Resenha de Catolicismo Romano e Forma Política

09/04/2021 às 18:16
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Essa resenha teve por objetivo apresentar as principais ideias trabalhadas por Carl Schmitt nesse texto seminal, de extrema relevância para a compreensão da visão crítica, veementemente contrária, que o jurista construiu acerca da política moderna.

Resenha de “Catolicismo romano e forma política”, escrito por Carl Schmitt e traduzido por Menelick de Carvalho Netto

Carl Schmitt, um dos mais influentes e controversos juristas alemães da primeira metade do século XX, publicou a primeira edição do texto “Catolicismo romano e forma política” em 1923. O texto foi escrito em um período conturbado da história política da Alemanha. O país vivia sob a República de Weimar, proclamada em 1919, pouco após a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, e extinta em 1933, com a ascensão dos nazistas, consubstanciada na nomeação de Adolf Hitler para o cargo de chanceler. É curioso notar que, embora não se possa estabelecer uma relação direta entre os dois eventos, a publicação desse texto (e de outros do autor) e o destino trágico da República de Weimar não são eventos completamente autônomos entre si.

Como é sabido, a República de Weimar foi marcada por um permanente estado de crise econômica e política. A crise econômica estava diretamente relacionada às obrigações de reparação dos danos de guerra impostas pelas potências vencedoras da Grande Guerra, especialmente a França e o Reino Unido. Essas obrigações estrangularam a economia alemã, dificultaram a sua recuperação e contribuíram para o surgimento de um quadro hiperinflacionário, que marcou os anos 20 no país. Tais dificuldades impuseram ainda mais problemas ao frágil e fragmentado sistema político da então nascente democracia parlamentar alemã.

São conhecidos, por exemplo, os temores suscitados nos partidos mais conservadores pala revolução social bolchevique, levada a cabo em 1917, na Rússia, bem como pelos movimentos organizados do operariado alemão, representado politicamente pelo Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD, na sigla em alemão).

É justamente contra esse estado de coisas, essa incapacidade do novo regime político, essa dificuldade manifestada pela experiência democrática alemã de estabelecer, de forma efetiva, a sua autoridade que Schmitt se insurge. Para ele, era justamente nessa incapacidade de exercer a autoridade que residia o vício mortal do regime adotado em 1919, vício que o condenaria ao insucesso e, fatalmente, à extinção.

Schmitt constatou que havia um problema com a forma política adotada. De acordo com ele, a democracia parlamentar não era adequada ao Estado e ao povo alemão. Diante disso, ele voltou-se

à Igreja Católica, instituição que, segundo o jurista, havia desenvolvido uma forma política superior, que poderia servir de paradigma para a Alemanha (não exclusivamente para a Alemanha, é bom ressaltar).

No texto ora resenhado, Schmitt avança na construção de sua “teologia política”, que identifica, na presença e permanência histórica da Igreja, no processo de institucionalização operado pela Igreja, na forma política por ela desenvolvida e no conceito de representação que a sustenta, elementos para a crítica da democracia liberal, bem como para a elaboração de uma teoria mais adequada à compreensão de alguns institutos políticos secularizados na modernidade.

De acordo com o autor, a superioridade (a força) da forma política católica, ou da ideia política do catolicismo, reside no princípio de representação (transcendental) que a sustenta, na estrutura que esse princípio enseja e na capacidade que essa forma possui de conciliar (harmonizar) posições divergentes e ideias opostas (de acordo com uma racionalidade jurídico-institucional própria, não dependente da realidade empírica). Schmitt identifica a Igreja Romana com a ideia de um complexio oppositorum (unidade de opostos) mediado pelo Papa, que é a pessoa, no sentido representativo da palavra, que equilibra e decide sobre as grandes questões do catolicismo (esse é justamente o significado do dogma da infalibilidade papal).

Há aí, segundo Schmitt, uma “realização estrita do princípio da representação”. Para o jurista alemão, o Papa, na condição de vigário de Cristo, encabeça uma hierarquia administrativa que, em cada nível, mesmo nos mais subalternos, é concatenada e organizada em uma estrutura que representa o próprio Cristo . A igreja é, nesse sentido, uma pessoa jurídica (não em sentido empresarial), assim como o Papa e os sacerdotes são pessoas concretas, que representa Cristo, o seu sacrifício (representação transcendental, não imanente, relativa a algo material ou concreto) e o vínculo espiritual da comunidade humana redimida, de acordo com a teologia católica, por esse gesto.

Essa estrutura representativa, encabeçada pelo Papa, em que pese não dispor de recursos econômicos comparáveis aos das grandes potências, possui uma vantagem inegável, de acordo com o autor: ela exerce a sua autoridade na máxima extensão possível Além disso, ela permite a produção de uma racionalidade própria, não identificada com a naturalista, de caráter institucional- jurídico, que sustenta uma ordem político-espiritual não submetida, e mesmo estranha, ao que o autor chama de “pensamento econômico” de matriz materialista ou concreta.

Percebe-se que Schmitt, ao analisar a forma política da Igreja Católica, enfatizou a superioridade que a transcendentalidade confere a ela. Aí está a chave para a compreensão de sua teologia política e de suas críticas à formas políticas como a adotada pela República de Weimar

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(democracia parlamentar). De acordo com ele, tal sistema confunde representação com delegação (privatização do princípio) e carece de valores sobre os quais possa edificar a sua autoridade. Com esse texto, em conjunto com o resto de sua produção desse período, Carl Schmitt posicionou-se como um dos mais veementes e sofisticados do liberalismo e da democracia representativa de matriz liberal.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

SCHMITT, Carl. Catolicismo romano e forma política. Trad. Menelick Carvalho Netto. Manuscrito não publicado.

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