A eficiência da ressocialização no sistema socioeducativo do estado do Amazonas.

Sistema Socioeducativo do Amazonas

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O estudo visa analisar a aplicabilidade das medidas socioeducativas e a realidade das execuções das penas, o papel de cada órgão e esfera do poder, pontuando a necessidade de integração entre todos e a participação direta da sociedade.

Resumo

O presente trabalho objetiva propor uma discussão sobre a transformação do Estado de bem-estar social para o Estado Penal. Primeiramente, desenvolveremos a ideia de encarceramento em massa e criminalização da pobreza como o caminho adotado para a solução dos problemas sociais e de segurança. No segundo capítulo, abordaremos a questão da maioridade penal e seus desdobramentos, sopesando também a importância da mídia nesse contexto e na formação do pensamento coletivo. Buscaremos, de forma breve, realizar uma historiografia do tratamento dispensado aos jovens em situação infracional com a Lei, demonstrando a evolução dos processos legais e das instituições de apoio aos menores. Por fim, o estudo visa analisar a aplicabilidade das medidas socioeducativas e a realidade das execuções das penas, o papel de cada órgão e esfera do poder, pontuando a necessidade de integração entre todos e a participação direta da sociedade.

Palavras-chave: Jovens, Conflito com a lei, Medidas socioeducativas, Maioridade penal, Ressocialização, Sociedade.

Abstract

This paper aims to propose a discussion on the transformation of the welfare state to the penal state. First, we will develop the idea of ​​mass incarceration and criminalization of poverty as the path taken to solve social and security problems. In the second chapter, we will address the issue of the age of criminal responsibility and its consequences, also considering the importance of the media in this context and in the formation of collective thinking. We will seek, briefly, to make a historiography of the treatment given to young people in violation of the Law, demonstrating the evolution of legal processes and institutions that support minors. Finally, the study aims to analyze the applicability of socio-educational measures and the reality of executions of sentences, the role of each organ and sphere of power, emphasizing the need for integration between all and the direct participation of society.

Keywords: Youth, Conflict with the law, Socio-educational measures, Penal age, Resocialization, Society.

Introdução

É certo que no Brasil é preciso ter cautela quando se fala em “juventude”. Como afirma José Vicente Tavares (2011):

“... talvez pudéssemos falar de diversos tipos de juventude no Brasil atual: a ‘juventude dourada’, geralmente pertencendo às classes altas e às etnias de cor branca; a ‘juventude em transição’, composta por jovens, de modo amplo, que se situam nas classes médias e médias baixas, em sua maioria de cor branca e amarela, mas com uma parcela de negros e pardos; a ‘juventude dos descamisados’, membros das classes populares, residindo nas periferias das grandes cidades, com diversidade de composição étnica (brancos, pardos, negros, indígenas); a ‘juventude em vulnerabilidade’, os ‘meninos de rua’, membros das classes baixas e excluídas das grandes cidades, também com diversidade de composição étnica (brancos, pardos, negros, indígenas); os ‘infratores’, uma população de jovens, pertencentes a várias camadas sociais e etnias, que cometeram delitos e passam a viver sob algum tipo de sanção penal.”

Jovens em situação de vulnerabilidade que cometeram atos infracionais são o foco de nossa preocupação nesse estudo. Com base nas informações oferecidas por Tavares (2011), é possível perceber que é, infelizmente, impressionante o número de Adolescentes e Jovens que morrem precocemente no Brasil, devido às causas externas decorrentes de homicídios, acidentes de trânsito, suicídio etc. Foi justamente para entender essa realidade, que escolhemos o presente tema.

No município de Manaus, capital do Amazonas, a solução encontrada para o problema tem sido a mesma do restante do País: o encarceramento de jovens em unidades prisionais que são deficientes e, por vezes, com superlotação. Muito longe do que preconizam as Leis, as unidades prisionais e os institutos de internação de menores funcionam de forma arriscada e na prática acabam sendo nada mais que uma “escola para o crime”, ao invés de ser um lugar de ressocialização e recuperação do indivíduo para devolvê-lo a sociedade. A proposta, é sempre a mesma quando se trata de recuperar os privados de liberdade: O Trabalho. Como se do “lado de fora” existisse trabalho para esses jovens que saem da reclusão, muitas vezes sem nenhum tipo de conhecimento.

Os crimes cometidos por adolescentes em Manaus estão cada vez mais frequentes. Diversos casos de roubos, homicídios, estupros e outros são registrados diariamente com participação de menores de 18 anos. Dados levantados pela Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (SEJUSC).

Nessa linha de raciocínio, questiona-se: Quais são as políticas públicas oferecidas pelo governo do Estado?

Ninguém nasce delinquente, é certo que essa delinquência é “adquirida”, em geral, no seio de famílias carentes, cujo ambiente é propício para o estímulo da violência, onde a precariedade, a pobreza material e espiritual deixa seus integrantes desprotegidos e privados das condições mínimas para uma vida saudável. Adultos omissos normalmente geram crianças problemáticas e formam um ciclo vicioso que se agrava e passa de geração a geração. Ainda que sejam criados mecanismos de Controle Social – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é exemplo disso - sem políticas públicas eficazes e adequadas a realidade das famílias, o ciclo vicioso não terá fim.

No caso de adolescentes, existe ainda um outro fator, que é justamente a busca por uma identidade e uma definição do seu lugar social. A construção dessa identidade não acontece de forma harmoniosa, invés disso, ela ocorre através da oposição, dos desafios e dos conflitos com a ordem estabelecida.

“A oposição, do ponto de vista do desenvolvimento psicológico, é considerada importante na medida em que, ao possibilitar a vivência de papéis e contra papéis, favorece o processo de diferenciação/contraposição, permitindo a formação de uma individualidade. ” (SOARES, ROSSETTI-FERREIRA, 2002, p. 182)

Nessa busca por uma identidade, envolto de pobreza que não é só material, mas também, cultural, social e espiritual imerso em um mundo, onde o apelo constante é o da mídia que aponta para o consumo exacerbado, um mundo onde toda realização só existe na forma de divertimento. Quais tipos de caminho são colocados para os jovens e a adolescentes? O caminho da criminalidade é fruto de uma escolha?

Mas o que tem levado esses jovens a essa escolha? Será mesmo que é uma escolha? Existem outros caminhos? A sociedade afirma veementemente que sim, mas o jovem envolto em um mundo consumista, imediatista e hedonista encontra esse caminho?

Como nossos governantes têm lidado com essas questões com as atuais políticas públicas? O que foi feito até agora deu resultado? Que direção devemos seguir ao combate da delinquência juvenil? Qual é o papel da família, da sociedade e do poder público em relação a esses jovens?

A Transformação do Estado de Bem-estar Social em um Estado Penal

Algumas das questões que se tornaram permanentes no decorrer da história do Brasil foram: desigualdade social, a exploração da força de trabalho, o autoritarismo, a cultura genocida e a diminuição da classe trabalhadora dos espaços de participação política. Ainda, podemos citar a grande produção, concentração e apropriação de riquezas socialmente produzidas, assim como a concentração de terras. No brasil, estes fenômenos foram possíveis por meio de um Estado autoritário e repressivo.

“Neste sentido o Estado autoritário, coercitivo, violento, terrorista em um contexto atual de conservadorismo reacionário que se caracteriza entre outros elementos pela raiva, repugnância e ódio às minorias sociais e aos pobres, existe no Brasil desde tempos coloniais. O extermínio, o fim do Cadernos de Estudos Sociais e Políticos, Rio de Janeiro, vol. 8, n. 15, 2019”.

Salienta-se que as ações neoliberais a serem executadas pelo Estado no Brasil teve como principais características: a redução de gastos com as pautas sociais, as privatizações das esferas estatais, a exigência de formação de um superávit primário, entre outros. Ainda, ressalta-se que o neoliberalismo apenas intensificou o já conhecido privilégio de classes para uns e repressão para outros, sendo fator importante para impedir ainda mais a construção da cidadania.

Para falarmos a respeito do avanço do Estado Penal em solo Nacional, destacamos alguns dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciarias (2019). Com base nesse levantamento, é possível constatar que o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, correspondente a 773.151 presos.

Este aumento desenfreado não ocorreu ao mesmo tempo à redução de crimes violentos ou da sensação de insegurança, não havendo justificativa para o enorme custo social e econômico da prisão que não seja pelo seu fracasso, como já ressaltara Foucault (2010). O cárcere reforça os “mecanismos de reprodução de um ciclo vicioso de violência que, como padrão, envolve a vulnerabilidade, o crime, a prisão e a reincidência e, por vezes, serve de combustível para facções criminosas.” (INFOPEN, 2014, p. 7). Estes elementos levaram Ruiz e Simas a ressaltar, por exemplo, que o conceito de crime no Brasil é meramente político, “[...] principalmente quando pensamos que conduta pode ser descrita como criminosa e qual público será criminalizado pela mesma” (RUIZ; SIMAS, 2016, p. 7).

O impulsionador do Estado Penal no mundo foram os Estados Unidos. Entre suas propostas para gestão de pobreza, encontrava-se a mudança do welfare state, nunca vivido no Brasil, pela workfare state e prisonfare. Este workfare state, baseado na obrigatoriedade do trabalho mesmo em condições precárias, não pode ser visto como consequência da implementação do neoliberalismo no cenário brasileiro, pois a precarização do trabalho é elemento característico dessa sociedade, marcada pela exploração da força de trabalho.

Neste sentido, parece ser mais relevante pensar em termos do prisonfare, que se baseia na penalização da pobreza via direcionamento ativo da polícia, dos tribunais e das prisões. Outra característica que difere o Brasil no avanço do Estado penal no mundo é que, além do encarceramento em massa, ocorre em território nacional, desde tempos coloniais, o extermínio em massa. Sendo assim, a intervenção estatal mais conhecida pela população pobre sempre foi a do Estado policial.

O Brasil, como país de capitalismo tardio, apresenta um acentuado déficit de efetivação no que tange aos comandos do Estado democrático de direito. Seja em âmbito federal ou estadual, assiste-se à inobservância de seus preceitos fundamentais, na produção normativa orientada pelo discurso penal de emergência, na atuação abusiva e violadora do aparato policial, nas punitivas sentenças sem lastro constitucional, e diante das arbitrariedades do sistema penitenciário (SOUZA, 2013, p. 243)

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Logo, no Brasil, não vivemos a substituição do welfare state para o workfare state, mas vivemos entre a ampliação do workfare state e do warfare state. Ou seja, o avanço das formas penais e punitivas no Brasil são extremamente perversas quando somadas aos elementos de sua formação sócio-histórica.

O Encarceramento em Massa No Brasil

No brasil temos cerca de 338 encarcerados a cada 100 mil habitantes, correspondendo, segundo o conselho nacional de justiça, aproximadamente 812 mil presos no país. Considerando esse número absoluto de presos, ocupamos a 3ª posição no ranking de maior população carcerária do mundo, atrás apenas de China e Estados Unidos.

Ainda, a taxa de superlotação nas unidades prisionais é correspondente a 166% conforme dados do estudo “Sistema Prisional em Números”, publicado em 2019.

Segundo análises do Departamento Penitenciário Nacional, 50,96% das pessoas que estão no sistema prisional cometeram delitos enquadrados no grande grupo de “crimes contra o patrimônio” relacionados a furto, roubo, receptação de mercadoria roubada e dano à propriedade alheia. Ainda, 20,28% respondem por crimes relacionados a drogas e 17,36% estão enquadrados nos “crimes contra a pessoa” – homicídio, infanticídio, aborto e outros.

O endurecimento das leis penais e a consequente superlotação das prisões é uma das engrenagens de um sistema que aprofunda a injustiça e a desigualdade.

Além disso, esse sistema segrega e marginaliza os indivíduos com menor poder aquisitivo. Essa é, inclusive, uma crítica social extremamente relevante ao debate público, pois segundo dados do Senado Federal estatísticas mostram que o crime é condicionado pela situação socioeconômica, o nível educacional e a circunstância étnica.

Observamos, então, que a maioria da população carcerária é composta por pessoas a margem da sociedade devido a questões de raça e questões socioeconômicas. 

Ao longo dos anos, tornou-se comum a ideia de que manter direitos sociais para pessoas encarceradas é algo incompatível com a realidade pois esses indivíduos devem ser punidos.

Segundo Guilherme Nucci, importante jurista brasileiro, “é preciso ultrapassar o entendimento desumano, que tem estado mais ou menos implícito no sistema, de que a perda da liberdade para o preso acarreta necessariamente a supressão de seus direitos fundamentais” (2014).

É preciso desmitificar a punição. Não prender não significa não punir. Assim, buscar outros mecanismos eficientes, baratos e adequados para responsabilizar aqueles que cometem um delito não violento pode ser um caminho para o sistema brasileiro.

Redução da Maioridade Penal: Jovens na prisão, porque essa é uma má ideia.

Um dos argumentos utilizado na PEC 171 (proposta para a redução da maioridade penal), é conter supostas ondas de criminalidade protagonizadas por menores, que se beneficiariam de impunidade garantida a eles pelo ECA (estatuto da criança e do adolescente).

Mas a realidade é que existem muitos mitos no sentido de que a redução dessa maioridade penal seria a solução para a questão da criminalidade no País. Os fatos,   dados públicos e experiências em outros países, mostram que isso é ilusão. É certo que medidas urgentes precisam ser tomadas para solucionar o problema, mas a redução da maioridade penal não é uma delas.

Além de ser cláusula pétrea na constituição, uma eventual reforma da idade penal, iria totalmente contra as recomendações da ONU. Uma vez que esta diz que a medida representa uma ameaça para os direitos de crianças e adolescentes e contraria tendências mundiais na gestão da justiça juvenil.

Ao contrário do que se pensa, no Brasil os menores infratores já são punidos. E, além disso, os dados não deixam dúvidas de que os jovens são muito mais vítimas do que autores de violência em nosso País. É importante frisar que, a criminalidade só se reduz com altos investimentos em prevenção, o que se alcança por meio de educação.

É preciso acabar com o mito de que prender sempre será a solução para a criminalidade. Ao contrário do que muitos insistem em pregar, o Brasil prende muito e prende mal. Dados do Ministério da Justiça mostram que o sistema prisional brasileiro tem a terceira maior população carcerária do mundo. Mas apesar disso, o país não está mais seguro, ou sequer, houve redução na criminalidade, o número de homicídios, por exemplo, subiu 24% em 8 anos, conforme aponta dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Ressalta-se que apenas 4% dos homicídios são cometidos por jovens, mesmo assim, mais de 92% dos brasileiros acham que eles deveriam ir para o sistema prisional adulto onde há um déficit de 256 mil vagas por conta do encarceramento em massa e para onde mais de 50% dos presos acabam voltando, depois de cometer outros crimes.

A tratativa da mídia frente a discussão da maioridade penal

É inegável que a influência da mídia é poderosa e pode, de certa forma, induzir a população e sensibilizar-se de tal forma a exigir mudanças na Lei. Exemplo claro disso, são os projetos de modificação no art. 228 da Constituição Federal, propondo a redução da Maioridade Penal.

Tomaremos como exemplo, o caso Liana Friedenbach e seu namorado, onde foram mortos por um menor que na época tinha dezesseis anos. O caso teve tamanha repercussão na mídia nacional que foi capaz de reacender a polêmica da maioridade penal e gerou uma proposta de Emenda Constitucional. Por essa PEC, qualquer brasileiro maior de treze anos de idade, que cometa crimes hediondos, deve ser colocado à disposição da Justiça comum e ser julgado como maior.

Esse acontecimento foi uma demonstração clara de como a mídia transforma um crime em espetáculo, manipulando o discernimento popular. Com o devido destaque, e colocada de maneira tendenciosa, a violência passa a ser o principal problema social na visão da massa, o que gera a ideia de que formulando mais leis, ou modificando as existentes, e promovendo o encarceramento em massa, solucionaremos a questão. Ao contrário dos políticos, que estão sempre em busca de votos e aprovação popular, sabemos que não é dessa forma que funciona.

Enquanto estivermos suscetíveis a tudo que é transmitido pela mídia, sem uma análise mais profunda e criteriosa, seremos tangenciados por um poder que usa seu tamanho e sua força de persuasão para manipular a capacidade de indignação em favor de interesses particulares.

A Situação no Amazonas

Ao discorrermos sobre medidas socioeducativas no Estado do Amazonas, é importante ressaltarmos a política de atendimento ao Adolescente oriunda do Código de Menores, o que nos leva a uma visão histórica do processo que atualmente acontece na atual Justiça da Infância e da Juventude no Estado. Faz-se necessário perceber que as leis de proteção aos jovens e adolescentes em grande parte das vezes não são observadas e, nem sempre são entendidas como válidas para todas as situações reais do cotidiano.

Focaremos em observar como age o Estado e a sociedade civil, procurando verificar a efetivação das leis dentro das instituições.

Sabemos que toda lei criada deve ser cumprida, e que aquele que não as cumpre deve ser punido, mas em nosso país existe uma realidade estranha onde leis instituídas são ignoradas, fazendo o cumprimento da mesma pouco usual. Nesse cenário o menor nem sempre sabe para onde dirigir-se, ou a quem recorrer, caso seus direitos sejam violados.

O atendimento a criança e ao adolescente infrator no Estado do Amazonas

No século XX, em 1937, foi criada a ala feminina na colônia Agro Escolar Mello Mattos, obra do Dr. André Araújo, dando início ao processo institucional de atendimento a jovens em conflito com a lei no Estado do Amazonas. O objetivo dessa instituição era atender adolescentes, do sexo feminino, sem distinção de idade ou condição financeira, mas tendo como prioridades casos de abandono, pobreza extrema e/ou prática infracional. Pouco tempo depois, ainda nos anos 30, através de uma parceria entre a diocese de Manaus e o Governo do Estado foi criada também a Escola Preventiva Bom Pastor, para jovens do sexo Masculino.

Desse modo, pode-se dizer que o Estado passou a ter efetivamente uma política de atendimento a menores em situação social de risco, ofertando instituições que atendessem as necessidades da população, tanto no que diz respeito a pobreza e atendimento das necessidades básicas bem como no tocante aos menores autores de atos infracionais.

Em 1945, houve a criação do Abrigo Maria Madalena, anexo ao instituto Mello Mattos, mas em 1948, o abrigo foi separado do instituto, passando a funcionar de forma independente e ficando então sob a responsabilidade do Poder Judiciário, que na época, utilizava os preceitos do código de Menores. Documento esse criado pelo decreto de Lei nº 17.943/27-A, em 12 de outubro de 1927.

O código de menores passou a enfocar a assistência aos menores pela perspectiva educacional. Essa nova visão trouxe consigo a mudança das práticas antigas, que nem sempre eram adequadas para a educação dos menores.

Em 1965, o Instituto Maria Madalena, passou a chamar-se Escola Darcy Vargas, tendo sua competência transferida para o poder Executivo. Esse poder passa a coordenar, planejar, executar e avaliar as ações relativas à responsabilização dos adolescentes em face à autoria de atos infracionais no Estado do Amazonas.

Em 1979, em ato de comemoração ao Ano Internacional da Criança, foi promulgado o novo código de menores, por meio da Lei 6.697/79. Já em 1982, a partir do novo código (Art. 9º), o governador do Amazonas, na época, Dr. Paulo Pinto Nery, transfere a responsabilidade da execução das medidas socioeducativas para a Assistência Social.

Art 9º: As entidades de assistência e proteção ao menor serão criadas pelo Poder Público, segundo as diretrizes da Política Nacional do Bem-Estar do Menor, e terão centros especializados destinados e recepção, triagem e observação, e à permanência de menores (Código de Menores/1979).

Em 9 de Março de 2015, foi criada a secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (SEJUSC), integrante da administração Direta do Poder executivo Estadual, que tem por finalidade articular, coordenar e executar a Política Estadual e Nacional de Direitos Humanos.

Atualmente a SEJUSC vem promovendo o atendimento a crianças e adolescentes de forma intersetorial no âmbito do Estado do Amazonas com base nos direitos humanos e na legislação pertinente, o estatuto da criança e do Adolescente (ECA), que tem que tem como objetivo a proteção integral da criança e do adolescente, aplicando medidas referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização e à proteção ao trabalho, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

É responsável pela supervisão da execução das atividades da Gerência de Promoção dos Direitos da Criança e Adolescente, e do Departamento de Atendimento Socioeducativo, para adolescentes em conflito com a Lei, pelo cumprimento de medidas socioeducativas de semiliberdade e internação.

Ações desenvolvidas pelo Departamento de Atendimento Socioeducativo – DASE

Inicialmente, vamos apresentar uma descrição das ações por área de atendimento e posteriormente o movimento estatístico mensal de adolescentes atendidos nas Unidade Socioeducativas, o que possibilita uma melhor visualização dessa movimentação no ano de 2020.

Atualmente contamos com uma Unidade de Internação provisória e quatro centros socioeducativos, são esses:

  • Centro Socioeducativo Assistente Social Dagmar Feitosa
  • Centro Socioeducativo Senador Raimundo Parente
  • Centro Socioeducativo Internação Feminina
  • Centro Socioeducativo de Semiliberdade Masculino
  • Unidade de Internação Provisória

AÇÕES: Serviços e/ou atividades que ocorreram durante o ano de 2020.

A execução das ações do Sistema socioeducativo se dá através da consonância de eixos norteadores como saúde, educação, assistência e Justiça, os quais estão parametrizados pela Lei nº 12.594/12 – SINASE. Nesse sentido são realizados atendimentos psicopedagógicos e psicossociais objetivando além da garantia de direitos previstos na legislação vigente, a ressocialização dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, bem como atendimento de seus familiares, compreendendo o fortalecimento do vínculo familiar, como importante eixo no processo.

Em 2020 muitas ações como seminários familiares, oficinas e cursos com extensão para família não foram realizados devido as ações preventivas de combate ao covid-19. Porém, com redefinições metodológicas, os centros socioeducativos continuaram a realizar a maioria de suas ações, conforme veremos a seguir:

PROJETOS: Como cumprimento de meta pautada no Plano de Ação, visando concretizar os avanços contidos na legislação vigente, bem como as normativas nacionais (plano decenal de atendimento socioeducativo do Estado do Amazonas, Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei 12.594/2012, a Lei Federal que rege o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE), que busca contribuir para a efetiva cidadania dos adolescentes em conflito com a Lei, houve a reformulação dos Programas Teens ao Máximo e Família Ativa. A priori o Teens ao Máximo era executado somente no Centro Dagmar Feitoza e o Família Ativa no Centro Raimundo Parente, em 2020 os Programas foram readaptados para aplicação em todos os 05 Centros Socioeducativos, como o objetivo de sistematizar e estimular a integralidade dos Programas oferecidos no Sistema.

ESCOLARIZAÇÃO: Por meio de sistema de cogestão com a Secretaria de Estado de Educação - SEDUC que, de forma integrada organizam seus métodos, adequando-os ao perfil dos adolescentes, foram inseridos esse em 2020, o total de 224 adolescentes na Escola Estadual Josephina de Melo, os quais passam a participar das aulas de forma regular, diariamente em espaços adequados dentro dos Centros Socioeducativos. Como Destaque desse ano no eixo escolarização, ocorreu o Evento Curumim Pai D’Égua para celebrar as notas alcançadas por 02 adolescentes, no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Em 29 anos de atuação no Estado, é a primeira vez que adolescentes de Unidade Socioeducativa se formam no Ensino Médio com pontuação suficiente para acesso a Universidade Pública.

SAÚDE: Este eixo de atuação é executado em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, fazendo valer o que prediz a Portaria 1.082 do Ministério da Saúde, a qual redefine as diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei (PNAISARI).

Em 2020 o Eixo saúde teve como principais ações:

  • Integração e Sistematização do Eixo Saúde - Integração entre Sistema Socioeducativo, Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA) e Secretaria Estadual de Saúde (SUSAM).
  • Elaboração do Manual de Procedimentos dos Técnicos de Saúde do Sistema Socioeducativo do amazonas.
  • Plano de medidas preventivas para o combate ao covid-19 com a testagem dos adolescentes e funcionários; vacinação contra H1N1 de adolescentes e funcionários do Sistema; distribuição de materiais EPTS; sanitização quinzenal das unidades socioeducativas, instalação de pias nas entradas das unidades; contato com familiares realizado através de tele visitas (chamadas de vídeo) 02 (duas) vezes por semana.

PROFISSIONALIZAÇÃO E EMPREGABILIDADE: Programa para Egressos #Conectados.

Em 2020, houve o lançamento em um novo formato do Programa de Garantia de Direitos e Oportunidades para Adolescentes Egressos do Sistema Socioeducativo, com o nome #Conectados. Através do Programa foram efetuadas parcerias com diversas Instituições como CETAM, Instituto Pequeno Nazareno, Águias Cursos e FAPEAM, o que permitiu maiores oportunidades para profissionalização dos adolescentes em cumprimento de medida e inclusive seus familiares

Como destaque nas ações do Programa:

  • 04 adolescentes empregados em Regime de CLT.
  • 12 adolescentes empregados em caráter informal.
  • 267 adolescentes matriculados em cursos profissionalizantes
  • 10 familiares matriculados em cursos profissionalizantes (Apesar da pandemia).

PROGRAMAS CULTURAIS E AÇÕES COMEMORATIVAS: Visitas ao teatro Amazonas.

Entre as ações culturais de destaque desse ano, está a visita dos adolescentes das Unidades Socioeducativas ao Teatro Amazonas. Uma articulação feita através do Programa #Conectados, entre a SEJUSC e a Secretaria de Cultura do Estado. No total de 27 adolescentes dos centros socioseducativos visitaram o Teatro Amazonas.

30 anos do Estatuto da criança e do Adolescente (SEMANECA), o que foi comemorado por meio de uma live com a participação da secretaria executiva dos Direitos das Crianças e do Adolescente e do Juiz titular da  vara de execuções das medidas socioeducativas. Houve dialogo entre os internautas participantes que acompanhavam o evento online.

ESTATÍSTICA:

Conforme o quadro estatistico acima, foram atendidos no ano de 2020, entre internações provisórias, internações e programa de egressos, o total de 1.611 adolescentes, os quais foram inseridos nas diversas ações executadas pelo sistema socioeducativo do Amazonas. Ressalta-se, que desse total, 370 adolescentes que mesmo após cumprimento de medida continuam a ser atendidos pelo programa de egressos, os quais são encaminhados e acompanhados para profissionalização e empregabilidade, de acordo com as oportunidades oferecidas por meio de instituições parceiras.

Considerações Finais

O presente artigo tem como escopo primordial compartilhar com os leitores algumas reflexões teóricas e empíricas acerca do processo de socio educação do adolescente em conflito com a lei, construídas a partir das nossas vivências pessoais e profissionais, na certeza de que muito ficou por ser dito, mas que todo o exposto é resultado da nossa forte intenção de contribuir para um processo de socioeducação humanístico e não meramente retributivo; construído a partir da compreensão de que o ser humano é um ser complexo, integrado em suas múltiplas dimensões e cooperativo na sua essência; que o adolescente - ser humano em formação - deve ser compreendido em seu caráter bio-psico-socio-espiritual, o que exige uma abordagem diferenciada e o respeito à individualidade de cada um. Ao sócio educador, entendemos, não cabe formatar o educando dentro de um padrão uniforme, apenas auxiliá-lo no processo de reflexão, através de vivências positivas e amorosas, tendo a consciência de que o ser humano cresce aos poucos; que a natureza humana, em seu crescimento, não queima etapas, mas evolui passando por sucessivas fases: é assim que crescem os vegetais, animais. Ao forçar o crescimento acima dos limites, ao não respeitar a evolução progressista do viver humano, não só se deixa de ajudar a pessoa em questão, mas pode-se comprometer seriamente o crescimento dela. Como é diferente o sabor dos frutos amadurecidos nas estufas! Se a preparação do terreno se faz necessária para que a semente produza boa colheita, a preparação do adolescente se faz necessária para auxiliá-lo a assumir seu papel na sociedade. A função do formador é exatamente ser este auxiliar de jardineiro, que é o próprio adolescente, a indicar os adubos, a melhor fase de plantio, explicar as intempéries e a natureza de cada planta, enfim, dar-lhe os instrumentos que podem contribuir para fecundar a terra.

Referências  bibliográficas

TAVARES, J. V. Violência e Cidadania: práticas sociológicas e compromissos sociais. Porto Alegre: Sulina; Editora da UFRGS, 2011.

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ABRAMOVAY, M.; WAISELFISZ, J. J.; ANDRADE, C. C.; RUA, M. G.. Gangues, galeras, chegados e rappers: Juventude, violência e cidadania nas cidades da periferia de Brasília. Brasília: Edições Unesco Brasil, 2004

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Depen atualiza dados sobre a população carcerária do Brasil. Disponível em: https://www.novo.justica.gov.br/news/depen-lancapaineis-dinamicos-para-consulta-do-infopen-2019. Acesso em: 10 abril 2021.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. nascimento da prisão. Petrópolis: Editora Vozes, 2010.

http://www.sejusc.am.gov.br/socioseducativos/ecasinase/

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ADORNO, Sérgio; LIMA, R. S.; BORDINE, Eliana. O adolescente na criminalidade urbana em São Paulo. São Paulo: Ed Ministério da Justiça, 1999

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. Brasília - DF, 1990.

CHAVES, Antônio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1997.


Sobre os autores
Rodrigo Oliveira Rodrigues

Graduando no Curso de Direito Pela Universidade Luterana do Brasil - Campus Manaus.

Rubens Alves da Silva

Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Professor do curso de Direito pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) – Campus de Manaus.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Jovens em situação de vulnerabilidade que cometeram atos infracionais são o foco de nossa preocupação nesse estudo.

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