Limitações constitucionais ao poder de tributar na Jurisprudência dos Tribunais

A imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, D da Constituição Federal e a sua extensividade para os card’s games

Leia nesta página:

A imunidade que se refere o art. 150, VI, ‘d’, da Constituição Federal abrange toda e qualquer espécie de livro em suporte de qualquer natureza, incluindo nesta gama os CARDS GAMES, haja vista que o princípio constitucional é a fomentação da cultura.

SINOPSE

Este artigo busca explicar a “Limitação do Poder de Tributar” insculpido no Artigo 150, VI, d, da própria Constituição Federal na busca de evitar a diferença existentes nas diversas camadas da sociedade quando buscam a equiparação através do Poder Judiciário dos denominados “cards games” aos livros, jornais, periódicos e afins como um meio de atingir a menor complexidade subjetiva desse ente Constitucional, isto é, o não respeito as limitações ao poder de tributar é uma forma de desrespeitar a dignidade da pessoa humana. São apresentados conceitos históricos, filosóficos e linguísticos envolvendo o conceito de livros; bem como traçado o contexto evolutivo e lógico que originou o processo judicial, um rito de atos organizados, sucessivos e previamente estipulados que visam uma decisão justa dentro de uma sociedade pluralista na busca incessante da “Dignidade da Pessoa Humana”. É analisado o processo judicial como instrumento em si, independentemente do contexto social, normativo ou fático em que ele está submetido, verificando-se, ao final, qual a relevância e utilidade de referido preceito na pacificação social.

PALAVRAS-CHAVE

Direito Tributário. Imunidade. Livros. Card’s Games.

ABSTRACT

This article seeks to explain the "Limitation of the Power to Tax" inscribed in Article 150, VI, d, of the Federal Constitution itself in the search to avoid the difference existing in the various layers of society when they seek to equate, through the Judiciary Power, that products called “cards games”, same as books, periodicals and the like as a means of achieving the lowest subjective complexity of this Constitutional text, that is, non-submission to the limitations to the power to tax is a way of disrespecting the dignity of the human person.  Historical, philosophical and linguistic concepts involving the concept of books are presented;  as well as tracing the evolutionary and logical context that originated the judicial process, a rite of organized, successive and previously stipulated acts aimed at a just decision within a pluralistic society in the incessant search for the "Dignity of the Human Person."  The judicial process is analyzed as an instrument, independently of the social, normative or factual context in which it is submitted, and, finally, the relevance and usefulness of said precept in the social pacification.

KEY – WORDS

TAX LAW. TAX IMMUNITY. BOOKS. CARD’S GAMES.

SUMÁRIO

1. DAS IMUNIDADES CONSTITUCIONAIS .........................................................................4

2. DA IMUNIDADE DA ALÍNEA “D”, DO INCISO VI, DO ARTIGO 150 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL...........................................................................................................................................5

3. OBJETIVO E ALCANCE DA IMUNIDADE SEGUNDO O CONSTITUINTE......................6

4. A CONSONÂNCIA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COM OUTROS DIREITOS CONSTITUCIONAIS...........................................................................................................................7

5. DO PRINCÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE....................................................................10

6. DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA.........................................................................................12

7. ANÁLISE DE CASO ESPECÍFICO: IMUNIDADE DOS CARDS/FIGURINHAS................13

7.1. Definição de cards/figurinhas como complemento de livros .....................................13

7.2. Cards: objeto de aprendizado ...................................................................................15

7.3. Da imunidade para os cards nacionais  ....................................................................15

7.4. Da acepção da palavra livro para a imunidade tributária  .........................................16

7.5. Das equiparações ao livro .........................................................................................17

7.6. Do sistema harmonizado (NESH)..............................................................................18

7.7. Dos precedentes do STF sobre imunidade dos cards......................................................19

BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................................21

1. DAS IMUNIDADES CONSTITUCIONAIS

A Imunidade é um obstáculo à tributação expressa na própria Constituição. Assim sendo, o que é imune, conforme hipóteses definidas pelo poder constituinte originário, jamais poderá ser tributado.

Portanto, trata-se de uma limitação à competência tributária das pessoas políticas. Assim, a Constituição Federal determina uma série de imunidades. Então, em que pese haver o tributo sido instituído por lei etc., se configurado algum caso de imunidade constitucional, não haverá incidência. Sua natureza é dúplice, portanto. É ao mesmo tempo um óbice constitucional à tributação e um direito subjetivo de certas pessoas beneficiárias do instituto.

Leciona nesse sentido Regina Helena Costa, que com a costumeira precisão, define a imunidade tributária como: a exoneração, fixada constitucionalmente, traduzida em norma expressa impeditiva da atribuição de competência tributária ou extraível, necessariamente, de um ou mais princípios constitucionais, que confere direito público subjetivo a certas pessoas, nos termos por ela delimitados, de não se sujeitarem à tributação.

É claro que imunidade difere da isenção. Isto porque, imunidade é a não tributação constitucionalmente qualificada, isto é, prevista na própria Constituição. Contudo, a isenção é uma vedação da tributação, mas legalmente qualificada, ou seja, prevista em lei, que evidentemente é norma de hierarquia inferior à Constituição. Desta forma, a isenção pode ser extinta, desde que por lei de mesma hierarquia daquela que a criou, o que não ocorre relativamente à imunidade.

Nas mesmas lições do Douto Professor ROQUE CARRAZZA, aprendemos o seguinte:    

A imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações, IMPOSSIBILITANDO, dessa forma, a plenitude no alcance da dignidade da pessoa humana.

Sempre que a Constituição estabelece uma imunidade, está, em última análise, indicando a incompetência das pessoas políticas para legislarem acerca daquele fato determinado. Impõe-lhes, incontinenti, o dever de se absterem de tributar, sob pena de irremissível inconstitucionalidade.

Assim, temos por indisputável que desobedecer a uma regra de imunidade equivale a incidir em inconstitucionalidade. Nem a emenda constitucional pode anular ou restringir as situações de imunidade contempladas na Constituição.

Ora, se até o constituinte derivado e o legislador ordinário não podem ignorar as imunidades tributárias, por muito maior razão não poderá fazê-lo o aplicador das leis tributárias, interpretando-as, a seu talante, de modo a costeá-las.

Em suma, criar tributos, só a lei pode; violar imunidades tributárias, nem a lei pode. É que, no sistema constitucional tributário brasileiro, a materialidade das normas ordinárias instituidoras das regras-matrizes de incidência já se encontra qualificada no próprio Texto Supremo.

Pensamos ser oportuno frisar que a imunidade – ao contrário da isenção – não trata da fenomenologia da incidência, porquanto ocorre antes deste momento.

O que estamos querendo exprimir é que, em razão de sua incompetência tributária, as pessoas políticas não podem nem mesmo isentar o que já é imune. Quanto mais ignorar ou costear as situações de imunidade. Tampouco podem fazer com que, por intermédio de uma interpretação restritiva, restem atropelados os comandos constitucionais que tratam destes assuntos.

2. DA IMUNIDADE DA ALÍNEA “D”, DO INCISO VI, DO ARTIGO 150 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A Constituição Federal traz em seu escopo a impossibilidade de a União, Distrito Federal, Estados e Municípios instituir impostos, conforme abaixo:

Artigo 150 – Sem Prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI – Instituir impostos sobre:

Livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.”

O Código Tributário Nacional traz o mesmo sentido da norma constitucional, vejamos:

Artigo 9º. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

IV – cobrar imposto sobre:

d – papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros.”

Desta forma, como já discutido anteriormente, a competência tributária é a faculdade conferida às pessoas políticas de criarem, in abstracto, tributos. Por sua vez A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA É UM FENÔMENO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL, segundo lição do professor Roque Antonio Carrazza.[1]

3. OBJETIVO E ALCANCE DA IMUNIDADE SEGUNDO O CONSTITUINTE

De acordo com as lições do saudoso jurista Aliomar Baleeiro “A Constituição alveja duplo objetivo ao estatuir essa imunidade: amparar e estimular a cultura através dos livros, periódicos e jornais; garantir a liberdade de manifestação do pensamento, o direito de crítica e a propaganda partidária. Em ambos os aspectos do objetivo se refletem os mesmos princípios dos arts. 153, §§ 8º e 36; 176, 179, 180 e outros do Estatuto Supremo.”[2]

Observa-se que o legislador constituinte se preocupou com a elevação do preço dos livros, caso aplicado os impostos, quaisquer que sejam eles, podendo favorecer possíveis monopólios ao setor produtivo, isto porque, seria de total incompatibilidade a democratização dos livros e publicações no sentido de favorecimento a educação, informação e cultura de um lado, e os interesses econômicos dos industriais, por outro.

Contudo, é evidente que a imunidade em questão é objetiva, no sentido que atinge diretamente o bem material, papel de impressão, livro, periódico ou jornal, não aproveitando ao Imposto de Renda ou Imposto sobre Serviços sobre os que fabricam, vendem ou agenciam esses produtos. Assim, na prática, a imunidade aplica-se aos impostos incidentes sobre as importações, a produção industrial, e a circulação de mercadorias (II, IPI, ICMS). Nesse sentido dispõe o artigo 145, § 1º, da Constituição Federal, ao tratar do fenômeno da personalização de impostos.

Evidente, portanto, que o constituinte primou beneficiar o consumidor, aquele que sofrerá diretamente a transferência do encargo financeiro dos impostos incidentes sobre o produto e a comercialização do papel, do livro, dos jornais e periódicos.

Quanto aos Impostos sobre serviços, de competência dos municípios, prevalece na jurisprudência, em tese dominante do STF, o entendimento de que a publicidade paga, veiculada em periódicos, livros, e jornais está acobertada pela imunidade, visando, é evidente, a redução de custos de produção desses produtos que seriam refletidos no preço final dos mesmos.[3]

4. A CONSONÂNCIA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COM OUTROS DIREITOS CONSTITUCIONAIS

Assim, também deve-se mencionar que, especificamente, em relação à imunidade sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão, descrito no art. 150, inciso VI, “d”, da Constituição Federal, busca-se uma FORMA DE VIABILIZAÇÃO DE OUTROS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS expressos em seu art. 5º, como:

- a livre manifestação do pensamento, a livre manifestação da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença (incisos IV e IX).

E ainda, em outros direitos conferidos também pela Carta Constituinte, “in verbis”:

- art. 206, II (a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber);

- art. 220, §§ 1º e 6º (a proibição da criação de embaraço, por lei, à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social e inexistência de licença de autoridade para a publicação de veículo impresso de comunicação), dentre outros.

Nesse sentido manifesta-se a ilustre jurista MISABEL ABREU MACHADO DERZI[4]:

É QUE A IMUNIDADE TEM COMO META A REDUÇÃO DO CUSTO DO PRODUTO, FAVORECENDO A VEICULAÇÃO DE INFORMAÇÕES, DO ENSINO, DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA. Por isso está destinada, em primeiro lugar, a beneficiar o consumidor que sofrerá, finalmente, pelos mecanismos de preços, a transferência do encargo financeiro dos impostos incidentes sobre a produção e a comercialização do papel, do livro, dos jornais e periódicos.”

Seguindo a linha de raciocínio lógico das premissas anteriormente colocadas, é oportuno trazer à colação entendimento do ilustre professor Roque Antonio Carrazza[5], vejamos:

“As inibições de competência tributária plasmadas pela Constituição não podem ser neutralizadas nem pela lei, nem muito menos, PELO APLICADOR DA LEI.”.

No mesmo sentido leciona os doutrinadores Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto[6], “in verbis”:

“Em resumo, a imunidade a que se refere o art. 150, VI, ‘d’, ABRANGE TODA E QUALQUER ESPÉCIE DE LIVRO, em suporte de qualquer natureza (impressão, CD ROM, disquete, etc.), inclusive os jornais e outros programas informativos em televisão ou em rádio...Deveras, se prevalecer o entendimento de que só o livro tradicional, só o jornal em papel são alvo da imunidade, TER-SE-Á DISCRIMINADO FLAGRANTEMENTE O ANALFABETO que, como visto, só pode informar-se ouvindo e vendo, JÁ QUE NÃO SABE LER. O correto sentido dos preceitos imunitórios só pode ser obtido mediante exegese que vá ao encontro dos valores prestigiados pela Constituição: INFORMAÇÃO, EDUCAÇÃO, CULTURA, DESENVOLVIMENTO DA PESSOA, LIBERDADE E OPORTUNIDADE PARA APRENDER.”

Diante do exposto podemos trazer a reflexão a seguinte questão:  Será que as indústrias gráficas, apesar da imunidade ampla e irrestrita assegurada pela Carta de 1988, estão à sombra de um paradoxal abrigo constitucional, que assegura proteger sem proteger, que restringe sendo amplo?

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Para referido questionamento podemos trazer a baila um dos mais importantes precedentes da Suprema Corte, posto ser o entendimento inovador desde aquela época, mesmo que anterior a Constituição Federal de 1988, conforme RE n. 102.141-RJ, 1985, Ministro Carlos Madeira, 2º. Turma:

“EMENTA: Imunidade Tributária. Livro. Constituição, artigo 19, III, alínea “d”. Em se tratando de norma constitucional relativa às imunidades tributárias genéricas, admite-se a interpretação ampla, de modo a transparecerem os princípios e postulados nela consagrado. O livro, como objeto da imunidade tributária, não é apenas o produto acabado, mas o conjunto de serviços que o realiza, desde a redação, até a revisão de obra, sem restrição dos valores que o formam e que a Constituição protege.”

Nesse sentido leciona o professor Hugo de Brito Machado:

“A imunidade do livro, jornal ou periódico, e do papel destinado à sua impressão, há de ser entendida em sentido finalístico. E o objetivo da imunidade poderia ser frustrado se o legislador pudesse tributar qualquer dos meios indispensáveis à produção dos objetos imunes. Assim, a imunidade, para ser efetiva, abrange todo material necessário à confecção do livro, do jornal ou do periódico.

Não apenas a exemplo deste ou daquele, materialmente considerado, mas o conjunto. Por isso nenhum imposto pode incidir sobre qualquer insumo, ou mesmo sobre qualquer dos instrumentos, ou equipamentos, que sejam destinados exclusivamente à produção desses objetos.”[7].

Nesse sentido, também acrescenta o ilustre professor Roque Carrazza[8]:

“A nosso ver, no entanto, devem ser equiparados ao livro, para fins de imunidade, os veículos de idéias, que hoje lhe fazem as vezes (livros eletrônicos) ou, até, o substituem. Tal é o caso – desde que didáticos ou científicos – dos discos, dos disquetes de computador, dos CD Roms, dos slides, dos videocassetes, dos filmes e etc. Segundo estamos convencidos, a palavra livros está empregada no Texto Constitucional NÃO no sentido restrito de conjunto de folhas de papel impressas, encadernadas e com capa, MAS SIM, NO DE VEÍCULOS DO PENSAMENTO, ISTO É, DE MEIOS DE DIFUSÃO DA CULTURA... Tem razão Hugo de Brito Machado quando observa que “a imunidade do livro, jornal ou periódico, e do papel destinado a sua impressão, HÁ DE SER ENTENDIDA EM SEU SENTIDO FINALÍSTICO, QUAL SEJA, GARANTIR A DIFUSÃO DAS IDÉIAS. Deveras, livro, na acepção do art.150, VI, ‘d’, da CF, é o veículo de transmissão do pensamento, pouco importando o processo tecnológico que a realiza (impressão gráfica em papel, impressão magnética em disquete de computador, gravação em fita de vídeo etc.). Portanto, É O FIM A QUE SE DESTINA O LIVRO – E, NÃO A SUA FORMA – QUE O TORNA IMUNE A IMPOSTOS. Do contrário, para aplicarmos corretamente esta alínea ‘d’, teríamos que esmiuçar o que é realmente um livro, isto é, quando podemos dizer que temos diante de nós um verdadeiro livro....Basta que consideremos LIVRO, O VEÍCULO, ISTO É, O MEIO DE DIFUSÃO DO PENSAMENTO E DA CULTURA. Pouco importa se ele tem cinquenta, cem ou quinhentas páginas; se está impresso em Braille ou em tipos convencionais; se tem forma usual de livro, ou se se apresenta sob a forma de disquete ou CD-Rom; SE PROPICIA ENTRETENIMENTOS ADICIONAIS AOS QUE DELE SE APROXIMAM; etc. Distinções neste campo, com serem inúteis, amesquinhariam a imunidade consagrada no art. 150, VI. ‘d’, da CF..... Deve, em suma, buscar o ‘espírito da lei’, atendendo, inclusive, à celebérrima advertência de São Paulo, na Epístola II aos Coríntios, 3, 6: ‘littera enim occidit, spiritus autem vivificat’(‘a letra mata; o espírito vivifica’).... Fazemos questão de deixar consignado que, absolutamente, não estamos reescrevendo a constituição, nem a estamos adaptando conforme nossas convicções. estamos, sim, segundo pesamos, revelando seu significado, conteúdo e real alcance. Estamos, em síntese, desvendando a intentio constitutionis. Sim, porque o dispositivo em apreço colima, acima de tudo, favorecer a cultura e a livre difusão do pensamento.”

5. DO PRINCÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE

É unanime entre os juristas que o princípio da legalidade é, certamente, o principal limite constitucional ao poder de tributar. Trata-se de um direito individual insculpido no art. 5º, II, da CF e, no campo da tributação, está estabelecido no art. 150, I, da Constituição Federal. Isto porque é vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que assim determine.

Com efeito, esse princípio é aplicável a todas as pessoas políticas, ou seja, União Federal, Estados, Distrito Federal e Municípios. Não é admissível, portanto, a criação ou mesmo a majoração de qualquer tributo através de uma norma administrativa, como por exemplo, uma portaria ou instrução normativa.

Ressalta-se também que há grande controvérsia em relação a possibilidade ou não de tributação através da edição de medidas provisórias (CF, art. 62), havendo posicionamento nos dois de sentidos. Todavia, não se pode esquecer que o art. 150, I, da CF, somente utiliza a expressão "lei", não fazendo qualquer menção à medida provisória. Contudo, por tratar-se de direito individual, sua interpretação deve ser restritiva e técnica, preservando o contribuinte. E, já foi decidido no Supremo Tribunal Federal que:

“[...] O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceito estabelecido com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos, quer, no caso do Direito, pela atuação dos Pretórios [...].

(Plenário, recurso extraordinário nº 166.772-9-RS, j. 12.05.1994, DJU 16.12. 1994, Relator Ministro Marco Aurélio).

Nesse sentido, pode-se concordar com Misabel Abreu Machado Derzi, ao atualizar e anotar as Limitações constitucionais do poder de tributar, de Aliomar Baleeiro:

“Na Constituição Federal de 1988, as medidas provisórias são absolutamente incompatíveis com a regulação de matéria tributária, em especial, instituição e majoração de tributos. [...] Entretanto, a segurança jurídica, o princípio da anterioridade e da não surpresa são de tal forma reforçados no Direito Tributário, que o procedimento legislativo, desencadeado pelas Medidas Provisórias, é incompatível com a regulação de tributos.

Assim já o era o Decreto-Lei, em parte, nas Constituições de 1967/69. Mas como o art. 55 do Texto anterior, de forma literal e expressa, assentia na edição de normas tributárias por meio de decretos-lei, havia pelo menos um setor - dos empréstimos compulsórios, instituídos em caso de guerra, calamidade pública e absorção do poder aquisitivo - que era exceção à rigidez do regime constitucional tributário. A inexistência de consentimento expresso no art. 62 da Constituição Federal, para veiculação de norma tributárias por meio de Medidas Provisórias, longe de aumentar a discrição do Poder Executivo ou do Legislativo na questão, restringirá drasticamente, porque não abre brecha alguma no regime peculiar a que a Constituição submete os tributos.”

Não obstante, a questão foi determinada através da edição da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, que dentre vários outros dispositivos, expressamente previu a possibilidade de instituição ou majoração de tributo (impostos) através de medida provisória, ao alterar a redação do art. 62 da Constituição Federal.

Assim sendo, nos termos do art. 62, §2º (após a EC 32): §2º - Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

Advirta-se, contudo, que o referido §2º fala apenas em "impostos". Pode-se concluir, por óbvio, que não é possível utilização das medidas provisórias para outras espécies de tributos (taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições, incluindo-se, à toda evidência, todas as suas modalidades). Concluindo, a única utilidade do referido §2º retro é permitir que impostos sejam majorados através de medida provisória.

6. DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Constata-se a grande preocupação da Carta Constituinte com a questão da isonomia ou igualdade. Percebe-se que o art. 5º, no seu caput, está preceituado que todos são iguais perante a lei, sendo vedadas distinções de qualquer natureza.

Quanto a tributação, esse princípio encontra-se insculpido no art.150, II, ao se determinar ser vedado às pessoas políticas: "Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos".

Segundo Celso Ribeiro Bastos: “O conteúdo do princípio isonômico reside precisamente nisto: na determinação do nível de abstratividade que deve ter o elemento diacrítico, para que ele atinja as finalidades a que a lei se pré-ordena. É que o princípio da isonomia pode ser lesado tanto pelo fato de incluir na norma pessoas que nela não deveriam estar, como também pelo fato de não colher outras que deveriam sê-lo.”

Leciona Marco Aurélio Greco: “O denominado princípio da igualdade, na sua formulação clássica, consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade.”

Com efeito, pode-se afirmar que o princípio da igualdade, tem como núcleo típico a ideia de equilíbrio no tratamento das relações e situações. Ou seja, para que haja isonomia é necessário que o ordenamento assegure um regime equilibrado entre situações e posições distintas. Por isso, a busca primordial é evitar a existência de previsões discriminatórias injustificadas.

Constata-se que o princípio da isonomia no campo da tributação vem sendo também identificado com a capacidade contributiva, que em linhas gerais foi exposto acima. Nesse caminho, quem ganha mais deve pagar mais, notadamente por meio de um sistema de alíquotas progressivas.

Segundo ensina Hugo de Brito Machado: Seria verdadeiramente absurdo pretender-se que todos pagassem o mesmo tributo. Assim, no campo da tributação o princípio da isonomia parece confundir às vezes com o princípio da capacidade contributiva. É necessário que o legislador ao editar determinada lei (este é essencialmente uma regra dirigida ao legislador) verifique as condições factuais dos contribuintes que estarão subordinados ao tributo, não sendo possível tratá-los desigualmente se estiverem presentes as mesmas condições, não existindo elemento relevante que permita a diferenciação.

7. ANÁLISE DE CASO ESPECÍFICO: IMUNIDADE DOS CARDS/FIGURINHAS

7.1. Definição de cards/figurinhas como complemento de livros

Nas últimas décadas a venda de cards/figurinhas tornou-se muito comum no mercado editorial, em especial entre o público infanto-juvenil, alcançando nos últimos anos, inclusive, o público adulto, por todo o mundo.

Assim, para melhor exemplificar a análise das normas Imunizantes, em especial aquelas descritas na alínea “d”, inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal, já exposto alhures, visando melhorar a compreensão do tema, se faz necessário trazer à baila o caso mais comum do dilema imunidade dos livros e afins, ou seja, do então denominados de cards/figurinhas.

Com efeito, para melhor didática utilizaremos o exemplo dos cards/figurinhas importados do título YU-GI-OH, usando-se sempre a expressão “cards YU-GI-OH”, embora haja diversos títulos, tais como: POKÉMON, MAGIC, etc.

Inicialmente, ressaltamos que os cards YU-GI-OH, conhecidos mundialmente pelos leitores em geral, e ainda, há uma COMUNIDADE ESTABELECIDA NO PAÍS DE LEITORES, que colecionam estes cards, sendo também muito difundida em outros países.

Além dos CARDS YU-GI-OH embalados em pacotinhos, há também a comercialização dos mesmos em caixinhas (Deck’s - geralmente 50 cards), visando a colagem no livro ilustrado de mesmo título.

Os cards ou “estampas colecionáveis”, também conhecidos por cromos ou figurinhas, têm sido publicados e distribuídos no Brasil por diversas editoras do ramo desde o início dos anos 90. A idéia foi fazer do aprendizado algo mais leve e ameno, e, nada melhor que aprender brincando, evitando o velho método de aprendizagem, qual seja, aquele “pesado”, etc.

São encontradas em bancas de jornal e lojas especializadas. Entre as centenas de coleções publicadas destacam-se várias em que, além da ilustração, trazem textos extraídos de obras literárias e instruções que são utilizadas pelos colecionadores em jogos e brincadeiras que despertam o raciocínio e a criatividade dos colecionadores.

Os títulos mais antigos nesta área de cards foi publicada em fevereiro 1995. Dentre as coleções já publicadas, pode-se citar: O Senhor dos Anéis, Malhação, Harry Potter, Estrelas do Brasileirão – 2003, Velozes e Furiosos, Pokemon, Hot Wheels, Fifa 2006, Super Heróis Marvel, Spellfire, Magic. Pela tradição, estes cards já são um produto editorial consolidado e reconhecido em todo o país, bem como no mundo.

As características básicas dos CARDS YU-GI-OH são:

- Renovam-se em coleções periódicas (aventuras diversas);

- Contém ilustrações com personagens de ficção;

- Ilustram e acompanham livros e álbuns;

- Encontradas em pacotes com distribuição aleatória;

- Numeradas e colecionáveis.

É oportuno ressaltar que os cards YU-GI-OH, e seus similares, são complementos de Álbuns de figurinhas para colagem, portanto, são acessórios/complementos do referido livro, bem como há uma obra literária que conta a história fictícia de todos os personagens mencionados nos cards.

O Livro ilustrado pode ser adquirido pelo leitor para que este possa iniciar sua coleção de cards, bem como aprender mais sobre os personagens do título YU-GI-OH.

Assim, além do valor cultural tradicional do setor, os CARDS YU-GI-OH e similares são estampas que contém trechos e ilustrações de obras literárias, incentivando na direção da leitura e do raciocínio. É neste sentido, portanto, um estágio muito mais avançado dentro do mercado de “figurinhas” tradicionais.

7.2. Cards: objeto de aprendizado

Com os cards o leitor poderá se tornar um colecionador, vivenciar os duelos, sendo que os cards trazem não só a figura do cenário, mas a figura das criaturas, e muitas vezes trazem citações do livro, ilustrando personagens e situações da obra.

Desta forma, com os cards o leitor estará lendo novamente o livro, contudo, agora com as ilustrações e observações que acrescentam aquilo que o livro não conseguiu passar.

Pode ainda, dependendo da criatividade do leitor, simular a história, inventar novas histórias, ou mesmo recriar as batalhas do livro, o que certamente ajudará no desenvolvimento da imaginação, raciocínio e noções de perspectivas, objetivos estes buscados pelo constituinte quando da elaboração da norma constitucional imunizante descrita na alínea “d” do artigo 150, inciso VI.

Assim os cards fazem do aprendizado algo mais leve e ameno, e, nada melhor que aprender brincando, evitando o velho método de aprendizagem, qual seja, “pesado”, maçante, etc.

7.3. Da imunidade para os cards nacionais

No mercado nacional, há diversos cards/figurinhas de diversos títulos também, como exemplo as “FIGURINHAS MALHAÇÃO”, Editora Panini, que se relacionam à novela da Rede Globo denominada de MALHAÇÃO.

Referidos cards são comercializados com imunidade de impostos, sem nenhuma dificuldade de interpretação pelos órgãos fiscais federais e estaduais. Portanto, referidos “cards”, e similares nacionais, são vendidos e comercializados em todo o país, ratifica-se, ao abrigo da imunidade constitucional.

Há também outros títulos de CARDS nacionais confeccionados, tais como: FOOTSTAR, TURMA DA MÔNICA, LIGA DOS CAMPEÕES 2008/2009, etc.

Com efeito, a divergência de tratamento dado entre os cards importados e nacionais evidencia a flagrante violação ao princípio da isonomia conferido pela Carta Constituinte.

Nesse sentido leciona o ilustre professor Nelson Nery Junior[9]:

“...Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades. Igualdade no sentido de garantia constitucional fundamental quer significar isonomia real, substancial e não meramente formal.”

7.4. Da acepção da palavra livro para a imunidade tributária

É sabido que a acepção corriqueira da palavra ‘livro’ consiste em um objeto elaborado com papel, que contém, em várias páginas encadernadas, informações, narrações, comentários, etc., portanto, de fácil compreensão, registrada por qualquer dicionário.

Contudo, é certo que o Constituinte ao conferir a benesse fiscal da imunidade aos livros, certamente, quis ir muito além dessa definição, como já explanado alhures.

Desta forma, se a palavra livros está empregada no Texto Constitucional não no sentido restrito de conjunto de folhas de papel impressas, encadernadas e com capa, MAS SIM, NO DE VEÍCULOS DO PENSAMENTO, ISTO É, DE MEIOS DE DIFUSÃO DA EDUCAÇÃO, INFORMAÇÃO E CULTURA...

Deveras, livro, na acepção do art.150, VI, ‘d’, da CF, é o veículo de transmissão do pensamento, pouco importando o processo tecnológico que a realiza (impressão gráfica em papel, impressão magnética em disquete de computador, gravação em fita de vídeo etc.).

Portanto, É O FIM A QUE SE DESTINA O LIVRO – E, NÃO A SUA FORMA – QUE O TORNA IMUNE A IMPOSTOS. Do contrário, para aplicarmos corretamente esta alínea ‘d’, teríamos que esmiuçar o que é realmente um livro, isto é, quando podemos dizer que temos diante de nós um verdadeiro livro...o que, por evidente não se faz necessário.

Deve, em suma, buscar o ‘espírito da lei’, atendendo, inclusive, à celebérrima advertência de São Paulo, na Epístola II aos Coríntios, versículos 3-6: ‘littera enim occidit, spiritus autem vivificat’(‘a letra mata; o espírito vivifica’), conforme mencionada pelo professor Roque Carrazza em nota alhures.

E ainda, reiterando o mesmo autor, FAZEMOS QUESTÃO DE DEIXAR CONSIGNADO QUE ABSOLUTAMENTE NÃO ESTAMOS REESCREVENDO A CONSTITUIÇÃO, NEM A ESTAMOS ADAPTANDO CONFORME NOSSAS CONVICÇÕES. ESTAMOS, SIM, SEGUNDO PESAMOS, REVELANDO SEU SIGNIFICADO, CONTEÚDO E REAL ALCANCE. Estamos, em síntese, desvendando a intentio constitutionis.

Sim, porque o dispositivo em apreço colima, acima de tudo, favorecer a cultura e a livre difusão do pensamento.

7.5. Das equiparações ao livro

É sabido que a Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003, institui a Política Nacional do Livro, assim, em seu Capítulo II, dispõe:

Art. 2º Considera-se livro, para efeitos desta Lei, a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento.

Parágrafo único. São equiparados a livro:

I - fascículos, publicações de qualquer natureza que representem parte de livro;

II - MATERIAIS AVULSOS RELACIONADOS COM O LIVRO, IMPRESSOS EM PAPEL OU EM MATERIAL SIMILAR;

III - roteiros de leitura para controle e estudo de literatura ou de obras didáticas;

IV - álbuns para colorir, pintar, recortar ou armar;

V - atlas geográficos, históricos, anatômicos, mapas e cartogramas;

VI - textos derivados de livro ou originais, produzidos por editores, mediante contrato de edição celebrado com o autor, com a utilização de qualquer suporte;

VII - livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual.”

Desta forma, independentemente da forma como é apresentado o livro, este tem por finalidade primordial a difusão da cultura e transmissão do conhecimento técnico, científico, social ou artístico.

Ora, os cromos, “cards”, impressos ilustrados ou figurinhas desde que inseridos no contexto legal da definição de livros, estimulando o leitor a leitura e ao aprendizado nada mais são que LIVROS OU PARTE DE LIVROS, conforme definição da legislação acima referida.

Ora, para a marca de cards importado há um livro do mesmo título, ou seja, livro de Contos Mágicos, cujas histórias se extraem ilustrações e trechos literários dispostos nos cards, sendo que mesmo assim estes são considerados CARTAS DE JOGAR pela Órgão Fiscalizador, o que é TOTALMENTE INEXPLICÁVEL, ABSURDO!!!

Não obstante, é importante elucidar ainda que além da Lei acima mencionada que trata dos livros e equiparados a este, a legislação aduaneira da mesma forma, traz os equiparados a livros, conforme a seguir.

7.6. Do sistema harmonizado (NESH)

A posição fiscal da TEC (Tabela Externa Comum) sob o nº 4901/85, tem como cabeçalho:

“Livros, brochuras e impressos semelhantes, mesmo em folhas soltas”.

Com efeito, ao analisar o Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias (NESH), promulgado pelo Decreto nº 97.409/1988, constata-se que o mesmo apresenta, sob forma sistemática, as mercadorias que são objeto do comércio internacional.

De acordo com o disposto no artigo 1º, alínea “a” do referido ato legal, entende-se por Sistema Harmonizado, a Nomenclatura compreendendo as posições e subposições e respectivos códigos numéricos.

Assim, para a devida classificação fiscal, tem-se que analisar as Notas de Seção e de Capítulo, bem como as Regras Gerais para a correta interpretação do Sistema Harmonizado, desta forma, o Decreto nº 435/1992 aprovou as Notas Explicativas (NESH), daí extrai-se a correta classificação fiscal.

Não obstante, destaca-se as Notas explicativas da posição 4901, item “C-4”, dispõe:

“4) As coleções de estampas ilustradas, mesmo em folhas soltas, desde que estas coleções constituam o complemento de um livro brochado, cartonado ou encadernado.”

Em breve síntese nota-se que os impressos ilustrados, figurinhas ou “cards”, objeto em análise, encaixam-se perfeitamente nesta nomenclatura, pois como podemos notar as figurinhas importadas, são COLECIONÁVEIS, embaladas de forma ALEATÓRIA, passíveis de serem afixadas em álbuns e contém trechos de OBRAS LITERÁRIAS.

Por outro lado, ao analisarmos a posição 9504, na qual se baseia os órgãos fiscalizadores que entendem se tratar de “jogo de cartas” e não “livros e partes de livros”, temos em Notas Explicativas (NESH) no item 11 que:

“Os baralhos (jogos de cartas) de todos os tipos (para bridge, tarô, lexicom, etc.).”

Desta forma, tanto a classificação fiscal, como a descrição dos cards como livros, encontra-se em consonância com o disposto na legislação aduaneira vigente, desprezada pelos órgãos fiscalizadores.

7.7. Dos precedentes do STF sobre imunidade dos cards

Em data de 25/05/2004, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao Recurso Extraordinário, RE 221239, interposto pela Editora Globo contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que afastou a imunidade tributária para publicações, consagrada no art. 150, inciso VI, alínea “d” da Constituição Federal.

Consta que o TJ/SP entendeu que o álbum de figurinhas da novela da Rede Globo intitulada “Que Rei Sou Eu” não serviria de mecanismos de divulgação cultural ou educativa, ou seja, destituídas do propósito cultural ou educacional, mas apenas de veículo de propaganda, dotadas de finalidade mercantil, o que afastaria a imunidade constitucional.

A relatora do referido acórdão, ministra Ellen Gracie, afirmou em seu voto que a imunidade tributária sobre livros tem por finalidade evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, consagrada no inciso IX, do artigo 5º, da Constituição Federal, além de facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação, com a redução do preço final.

A Ilustre Ministra ressaltou ainda que nossa Carta Magna não faz ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação.

E ainda, completou a ministra que o fato de figuras, fotos ou gravuras de uma determinada publicação serem vendidas separadamente em envelopes lacrados não descaracteriza a benesse consagrada na Constituição.

No referido acórdão, verifica-se que para a Ministra, o álbum de figurinhas é uma maneira de estimular o público infantil a se familiarizar com meios de comunicação impressos, atendendo a finalidade da imunidade constitucional. Assim, a ministra deu provimento ao Recurso Extraordinário, para manter a IMUNIDADE DAS FIGURINHAS e do álbum, sendo acompanhada pelos demais ministros, portanto, a decisão foi unânime.

A ministra foi mais enfática ao relatar que NÃO CABE AO APLICADOR DA NORMA CONSTITUCIONAL EM DEBATE AFASTAR ESTE BENEFÍCIO FISCAL, instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, POR FORÇA DE UM JUÍZO SUBJETIVO ACERCA DA QUALIDADE CULTURAL OU DO VALOR PEDAGÓGICO DE UMA PUBLICAÇÃO DESTINADA AO PÚBLICO INFANTO-JUVENIL”.

Ora, fica claro a intenção da Ministra, pois a mesma enfatizou que não cabe a Fazenda afastar a benesse constitucional por força de seu juízo subjetivo do que seja ou não de qualidade cultural. Vejamos a ementa do referido Recurso Extraordinário:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ART. 150, VI, "D" DA CF/88. "ÁLBUM DE FIGURINHAS". ADMISSIBILIDADE. 1. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação. 2. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. 3. NÃO CABE AO APLICADOR DA NORMA CONSTITUCIONAL EM TELA AFASTAR ESTE BENEFÍCIO FISCAL INSTITUÍDO PARA PROTEGER DIREITO TÃO IMPORTANTE AO EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA, POR FORÇA DE UM JUÍZO SUBJETIVO ACERCA DA QUALIDADE CULTURAL OU DO VALOR PEDAGÓGICO DE UMA PUBLICAÇÃO DESTINADA AO PÚBLICO INFANTO-JUVENIL. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido.”(Recurso Extraordinário 221239 – SP - 2ª Turma – Relatora Ministra Ellen Gracie. DOU 25/05/2004).

Após a publicação do RE 221239 acima, criando, portanto, um precedente na Corte Suprema, os demais julgados passaram a seguir referido entendimento, senão vejamos ementa do RE 179.893, proferido no ano de 2008:

“EMENTA. Álbum de figurinha. Imunidade tributária. art. 150, VI, "d", da Constituição Federal. Precedentes da Suprema Corte. 1. Os álbuns de figurinhas e os respectivos cromos adesivos estão alcançados pela imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, "d", da Constituição Federal. 2. Recurso extraordinário desprovido.” (RE 179893 – SP – Primeira Turma – Relator Ministro Menezes Direito – DOU: 15/04/2008.).

No mesmo sentido, a Segunda Turma, em abril de 2005, prolatou o julgado, cujo Relator foi o Ministro Carlos Velloso, Agr.Reg. no RE 339.124, “in verbis”:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA: C.F., art. 150, VI, d. I. - Papel destinado à fabricação de álbuns a serem completados por cromos adesivos considerados tecnicamente ilustrações para crianças: admissibilidade da imunidade tributária do art. 150, VI, d, C.F. II. - Precedentes do STF: RE 221.239/SP, Ministra Ellen Gracie, "DJ" de 06.8.2004. III. - R.E. improvido. Agravo não provido.” (Agr. Reg. No RE 339.124-RJ, 2ª Turma – Relator Ministro Carlos Velloso, DOU 19/04/2005.).

BIBLIOGRAFIA:

REFERÊNCIA:

- Carrazza, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 20º edição – Editora Malheiros, 2004.

- Costa, Regina Helena. Curso De Direito Tributário - Constituição e Código Tributário Nacional - 9ª Ed. 2019.

- Aliomar Baleeiro – Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar - 7º. Edição – Editora Forense – 2005.

- Precedente do Pleno: RE 87.049-1 – SP. (RE 111.228-SP, 2. Turma, RTJ 122-1127).

- Derzi, Misabel Abreu Machado e Aliomar Baleeiro. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar.

- Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar – 2ª Ed. – Editora Dialética.

- Costa Netto, José Carlos. Os direitos de autor e os que lhes são conexos na obra musical. Dissertação (Mestrado em Direito Civil). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 1985.

- BARRETO, Aires F. e Paulo Ayres Barreto, Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar – 2ª Edição – Editora Dialética.

- MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 8º. Edição, Malheiros Editores, SP, 1993. Constituição Federal Comentada, Editora Revista dos Tribunais, 2 ª Edição.


Notas

[1] Curso de Direito Constitucional Tributário, 20º edição – Editora Malheiros, p. 658, 2004.

[2] BALEEIRO, Aliomar – Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar – pag. 339 - 7º. Edição – Editora Forense – 2005.

[3] Precedente do Pleno: RE 87.049-1 – SP. (RE 111.228-SP, 2. Turma, RTJ 122-1127).

[4] DERZI, Misabel Abreu Machado e Aliomar Baleeiro. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar – nota – p. 342.

[5] Curso de Direito Constitucional Tributário – 20ª Ed., Editora Malheiros, pág. 664/665.

[6] Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar – 2ª Ed. – Editora Dialética – pág. 90.

[7] Curso de Direito Tributário, 8º. Edição, Malheiros Editores, SP, 1993, p. 196.

[8] Curso de Direito Constitucional Tributário – 20ª Ed., Editora Malheiros, pág. 716/717, 721/722, 725/726.

[9] Constituição Federal Comentada – Editora Revista dos Tribunais – 2ª edição – pág.175.

Sobre o autor
José Eduardo Silverino Caetano

Mestrando em Direito Constitucional Processual Tributário – PUC/SP Mestrado em Filosofia do Direito – UNIMES Universidade Metropolitana de Santos/SP Pós Graduação em Direito Internacional – University Of Pennsylvania/USA Pós Graduação em Direito Internacional Europeu – Universidade de Coimbra/Portugal Pós Graduação em Direito Tributário – IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários/SP Especialização em Direitos Urbanístico e o Meio Ambiente Urbano – Instituto de Filosofia e Teologia Paulo VI – Mogi das Cruzes/SP Especialização em Direito Tributário Internacional para o Mercosul – Universidade Austral – Buenos Aires/Argentina

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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