservação da natureza e recursos naturais [alínea d)], mobilidade e transportes [alínea f)], promoção do desenvolvimento económico e social [alínea h)], entre outras[3].

Cabe ainda, nos termos do art. 67º, nº 3, às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto exercer as atribuições transferidas pela administração central e o exercício em comum das competências delegadas pelos municípios que as integram[4].

Estas novas formas de administrar (através de áreas metropolitanas, comunidades intermunicipais, etc.) tendem a desenhar uma nova geometria da Administração local em Portugal. A ideia fundamental é a de criar novas “plataformas territoriais” capazes de desempenhar atribuições mais amplas – a maior parte delas transferidas do Estado -, de modo a dar um passo mais no caminho da descentralização administrativa. Não obstante, muitos considerem esta tendência um avanço em termos administrativos, outros consideram temerário tal acontecimento alegando que haverá um agravamento da assimetria da divisão do território, acrescendo mais uma circunscrição plurimunicipal às muitas já existentes, as quais, sobrepostas umas às outras, geram uma verdadeira “cacafonia geográfica”. Estes críticos consideram que esta prática tornaria a divisão territorial portuguesa ainda mais confusa e desordenada do que já é atualmente, o que potência as dificuldades de coordenação e articulação de entidades, dificultando uma política territorial coerente[5].

Entende-se que se faz necessário haver cautela antes que se queira criar uma área metropolitana, no sentido de se apurar a real necessidade de sua instituição. Nem todas as áreas urbanas conurbadas ou contíguas (mesmo que descontínuas) necessitam deste formato de Administração Pública, pois pode ser que já estejam sendo eficientes como municípios independentes, que formulam e executam suas próprias políticas públicas.

2. Elaboração de planos regionais de ordenamento do território

Uma das questões que mais dúvidas têm suscitado sobre este modelo administrativo é precisamente a faculdade reconhecida às grandes áreas metropolitanas de elaboração de planos regionais de ordenamento do território[6], o que significa a atribuição a este inovador nível de organização administrativa de um poder de planejamento, sem que, todavia, se tenha excluído a relevância do disposto no art. 55º do RJIGT[7], que comete a competência da elaboração dos planos regionais de ordenamento do território[8] às comissões de coordenação e desenvolvimento regional, na sequência da decisão de elaboração tomada por intermédio de Resolução do Conselho de Ministros. Este será, na opinião do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, um dos domínios de proliferação de potenciais conflitos, a reclamar uma intervenção reguladora do direito[9].

Para Fernando Alves Correia, as atribuições dos municípios nos domínios do ordenamento do território e do urbanismo podem ser realizadas isoladamente por cada um deles. Todavia, a interdependência daquelas matérias e a necessidade de articulação ou harmonização entre os planos territoriais dos municípios vizinhos aconselha cada vez mais a que os municípios realizem as suas atribuições através de esquemas de cooperação entre si, designadamente através da criação de áreas metropolitanas ou de comunidades intermunicipais de fins gerais e de associações de municípios de fins específicos[10].

Este autor destaca que a Lei º 44/91, de 2 de agosto criou as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, sendo o seu âmbito territorial definido em seu art. 2º. Estas áreas metropolitanas são, em sua natureza, pessoas coletivas de direito público de âmbito territorial e visam a prossecução de interesses próprios das populações da área dos municípios que as integram. Elas não são, portanto, autarquias locais, desde logo porque os seus dirigentes não são eleitos diretamente pelos cidadãos residentes, apesar de o art. 236º, nº 3 da Constituição possibilitar ao legislador o estabelecimento nas grandes áreas urbanas, de acordo com as condições específicas, de outras formas de organização territorial autárquica (para além das espécies de autarquias locais definidas nos nº 1 e 2 do art. 236º da Lei Fundamental)[11].

A crítica que este autor faz às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto é que suas atribuições em matéria de ordenamento do território e do urbanismo são mais limitadas do que seria necessário e desejável, circunscrevendo-o ao acompanhamento da elaboração dos planos de ordenamento do território no âmbito municipal ou metropolitano, bem como da sua execução [cfr. o art. 4º, nº 1, alínea d) da Lei nº 44/91].

3. Novo regime de criação das áreas metropolitanas: competências e funcionamento de seus órgãos

Considere-se ainda que a Lei nº 10/2003, de 13 de maio, veio estabelecer um novo regime de criação, bem como um quadro de atribuições das áreas metropolitanas e as competências e o funcionamento de seus órgãos. Com essa lei, passou a ser possível a constituição de novas áreas metropolitanas, para além das de Lisboa e Porto, devendo estas promover, no prazo máximo, improrrogável de um ano, a sua adaptação ao regime previsto na mencionada lei (conferir o respectivo art. 39º). Definidas como pessoas coletivas de natureza associativa e de âmbito territorial e que visam a prossecução de interesses comuns aos municípios que as integram (cfr. art. 2º da Lei nº 10/2003) – não sendo, por isso, autarquias locais -, as áreas metropolitanas podem ser de dois tipos, de acordo com o âmbito territorial e demográfico: grandes áreas metropolitanas (GAM) e comunidades urbanas (ComUrb) – conferir o art. 1º, nº 2 da Lei nº 10/2003. Como recorda este doutrinador, são ambas constituídas por municípios ligados entre si por um nexo de continuidade territorial, compreendendo as primeiras obrigatoriamente um mínimo de nove municípios, com, pelo menos, 350.000 habitantes e as segundas um mínimo de três municípios, com pelo menos 150.000 habitantes (cfr. art. 3º da Lei nº 10/2003)[12].

Sobre a urbanização do território do continente português, João Pedro Silva Nunes recorda que no ano de 2001, na Metrópole de Lisboa e na Região do Porto residiam 36% dos 9 milhões e 870 mil habitantes no continente português. Em conjunto, estes dois territórios são compostos por vinte e um concelhos: Lisboa e treze concelhos em seu redor, Porto e seis concelhos em seu redor. Se como marco se tomar o ano de 1900 verifica-se que neste mesmo conjunto de vinte e um concelhos residia 15,4% da população do continente português, aproximadamente 769 mil habitantes. No lapso de um século, o caminho da urbanização do país fica bem apontado e o seu carácter metropolitano bem demonstrado pelo fato de em Lisboa e Porto e na envolvente destas duas cidades residirem três milhões e quinhentas e cinquenta e seis mil pessoas[13].

4. Histórico dos processos de urbanização em Portugal e no Brasil

Com peculiaridades culturais e históricas diversas, o histórico dos processos de urbanização em Portugal e no Brasil possuem muitos traços em comum. O principal deles é que houve, nos dois países uma hipervalorização dos núcleos urbanos - com fundamento em uma ideia de desenvolvimento industrial – em detrimento da desvalorização de áreas rurais. Tão logo as estruturas e o contexto para a industrialização chegaram nestes dois países, esqueceu-se, quase que automaticamente, as áreas rurais, que foram entregues a si mesmas, sem que quaisquer políticas públicas estatais fossem a estas direcionadas, trazendo como resultado um empobrecimento econômico e social destas áreas, que por sua vez, culminaram com o seu gradativo esvaziamento, como se estas áreas estivessem condenadas ao fracasso. De um momento para o outro as cidades destes dois países, principalmente aquelas que recebiam os maiores investimentos para a instalação de indústrias passaram a receber contingentes cada vez maiores de pessoas oriundas do campo, o que ocasionou um verdadeiro “inchaço” da malha urbana, que por sua vez não estava preparada para receber aquelas pessoas, fato que trouxe como resultados a instalação de grandes áreas periféricas no entorno das cidades, entre outros problemas, ora tidos como problemas urbanos.

Como ensina Pedro Estevam Alves Pinto Serrano, atento à realidade brasileira – o que também se aplica à realidade portuguesa - com o passar dos anos as regiões urbanas passaram a ser mais populosas que as áreas agrícolas, em que a migração em busca de melhores oportunidades econômicas, empregos e meios de subsistência retiraram as pessoas do campo e causaram um colapso no sistema urbano, com construções irregulares, aumento demasiado da população sem o preparo da infraestrutura e implantação de serviços públicos de primeira necessidade, como saneamento básico, transporte e preparação urbanístico para recebimento dessas famílias[14].

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5. Metropolização e Metrópole

Sobre a relação entre metropolização e metrópole, convém ressaltar os ensinamentos de João Pedro Silva Nunes, que explica que os elementos motores da metropolização são econômicos e tecnológicos e vão implicar a emergência de metrópoles – isto é, de vastos aglomerados urbanos, que perpassam várias unidades administrativas territoriais, com uma população superior a um milhão de habitantes e que se inscrevem numa rede de grandes aglomerados urbanos ao longo da qual estabelecem relações complementares e hierárquicas quer em termos regionais e nacionais, quer em termos planetários. Nesta perspectiva, a metrópole é uma resultante. Enquanto forma espacial constitui articulações e interconexões entre lugares, congrega funções de coordenação e concentra e dispersa espaços de produção e consumo. A sua forma subentende lógicas de habitar e de lazer, de circulação e de acesso a bens. No seu interior circulam bens, informações e pessoas. A sua forma produz-se também através de processos de recriação material e simbólica dos lugares. Enquanto forma espacial, também, a metrópole favorece condições de apropriação de participação diferenciadas para diversas categorias de atores[15].

O intuito de nossa abordagem não é tecer minúcias sobre a estrutura das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, senão revelar sua relevância jurídica no quadro de um melhor ordenamento do território e do urbanismo. Neste contexto, ao longo a exposição que fizemos da doutrina portuguesa acima, fora as críticas destacas, entende-se como positiva a ideia de instituição de áreas metropolitanas em Portugal, uma vez que a descentralização – e também a desconcentração - administrativa constitui uma tendência positiva do direito administrativo, em escala mundial. Quanto maior a participação das populações interessadas, como também a cooperação entre esferas administrativas ou entre estas e suas populações (concertações), maior se considera a efetivação das medidas e a eficiência das políticas de ordenamento do território e do urbanismo. No entanto, convém que se defina, com clareza, as atribuições que cabem a cada uma das partes da relação de participação e cooperação que aqui se refere.

6. Referências bibliográficas

CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. Volume I, 4ª ed. Coimbra: Almedina, 2008.

NUNES, João Pedro Silva. Florestas de cimento armado: os grandes conjuntos residenciais e a constituição da metrópole de Lisboa (1955-2005). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009.

 


[1] Disponível em: <file:///C:/Users/Carlos%20Sergio/Downloads/Lei_n75_2013.pdf>. Acesso em 06 de agosto de 2015.

[2] Disponível em: < file:///C:/Users/Carlos%20Sergio/Downloads/Lei_n75_2013.pdf>. Acesso em 06 de agosto de 2015.

[3] Disponível em: < file:///C:/Users/Carlos%20Sergio/Downloads/Lei_n75_2013.pdf>. Acesso em 06 de agosto de 2015.

[4] Disponível em: < file:///C:/Users/Carlos%20Sergio/Downloads/Lei_n75_2013.pdf>. Acesso em 06 de agosto de 2015.

[5] Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente - CEDOUA; Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - FDUC; Inspecção-Geral da Administração do Território - IGAT. Direito do urbanismo e autarquias locais: realidade actual e perspectivas de evolução. Coimbra: Almedina, 2006, pág. 43.

[6] Hoje chamados de programas regionais de ordenamento do território.

[7] No decreto-lei que estabeleceu a revisão do RJIGT (Decreto-Lei nº 80/2015, de 14 de maio), este mesmo conteúdo está disposto em seu artigo 56º.

[8] Ora denominados programas regionais, pela nova legislação.

[9] Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente - CEDOUA; Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - FDUC; Inspecção-Geral da Administração do Território - IGAT. Direito do urbanismo e autarquias locais: realidade actual e perspectivas de evolução. Coimbra: Almedina, 2006, pág. 16.

[10] CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. Volume I, 4ª ed. Coimbra: Almedina, 2008, pag. 244.

[11] CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. Volume I, 4ª ed. Coimbra: Almedina, 2008, pag. 244-245.

[12] CORREIA, Fernando Alves. Manual de direito do urbanismo. Volume I, 4ª ed. Coimbra: Almedina, 2008, pag. 245-246.

[13] NUNES, João Pedro Silva. Florestas de cimento armado: os grandes conjuntos residenciais e a constituição da metrópole de Lisboa (1955-2005). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, pág. 69.

[14] SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, pág. 127.

[15] NUNES, João Pedro Silva. Florestas de cimento armado: os grandes conjuntos residenciais e a constituição da metrópole de Lisboa (1955-2005). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, pág. 77.

Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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