Epicuro e Justiça

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Texto sobre o pensamento epicurista a respeito de aspectos éticos, morais e políticos do pensamento humano. Como grande escola do período helenista, observamos uma série de aspectos inovadores na filosofia e estrutura de pensamento.

Epicuro

Nesse texto vamos tratar de um importante filósofo e de uma importante escola do período helenístico da Grécia: Epicuro nasce em Samos em 341 a.c., no entanto, fixa sua escola filosófica em Atenas, no século IV a.c. (entre 307 e 306 a.c.). A escolha do local, afastado do centro político e próximo à natureza, não poderia ter sido mais fiel à filosofia pregada por Epicuro, e, por essa ligação com a natureza o local ficara conhecido como "jardim". Diferentemente de Platão, e sua filosofia da metafísica, Epicuro prega por uma vertente física, ou sensível. Ou seja, ele quebra com as filosofias anteriores: Sócrates, Platão e Aristóteles, pois passa a definir um novo papel para o ser humano, me utilizando de termos kantianos, Epicuro realiza uma verdadeira inversão copernicana, e desse modo, passa de uma visão de virtude divina e ordem celeste ou pureza divina inatingível, para uma visão onde o homem passa a ser seu próprio deus, onde seu fim possui um objetivo apenas individual, e um meio igualmente individual, que é a felicidade e o próprio ser humano, não mais a realização da vontade social, ou a participação política, para alcançar a felicidade o homem só precisa de sua consciência.


Do "jardim"

A escola Epicurista surge com uma acentuada diferença perante a Academia (de Platão) e Liceu (de Aristóteles), isso se deve não apenas ao conteúdo dos ensinamentos, mas também ao modo com que era ensinado: Epicuro se pautava em pregar sua filosofia, ou seja, ele agia como um missionário, passando a entregar as mensagens de sua fé, fé essa pautada no sensível, no material. Isso pois, o modo como ele entregava os ensinamentos se baseava em uma linguagem informativa. Além disso, por pregar em sua filosofia que a felicidade é alcançável por qualquer ser humano, Epicuro abria as portas do "jardim" para quem estivesse interessado, por isso, era comum a entrada de homens livres, não livres, mulheres ou prostitutas que queriam a redenção.


Da Religião

Epicuro não contesta a existência de deuses, ele acredita, por outro lado, que existem diversos deles, no entanto, eles se encontram entre mundos, ou seja, não interferem na vida humana, pois, além de acreditar que os deuses estejam ocupados com sua própria alegria e sabedoria, acredita também que, como o ser humano é material, seu fim ou seu bem específico também será material, e desse modo, perfeitamente alcançável. Ou seja, o ser humano não precisa de deuses, nem de qualquer outra coisa diferente dele para ser feliz.


Da ética, justiça e morte

Para Epicuro, a sensação é o meio direto pelo qual o ser humano conhece o mundo, e dá essa importância para as sensações as colocando como fundamentos éticos de sua filosofia. No entanto, diferente do que é comumente aceito, Epicuro não prega pela busca de prazeres desmedidos e supérfluos, para ele, a ataraxia (falta de perturbação na alma) surge do fato de estarmos livres de dores, tanto materiais quanto intelectuais. E só podemos alcançar esse estado realizando a prudência, ou seja, evitando situações que sabemos que nos causarão consequências negativas, que nos causarão dor, desse modo, sua filosofia reside mais em evitar as dores do que em buscar a maior quantidade de prazeres. Dessa forma, o entendimento ético reside na consciência de saber escolher quais dos prazeres deverão ser seguidos, evitando aqueles que trazem perturbações e dores. Para ilustrar melhor, Epicuro fez a seguinte distinção dos prazeres:

  1. prazeres naturais e necessários: estão ligados a conservação da vida do indivíduo, como comer quando tem fome, beber quando se está com sede ou descansar quando se está cansado...;

  2. prazeres naturais, mas não necessários: aqui se situam prazeres mais relacionados às extravagâncias dos necessários: comer bem, se vestir bem, descansar na melhor cama, desejo sexual...;

  3. prazeres não naturais e não necessários: desejos de poder, riquezas...

Os primeiros prazeres são os únicos considerados válidos, que devem ser seguidos, pois sustentam a vida humana, já as duas últimas formas de prazeres trazem dores e perturbações. Desse modo, Epicuro não acredita que a política seja algo natural e inerente ao ser humano como pensava Aristóteles, para ele, pelo contrário, a política se situa entre os prazeres não naturais e não necessários, ou seja, é algo artificial, que surge da convenção humana e traz consigo dores e perturbações, por conseguinte, todos os prazeres que surgem da vida política, como poder, reconhecimento e fama são apenas ilusões.

Epicuro reconhece, também, que as pessoas podem possuir definições de prazeres diferentes entre si, no entanto, para ele, essas opiniões sobre as definições surgem através da racionalidade, ou seja, de uma ação mediata, no pensar é onde reside a dúvida. E para saber o que é verdadeiramente prazer e dor, se tivermos dúvidas, devemos analisar de acordo com os seguintes critérios:

São verdadeiras as opiniões que:

  • a) "recebem testemunho comprobatório", ou seja, que podem ser confirmadas através da experiência e da evidência e

  • b) "não recebem testemunho comprobatório", ou seja, que não são desmentidas pela experiência e evidência.

Por outro lado, são falsas as opiniões que:

  • a) "recebem testemunho comprobatório", ou seja, são falsas pela experiência e evidência e

  • b) "não recebem testemunho comprobatório", ou seja, não recebem confirmação da experiência e da evidência.

Desse modo, os prazeres ou as dores devem ter testemunhos que comprovem suas consequências, se são prazeres ou dores que causam consequências positivas ou negativas, assim, Epicuro não define que todos os prazeres sejam bons ou que todas as dores sejam ruins, para ele, algumas dores trazem benefícios, e alguns prazeres podem trazer dores.

Mas o que fazer com situações que te causam dor? Aqui Epicuro nos traz uma ideia de que as dores podem ser suportadas, de acordo com sua intensidade: se uma dor é fraca ela pode ser suportada; se é aguda ela passa rápido, e se é extremamente aguda, leva a morte. Que por sua vez, é o estado de absoluta insensibilidade e dissolução do corpo e da alma. Desse modo, a morte não deve ser temida ou vista com maus olhares, pois a morte nada representa senão a dissolução de átomos, tanto os da alma quanto os do corpo.

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Sobre o aspecto da justiça, Epicuro considera que todos são livres e capacitados para alcançar a felicidade, e desse modo a justiça intersubjetiva reside em não afetar a felicidade de outra pessoa. Uma pessoa justa, para Epicuro, vive livre de dores e não causa dores às outras pessoas, por outro lado, uma pessoa injusta vive perturbada, pois suas ações a coloca sempre em estado de alerta e desconfiança, pois se torna um símbolo de ódio social e rejeição. A justiça política, todavia, contém apenas um caráter utilitário, desse modo, o Estado deve manter-se longe de imposições morais e subjetivas, deve ater-se apenas às questões de utilidade, como por exemplo: garantir que o contrato social seja respeitado e que ninguém cause dores a outra pessoa. Desse modo, a justiça, na ideia de Epicuro, se molda a utilidade e não às pretensões morais do Estado.


Considerações finais

São diversas as contribuições da filosofia epicurista para o período helenista e para posteriores, isso é evidente pela sua revolução na forma de pensar o ser humano, se caracterizando por ser uma filosofia que desconsidera diferenças humanas qualitativas, e revela um lado onde todos possuem a capacidade de serem livres e felizes, necessitando apenas de si mesmos. E, apesar de todas definições e ideias pautadas no senso comum que rodeiam essa escola, suas ideias ainda nos servem como base para nossa formação moral e intelectual, pois como uma infinita fonte de possibilidades e ideias inovadoras, conseguimos retirar os exemplos e reflexões acerca do nosso atual modelo de Estado ou da nossa organização social. De resto, espero que esse texto lhe tenha sido útil, se não para fins intelectuais, que pelo menos para fins materiais.


Referências

Curso de Filosofia do Direito / Eduardo C. B. Bittar, Guilherme Assis de Almeida. - 11. ed. - São Paulo: Atlas, 2015.

Convite à Filosofia / Marilena Chaui. - 1. ed. - São paulo: Àtica, 2000.

História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média / Giovanni Reale, Dario Antiseri; - São Paulo: PAULUS, 1990. - (coleção filosofia)

Sobre o autor
Evanilson Kleverson da Silva Melo

Sou estudante de direito na UFAL, e dedico a maior parcela do meu tempo à procura pelo conhecimento, que me vem dos mais diversos meios, e minha persistência nesse modo de vida consiste na vontade de transmitir a maior quantidade possível do conhecimento que adquiro.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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