Da responsabilidade do ex-sócio por dívidas da sociedade

24/03/2021 às 20:25
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A correta identificação dos limites legais para a responsabilidade de um ex-sócio por obrigações de uma sociedade é um tema de grande complexidade e importância no Direito Empresarial.

Um tema recorrente na prática do Direito Empresarial diz respeito aos limites legais para a responsabilidade do ex-sócio pelas obrigações contraídas pela sociedade.

O Código Civil em seu art. 1.003, parágrafo único, assim dispõe a respeito:

 

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

 

Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio. (grifos nossos)

 

Uma leitura atenta do dispositivo legal, esclarece que a responsabilidade imposta ao sócio retirante, em princípio, limita-se às obrigações que este tinha como sócio.

Para identificarmos corretamente as obrigações que podem ser atribuídas a um sócio, é necessário analisar, preliminarmente, o tipo societário adotado, se de responsabilidade a) Limitada (Sociedade Limitada e Sociedade por Ações); b) Ilimitada (Sociedade em Nome Coletivo e Sociedade Simples Pura); ou, c) Mista (Sociedade em Comandita Simples e Sociedade em Comandita por Ações), lembrando ainda que a Sociedade Cooperativa pode adotar tanto a responsabilidade limitada quanto a responsabilidade ilimitada.

Uma vez esclarecido esse aspecto fundamental, então será possível identificar, com precisão, quais as responsabilidades do sócio no momento de sua retirada do quadro societário.

No caso específico da Sociedade Limitada, o tipo societário mais utilizado na prática empresarial, a responsabilidade dos sócios pelas obrigações contraídas pela sociedade está limitada ao valor por eles integralizado no capital social e correspondente às suas respectivas quotas, sendo que o capital efetivamente integralizado por cada sócio será a garantia e o limite de sua responsabilidade patrimonial na sociedade.

A limitação da responsabilidade dos sócios, característica das sociedades limitadas e anônimas, atende a uma necessidade contemporânea: na vida, todos correm riscos das mais variadas espécies em suas atividades pessoais ou profissionais.

Isso significa que todos aqueles que contratam com uma sociedade limitada nas esferas cível e empresarial, compartilham com ela, em certa medida, os riscos do negócio realizado (excetuando-se desse entendimento as relações de natureza trabalhista e consumerista, dentre outras).

Na sistemática instituída pelo atual Código Civil para as Sociedades Limitadas (arts. 1.052 a 1.080-A), a limitação da responsabilidade dos sócios é a regra, sendo a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50), medida de aplicação excepcional na esfera cível e empresarial.

Assim, para que o ex-sócio possa ser responsabilizado, no biênio posterior à sua retirada do quadro social, é necessário, adicionalmente, que seja determinada a desconsideração da personalidade jurídica societária, a teor do disposto nos arts. 133 a 137 do Código de Processo Civil, e, ato contínuo o atingimento patrimonial dos sócios e ex-sócios, devendo, quanto a estes últimos, ser respeitado o biênio legal.

Convém observar que, em se tratando de obrigações de trato sucessivo decorrentes de contratos celebrados pela sociedade à época em que era sócio, como locação de imóveis, fornecimento de água, telefonia, etc, em que as prestações se vencem sucessiva e periodicamente, o ex-sócio somente pode ser demandado no biênio legal, quando se tratarem de prestações vencidas durante o período em que foi sócio, não podendo ser responsabilizado por prestações vencidas após a sua retirada.

Assim, a contrario sensu, as obrigações originadas após a averbação da retirada do ex-sócio do quadro societário, não são alcançadas pela manutenção da responsabilidade, nos termos do artigo 1.003, parágrafo único, do Código Civil.

Nesse sentido é o entendimento atual do E. Superior Tribunal de Justiça a respeito:

 

STJ - RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXECUTADA. SOCIEDADE LIMITADA. RESPONSABILIDADE. EX-SÓCIO. CESSÃO. QUOTAS SOCIAIS. AVERBAÇÃO. REALIZADA. OBRIGAÇÕES COBRADAS. PERÍODO. POSTERIOR À CESSÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO EX-SÓCIO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A controvérsia a ser dirimida reside em verificar se o ex-sócio que se retirou de sociedade limitada, mediante cessão de suas quotas, é responsável por obrigação contraída pela empresa em período posterior à averbação da respectiva alteração contratual. 3. Na hipótese de cessão de quotas sociais, a responsabilidade do cedente pelo prazo de até 2 (dois) anos após a averbação da respectiva modificação contratual restringe-se às obrigações sociais contraídas no período em que ele ainda ostentava a qualidade de sócio, ou seja, antes da sua retirada da sociedade. Inteligência dos arts. 1.003, parágrafo único, 1.032 e 1.057, parágrafo único, do Código Civil de 2002. 3. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1537521/RJ - Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA – Julgamento: 05/02/2019) (grifos nossos)

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE DO EX-SÓCIO PELAS OBRIGAÇÕES CONTRAÍDAS APÓS SUA RETIRADA DA SOCIEDADE. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE ESPECÍFICO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O acórdão recorrido encontra-se em perfeita consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que, "na hipótese de cessão de quotas sociais, a responsabilidade do cedente pelo prazo de até 2 (dois) anos após a averbação da modificação contratual restringe-se às obrigações sociais contraídas no período em que ele ainda ostentava a qualidade de sócio, ou seja, antes da sua retirada da sociedade" (REsp n. 1.537.521/RJ, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 12/2/2019). Destarte, inafastável, no caso em tela, a incidência da Súmula 83/STJ. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1403976/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE – Julgamento: 13/05/2019) (grifos nossos)

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Disso resulta que o ex-sócio, em princípio, não possui responsabilidade por obrigações sociais vencidas e/ou originadas após a sua retirada do quadro societário, permanecendo responsável, durante o biênio indicado no art. 1.003, parágrafo único, do Código Civil, exclusivamente pelas obrigações que tinha como sócio, em conformidade com o tipo societário adotado.

Sobre o autor
Fábio Bellote Gomes

Advogado de Empresas em São Paulo. Bacharel, Mestre e Doutor em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP. Professor de Direito Empresarial. Autor de "Manual de Direito Empresarial", 8ª edição, Editora Juspodivum. Site Oficial: www.professorbellote.com.br

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