A Isenção de ICMS das Farmácias de Manipulação e das Operações Mistas à Luz da Lei Complementar nº 116/2003

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Aprenda a melhor maneira de obter a isenção de ICMS para farmácias de manipulação e de recuperar o que foi pago do tributo nos últimos 5 anos.

As farmácias de manipulação e outras empresas que realizam operações mistas, ou seja, que lidam com fabricação e/ou manipulação de mercadorias e prestação de serviços, estão sujeitas ao recolhimento de ICMS e de ISS ou de apenas um destes tributos?

Farmácias de Manipulação

Para o Superior Tribunal de Justiça-STJ, as farmácias de manipulação somente estão obrigadas ao recolhimento do tributo municipal do ISSQN - Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, também conhecido apenas como ISS.

O Supremo Tribunal Federal-STF ainda não se posicionou, em definitivo, sobre o assunto mas reconheceu que o tema é de grande relevância tanto para as farmácias de manipulação, como também para os consumidores, para o Direito em si e para a economia nacional.

Neste artigo, faremos uma breve análise sobre o sistema tributário aplicado sobre as farmácias de manipulação no passado e no presente, assim como sobre os fundamentos legais que embasavam cada um desses sistemas e, principalmente, sobre como as farmácias de manipulação e outras empresas que desenvolvem operações mistas, como, por exemplo, hospitais, gráficas e empresas de construção civil  podem se tornar isentas do recolhimento do ICMS e, ainda, recuperarem o que pagaram deste tributo estadual nos últimos 5 anos.

 

Conceitos básicos de ICMS e de ISSQN

O imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, popularmente conhecido como ICMS, é um tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, previsto no artigo 155, inciso II da Constituição Federal, cuja cobrança e regulamentação normativa é de responsabilidade de cada um dos Estados do nosso país.

Por sua vez, o ISSQN - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza  ou ISS - Imposto Sobre Serviços - é um imposto cuja competência é atribuída aos Municípios e ao Distrito Federal pelo artigo 156, inciso III da Constituição Federal, que incide sobre serviços prestados por pessoas físicas e jurídicas e que, atualmente é regulamentado pela Lei Complementar nº 116/2003 (até 31/07/03 era regido pelo Decreto-Lei nº 406/1968).

 

Critério da Preponderância do Serviço ou da Mercadoria  

No passado, as empresas com operações mistas eram obrigadas a recolher o ICMS, por força do que estava previsto no artigo 71 do Código Tributário Nacional de 1966 que prestigiava o chamado Critério da Preponderância do Serviço ou da  Mercadoria.

 


Art. 71. O imposto, de competência dos Municípios, sobre serviços de qualquer natureza tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço que não configure, por si só, fato gerador de imposto de competência da União ou dos Estados.

§ 1º Para efeitos deste artigo, considera-se serviço:

§ 2º As atividades a que se refere o parágrafo anterior, quando acompanhadas do fornecimento de mercadorias, serão consideradas de caráter misto para efeito de aplicação do disposto no § 3o do art. 53, salvo se a prestação do serviço constituir o seu objeto essencial e contribuir com mais de 75% (setenta e cinco por cento) da receita média mensal da atividade.


 

Assim, naquela época, a cobrança de ICMS sobre as empresas com operações mistas era realizada pelos Estados com base no critério da preponderância do serviço ou da mercadoria que estava previsto na redação original do artigo 71 do Código Tributário Nacional de 1966.

Porém, tal situação começou a se alterar a favor do contribuintes com operações mistas quando entrou em vigor a Constituição Federal de 1967 que, em seu artigo 25, inciso II, determinou aos Municípios a competência para regulamentação de tributos sobre serviços de qualquer natureza e, mais adiante, com o Decreto-Lei nº 406/68 que, ao entrar em vigor em 31 de dezembro de 1968, inaugurou a sistemática de tributação do ISS com base na listagem taxativa que é aplicada até hoje, conforme falaremos nos tópicos seguintes do presente estudo.

 

Decreto-Lei nº 406/1698 - Listagem Taxativa

O Decreto-Lei nº 406/1968 entrou em vigor em 31 de dezembro de 1968 e revogou o artigo 71 do Código Tributário Nacional de 1966. Com isso, o critério da preponderância do serviço ou da mercadoria deixou de ser aplicado pelo Fisco.

Em seu lugar, o Decreto-Lei nº 406/1968, em seu artigo 8º, deu origem a uma sistemática de tributação com base numa listagem taxativa. De acordo tal listagem, todos os serviços que nela estivessem previstos deveriam ser tributados apenas pelo ISS, isto é, sem a cobrança de ICMS, ainda que os serviços prestados estivessem relacionados ao fornecimento de mercadorias.

 


Art. 8º O imposto, de competência dos Municípios, sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviços
constantes da lista anexa.

§ 1º Os serviços incluídos na lista ficam sujeitos apenas ao imposto previsto neste artigo, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias. 

§ 2º O fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não especificados na lista fica sujeito ao Imposto sobre Circulação de Mercadoria.


 

Portanto, com a sistemática da listagem taxativa introduzida pelo artigo 8º do Decreto-Lei nº 406/1968, tanto as farmácias de manipulação como também qualquer outra empresa com operação mista tornaram-se isentas do recolhimento de ICMS, ficando sujeitas apenas ao pagamento de ISS, desde que os serviços por elas prestados estivessem indicados na listagem taxativa do referido decreto.

 

Sistema atual de tributação do ISS - Lei Complementar nº 116/2003

A regulamentação da cobrança do ISS foi alterada no dia 31 de julho de 2003, data em que entrou em vigor a Lei Complementar nº 106/03 que substituiu o Decreto-Lei nº 406/68 e que, até hoje, permanece em vigência (Para acessar a LC nº 116/03 no site do Planalto clique aqui).

A Lei Complementar nº 116/2003 manteve a listagem taxativa como critério de tributação do ISS, incorporando-a, praticamente, do Decreto-Lei nº 406/68, como se verifica da leitura do seu artigo 1º, caput, verbis:

 


Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. 


 

Além disso, no parágrafo 2º do mesmo artigo 1º a Lei Complementar nº 116/2003 estabeleceu que todos os serviços previstos em sua listagem taxativa estão isentos do recolhimento do ICMS, ressalvadas as exceções nela contidas.

 


§ 2º Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.  


 

Desta forma, com a manutenção da listagem taxativa como critério de tributação do ISS, pela LC nº 1161/03, mais uma vez ficou evidente que a cobrança de ICMS das farmácias de manipulação e das demais sociedades empresárias que desenvolvem operações mistas tornou-se um ato abusivo e ilegal por parte do ente estatal, e, por esta razão, passível de ser contestado pela via judicial.

 

Os serviços previstos na listagem taxativa da LC Nº 116/2003 

A listagem taxativa anexa à Lei Complementar nº 116/2003 apresenta uma relação extensa dos serviços que são isentos de ICMS e tributados apenas pelo ISS. Abaixo, relacionamos alguns dos serviços previstos na listagem taxativa:

 


4 – Serviços de saúde, assistência médica e congêneres.

4.01 – Medicina e biomedicina.

4.02 – Análises clínicas, patologia, eletricidade médica, radioterapia, quimioterapia, ultra-sonografia, ressonância magnética, radiologia, tomografia e congêneres.

4.03 – Hospitais, clínicas, laboratórios, sanatórios, manicômios, casas de saúde, prontos-socorros, ambulatórios e congêneres.

4.04 – Instrumentação cirúrgica.

4.05 – Acupuntura.

4.06 – Enfermagem, inclusive serviços auxiliares.

4.07 – Serviços farmacêuticos.

4.08 – Terapia ocupacional, fisioterapia e fonoaudiologia.

4.09 – Terapias de qualquer espécie destinadas ao tratamento físico, orgânico e mental.

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4.10 – Nutrição.

4.11 – Obstetrícia.

4.12 – Odontologia.


 

No caso das farmácias de manipulação, o serviço farmacêutico está previsto no item 4.07 da listagem taxativa. Mas como a lista de serviços é extensa recomendamos que cada contribuinte possa acessá-la de acordo com sua conveniência (Clique aqui e acesse a  Listagem Taxativa Anexa à LC Nº 116/2003).

 

O posicionamento do STJ e do STF

Com base no que está previsto no Decreto-Lei nº 406/1968 e na Lei Complementar nº 116/2003, o Superior Tribunal de Justiça - STJ, por diversas vezes, já firmou reafirmou seu entendimento de que as empresas que desenvolvem operações mercantis de natureza mista, ou seja, que compreendem a fabricação e/ou a manipulação de mercadorias e a prestação de serviços, como ocorre nos casos das farmácias de manipulação, hospitais, gráficas e de todos os outros serviços previstos na listagem taxativa da LC Nº 116/2003, somente estão sujeitas ao recolhimento do tributo municipal do ISS, uma vez que são isentas do pagamento de ICMS, com base no que está previsto no artigo 1º, parágrafo 2º da Lei Complementar nº 116/2003.

Vale destacar que o STJ editou as Súmulas nºs 156, 167 e 274 após ter reconhecido que a isenção de ICMS também é aplicada para hospitais, gráficas e empresas de construção civil, já que os serviços destes segmentos  estão previstos na listagem taxativa da LC Nº 116/2003.

Para o Superior Tribunal de Justiça, o recolhimento de ISS para os serviços previstos na listagem taxativa da Lei Complementar nº 116/2003 deve ser feito com base no preço total (sem abatimento de bens, independente do valor).

 


Súmula 156/STJ: A prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, esta sujeita, apenas, ao ISS.

Súmula 167/STJ: O fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil, preparado no trajeto até a obra em betoneiras acopladas a caminhões, é prestação de serviço, sujeitando-se apenas à incidência do ISS.

Súmula 274/STJ: O ISS incide sobre o valor dos serviços de assistência médica, incluindo-se neles as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares.


 

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal ainda não se posicionou, em definitivo, a respeito da matéria. Apesar disso, no ano de 2011, ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 605552, que foi apresentado pelo Estado do Rio Grande do Sul contra uma decisão do STJ  e que tem o Ministro Dias Toffoli como relator, o STF reconheceu que a questão envolvendo a isenção do recolhimento de ICMS para os serviços previstos na listagem taxativa anexa à LC Nº 116/2003 possui grande relevância não apenas para as partes envolvidas naquele processo, como também para os consumidores de forma geral e para a própria economia nacional.

Por esta razão, o ministro Dias Toffoli entendeu que a controvérsia deverá ser julgada pelo colegiado do Supremo Tribunal Federal (todos os ministros), a fim de que o posicionamento que venha a ser adotado por aquela Corte passe a valer para qualquer processo já em curso ou que, no futuro, venha a ser distribuído para discussão sobre a matéria (Não há previsão para julgamento do RE nº 605552).

Independente disso, acreditamos que o STF seguirá o mesmo posicionamento já adotado pelo STJ, reconhecendo, então, que os serviços elencados na listagem taxativa anexa da Lei Complementar nº 116/2003 somente devem recolher o tributo municipal do ISSQN ou ISS.

 

Como os contribuintes podem conseguir a isenção de ICMS e obter a recuperação do crédito tributário dos últimos 5 anos

As empresas que possuem operações mercantis de natureza mista, cujos serviços prestados estejam previstos na listagem taxativa anexa da Lei nº 116/2003 têm o direito de obter a isenção de recolhimento do ICMS, bem como de recuperarem o crédito tributário relativo ao pagamento de tal tributo nos últimos 5 anos, por meio da distribuição das ações judiciais cabíveis.

O entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, como também as Súmulas 156, 167 e 254 do próprio STJ e reconhecimento do Supremo Tribunal Federal sobre a repercussão geral que o assunto impõe, como destacado anteriormente, representam o forte fundamento jurídico que vem sendo utilizado nas inúmeras decisões judiciais espalhadas pelo país, muitas das quais em caráter liminar, que vem sendo proferidas em favor dos contribuintes sujeitos à tributação exclusiva do ISS, por força da Lei Complementar nº 116/2003.

A seguir, relacionamos algumas decisões judiciais proferidas em favor dos contribuintes sobre o assunto tratado no presente artigo:

 

Sobre o autor
Eduardo Hermes Barboza da Silva

Advogado, Pós-Graduado em Propriedade Intelectual pela PUC/RIO e sócio do escritório Hermes Advogados

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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