Das penas no ordenamento jurídico brasileiro

29/04/2020 às 18:43
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Breve excerto sobre a evolução, as espécies e os princípios aplicáveis às penas segundo o ordenamento jurídico brasileiro.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PENAS

A noção de crime como ato de ofensa a um bem juridicamente tutelado corresponde a uma concepção comportada pelas modernas teorias do direito. Entretanto, a ação humana consistente em atos de agressão a outras pessoas ou bens trata-se de um fato social e, deste modo, vigente desde os primórdios da espécie, como civilização.

Com o desenvolvimento de primitivas comunidades humanas, iniciou-se, concomitantemente, a produção de certas regras de caráter supraindividual, ou seja, que sujeitasse a todas as pessoas, como a uma forma de se alcançar uma organização social hierárquica e harmônica.

Deste modo, surgiram os sistemas jurídicos, no estabelecimento de normas convencionais ou legais que afirmavam o que era ou não permitido, e que, se descumprido, possibilitava uma reprimenda: era o surgimento do instituto das penas.

Sua evolução histórica comportou períodos distintos, que, de forma sucinta, são descritos às fases da vingança divina, posteriormente privada, e atualmente, pública (MIRABETE, 2011).

Nos primórdios da história humana, a violação às regras comunitárias era tida como uma ofensa aos deuses, e à crença de que estes poderiam revidar, castigando a todo o povo, aplicava-se uma pena contra o ofensor, via de regra, a sua expulsão (NUCCI, 2019).

Em seguida, com o desenvolvimento das sociedades desenvolveram-se também os primeiros sistemas jurídicos, que consentiam a punição das regras violadas pelas próprias vítimas, isto é, autorizava-se àquele que sofresse uma ofensa ou agressão que a revidasse contra o agressor. Essa abordagem é a compreendida pela denominada Lei de Talião, resumida no brocardo olho por olho, dente por dente, e que consistia na fase da vingança privada.

Foi apenas com o surgimento dos estados nacionais, a partir do século XVII, que a pena deixou de possuir um caráter estritamente punitivo e particular para assumir um intimidatório e público, ou seja, a violação das regras não era mais tida como a uma ofensa unicamente privada, em face da vítima, mas contra a própria sociedade e a sua segurança, passando os estados a assumirem o seu processamento e execução.

É nesse sentido que Foucalt (2013) destaca que tão importante quanto punir o agente que comete um crime é encontrar para a punição a proporcionalidade do delito cometido; a punição deve desencorajar o indivíduo a cometer crimes, porém deve ser transparente, para que aqueles que pretendem infringir a lei sintam-se desencorajados diante de tal punição.

Deste modo entende-se que as penas existem para que as regras de convivência da sociedade sejam respeitadas e assim os povos possam viver em harmonia.

Oliveira (2001, p.15) ressalta que:

O Estado tem que recorrer à pena para reforçar as proibições, indicar o que é permitido e mostrar os cidadãos que a observância aos mandamentos legais é absolutamente necessária para evitar, na medida possível, ações ou omissões que ataquem as bases da convivência social. E a dosagem de vigor da pena que desperta na consciência de cada um o efeito inibidor da norma penal imperativa.

Bruno (1967, p. 27) ressalta que “A justificação da pena está na sua necessidade, ou, no dizer de Mezger, em ser ela um meio imprescindível para a manutenção de uma comunidade social humana”.

Não obstante, são três as teorias que buscam explicar a finalidade das penas: teoria absoluta ou da retribuição, teoria relativa e teoria mista.

Mirabete (2004) explica que as teorias absolutas fundam-se em fazer cumprir a justiça, punir o infrator pelo delito praticado.

Já as teorias relativas ou preventivas apresentam o oposto às teorias absolutas. “Essa teoria compreende a pena como instrumento de intimidação geral dos indivíduos, que, diante da ameaça abstrata e concreta da imposição da pena, ficariam motivados a não transgredir a norma penal” (TELES, 2004, p. 322).

Enquanto as teorias mistas, que defendem: que a pena tem caráter retributivo, relaciona-se com aspecto moral, tendo não apenas o intuito de prevenir mas também de educar e corrigir (MIRABETE, 2010).

Nesse sentido Marcão (2014) destaca que a pena tem como propósito a integração social do condenado, uma vez que a teoria adotada no Brasil, que é a teoria mista, busca não somente a retribuição pelo delito causado, mas também a prevenção de novos crimes, bem como a humanização. Ou seja, tem como objetivo corrigir e humanizar.

Verifica-se, destarte, que ao longo dos tempos houve uma busca para humanização das penas, alguns estudos demostram que houve penas que seu intuito era punir, outras prevenirem o crime e ainda aquelas que tinham também o intuito de recuperar o condenado.

Beccaria (2015, p. 45) destaca que:

Das simples considerações das verdades até aqui expressas advém à evidência de que a finalidade das penalidades não é tortura e afligir um ser sensível, nem desfazer um crime que já está praticado. [...] Os castigos têm por finalidade única obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus concidadãos do caminho do crime.

No mesmo sentido, Mirabete (2010) ressalta que as penas têm como finalidade a ressocialização, a readaptação, reinserção social, sendo que o Estado que assume os valores predominantes que devem ser impostos ao condenado, e este terá o livre arbítrio de rejeitar ou aceitar adaptar-se às regras coletivas propostas pelo Estado.

Por fim, o delito e a pena andam juntos e que estarão entrelaçados por muito tempo, sendo inseparável da pena o medo da punição. Por isso o castigo, a aplicação e execução da pena devem causar medo, a fim de evitar-se que novos delitos aconteçam (MIRABETE, 2010).

No entanto, faz-se necessário que sejam respeitados os direitos do condenado e para isso existem princípios que são aplicados às penas

2. PENAS PREVISTAS PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

As espécies de penas previstas pelo ordenamento jurídico brasileiro são aquelas previstas pelo artigo 32 do CP/40, a saber: “As penas são: I - privativas de liberdade; II - restritivas de direitos; III - de multa” (BRASIL, 1940).

As primeiras são, portanto, as denominadas penas privativas de liberdade, e resultam na segregação do agente, que deverá ser recolhido a uma unidade prisional gerida pelo Estado, após julgado e condenado, via de regra, iniciando-se o cumprimento da pena após a decisão condenatória proferida em segunda instância (GRECO, 2016).

Nesse sentido, as penas privativas de liberdade são as mais comuns no ordenamento jurídico brasileiro e se subdividem em penas de reclusão e de detenção, sendo estas oponíveis aos crimes considerados mais graves e, aquelas, aos menos graves.

Bitencourt (2018, p. 563) elucida acerca das diferenças entre ambas as modalidades:

[...] no conjunto, permanecem profundas diferenças entre reclusão e detenção. A começar pelo que somente os chamados crimes mais graves são puníveis com pena de reclusão, reservando-se a detenção para os delitos de menor gravidade. Como consequência natural do anteriormente afirmado, a pena de reclusão pode iniciar-se o seu cumprimento em regime fechado, o mais rigoroso do nosso sistema penal, algo que jamais poderá ocorrer com a pena de detenção. Somente o cumprimento insatisfatório da pena de detenção poderá leva-la ao regime fechado, através da regressão. Essa é uma das diferenças mais marcantes entre as duas modalidades de penas de prisão, que será mais bem esclarecida quando examinarmos os regimes penais. Afora esses dois aspectos ontológicos que distinguem as referidas modalidades, há ainda a flagrante diferença nas consequências decorrentes de uma e outra, além da maior dificuldade dos apenados com reclusão em obter os denominados ‘benefícios penitenciários’.   

Não obstante, Estefam e Gonçalves (2018, p. 766) destacam também que os crimes sujeitos a uma pena privativa de liberdade e, por conseguinte, às modalidades de reclusão e detenção, comportam diferentes regimes iniciais para o seu cumprimento:

O regime inicial de cumprimento de pena nos delitos apenados com reclusão pode ser o fechado, o semiaberto ou o aberto, enquanto naqueles apenados com detenção o regime inicial só pode ser o aberto ou o semiaberto, salvo em casos de regressão de pena, nos termos do art. 118 da Lei de Execuções Penais. Em suma, o próprio juiz pode fixar na sentença o regime inicial fechado para os crimes apenados com reclusão, o que não pode ocorrer nos crimes apenados com detenção, em que apenas o juiz das execuções, por intermédio da chamada regressão, é que pode impor o regime fechado, caso o condenado a isto tenha dado causa;

À possibilidade de que a sentença penal condenatória seja omissa quanto ao regime inicial, dever-se-á, à execução da pena, optar-se por aquele que seja o mais benéfico ao condenado. Como exemplo, a um réu primário que seja condenado a 6 (seis) anos de reclusão, possibilita-se o regime inicial como fechado ou semiaberto, de modo a que, silente a sentença, determinar-se-á pelo último, mais brando e benéfico (CAPEZ, 2018).

O regime inicial de cumprimento da pena poderá, contudo, ser modificado ao longo do tempo, conforme destacam Souza e Japiassú (2018, p. 561):

Ademais, o CP/40 adotou um sistema progressivo, que se destina a estimular o bom comportamento do preso, mantendo a disciplina e a ordem nas prisões (art. 33, § 2º, CP). Sendo assim, para o sexo masculino, há três regimes principais: fechado, semiaberto e aberto (arts. 34, 35 e 36, do CP). Ao lado destes, podem ser apontadas, da análise conjunta do CP/40 com a Lei de Execução Penal, outras formas de cumprimento de pena: regime especial para as mulheres (art. 37, do CP), regime aberto domiciliar (art. 117, da LEP) e regime disciplinar diferenciado (art. 52, da LEP), os dois últimos válidos, em tese, para homens ou mulheres.

É essa a disposição do artigo 33, § 2º, do CP/40, que dispõe sobre as penas privativas de liberdade deverem ser executadas de forma progressiva, de acordo com o mérito pessoal do condenado (BRASIL, 1940).

De igual modo, faz-se também possível a regressão, na hipótese de cometimento de falta grave pelo condenado, vide o previsto pelo artigo 50 da LEP:

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: I - incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; II - fugir; III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; IV - provocar acidente de trabalho; V - descumprir, no regime aberto, as condições impostas; VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei. VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo (BRASIL, 1984).

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Não obstante, também inclusa às penas privativas de liberdade situa-se a pena de prisão simples, definida por Masson (2017, p. 643):

A pena de prisão simples, cabível unicamente para as contravenções penais, deve ser cumprida, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semiaberto ou aberto. O condenado à prisão simples fica sempre separado dos condenados à pena de reclusão ou de detenção (LCP, art. 6º, caput e § 1º).

Na prisão simples, voltada para as contravenções penais e, logo, de menor potencial ofensivo, não incide o regime fechado em nenhum momento.

Portanto, são essas as penas privativas de liberdade previstas pelo ordenamento jurídico brasileiro, a de reclusão, destinada aos crimes considerados (abstratamente) mais graves, as de detenção aos crimes menos graves, e a de prisão simples às contravenções penais.

3. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS ÀS PENAS

A pena é o castigo administrado pelo Estado e normatizado pelo CP/40 penal, com a finalidade de corrigir o indivíduo para que este não volte a delinquir, proteger a sociedade, assegurando a paz, bem como intimidar aqueles que tenham a intenção de comer crimes.

Marcão (2014, p. 40) salienta que após “observados os limites jurídicos e constitucionais da pena e da medida de segurança, todos os direitos não atingidos pela sentença criminal permanecem a salvo”.

Nesse sentido, fundamental se faz conhecer os princípios aplicáveis às penas. São eles, a saber: o princípio da legalidade, da pessoalidade, da proporcionalidade, da individualização da pena e da humanidade.

O princípio da legalidade está previsto no artigo 5º, inciso XXXIX da CRFB/1988 e no artigo 1º do CP/40. Com a seguinte prescrição: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988).

Segundo Nucci (2010) esse princípio estabelece que normas penais somente podem ser criadas através de leis em sentido estrito, advindas do Poder Legislativo, seguindo o que determina a Constituição Federal.

O princípio da legalidade é também sinônimo do princípio da reserva legal, o qual prevê que se o fato não for previamente tipificado pelo CP/40, não há que se falar em crime (NUCCI, 2010).

Deste modo, Mirabete (2011) ressalta ser proibido que se faça analogia para aplicar a pena a um fato similar a outro, porém não previsto em lei.

Outro princípio aplicável à pena é o princípio da pessoalidade. Previsto no artigo 5º, inciso XLV da CRFB /1988, traz a prescrição que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (BRASIL, 1988).

Significa que a punição, em matéria de penal, não deve ultrapassar a pessoa do delinquente. Trata-se de outra conquista do direito penal moderno, impedindo que terceiros inocentes e totalmente alheios ao crime possam pagar pelo que não fizeram, nem contribuíram para que fosse realizado (NUCCI, 2010, p.79).

Princípio também que relaciona-se à aplicação da pena é o princípio da proporcionalidade. Mirabete (2010) ressalta que o princípio da proporcionalidade, deve observar o valor do delito cometido pelo indivíduo e a pena a ele aplicada, ou seja: “Significa que as penas devem ser harmônicas com a gravidade da infração penal cometida, não tendo cabimento o exagero, nem tampouco a extrema liberalidade na cominação das penas nos tipos penais incriminadores” (NUCCI, 2009, p.83).

Outro princípio que norteia a aplicação da pena é o princípio da individualização da pena. Previsto no artigo 5º, inciso XLVI da CRFB /1988.

De acordo com Nucci (2010), a pena não deve seguir um padrão; a pena imposta ao agente deve ter a mesma medida do delito cometido por este. Correto é fundar a pena individualmente, de acordo com legislação vigente:

Não teria sentido igualar os desiguais, sabendo-se por certo, que a prática de idêntica figura não é suficiente para nivelar dois seres humanos. Assim, o justo é fixar a pena de maneira individualizada, seguindo-se os parâmetros legais, mas estabelecendo a cada um o que lhe é devido (NUCCI, 2009, p. 72).

Outro princípio decorrente da pena é o princípio da humanidade. Está inserido no artigo 5º, inciso XLVII e XLIX da CRFB /1988. Este princípio: “Significa que o direito penal deve pautar-se pela benevolência, garantindo o bem-estar da coletividade, incluindo-se o dos condenados” (NUCCI, 2009, p. 80).

Nesta perspectiva, Bitencourt (2011, p. 47) salienta que:

Este princípio sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanção que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados. A proscrição de penas cruéis e infamantes, a proibição de tortura e maus-tratos nos interrogatórios policiais e a obrigação imposta ao Estado de dotar sua infraestrutura carcerária de meios e recursos que impeçam a degradação e a dessocialização dos condenados são corolários do princípio da humanidade.

Mirabete (2010, p. 41) ressalta que:

Por força do princípio da humanidade, na execução das sanções penais deve existir uma responsabilidade social com relação ao sentenciado, em um livre disposição de ajuda e assistência sociais direcionadas à exigência recuperação do condenado.

Bitencourt (2011) ressalta, que é essencial que os direitos fundamentais de todo indivíduo sejam respeitados, pois estes são intocáveis, não os deixando a disposição do Estado, que devem, no entanto respeitá-los e garanti-los ao aplicar as penalidades.

4. REFERÊNCIAS:

BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRUNO, Anibal. Direito Penal. São Paulo: Forense, 1967.

DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

DOTTI, René Ariel. Direito Penal: Curso completo. 2. ed.. São Paulo: Saraiva, 2008.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 41. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. 14. ed. Rio de Janeiro: 1993.

MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução penal. 11. ed. São Paulo, Atlas, 2004.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 26. ed. São Paulo, Saraiva, 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

OLIVEIRA, Edmundo. Política criminal e alternativas à prisão. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

Sobre o autor
Sam H. S. Quadros

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros. Especializando em Direito Previdenciário pela Escola Brasileira de Direito — EBRADI. Atuação com ênfase em causas previdenciárias, de cunho administrativo, junto ao INSS, ou contencioso, na Justiça. Atuação também em causas trabalhistas, bancárias e cíveis, notadamente de fundo contratual.

Informações sobre o texto

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