Alienação fiduciária e a impenhorabilidade do bem de família

Leia nesta página:

Tentativa de compreender melhor o instituto da alienação fiduciária e entender se há possibilidade ou não de sua ocorrência quanto ao bem de família, nos ditames dos entendimentos do STJ.

Introdução

1 - Conceito de alienação fiduciária

Alienação fiduciária é um recurso utilizado em operações de empréstimo em que o alienante solicita um crédito e, como garantia do cumprimento da obrigação, concede um bem seu ao credor fiduciário.

A propriedade do bem é transferida ao credor fiduciário (que pode ser uma instituição financeira ou uma pessoa) pelo devedor fiduciante, até que seja efetuado o pagamento da dívida.

A posse do bem, porém, permanece com o devedor e, por isso, muitas dúvidas surgem acerca da penhorabilidade ou não desse bem, se ele for bem de família.

2 - Conceito de bem de família

Utilizando-se do disposto na Lei que cerca o conceito de bem de família (Lei 8.009/90), este seria, nos termos do art. 5º da presente lei:

Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se
residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia
permanente.

Fazendo análise do dispositivo, será impenhorável determinado imóvel se este for, em primeiro lugar, residencial. Porém, o parágrafo único estabelece:

Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários
imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor
valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na
forma do art. 70 do Código Civil.

A impenhorabilidade, portanto, recairá quando:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

O STJ possui algumas decisóes acerca do assunto. Veja-se o seguinte:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC/73 NÃO CONFIGURADA. EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. BEM DE FAMÍLIA. penhora DE FRAÇÃO IDEAL. IMÓVEL UTILIZADO COMO RESIDÊNCIA PELO GARANTIDOR DO CONTRATO. POSSIBILIDADE DE PENHORA DE TERRENOS NÃO EDIFICADOS QUE COMPÕEM O IMÓVEL RESIDENCIAL. PRECEDENTES 1. Possibilidade de penhora de fração ideal de imóvel caracterizado como bem de família. 2. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO (AgInt no REsp. nº 1.624.356/SP, 3ª Turma, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10.12.2018).

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO DE IMÓVEIS. EMBARGOS DE TERCEIROS. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA DA FRAÇÃO IDEAL. DESMEMBRAMENTO DO BEM. POSSIBILIDADE. CASO CONCRETO. IMPOSSIBILIDADE DE DESMEMBRAMENTO. PENHORA INVIÁVEL. SÚMULA Nº 83/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. É possível a penhora de fração ideal de bem de família, nas hipóteses legais, desde que possível o desmembramento do imóvel sem sua descaracterização. Precedentes do STJ. 2. No caso, assentando o Tribunal de origem ser impossível o desmembramento do imóvel, torna-se inviável a penhora da fração ideal do bem de família. Súmula nº 83/STJ. 3. Agravo interno não provido (AgInt no AREsp. nº 1.193.630/SP, 4ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão. julgado em 25.09.2018).

3 - Alienação fiduciária e o bem de família

Antes de se debater acerca do tema, é importante ressaltar que o devedor é livre para dispor de seus bens, ainda que seja esse bem de família. Portanto, o STJ corrobora a possibilidade de se alienar fiduciariamente um bem de família, se assim o devedor desejar. O bem de família é, em regra, impenhorável, mas não é inalienável. Portanto, pode determinada pessoa vender seu bem de família. Seria um comportamento contraditório se o sujeito vendesse seu imóvel e depois reclamasse na justiça a proteção que lhe é dada por tratar-se de um bem de família. Reforça-se a vedação ao "venire contra factum proprium". Portanto, o STJ permite a alienação fiduciária de um bem de família, conforme se vê no julgado REsp. nº 1.677.015/SP, 3ª Turma, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. julgado em 28.08.2018:

"11. Não se pode concluir que o bem de família legal seja inalienável e, por conseguinte, que não possa ser alienado fiduciariamente por seu proprietário, se assim for de sua vontade, nos termos do art. 22 da Lei 9.514/97."

Ainda, para finalizar:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL  CIVIL. AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA  CONTRA DEVEDOR SOLVENTE. PEDIDO DE  PENHORA DE BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE  EM FAVOR DO PRÓPRIO CREDOR. 

1. Controvérsia em torno da possibilidade de penhora do bem  alienado fiduciariamente em favor do próprio exequente.

2. Ação de execução de título extrajudicial ajuizada em  decorrência do inadimplemento da cédula de crédito  bancário, sendo formulado pedido de penhora do próprio bem 
alienado fiduciariamente. 
3. Indeferimento pelo juízo singular do pedido de penhora sob o fundamento de que o bem alienado fiduciariamente em favor da parte exequente impossibilita a concessão da medida, pois o bem não integraria o patrimônio do devedor.
4. O acórdão recorrido negou provimento ao agravo de instrumento interposto, ensejando o presente recurso especial da parte exequente.
5. Consoante a jurisprudência do STJ, a intenção do devedor fiduciante, ao afetar o imóvel ao contrato de alienação fiduciária, não é, ao fim e ao cabo, transferir para o credor fiduciário a propriedade plena do bem, como sucede na compra e venda tradicional, mas simplesmente garantir o adimplemento do contrato de financiamento a que se vincula.
6. O presente posicionamento apenas reafirma o entendimento da Terceira e da Quarta Turma desta Corte de que a penhora pode recair sobre o bem dado em garantia no contrato de alienação fiduciária se o credor optar pelo processo executivo (pretensão de cumprimento), ao invés da ação de busca e apreensão (pretensão resolutória).
7. Possibilidade, também na linha de precedentes deste Superior Tribunal de Justiça, de que, nas hipóteses de pedido de penhora formulado por terceiro de bem objeto de alienação fiduciária, sendo a sua propriedade do credor fiduciário, não se admite a constrição, sendo permitida apenas a penhora dos 
direitos do devedor fiduciário decorrentes do contrato de alienação fiduciária.

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Com base nesse último julgado, fica muito clara a possibilidade de penhora de bem dado em alienação fiduciária mas, ao mesmo tempo, a impossibilidade de sua constrição em pedido de penhora formulado por terceiro, bem como a proteção que é dada ao direito de posse do devedor. Portanto, os direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária podem ser penhorados pelo credor fiduciário, mas o terceiro não pode penhorar eventual direito de posse que o devedor possui sobre o bem.

Considerações finais

Com essa breve análise foi possível perceber, com fulcro nos entendimentos mais recentes da Suprema Corte do STJ, que é sim possível alienar fiduciariamente bem de família. Porém, ainda, o mesmo tribunal resguarda os direitos do credor em relação a terceiros, possibilitando a constrição desses direitos apenas quando decorrentes do contrato de alienação fiduciária.

Por fim, é possível a penhora sobre bem dado em garantia na alienação fiduciária, quando o credor fiduciante optar pelo processo executivo em questão.

Referências:

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma) REsp. nº 1.677.015/SP. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO INDICAÇÃO. SÚMULA 284/STF. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. CONTRATO DE FACTORING. NULIDADE. QUESTÃO PRECLUSA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL RECONHECIDO COMO BEM DE FAMÍLIA. POSSIBILIDADE. CONDUTA QUE FERE A ÉTICA E A BOA-FÉ. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 28.08.2018.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma) REsp. nº 1.624.356/SP AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
OFENSA AO ART. 535 DO CPC/73 NÃO CONFIGURADA. EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA DE FRAÇÃO IDEAL. IMÓVEL
UTILIZADO COMO RESIDÊNCIA PELO GARANTIDOR DO CONTRATO.
POSSIBILIDADE DE PENHORA DE TERRENOS NÃO EDIFICADOS QUE COMPÕEM O
IMÓVEL RESIDENCIAL. PRECEDENTES. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
10.12.2018

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (4ª Turma) AgInt no AREsp. nº 1.193.630/SP AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO DE IMÓVEIS. EMBARGOS DE TERCEIROS. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA DA FRAÇÃO IDEAL. DESMEMBRAMENTO
DO BEM. POSSIBILIDADE. CASO CONCRETO. IMPOSSIBILIDADE DE
DESMEMBRAMENTO. PENHORA INVIÁVEL. SÚMULA Nº 83/STJ. DECISÃO
MANTIDA. Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25.09.2018.

BRASIL, Lei 8.009 de 29 de março de 1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Disponível em: L8009 (planalto.gov.br).

Sobre a autora
Gabriela Ferreira Dornas de Andrade

Graduada em Direito pela Universidade Iguaçu – Campus V e Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Uniftec.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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