A quarta revolução industrial no mundo jurídico: O futuro chegou

Leia nesta página:

A Indústria 4.0 mudou radicalmente o cenário jurídico, em grande parte impulsionada pelos desafios trazidos pela pandemia. Dentre os dilemas da atualidade estão o "home office" e sua regulamentação e a necessidade premente de adaptação às novas tecnologia

Apenas para situar o assunto, a Humanidade presenciou anteriormente três processos históricos transformadores, denominados de revoluções industriais.

Primeira Revolução Industrial caracteriza-se basicamente pela substituição de métodos de produção artesanais pela produção em série, mecanizada, e ocorreu entre 1760 e 1840.

Na sequência a Segunda Revolução Industrial, situada entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, trouxe o desenvolvimento da indústria em vários setores, em grande parte impulsionado pelo progresso da engenharia elétrica, caracterizando-se ainda pela criação da produção em massa e pelas linhas de montagem. Foi uma época marcada pelo êxodo rural, na qual várias pessoas abandonaram o trabalho no campo para buscar trabalho nas indústrias instaladas nos centros urbanos.

Terceira Revolução Industrial, também conhecida por Revolução Digital, teve início na segunda metade do século XX; é marcada pela popularização do computador, telefone celular e internet e pelo desenvolvimento da tecnologia da informação.

Na atualidade, teóricos afirmam que estamos vivendo a Quarta Revolução Industrial, ou mais resumidamente, Indústria 4.0, marcada basicamente pelo desenvolvimento e incorporação de tecnologias de automação e pelo surgimento de tecnologias classificadas como disruptivas, como inteligência artificial, big data e internet das coisas (IoT). Essa nova realidade fica evidente através do contato frequente que as pessoas passaram a ter com as tecnologias, principalmente com o mundo digital.

Feitas estas considerações pode surgir a primeira pergunta: quanto a Quarta Revolução Industrial impactará no mundo jurídico? A resposta, com certeza, é: MUITO. E o caro leitor com certeza já se deu conta disso. Certamente já ouvimos falar da Advocacia 4.0; sim, nesse conceito está a Indústria 4.0 aplicada à Advocacia que contém em si a ideia de padronização e produção em massa e a adaptação às novas tecnologias, por exemplo. Já ouvimos também sobre design thinking, basicamente uma abordagem de solução de problemas complexos que utiliza ferramentas do design para, de forma criativa e empática e com foco nas reais expectativas das pessoas envolvidas promover a entrega de valor real como resultado

Fazendo um retrospecto, os primeiros sinais da Quarta Revolução Industrial no mundo jurídico foram o peticionamento eletrônico, a assinatura digital e a criação de plataformas de gestão processual pelos diversos tribunais de todo o país.

De fato alterações vinham ocorrendo numa velocidade considerável para os operadores do direito, mas nada se compara à rapidez das mudanças que tivemos desde o início da declaração pública de pandemia em relação ao novo Coronavírus pela Organização Mundial da Saúde – OMS, de 11/03/2020.

Num primeiro momento tivemos a suspensão de prazos em âmbito nacional no período de 19/03/2020 a 30/04/2020 em virtude da Resolução nº 313 de 19/03/2020 do Conselho Nacional de Justiça. E desde 04/05/2020 verificamos o retorno gradual das atividades do Judiciário nas várias esferas.

Nesse cenário, os operadores do Direito entenderam a urgente necessidade de adaptação a novos conceitos e novas formas de trabalho que mudaram, sem dúvida, o cotidiano das profissões numa velocidade sem precedentes. Surgiu, inclusive, o termo darwinismo tecnológico, uma adaptação do modelo de Darwin segundo o qual a sobrevivência está intimamente ligada à adaptação às novas tecnologias.

Com o início da pandemia e a imposição do distanciamento social a primeira grande questão foi o local de prestação do trabalho e muitas empresas e inclusive o Poder Público foram obrigados a adotar o home office. E mesmo agora, mais de seis meses depois e sem a certeza de uma vacina eficaz contra o vírus, permanece a recomendação para se priorizar o teletrabalho. No entanto, a legislação sobre o tema no Brasil é escassa. A Medida Provisória 927/2020, editada em março de 2020, tratava do tema mas não foi apreciada pelo Congresso Nacional, perdendo sua validade. O teletrabalho é disciplinado nos artigos 75-A a 75-E da CLT, sendo definido pela  prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. Quanto aos custos a CLT menciona apenas que questões referentes à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito, havendo previsão expressa para que tais valores não integrem a remuneração do empregado. Pela singeleza de suas disposições muitos afirmam que os dispositivos da CLT são insuficientes para evitar abusos por parte do empregador, tanto que a matéria na atualidade é objeto de duas proposições legislativas.

Para regular a questão seguem em tramitação o Projeto de Lei n° 3.512/2020, que visa a modificação da CLT para a inclusão do controle de jornada no teletrabalho e para detalhar as obrigações do empregador na realização do labor nessa modalidade, bem como o Projeto de Lei n° 4.569/2019, que basicamente regulamenta o trabalho remoto para servidores públicos civis da União e estabelece garantias ao trabalhador celetista em regime de teletrabalho. Além da questão do controle de jornada e da responsabilidade pelo pagamento das despesas necessárias ao cumprimento do trabalho é recomendável que a legislação contenha previsão expressa também sobre o direito à desconexão, necessário para o restabelecimento tanto físico quanto mental do trabalhador.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Apenas a título de curiosidade, especialistas da Organização Internacional do Trabalho divulgaram uma lista de cinco pontos para facilitar o teletrabalho devido à pandemia: ter o apoio dos supervisores; equipamento tecnológico apropriado; clareza sobre expectativas e resultados esperados; soberania do tempo para promover produtividade e barreiras claras para estratégias de gerenciamento do teletrabalho (http://news.un.org/pt/story/2020/03/1708312). Fácil constatar, portanto, que a implementação do home office depende da observância de uma série de questões e da existência de uma rede de apoio para o trabalhador.

audiência virtual é outra importante alteração no cotidiano do Judiciário que traz uma série de implicações, sendo as principais delas a discussão sobre a exclusão digital e a obrigatoriedade na participação. A primeira questão tem implicações tanto pessoais, como grau de instrução para utilização das tecnologias, quanto econômicos, como condições financeiras das partes de arcar com os custos relacionados. Com relação à obrigatoriedade na participação, não há um consenso, ficando a cargo do Magistrado decidir em cada caso concreto. Com relação às plataformas que oferecem suporte às audiências, o CNJ disponibilizou a Plataforma Emergencial de Videoconferência (Cisco Webex) para a realização de audiências e sessões de julgamento nos órgãos do Poder Judiciário, a qual é facultativa aos tribunais; no estado de São Paulo o Microsoft Teams é utilizado pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Regional Federal; já o Cisco Webex é utilizado pelo Tribunal Regional do Trabalho e pelo Tribunal Regional Federal.

Assim, mais rápido e melhor é o lema do momento e o sucesso no futuro demanda o preparo para atividades e funções que atualmente não estão sendo utilizadas ou até mesmo não existem. Verifica-se, ainda, a necessidade de conhecimento interdisciplinar não só entre os vários ramos do Direito mas também com relação à tecnologia da informação e até mesmo design, por exemplo.

É preciso também dedicar tempo e esforço para aprimorar o que já existe e ainda criar formas de solução de problemas surgidos com esse novo cenário, dentre os quais talvez o mais urgente seja conciliar a necessidade de distanciamento social com a necessidade de prática de atos processuais em audiências de instrução, por exemplo, devido às formalidades exigidas pela legislação processual para a oitiva de partes e testemunhas.

Fácil concluir, portanto, que os tempos atuais são de fato desafiadores, principalmente pela necessidade constante de aprimoramento e atualização, mas antes de tudo uma oportunidade de reinventar-se num mundo que se reconstrói.

Sobre a autora
Julia Fátima Gonçalves Torres

Coautora do livro "Visão Moderna do Direito Civil e do Processo". Advogada desde julho/2004 com experiência na área do Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito do Trabalho e Direitos Especiais. Pós-Graduação em Direito de Família e Sucessões (2014) e em Direito Civil e Processual Civil (2018) pela Escola Superior de Advocacia - Núcleo Santos/SP, ambas com qualificação para o Ensino Superior. Aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS no primeiro semestre letivo de 2021 nas disciplinas "Direitos Culturais e Dignidade Humana" e "Tópicos Especiais: Acesso à Justiça: Métodos Adequados de Resolução de Conflitos". Aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado da Universidade Federal de Pelotas - UFPel no segundo semestre letivo de 2021 nas disciplinas "A Construção da Dignidade Humana a partir dos Direitos Sociais" e "Consumo e Vulnerabilidade na Sociedade Contemporânea". Proficiência em língua inglesa certificada pelo TEAP e pela FUVEST. Proficiência em língua espanhola certificada pela instituição Don Quijote Salamanca.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos