A IRRESPONSABILIDADE FISCAL E A CULTURA DO DIREITO SEM ÔNUS

14/01/2021 às 15:16
Leia nesta página:

O objetivo do presente artigo é abordar a resistência dos poderes constituídos, em especial o Poder Judiciário, no exame da LRF,pois autoriza excessivas flexibilizações e demonstra despreocupação econômica na concessão dos mandamentos constitucionais.

1.introdução

 

Neste artigo trataremos de algumas demonstrações da flexibilidade da LRF por parte do Poder Judiciário, sob o fundamento da prevalência dos Direitos Fundamentais e sociais, e dos impactos nocivos que se pode acarretar até mesmo para os direitos que se visa tutelar.

 

O Poder Judiciário sob o fundamento do cumprimento do mandamento constitucional do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à saúde, à educação entre outros, ignora completamente a forma de como garantir e a fonte dos recursos necessários para tais direitos e serviços.

 

Assim, a insensibilidade na forma de concretização dos direitos, que muitas vezes são verdadeiros serviços com gastos elevadíssimos, compromete a estrutura econômica de um país inteiro e até mesmo a permanência eficiente de serviços essências.

 

Por isso, entendemos necessária a reflexão na concretização de políticas públicas, sob o manto do sistema econômico e financeiro planejado e instituído pelas administrações de todas as esferas.

 

 

 

 

2.da flexibilização da lei de responsabilidade fiscal e seus efeitos nocivos

 

Apesar da Edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar n. 101/00, ainda existem muitas interpretações flexíveis, resistências e até o afastamento total de responsabilidade pelo descumprimento.

 

  1. Assim, embora a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) tenha elaborado um mecanismo para tornar o processo de criação de despesas mais transparente e responsável, nos termos do seu art. 17, quando prevê a necessidade de demonstrar a origem os recursos, compensação do aumento de despesa com aumento de receita ou diminuição de outra despesa, na prática, basta assegurar que a despesa está prevista na lei orçamentária e que esta observou a Lei de Diretrizes Orçamentárias e suas metas, e tudo está resolvido.

 

A LRF desde seu artigo 1º demonstra seu claro objetivo de garantir o equilíbrio fiscal, a fim de coibir gastos sistemáticos superiores às receitas, o que eventualmente poderia dar a ideia de limitação às necessidades fundamentais da população:

Art. 1o  Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.

 

§ 1o  A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

 

Pelo o exame do artigo verifica-se a existência de 5 pilares: planejamento, transparência, equilíbrio, controle e responsabilização. Os pilares da LRF buscam garantir, sob outro aspecto, a manutenção dos direitos e o equilíbrio financeiro.

 

Apesar da própria Constituição Federal estabelecer normas e regras acerca dos gastos públicos, em seus artigos 163, DAS FINANÇAS PÚBLICAS, 165 ao 169, DOS ORÇAMENTOS, art. 170 ao 181, DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA, parece não ser dada a devida importância ao tema, gerando graves consequências para toda a população.

 

Como se percebe em inúmeros julgados dos Tribunais Superiores que basicamente orientam a dinâmica social e influenciam na atuação de outros Poderes, que os princípios fundamentais se sobrepõe a qualquer outro e a qualquer custo.

 

Entretanto, o impacto para a população que financia todo esse aparato e os custos destas decisões, são sentidos a duras penas, pois para arcar com os gastos descontrolados e sem planejamento prévio, a sociedade brasileira sangra e se sacrifica, muitas vezes sem perceber o motivo.

 

  1. Segundo a Doutrina de Harrison Leite, Direito Financeiro, 9ª Edição, o caso que foi julgado pelo STJ de forma não unanime, em que assentou não ser o Estado obrigado a fornecer medicamento a paciente com boa condição financeira.

 

O tema foi levado ao STF, no da STA 175, Relator Min. Gilmar Mendes, em 18/09/2009, determinou o fornecimento de prestação positiva em relação aos direitos sociais

 

O julgado do Agravo Regimental no RE 581.352 de relatoria do Min. Celso de Mello (29.10.2013), ratifica o posicionamento da corte suprema de justiça, no sentido da possibilidade de o judiciário implementar política pública instituídas pela Constituição Federal.

 

A ausência de preocupação com a responsabilidade fiscal restou, também, evidente no julgado do RE 150.764-1/PE, pelo voto do Min Marco Aurélio, in verbis:

 

“Senhor Presidente, não me preocupa o problema de caixa do erário, como também não preocupa aos demais ministros que integram esta corte. Preocupa-me, sim, a manutenção da intangibilidade da ordem constitucional. ”

 

  1. Em julgado recente, por conta da Pandemia, o Min. Alexandre de Moraes afastou aplicação da LRF, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6357, 29.03.2020, ajuizada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, por meio da Advocacia-Geral da União:

 

Diante do exposto, CONCEDO A MEDIDA CAUTELAR na presente ação direta de inconstitucionalidade, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, com base no art. 21, V, do RISTF, para CONCEDER INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL, aos artigos 14, 16, 17 e 24 da Lei de Responsabilidade Fiscal e 114, caput, in fine e § 14, da Lei de Diretrizes Orçamentárias/2020, para, durante a emergência em Saúde Pública de importância nacional e o estado de calamidade pública decorrente de COVID-19, afastar a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação de COVID-19.

 

Os dispositivos afastados exigem que para o aumento de gastos tributários indiretos e despesas obrigatórias de caráter continuado, as estimativas de impacto orçamentário-financeiro e a compatibilidade com a LDO, além da demonstração da origem dos recursos e a compensação de seus efeitos financeiros nos exercícios seguintes.

 

Desse modo, garantiu que o governo federal use o dinheiro público sem qualquer risco de responsabilização ou mesmo a aplicação de penalidade instituído no diploma legal.

 

Por outro lado, com os reflexos devastadores para a econômica nacional, por meio de pesada carga tributária e ônus excessivos ao setor produtivo, de forma minoritária, algumas decisões demonstram a preocupação e ponderação, tornando-se mais criterioso quanto aos impactos orçamentários.

 

Assim, observa-se o julgamento do Resp n. 1.185.474/SC Rel. Min. Humberto Martins, demonstrou um maior critério e a preocupação com o equilíbrio fiscal diante da limitação dos recursos o que gerou estudo aprofundado em torno da “reserva do possível”:

 

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – ACESSO À CRECHE AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS – DIREITO SUBJETIVO – RESERVA DO POSSÍVEL – TEORIZAÇÃO E CABIMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO COMO TESE ABSTRATA DE DEFESA – ESCASSEZ DE RECURSOS COMO O RESULTADO DE UMA DECISÃO POLÍTICA – PRIORIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – CONTEÚDO DO MÍNIMO EXISTENCIAL – ESSENCIALIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO – PRECEDENTES DO STF E STJ.

1. A tese da reserva do possível assenta-se em ideia que, desde os romanos, está incorporada na tradição ocidental, no sentido de que a obrigação impossível não pode ser exigida (Impossibilium nulla obligatio est - Celso, D. 50, 17, 185). Por tal motivo, a insuficiência de recursos orçamentários não pode ser considerada uma mera falácia.

2. Todavia, observa-se que a dimensão fática da reserva do possível é questão intrinsecamente vinculada ao problema da escassez. Esta pode ser compreendida como "sinônimo" de desigualdade. Bens escassos são bens que não podem ser usufruídos por todos e, justamente por isso, devem ser distribuídos segundo regras que pressupõe o direito igual ao bem e a impossibilidade do uso igual e simultâneo.

3. Esse estado de escassez, muitas vezes, é resultado de um processo de escolha, de uma decisão. Quando não há recursos suficientes para prover todas as necessidades, a decisão do administrador de investir em determinada área implica escassez de recursos para outra que não foi contemplada. A título de exemplo, o gasto com festividades ou propagandas governamentais pode ser traduzido na ausência de dinheiro para a prestação de uma educação de qualidade.

4. É por esse motivo que, em um primeiro momento, a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, já que, quanto a estes, não cabe ao administrador público preteri-los em suas escolhas. Nem mesmo a vontade da maioria pode tratar tais direitos como secundários. Isso, porque a democracia não se restinge na vontade da maioria. O princípio do majoritário é apenas um instrumento no processo democrático, mas este não se resume àquele. Democracia é, além da vontade da maioria, a realização dos direitos fundamentais. Só haverá democracia real onde houver liberdade de expressão, pluralismo político, acesso à informação, à educação, inviolabilidade da intimidade, o respeito às minorias e às ideias minoritárias etc. Tais valores não podem ser malferidos, ainda que seja a vontade da maioria. Caso contrário, se estará usando da "democracia" para extinguir a Democracia.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

 

5. Com isso, observa-se que a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma que a reserva do possível não é oponível à realização do mínimo existencial.

 

6. O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o mínimo para se viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange também as condições socioculturais, que, para além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo um mínimo de inserção na "vida" social.

 

7. Sendo assim, não fica difícil perceber que dentre os direitos considerados prioritários encontra-se o direito à educação. O que distingue o homem dos demais seres vivos não é a sua condição de animal social, mas sim de ser um animal político. É a sua capacidade de relacionar-se com os demais e, através da ação e do discurso, programar a vida em sociedade.

 

8. A consciência de que é da essência do ser humano, inclusive sendo o seu traço característico, o relacionamento com os demais em um espaço público - onde todos são, in abstrato, iguais, e cuja diferenciação se dá mais em razão da capacidade para a ação e o discurso do que em virtude de atributos biológicos - é que torna a educação um valor ímpar. No espaço público - onde se travam as relações comerciais, profissionais, trabalhistas, bem como onde se exerce a cidadania - a ausência de educação, de conhecimento, em regra, relega o indivíduo a posições subalternas, o torna dependente das forças físicas para continuar a sobreviver e, ainda assim, em condições precárias.

 

9. Eis a razão pela qual o art. 227 da CF e o art. 4º da Lei n. 8.069/90 dispõem que a educação deve ser tratada pelo Estado com absoluta prioridade. No mesmo sentido, o art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente prescreve que é dever do Estado assegurar às crianças de zero a seis anos de idade o atendimento em creche e pré-escola. Portanto, o pleito do Ministério Público encontra respaldo legal e jurisprudencial. Precedentes: REsp 511.645/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18.8.2009, DJe 27.8.2009; RE 410.715 AgR / SP - Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 22.11.2005, DJ 3.2.2006, p. 76.

 

10. Porém é preciso fazer uma ressalva no sentido de que mesmo com a alocação dos recursos no atendimento do mínimo existencial persista a carência orçamentária para atender a todas as demandas. Nesse caso, a escassez não seria fruto da escolha de atividades não prioritárias, mas sim da real insuficiência orçamentária. Em situações limítrofes como essa, não há como o Poder Judiciário imiscuir-se nos planos governamentais, pois estes, dentro do que é possível, estão de acordo com a Constituição, não havendo omissão injustificável.

 

11. Todavia, a real insuficiência de recursos deve ser demonstrada pelo Poder Público, não sendo admitido que a tese seja utilizada como uma desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os de cunho social. No caso dos autos, não houve essa demonstração. Precedente: REsp 764.085/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 1º.12.2009, DJe 10.12.2009. Recurso especial improvido.

 

Extrai-se desse julgado: que os recursos são escassos, e fruto da insuficiência orçamentária e financeira, que a reserva do possível é oponível à efetivação dos direitos fundamentais, desde que seja concreta, e não abstrata, e por fim que a reserva do possível não seja oponível à realização do mínimo existencial.

 

Conclui-se, assim, que a cultura da soberania dos direitos fundamentais e sociais sem se preocupar com os ônus e a qualquer custo, é extremamente nociva, pois sua aplicação, principalmente pelo o Poder Judiciário, que aparenta não se atenta de forma efetiva às finanças públicas, compromete a efetivação futura dos próprios direitos tutelados.

 

3.conclusão

 

As políticas públicas e o cumprimento dos mandamentos constitucionais precisam ser implementados sob a ótica do impacto econômico, sob as disponibilidades orçamentárias, e a realidade financeira de cada ente público,os planejamentos orçamentários, de forma transparente, clara como preceitua o diploma legal instituído pela Lei de responsabilidade fiscal, sob pena de comprometer de forma excessiva a saúde econômica do país e impacta de forma cada vez mais prejudicial a liberdade econômica e o progresso de cada indivíduo que sofrem com os encargos da irresponsabilidade fiscal e do direito sem ônus.

 

4.fontes 

 http://portal.stf.jus.br

http://www.stj.jus.br

Pacelli, Gioanni, Administração Financeira e Orçamentária, 2º Edição.

Leite, Harrison, Direito Financeiro, 9º Edição.

 


[1] Leite, Harrison, Direito Financeiro, 9º Edição.

[2] Leite, Harrison, Direito Financeiro, 9º Edição.

[3] http://portal.stf.jus.br/

 

Advogado em exercício há 10 anos, pelo escritório Paiva & Rocha Advocacia & consultoria Jurídica.

Sobre o autor
Brener Castro de Paiva

Advogado, há mais de 10 anos, pelo Escritório de Advocacia Paiva & Rocha Consultoria jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos