É possível multar o pai que deixar de ir visitar o filho e a mãe que dificultar a convivência

Astreinte, ou seja, em caso de descumprimento da obrigação principal, pode-se aplicar uma multa diária cominatória imposta por condenação judicial, a fim de compelir a parte que tem a obrigação de fazer ou não fazer alguma coisa...

17/06/2021 às 10:18
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Assunto recorrente aos casais de resolveram terminar um relacionamento e deste adveio filhos. Alguns pais, a partir do divórcio ou do fim da união estável começam a se desentender e põem os filhos nesse imbróglio, não como crianças ou filhos.

Quando se fala possibilidade da aplicação prática da multa diária no Direito de Família, a situação que nos ocupa a mente recai nas ações que envolvem guarda e visitação, especificamente quando o genitor detentor da guarda descumpre involuntariamente o teor do acordo homologado judicialmente, impedindo o exercício regular das visitas pelo outro.

Do mesmo modo, após dos pais acordarem em Juízo sobre o termo de visita, fica pactuado que o pai deve pegar o filho de 15 em 15 dias, na hora e dia combinado. Assim, o filho cria a expectativa de passar o final de semana do ele. E o pai simplesmente não vai buscar o filho e nem sequer justifica. E isso é costumeiramente acometido pelo pai. Por isso, também é possível estipular uma multa cominatória contra o pai ou a mãe que dificultar ou frustrar a convivência com o filho.

O direito de visitação previsto no artigo 1.589 do Código Civil, consiste em uma garantia ao pai ou mãe que não detém a guarda do menor, podendo referido direito, inclusive, ser exercido pelos avós e demais parentes, ante a ideia de pluralidade familiar trazida pela Constituição Federal de 1988, com o fim de proporcionar uma maior convivência com o menor.

Ante referida previsão legal, o juiz pode adotar mecanismos processuais com o fito de obstar qualquer obstáculo para o cumprimento do acordo de visitas.

Afinal, o direito de visitação deve ser visto como uma obrigação daquele que detém a guarda, o qual deve facilitar, assegurar e não criar óbices à convivência do filho com o outro genitor ou outro parente que teve as visitas resguardadas ao seu favor.

No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. § 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial (grifamos). Da mesma forma, o artigo 814 do CPC, estabelece que: Na execução de obrigação de fazer ou de não fazer fundada em título extrajudicial, ao despachar a inicial, o juiz fixará multa por período de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida. Parágrafo único. Se o valor da multa estiver previsto no título e for excessivo, o juiz poderá reduzi-lo. É possível a aplicação de astreintes, para cumprimento de convivência familiar parental.

O direito de visitas gera uma obrigação de fazer infungível, obrigação personalíssima, que deve ser cumprida pessoalmente. Nada impede que seja buscado o adimplemento, mediante aplicação da chamada astreinte: tutela inibitória, mediante a aplicação de multa diária. Nada mais do que um gravame pecuniário imposto ao devedor renitente para que honre o cumprimento de sua obrigação. Instrumento de pressão psicológica, verdadeira sanção, destinada a desestimular a resistência do obrigado, de modo que ele se sinta compelido a fazer o que está obrigado” (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista do Tribunais, 2015, p. 539).

Rolf Madaleno sobre a questão:

Por sinal, a aplicação de multa passa a ser importante instrumento jurídico para substituir de uma vez por todas a abjeta e drástica medida compreendida pela busca e apreensão de menores, palco de inesgotáveis traumas contra indefesas e desprotegidas crianças - subtraídas a fórceps por uma ordem judicial do convívio afetivo do genitor não guardião, que se descurou do tempo de permanência permitida ao salutar exercício do seu amor parental, tisnado por cenas dantescas e traumáticas de indescritível e dispensável violência processual"(http://www.professorchristiano.com.br/ArtigosLeis/artigo_rolf_tutela.pdf)

Nesse sentido, o STJ:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO NA ÉGIDE DO CPC/73. FAMÍLIA. DIREITO DE VISITAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL DO VISITANTE E DO VISITADO. ACORDO HOMOLOGADO PELA JUSTIÇA. EXECUÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FIXAÇÃO PREVENTIVA DE ASTREINTES PARA A HIPÓTESE DE EVENTUAL DESCUMPRIMENTO IMOTIVADO DO REGIME DE VISITAÇÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Inaplicabilidade do NCPC neste julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 2 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/73 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. O direito de visitação tem por finalidade manter o relacionamento da filha com o genitor não guardião, que também compõe o seu núcleo familiar, interrompido pela separação judicial ou por outro motivo, tratando-se de uma manifestação do direito fundamental de convivência familiar garantido pela Constituição Federal. 3. A cláusula geral do melhor interesse da criança e do adolescente, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, recomenda que o Poder Judiciário cumpra o dever de protegê-las, valendo-se dos mecanismos processuais existentes, de modo a garantir e facilitar a convivência da filha com o visitante nos dias e na forma previamente ajustadas, e coibir a guardiã de criar obstáculos para o cumprimento do acordo firmado com a chancela judicial. 4. O direito de visitação deve ser entendido como uma obrigação de fazer da guardiã de facilitar, assegurar e garantir, a convivência da filha com o não guardião, de modo que ele possa se encontrar com ela, manter e fortalecer os laços afetivos, e, assim, atender suas necessidades imateriais, dando cumprimento ao preceito constitucional. 5. A transação ou conciliação homologada judicialmente equipara-se ao julgamento de mérito da lide e tem valor de sentença, dando lugar, em caso de descumprimento, à execução de obrigação, podendo o juiz aplicar multa na recalcitrância emulativa. Precedente. 6. A aplicação das astreintes em hipótese de descumprimento do regime de visitas por parte do genitor, detentor da guarda da criança, se mostra um instrumento eficiente, e, também, menos drástico para o bom desenvolvimento da personalidade da criança, que merece proteção integral e sem limitações. 7. Prevalência do direito de toda criança à convivência familiar. 8. Recurso especial não provido. (STJ – REsp 1481531/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 07/03/2017)
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Pois bem, no direito de família, reconhece-se o cabimento da multa diária/astreinte, no caso, do descumprimento do regime de visitação (tanto de quem detém a guarda, como quem o visita), além doutros debates ou detalhes específicos sobre o tema, justamente por se tratar de questões de cunho familiar, com respaldo na Lei e na jurisprudência do c. STJ.

A multa serve não é só uma forma de fazer cumprir, mesmo que indiretamente a obrigação, ao guardião ou ao visitador que descumpre deliberadamente o acordo firmado e em respeito ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, melhor do isso, como forma menos agressiva do que uma busca e apreensão do menor ou até mesmo a aplicação das penas de alienação parental.

Sobre o autor
Ademarcos Almeida Porto

Formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP Título de Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia - OABSP. Pós graduação em Direito Constitucional Cursos de extensão em: Direito imobiliário; Direito da Família e Sucessões; e Direito do Trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Essa matéria foi elaborada há dois anos e atualizada em junho/2021. É uma matéria atualíssima em vista as modernizações de relacionamentos, às igualdades entre os do casal, por causa da pandemia (COVID-19), por causa da crise financeira.

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